domingo, 28 de novembro de 2010

Guiné 63/74 - P7354: A minha CCAÇ 12 (9): 18 de Setembro de 1969, uma GMC com 3 toneladas de arroz destruída por mina anticarro (Luís Graça)



Guiné > Zona Leste > Sector L1 (Bambadinca) > CCAÇ 12 (1969/71) > Estrada Bambadinca - Mansambo - Xitole  > Uma viatura civil, transportando cunhetes de granadas e, em cima, pessoal civil



Guiné > Zona Leste > Sector L1 (Bambadinca) > CCAÇ 12 (1969/71) > Estrada Bambadinca - Mansambo - Xitole  >  Um burrinho com a secção do Humberto Reis, do 2º Gr Comb

Fotos: © Humbero Reis (2006) / Blogue Luís Graça & Camaradas. Todos os direitos reservados



Guiné> Zona Leste > Sector L1 (Bambadinca) > Estrada de Bambadinca-Mansambo-Xitole-Saltinho> Assinalada, com um círculo a azul, a ponte do Rio Jago onde a GMC, com 3 toneladas de arroz, accionou uma mina anti-carro, no dia 18 de Setembro de 1969.

A distância de Bambadinca a Xitole (hoje uma estrada alcatroada) era, na época (1969/71), de 30 km. As colunas logísticas, de reabastecimento, podiam levar um dia ou até mais (na época das chuvas) a fazer este percurso perigoso (interdito entre Novembro de 1968 a Agosto de 1969 ). A CCAÇ 12 participou em diversas colunas logísticas a Mansambo, Xitole e Saltinho (junto ao Corubal). 



Continuação da série A Minha CCAÇ 12 (*), por Luís Graça (, foto à esquerda, Bambadinca, 1969).


1. Para se chegar a qualquer uma das unidades de quadrícula do Sector L1, a sul de Bambadinca (Mansambo, Xitole e Saltinho, embora esta já pertencesse ao sector de Galomaro) não havia nenhuma alternativa a não a ser a terrestre (a estrada Bambadinca-Saltinho, que terminava justamente no Saltinho, estando interdita a partir daí).  A estrada de Galomaro-Saltinho às vezes também ficava interdita devido às chuvas e à acção do PAIGC, pelo que as NT ali colocadas também dependiam do abastecimento feito a partir de Bambadinca (o eixo Xime-Bambadinca era a grande porta de entrada de toda a zona leste).


No entanto, a própria estrada Bambadinca-Mansambo-Xitole estivera interdita entre Novembro de 1968 e Agosto de 1969.  O Op Belo Dia, a 4 de Agosto, já aqui sumariamente descrita,   destinou-se justamente a reabrir esse troço fundamental para as ligações do comando do Sector L1 com as suas unidades a sul. Um mês e tal depois, ainda em época das chuvas,  fez-se uma segunda operação para novo reabastecimento, patrulhamento ofensivo e reconhecimento.


São as peripécias dessa operação (Op Belo Dia II) que se relatam aqui, peripécias que, de resto, não eram muito diferentes do que se passava noutras regiões da Guiné. Mas,  ainda a propósito de meios de transporte, convirá referir que só Bambadinca possuía uma pista, com cerca de 150 metros, permitindo a aterragem de aeronaves como a Dornier. 


No meu tempo o sargento (ou furriel) piloto Honório, caboverdiano, era uma figura muito popular, quase lendária,  entre as NT, porque nos trazia o correio e alguns víveres (frescos). Era conhecido pela sua temeridade, destreza e coragem. Dizia-se que capaz de aterrar numa nesga de terra. Em Mansambo só havia heliporto. No Xitole, também havia pista para avionetas. Fica aqui também uma palavra de homenagem a todos os pilotos (e mecânicos) que aterraram naquelas pistas de terra batida, com sol, chuva e vento (e às vezes "chumbo" do PAIGC).


2. Setembro/69 (II Parte): Uma GMC destruída por uma mina anticarro

Na segunda quinzena de Setembro (*) realizar-se-ia outra operação a nível de batalhão afim de escoltar uma coluna logística do BCAÇ 2852 para as companhias de Xitole e Saltinho (Op Belo Dia II).


