1. Mensagem de Mário Beja Santos (ex-Alf Mil, Comandante do Pel Caç Nat 52, Missirá e Bambadinca, 1968/70), com data de 11 de Agosto de 2011:
Queridos amigos,
Este “Modo português de fazer a guerra” tem a ver com a Guiné, trata-se de um estudo em que um distinto oficial-aviador da Marinha norte-americana e professor de conflitos de baixa intensidade procura demonstrar que houve uma singularidade nas soluções encontradas pelos militares portugueses e que poderão servir de exemplo a outros países que tenham de enfrentar situações semelhantes. Aliás, John Cann recorre frequentemente à comparação entre o que se passou nos nossos três teatros de operações com o Vietnam, a Malásia e a Argélia.
Com controvérsia ou sem ela, diz sem nenhuma hesitação que esta estratégia global foi a melhor forma para ditar vitórias e sucessos dos militares portugueses e deplora que tenham sido malbaratados pelo poder político da época, que teimosamente insistiu em não negociar com os guerrilheiros.
Um abraço do
Mário
O modo português de fazer a guerra
Beja Santos
“Demonstraremos como os portugueses desenvolveram o seu próprio e singular modo de lutar, executando a sua estratégia nacional e as práticas que daí advieram: o modo português de fazer a guerra. Compará-lo-emos tematicamente com outras contra-insurreições contemporâneas e esta descrição positiva salientará a sua singularidade. O facto de Portugal ter perdido a guerra por não ter conseguido encontrar uma solução política não nega as suas proezas militares nem a lição que pode constituir para outros conflitos futuros”. Com esta frase temos em toda a extensão os objectivos do trabalho “Contra-insurreição em África, 1961-1974, o modo português de fazer a guerra”, por John P. Cann, Edições Atena, Lda., 1998.
Logo no prólogo o general Bernard E. Trainor recorda que na actualidade as guerras de libertação nacional estão praticamente inactivas mas o mesmo não sucede com as rivalidades étnicas, religiosas, políticas e económicas, particularmente na África subsariana. Estudar o modo português de fazer a guerra é analisar como um país cheio de carências, em 1961 sem prática de contra guerrilha conseguiu conter a violência, proteger as pessoas e impedir com certos limites o acesso de guerrilheiros às populações locais, incutindo igualmente nas chefias rebeldes o respeito suficiente para induzir negociações políticas.
John Cann começa por pôr os dados na mesa quanto aos desafios da contra-insurreição postos a Portugal: refere distâncias entre a metrópole e os teatros de operações, descreve efectivos, o posicionamento dos movimentos de libertação e o volume dos encargos militares. Salta depois para o compromisso com o Ultramar, destacando a política salazarista, a natureza ideológica dos partidos rebeldes e passa à cronologia dos acontecimentos de 1961, a partir das insurreições em Angola, o golpe liderado pelo general Botelho Moniz, a posição frágil e o isolamento de Portugal nas Nações Unidas e a queda de Goa. Centrado na doutrina portuguesa de contra-insurreição, passa em revista a preparação para a guerra subversiva, os fundamentos da doutrina portuguesa e analisa detalhadamente os manuais intitulados “O Exército na Guerra Subversiva”, material que respigava o essencial das doutrinas britânica e francesa, bem como algum material norte-americano.
O objecto de análise seguinte prende-se com a organização, a educação e o treino português para contra-insurreição, encontramos aqui matriz da colocação das tropas, a orgânica dos dispositivos, o modo de coordenação civil e militar (no caso da Guiné unificado a partir de 1964), a natureza dos efectivos progressivamente adaptados à natureza dos efectivos da contra guerrilha e dá o exemplo da instrução de aperfeiçoamento operacional que veio a ser adaptada à cultura e geografia do teatro operacional. E escreve textualmente: tanto na Guiné como em Angola os movimentos nacionalistas que ficaram em 1970 num equilíbrio militar que reflectia, entre outros factores a eficácia destas alterações”. O autor considera que um dos elementos mais significativos na condução portuguesa das campanhas foi a africanização das suas forças armadas, conseguindo assim suprir a gradual escassez de efectivos metropolitanos, premiando as populações fiéis e encontrando até soluções na criação de uma categoria especial de oficiais que respondesse ao desgaste a que estava a ser sujeito o quadro permanente. Descreve todo o desenvolvimento da africanização referindo-se aos milícias guineenses falando em milícias normais como aquelas que tinham um papel defensivo e milícias especiais como as que conduziam operações de contra-insurreição ofensivas longe das defesas locais. E escreve: “Em 1971, foi formado o novo corpo de milícias para integrar todas as milícias e tropas de 2.ª linha no exército regular. O corpo foi organizado por companhias de grupos de combate e juntou cerca de 40 companhias com mais de 8000 homens”. Refere-se igualmente às companhias de comandos e aos fuzileiros guineenses.
