terça-feira, 7 de junho de 2011

Guiné 63/74 - P8382: Recordações dos tempos de Bissau (Carlos Pinheiro) (2) : Pedaços históricos perdidos na Guiné

1. Mensagem de Carlos Manuel Rodrigues Pinheiro* (ex-1.º Cabo TRMS Op MSG, Centro de Mensagens do STM/QG/CTIG, 1968/70), com data de 14 de Maio de 2011:

Camarigo Carlos Vinhal
Mais uma vez estou a enviar uma artigo, desta vez sobre pedaços históricos perdidos na Guiné no ano de 1969.

Se entenderes que o mesmo merece ser publicado, estás sempre à vontade.

Um grande abraço
Carlos Pinheiro


RECORDAÇÕES DOS TEMPOS DE BISSAU (2)

Pedaços históricos perdidos na Guiné em 1969

Só o facto de estarmos em guerra, só o facto de estarmos em África, mas também pelo facto das comunicações da altura não serem nada, nem de perto nem de longe, do que hoje dispomos, leva-me a relatar alguns factos, mais ou menos históricos, que não presenciámos, que não testemunhámos por estarmos forçadamente ausentes do nosso cantinho, da nossa família, dos nossos amigos, mas dos quais nunca duvidámos uma vez que, mesmo à distância, lá nos chegaram, dias mais tarde, ecos desses mesmos factos que hoje são mesmo históricos por razões diversas.

Logo no início do ano de 1969 foi lançado na RTP, a única televisão da época, um programa que foi marcante para a altura. Tratou-se do ZIP ZIP, um programa de Raul Solnado, Fialho Gouveia e Carlos Cruz que apareceu, certamente “permitido” pela primavera Marcelista, uma vez que Salazar tinha caído da cadeira no ano anterior e Marcelo já governava. Segundo rezam as crónicas, foi um programa audaz para a época, mas a malta do meu tempo que estava na guerra, perdeu-o pura e simplesmente.

Imagem retirada do site da RTP, com a devida vénia

Outro facto histórico, este de nível mundial desse período, aconteceu exactamente no dia 20 de Julho de 1969**. Foi a chegada do primeiro homem à Lua que a Televisão terá transmitido em directo e a que nós não tivemos oportunidade de assistir. Ouvimos falar, lemos nos jornais com alguns dias de atraso, mas não presenciámos o facto e o feito. É caso para dizer que lemos e ouvimos, mas não vimos.

Foto retirada da Wikipédia, com a devida vénia

Também perdemos outro acontecimento, marcante para a história de Portugal, que ocorreu no dia 27 de Julho de 1969. Foi a morte de António de Oliveira Salazar cujo funeral nacional foi efectuado de comboio de Lisboa para a sua terra natal, Vimieiro, Santa Comba Dão, tendo o país ficado de luto durante três dias. Até na Guiné esse luto foi garantido com a bandeira nacional a meia haste. Mas não presenciámos, só ouvimos falar, mais nada, para além de sentirmos mais algum rigor nas prevenções militares naqueles dias.

Foto retirada do site Fotos Sapo, com a devida vénia

Outro facto importante para a época e que a história regista e a que nós não assistimos e muito menos participámos, foram as Eleições legislativas de 1969***. As primeiras que se realizaram com Marcelo no Governo, precisamente no dia 26 de Outubro daquele ano e onde concorreram, para além da União Nacional, o partido do Governo, a CEUD Comissão Eleitoral de Unidade Democrática, a CDE Comissão Democrática Eleitoral e a CEM Comissão Eleitoral Monárquica. Soubemos depois que a União Nacional elegeu todos os 120 Deputados naquela espécie de acto eleitoral, como mandavam as regras da época, a bem da nação, a bem da evolução na continuidade.

Fotos retiradas do site do Parlamento, com a devida vénia

Cada um à sua maneira, foram factos perdidos devido à situação que estávamos a viver, no auge da guerra, quando os mísseis já eram uma arma dos nossos opositores no terreno.

Em contrapartida, para além do facto de estarmos na guerra, muitos sofrerem o horror dos combates e dos ataques, da fome e da sede, muitos morrerem na flor da idade e muitos outros terem ficado estropiados no corpo e no espírito, ganhámos o privilégio de podermos passar a consumir Coca-Cola, importada directamente de Inglaterra e até de Moçambique, bebida esta que na Metrópole era proibida. Aliás, já que estamos a falar de privilégios, na Guiné também podíamos beber água Perrier e Vichy vindas de França e até leite da Holanda da Twin Girls, uma vez que era difícil a entrada naquelas terras de águas ou leite da Metrópole. Vá-se lá saber porquê.

Relatar estes acontecimentos passados tantos anos, denota algum saudosismo, mas também serve para lembrar que a guerra deixou marcas das mais variadas estirpes. Hoje, nada disto aconteceria. Ou melhor aconteceria, acontece tudo, mas todo o mundo, Iraque ou Afeganistão, por exemplo, estaria informado no momento, em directo, em todas as televisões.

Carlos Pinheiro
29 de Julho de 2010
____________

Notas de CV:

(*) Vd. poste de 20 de Abril de 2011 > Guiné 63/74 - P8138: Memória dos lugares (152): A cidade de Bissau em 1968/70: um roteiro (Carlos Pinheiro)

(**) Vd. poste de 19 de Março de 2006 > Guiné 63/74 - DCXL: Estórias de Dulombi (Rui Felício, CCAÇ 2405) (3): O dia em que o homem foi à lua

(***) Vd. poste de 4 de Novembro de 2009 > Guiné 63/74 - P5206: Efemérides (31): as eleições de 26/10/1969, as oposições democráticas (CDE e CEUD) e a escalada da guerra (João Tunes)

Vd. primeiro poste da série de 1 de Novembro de 2010 > Guiné 63/74 - P7204: Recordações dos tempos de Bissau (Carlos Pinheiro) (1) : Dia de Todos os Santos de 1968

5 comentários:

Hélder Valério disse...