Dois Gr Comb [Grupos de Combate] da CCAÇ 12 (2º e 3º), um da CART 2339 [Mansambo] e o Pel Caç Nat 53 (que seguiria depois com o Dest B para o Saltinho) formavam o Dest [Destacamento] A cuja missão, além da picagem do itinerário, era escoltar a coluna até ao limite da ZA Zona de Acção da CART 2339 [Mansambo] onde se efectuaria o transbordo da carga para outra coluna da CART 2413 [Xitole].


O Pelotão de Caçadores Nativos nº 53, normalmente sediado em Bambadinca, estava, na altura, em reforço temporário ao Saltinho. Havia mais outros Pel Caç Nat no Secor L1: 52 (Missirá), 63 (Fá)...
Desenrolar da acção:


A coluna que chegou a Mansambo às 17.30 do dia 17 de Setembro, proveniente de Bambadinca, prosseguiria no dia seguinte, tendo-se processado sem incidentes de maior até à ponte do Rio Jago, a cerca de 3 km a sul do aquartelamento de Mansambo, altura em que se fez um alto para recompor a carga da viatura que seguia em 3º lugar (onde eu ia).


Ao retomar-se a marcha, o rodado intermédio direito da 4ª viatura, uma  GMC, de matrícula MG-17-21, que vinha imediatamente a seguir ao meu Unimog 404, GNC essa que pertencia à frota da  CCAÇ 12, accionou uma mina A/C (anticarro) reforçada, tendo-se voltado espectacularmente. A viatura ficou muito danificada, tendo-se inutilizado parte da sua carga de 3.000 kg de arroz. 


Em virtude de ter sido projectado, ficou gravemente ferido um 1º cabo do Pel Caça Nat 53 . O condutor, soldado Dalot, meu camarada,  saiu ileso. Por milagre...
A mina não fora detectada pela equipa de 12 picadores (!!!), seguida de 2 Gr Comb que progrediam na frente.


Alguns quilómetros à frente, junto à ponte do Rio Bissari foram detectadas e levantadas mais 3 minas A/P que deveriam fazer parte do campo de minas implantado pelo IN posteriormente à Op Belo Dia I, e das quais 7 já sido levantadas até então.


Pelas 13h do dia 18 de Setembro deu-se finalmente o encontro dos 2 Dest (A e B), tendo-se procedido ao transbordo da carga, uma operação sempre e penosa.


No regresso a coluna foi sobrevoada várias vezes por uma parelha de FIAT  cujo apoio estava previsto na ordem de operações. Mansambo foi atingido pelas 17 h, depois de se ter armadilhado a viatura cuja remoção se verificou ser impossível com os meios disponíveis na ocasião. 


Durante anos, a Guiné-Bissau foi um cemitério de sucata, como viaturas (militares e civis) abandonadas pelas NT, destruídas por minas e roquetadas... Não tenho a certeza se esta viatura, a GMC MG-17-21, foi posteriormente desarmadilhada e rebocada para Bambadinca... Os custos de uma tal operação eram sempre elevados.


Já não me lembro, mas devemos ter ficado nessa noite em Mansambo, dado o estado adiantado da hora, se bem que o percurso até Bambadinca fosse mais seguro. É provável que tenhamos regressado ainda a Bambadinca, nesse fim de tarde.


Recorde-se, por outro lado,  que o nosso Fiat era um avião a jacto, subsónico, monolugar, que equipava a nossa força aérea (O Fiat G-91 era fabricado pela FIAT). A sua presença no céu era sempre tranquilizante. 


O IN também se manifestaria no regulado do  Cuor, flagelando duas vezes Missirá e atacando Finete, um destacamento de milícia situado a 3 km a NW de Bambadinca, do outro lado do Rio Geba. 


