segunda-feira, 10 de maio de 2010

Guiné 63/74 - P6363: Estórias de Mansambo II (Torcato Mendonça, CART 2339) (18): Dia final

Publicamos hoje a 18.ª Estória de Mansambo, série do nosso camarada Torcato Mendonça*, ex-Alf Mil da CART 2339 (Mansambo, 1968/69).


ESTÓRIAS DE MANSAMBO II - 18

Dia Final


Guiné > Zona Leste > Sector L1 > Mansambo > CART 2339 (1968/69) > O obús  10,5 mostra a alma

  Guiné > Zona Leste > Sector L1 > Mansambo > CART 2339 (1968/69) > Coisas pesadas,  o obús 10,5 (cm) e o morteiro 81 (mm)







Há datas que nos ficam bem marcadas na memória.

O 15 de Maio de 69 é uma delas. Recordo-a como o dia final, sem qualquer dramatismo, pelo contrário, pois fazia parte do “jogo”. Foi, no entanto, a ocasião que talvez tenha pensado: é desta… recordemos então.

Manhã cedo, com o sol lançando preguiçosamente os seus primeiros raios, começa a azáfama normal da preparação de mais uma coluna entre Mansambo e Bambadinca. A rotina habitual, o roncar das viaturas, a vistoria às armas e outro material bélico, o juntar da papelada preparada na véspera.

Breve “formatura”, olhar rápido, de cada um pelo que lhe estava atribuído, palavras curtas:
-Pronto… está a andar!

Coluna em marcha apeada, picadores à frente com a tropa a seguir entre as viaturas. A picada, nossa velha conhecida, continuava a merecer toda a atenção, como se fosse a primeira vez.

Apeados até Samba Juli, já perto do destino. Suor poupa sangue, as rotinas devem provocar melhores automatismos e não facilidades. Mais devagar ou mais rápido, ao ritmo dos picadores a tentarem detectar minas ou, no sinal de alguém,  a sentir algo vindo da mata.

Já a frente da coluna ia para lá da subida do pontão do rio Almami – zona habitual das emboscadas – alguém, lá atrás, pede para parar. Uma viatura tinha “engasgado” e parado.

Não procuro o Rádio e prefiro gritar a saber o que se passava. Imprudência ou, melhor, estupidez. De pronto recebo a resposta. O IN, com emboscada montada, sentiu quem eu era e abriu rápido a emboscada… parecia ter recebido a ordem de fogo.

Sai a granada de RPG 2 ou 7 e rebenta a meio da viagem. Sorte, treino ou velhice, contrariamente ao habitual, aterro junto a grossa árvore e sinto esta a receber a rajada. Quase simultaneamente, na copa acertam com uma granada de RPG, cai-me algo em cima a aleijar-me o ombro esquerdo. Que penso eu naquelas fracções de segundo… granada e… estou fo… isso. Durou pouco, mas, nessa altura, deve ter parecido uma eternidade. Passou rápido, afastei o ramo que me aleijara e sai dali. Começou a minha resposta, natural, normal, até porque estava ali para “fazer aquele trabalho”. Ligação para Mansambo a pedir apoio dos obuses 10,5; bastava dizer Quebeque (o Cmdt da Artilharia era o Alf Queiroz) e um número. Isto, porque tínhamos a estrada, até ao alcance dos obuses, marcada com números. Portanto as granadas iam, ou deviam ir, para lá.

Segundos depois, aí estavam eles e o 81 a trabalhar. Lindo! Sempre gostei do “assobio” dos obuses.

O resto era connosco e a reacção foi a habitual. Falhou o morteiro 60. Eu bem gritava:
- Manel, o morteiro ! - e os Furriéis Rei ou o Sérgio mais berravam.

Procurei e que vejo eu? O Cabo Campos agarrado ao joelho e o Manel deitado ao lado do morteiro. Não tinham munições e, ao primeiro disparo, segundo a versão deles, resvalou e atingiu o Cabo.

Resolveu-se a situação, funcionou o morteiro e, ainda hoje me interrogo se foi acidente ou, mesmo em homens com ano e meio de comissão e tendo estado tantas vezes debaixo de fogo, naquele dia borregaram… penso que as duas hipóteses podem estar correctas. Não esquecer que o stress era mais forte sobre os que não vinham de férias. Meses e meses naquela pressão louca, corrói, desgasta… e marca… marca para sempre… os jovens a quem não foi dado o direito de ter juventude.