Caro camarigo Carlos Pinheiro

Pois é verdade! Os que estavam lá, no período mencionado, perderam esses acontecimemtos mas, em compensação (cá está a entrar a teoria 'do compensa') viveram outros ao vivo que nós, os de 'antes' e os de 'depois' não disfrutámos...

Mas deixa lá, ainda assim estamos vivos para falar, referir e comentar esses e outros acontecimentos.

Abraço
Hélder S.

Luís Graça disse...

Obrigado ao Carlos Pinheiro por nos recordar factos, de 1969, que hoje pertencem à História, e que nos passaram ao lado (Com a única excepção das eleições legislativas de Outubro de 1969, em que votei, como bom cidadão)...

Quanto ao Zip-Zip começou justamente no dia em que eu embarquei (eu, o Humberto Reis e o resto da malta, uns 50, da CCAÇ 2590, futura CCAÇ 12), no Niassa, em 24 de Maio de 1969... Nos dois ou três jornais e revistas que recebia, regularamente, em Contuboel e depois Bambadinca, tenho ideia de se falar, vagamente, do sucesso do Zip-Zip... Mas no CTIG, tínhamos então outras preocupações mais comezinhas e necessidades mais prementes...

Por curiosidade, fui saber algo mais sobre este tão badalado programa que veio revolucionar a nossa cinzentíssima (e única) estação de televisão...

Leio na Infopédia o seguinte:

Zip-Zip

O programa de televisão "Zip-Zip", da autoria de Raul Solnado, Carlos Cruz e Fialho Gouveia, e realizado por Luís Andrade, foi para o ar na Radiotelevisão Portuguesa entre 24 de maio de 1969 e dezembro desse mesmo ano. Veio a ser um dos programas mais influentes da história da televisão em Portugal porque quis mostrar o verdadeiro País que estava escondido por causa da ditadura e por razões políticas. Paralelamente, revolucionou a técnica televisiva pois abriu caminho a outros programas com auditório.

A ideia original apontava para um programa diário, mas devido aos meios que envolvia limitou-se a ser semanal. Aproveitando a abertura proporcionada pela primavera Marcelista, o trio composto por Carlos Cruz, Fialho Gouveia e Raul Solnado criou um programa em que o público assistia à gravação na plateia do Teatro Villaret, em Lisboa. Eram debatidos assuntos que pouco tempo antes não seriam aceites pela censura. Os convidados tanto eram personalidades influentes como pessoas comuns e eram chamados músicos e cantores até então praticamente proibidos de aparecer na televisão. Havia também momentos de humor protagonizados por Raul Solnado, que fazia diversos comentários à situação do País. Rapidamente o "Zip-Zip", um dos primeiros talk-shows da televisão portuguesa, conquistou grande audiências.

O programa era gravado aos sábados no Teatro Villaret e, depois de ser visionado pela censura, passava às segundas-feiras à noite na RTP.

O primeiro programa teve como convidado o artista e escritor Almada-Negreiros, que fez então a sua estreia na televisão. Enquanto Almada-Negreiros era entrevistado no estúdio, Fialho Gouveia fazia reportagem no exterior, na rua onde estavam expostos quadros do artista.

Pelo "Zip-Zip" passaram muitos outros nomes da cultura portuguesa. De fora, por imposição da censura, ficaram Zeca Afonso e Natália Correia. À medida que o programa ia tendo mais sucesso, as restrições da censura eram cada vez maiores e levavam os autores a ter longas negociações com os censores. O cansaço provocado por estas restrições aliado ao facto de os meios postos à disposição da equipa serem escassos levaram a que o programa durasse apenas sete meses.

Ao longo do tempo que esteve no ar, o programa teve vários momentos memoráveis, como a transmissão de um jogo de matraquilhos e uma entrevista à estátua de Luís Vaz de Camões. O "Zip-Zip" serviu ainda para tornar popular as baladas, divulgando assim cantores de intervenção como Manuel Freire, José Jorge Letria, Carlos Alberto Moniz e Francisco Fanhais.

Fonte:

Zip-Zip. In Infopédia [Em linha]. Porto: Porto Editora, 2003-2011. [Consult. 2011-06-08].
Disponível na www: .

Luís Graça disse...

Já agora aqui fica a referência completa ao artigo da Infopédia - Enciclopédia e Dicionários Porto Editora, de acordo com a Norma Portuguesa de Informação e Documentação. Referências Bibliográficas. Parte 4: Documentos Electrónicos, NP 405-4, 2002... No comentário anterior aparece truncada.


Zip-Zip. In Infopédia [Em linha]. Porto: Porto Editora, 2003-2011. [Consult. 2011-06-08].
Disponível em
http://www.infopedia.pt/$zip-zip

Carlos Pinheiro disse...

Caro Luis Graça
Obrigado pelas tuas palavras. Como disse o Helder Valério, "Mas deixa lá, estamos vivos". Por isso, como recordar é viver, é sempre bom recordar, para que a memória não esqueça.
Um abraço
Carlos Pinheiro

Anónimo disse...

A morte do Dr António de Oliveira Salazar se a minha memória não me engana foi em Julho de 1970 e não em julho de 1969.

Talvez ele já estava morto mas não oficialmente!

Obrigado