O ataque, efectuado ao anoitecer do dia 20 por um bigrupo, durou cerca de uma hora, obrigando o 2º Gr Comb da CCAÇ 12 a intervir em socorro do destacamento. Tendo combado o rio em canoas, a força de intervenção foi progredindo ao longo da estrada da bolanha, nalguns pontos com água quase pela cintura, e quando chegou a escassos 500 metros da tabanca, começou a bater com morteiro 60 e bazuca as posições do IN que estava instalado do lado de Maladin, e que ripostou, aliviando a pressão sobre o destacamento. 


Apoiados pelo morteiro 81 que fazia fogo do quartel de Bambadinca (nessa época, Bambadinca não dispunha de artilharia, só mais tarde, mas já não no meu tempo, passou a ter um pelotão de artilharia com obuses 14), os grupos de intervenção acabaram por silenciar as posições do IN, obrigando-o a retirar. As NT tiveram apenas um ferido (milícia).


Entretanto, uma semana antes, a 12 de Setembro, durante um patrulhamento levado a efeito com o Pel Caç Nat 52 na região de Missirá-Biassa-Nascente do Rio Biassa – Chicri – Gambana – Maná, o 4º Gr Comb da CCAÇ 12 surpreendeu no trilho de Chicri um grupo de carregadores que vinha da direcção de Nhabijões.


A secção do Pelotão de Milícia de Finete (**), que reforçava as NT, abriu fogo precipitadamente e sem ordem expressa, tendo feito feridos confirmados. Na fuga, o IN que muito provavelmente não trazia escolta armada, abandonou todo o carregamento, constituído por esteiras, tabaco em folha, mosquiteiros e aguardente de cana, além de uma certa quantidade em dinheiro (***).


Por outro lado, as constantes patrulhas de reconhecimento aos núcleos populacionais de Nhabijões, sob duplo controlo, não obstaram a que a tabanca de Bedinca (balantas mansoanques) fosse assaltada em 23, à 1 hora da noite, por um grupo IN que teria espancado alguns nativos e roubado arroz e gado, segundo a versão do chefe de tabanca.


Feito o reconhecimento no dia seguinte, verificou-se apenas que o grupo IN (bastante numeroso) retirara para norte, tendo cambado o Rio Geba em canoa na direcção de S. Belchior.


A 10 de Setembro, o 3º Gr Comb e o Pel Rec Info da CCS / BCAÇ 2852, reforçados por 1 secção do Pel Caç Nat 53, tinham realizado um cerco e rusga à tabanca de Nhabijão Bulobate, sem resultados nem vestígios do IN, tendo capturado no entanto 3 homens balantas que se verificou apenas serem “ladrões de gado” no Enxalé (Op Grampo).


Durante o mês, a CCAÇ 12 (a 2 Gr Comb) efectuaria ainda um patrulhamento ofensivo, com as forças da CART 2339 (Mansambo) a fim de detectar vestígios IN na região de Boló (Op Glutão).


Fontes consultadas:


História da CCAÇ 12: Guiné 69/71. Bambadinca: CCAÇ 12. Cap. II. 13-16.


Diário de um Tuga, de Luís Graça (arquivo pessoal)


Blogue Luís Graça & Camaradas da Guiné, I Série


(Continua)
___________


Notas de L.G.

(*) Último poste desta série > 

7 comentários:

Unknown disse...

Luís Graça, como já devem ter notado, nunca me dirigi a ti concretamente, nem por outro lado, comentei descrições (independentemente da apreciação textual) concretas de acontecimentos operacionais de guerra descritas e Principalmente as Participadas pelos membros da TGrande.

(raios não há possibilidade de sublinhar).
Deve-se a que não fui operacional, mas tive uma ou outra experiência de meter “medo”, sempre sob castigo, isto em termos de confronto. Porém tive outro tipo de experiência desgastante psicológicamente durante todo tempo, onde também arrisquei muito de mim e que me recuso a falar aqui.

Mas neste momento apetece-me, se calhar em desagrado de alguns da nossa Tabanca, dizer que apreciei sobremaneira esta tua descrição (já tinha apreciado outros, textos naturalmente).