E se fosse comigo? Ou com outro graduado? Vidas e situações a merecerem aprofundamento. Todos são valentes e medrosos… a ocasião é que determina. Eu antes não tinha pensado:
- Vou lerpar… parvo!

Não tivemos feridos, tudo correu bem. Reacções naturais e conhecidas por todos os que sofreram uma emboscada. No fim, já com a malta vinda de Mansambo em nosso socorro, olhei e vi o nosso Primeiro-sargento que tinha apanhado boleia connosco,  pois ia de férias. Ainda estava, com as habituais faces rosadas, brancas… coisas de Profissionais, como ele, de quando em vez dizia:
- Nós (eles) somos profissionais… vocês vêm e vão…

Pois, mas enquanto estávamos fazíamos a guerra. Nem todos, cuidado. Havia excelentes profissionais a fazer a guerra, na nossa companhia ou fora dela. Além disso, o nosso Primeiro era competentíssimo no seu trabalho de secretaria e de ajuda a quem dela necessitasse, eu, do início até ao fim da comissão mantive com ele uma relação especial… entre o detestar e o aguentar. Nunca esqueci um Furriel de Transmissões e…irrelevante agora.

Rescaldo da emboscada para a malta vinda de Mansambo, coluna em ordem de marcha e rumo a Bambadinca. O Camarada Payne, médico do Batalhão, viu o ombro, palmada nas costas depois de ordem ao enfermeiro e vamos à vida. Ainda hoje, de quando em vez dói… mudança de tempo… é do tempo…

Mas aquelas fracções de segundo, estupidamente entendidas, mereceram posterior dose, dupla ou tripla, de uísque no bar. Era, muitas vezes a melhor maneira de regressar a Mansambo… meia garrafa e a picada ficava autoestrada!

Como ouviste,  recordo assim, em traços largos, muito largos mesmo, alguns acontecimentos passados.

Tenho receio de me repetir. Por isso paramos por hoje e na próxima, espero que breve, continuarei e, por estranho que te pareça. Podemos voltar a Fá, Fá Mandinga, Fá de Cima. Bom aquartelamento aquele.
__________

Nota de CV:

Vd. último poste de 9 de Maio de 2010 > Guiné 63/74 - P6354: Estórias de Mansambo II (Torcato Mendonça, CART 2339) (17): Uma ida ao Poindom

3 comentários:

Diogo disse...

Camarigo Torcato!

Só quem passa por elas é que sabe...

Infelizmente a minha companhia, a Caç 2404, é que foi substituir a tua ,por isso as Estórias de Mansambo me dizem muito.
Até breve

Diogo tef-291238195 (Madeira)

Torcato Mendonca disse...

Camarada Diogo.
Fui avisado por um Editor e vim ver.

Infelizmente porquê? Bom sitio quando vocês para lá foram. A recepção, se bem me lembro, foi boa. Tinham uma placa turística a valorizar os pontos mais aprazíveis, á falta de balões havia montes de preservativos dependurados etc.
O meu Grupo foi o ultimo a sair de lá. Assim devemos conhecer-nos. A v/2404 era comandada pelo Cap.Neves? ex CCS do Bat 2852, não era? Ainda fizemos, creio eu uns dias de sobreposição.

Um abraço e foi um prazer saber de um antigo camarada de Mansambo. A Tabanca, o Leonardo o velho Chefe e os picadores. Tenho saudades.

Abraço do Torcato

Luís Dias disse...

Caro Torcato

É o que nós dizíamos, normalmente os primeiros tiros, roquetadas e outras porcarias que nos enviavam eram deles. Se acertassem....sofríamos baixas, mas se falhassem a seguir cantávamos nós.
Estive em Mansambo muito mais tarde, em Fevereiro de 1972, na altura da Op. Trampolim Mágico (desembarque na Ponta Luís Dias), em apoio às CARTS do BART3873 e sei que era uma zona lixada. Voltei a passar nessa estrada numa coluna para levar abastecimentos ao Saltinho e sob protecção da malta de Mansambo e Xitole.
Um grande abraço
Luís Dias