Fica o exemplo claro e exemplar, com esta tua narração, como se pode escrever sobre acontecimentos de guerra, sem insinuações, segundos sentidos, apreciações pessoais (que às vezes contraditoriamente não condizem com o exposto), insinuações e muitas vezes numa de “estrategas” em sub ou sobre-valorizar, determinado facto sem conhecer o todo, ou o conjunto.

Já agora aproveitando o embalo, digo-te que estou muito interessado em perceber em que bases (linhas), estratégia, era concebido o tal chamado Reordenamento, para as Aldeias estratégicas.
Sabendo eu alguma coisa sobre o características do terreno, a quantidade de etnias existente e um pouco sobre a distribuição populacional, creio ser algo nunca conseguido em pleno. Bem não me devo pronunciar porque não sei mesmo.

Ps. Tens um ar mais pacifico na foto do que actualmente.

Um abraço para ti e para toda a Tabanca.

Carlos Filipe
Ex-CCS BCÇ3872 Galomaro

Torcato Mendonca disse...

Luís Graça: eram as loucas colunas de abastecimento. De Mansambo ao Xitole eram 15/16Km e, as primeiras levaram mais de um dia.Tiritos, aviação, minas e os atolanços...era de tirar a paciência a um cidadão. Fiz - já aqui relatei - Bambadinca, Galomaro, Dulombi, Qirafo Saltinho e Xitole. Loucura.
Esta coluna que falas foi a 4ª viatura que accionou a mina. Só ia, além do condutor, um militar em cima de duas ou três toneladas - talvez fosse demais- de arroz. O rodado traseiro ...pum e aquilo tudo voou. A viatura lá ficou.Como não se ouviu barulho o IN não espreitou.Belos tempos! Com que então estiveste nessa...o mundo é pequeno. Por isso a cara de tristeza da foto. Anima-te. Até nem era desengraçado...
Abraços a ti e a todos T.

Torcato Mendonca disse...

Filipe:referes-te ás Tabancas em Auto-defesa ou aos reordenamentos que posteriormente a 69, salvo erro, apareceram?

Falar disso aqui...pode ser um bom tema.
Pode ser claro está que sim. Estiveste no Leste. Pode ser que alguém te elucide.
Já agora a mim que vivi tanto tempo em Tabancas em auto-defesa...

Um abração do T

Unknown disse...

Torcato. Refiro-me ao reordenamento e... a Aldeias Estratégicas.

Porque ao que sei tabancas em auto defesa, já era uma estória muito triste.

Carlos Filipe
Cumprimentos

Anónimo disse...

Caro amigo Filipe

Não sei no concreto qual a tua dúvida quanto ao reordenamento, mas creio estar em condições, para te poder elucidar. Em Canjadude, tínhamos pessoal metropolitano, exclusivamente dedicado ao reordenamento…

Pode ser, que oportunamente escreva um artigo a falar de reordenamento…

Um abraço

José Manuel Corceiro

Unknown disse...

Não é esse "reordenamento", que me importa conhecer, concebido localmente. Embora concerteza (penso eu) sugeito a uma directiva única superiormente determinada (Bissau).
E esta, é que me interessa conhecer, qual a concepção, objectivando o quê, e em que zonas da Guiné.
Se não é olhar para o bagabaga e não ver as tabancas...

Abraço Carlos Filipe

Joaquim Mexia Alves disse...

É curioso meu caro Luís, perceber como as coisas mudaram nesse sector.

No meu tempo, (BART 3873) as colunas Bambadinca/Xitole, faziam-se num dia.

Quando chegavam ao Xitole, uma parte da coluna ia abastecer o Saltinho e depois voltando para o Xitole reunificava-se e regressava a Bambadinca.

Que me lembre durante o tempo do meu Batalhão nunca essa coluna foi atacada, apenas tendo sido, ao que sei, já depois do 25 de Abril.

Eu levantei uma mina antipessoal, armadilhada com uma granada de morteiro junto à ponte do Jagarajá?, quando estava a fazer segurança precisamente a uma coluna.

Não sei se mais algumas foram levantadas.

Um abraço camarigo para todos