A rede portuguesa de informações de contra-insurreição é igualmente descrita com minúcia referindo o reconhecimento do terreno, o reconhecimento aéreo, o estudo dos documentos e equipamentos apreendidos bem como os interrogatórios aos guerrilheiros capturados. Falando da mobilidade, o autor enfatiza o papel dos helicópteros e das lanchas de marinha, a resposta mais adequada à natureza do terreno onde operavam com facilidade os guerrilheiros e as populações por estes controlados. Os aldeamentos portugueses são minuciosamente apreciados, segundo John Cann introduziram uma brecha profunda no aliciamento das populações em muitos casos forçadas ao jogo duplo entre Portugal e o PAIGC.
Dá como demonstrado ter havido uma abordagem específica portuguesa da contra-insurreição, em que o eixo central era constituído pela procura da manutenção de um conflito globalmente de baixa intensidade e refere números que se prendem com as baixas em combate, o custo financeiro da guerra e o papel das informações. E termina o seu estudo dizendo: “As forças militares não poderiam pôr fim à guerra. O general Spínola e todas as forças armadas portuguesas estavam cientes deste facto. Contudo, os líderes políticos de Portugal permaneceram sem visão e afastados da realidade. A verdadeira esperança para a recuperação de Portugal passava pela libertação das suas colónias a fim de resolver as dissensões internas e internacionais e abraçar a prosperidade europeia que então progredia. A posição de Portugal em África fora insustentável desde o início e o exército tinha reconhecido este facto. A liderança do exército português demonstrara presciência quer no planeamento quer na condução da guerra. Administrou habilmente a utilização das vidas e dos bens. Quando os políticos não conseguiram providenciar o necessário apoio complementar, foi o exército que interveio a 25 de Abril de 1974”.
Este estudo de John Cann é o primeiro relato completo das campanhas de África feito em língua inglesa. O autor prestou serviço no comando ibérico da NATO, em Oeiras, entre 1987 e 1992. Fez uma longa pesquisa para o seu trabalho e ouviu inúmeros testemunhos de oficiais portugueses.
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Nota de CV:
Vd. último poste da série de 3 de Setembro de 2011 > Guiné 63/74 - P8729: Notas de leitura (270): A Pele dos Séculos, por Joana Ruas (Mário Beja Santos)
Blogue coletivo, criado por Luís Graça. Objetivo: ajudar os antigos combatentes a reconstituir o "puzzle" da memória da guerra colonial/guerra do ultramar (e da Guiné, em particular). Iniciado em 2004, é a maior rede social na Net, em português, centrada na experiência pessoal de uma guerra. Como camaradas que são, tratam-se por tu, e gostam de dizer: "O Mundo é Pequeno e a nossa Tabanca... é Grande". Coeditores: C. Vinhal, E. Magalhães Ribeiro, V. Briote, J. Araújo.
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6 comentários:
O livro tem 2.ª edição pela Prefácio, em 2005, mas com o título mudado: em vez de contra-insurreição aparece com "contra-subversão".
É pena a recensão não ser mais desenvolvida, pois é uma visão totalmente oposta ao que estamos habituados a ler - falta de preparação das NT, improvisação, inexistência de uma perspectiva estratégica dos altos comandos e sei lá que mais.
Ao menos que seja um estrangeiro a demonstrar que, talvez, as coisas não se tenham passado bem assim.
Um abraço,
Carlos Cordeiro
Caros amigos,
O comentário do nosso amigo Carlos Cordeiro devia fazer-nos pensar um pouco.
Nos Açores, pelo menos em algumas ilhas, tíhamos por costume dizer que a sopa de couve alfeira do vizinho era muito melhor que a da nossa mãe, que até tinha uma batatinha.
Um abraço amigo,
José Câmara
Camaradas
Confesso que não li o livro mencionado pelo Mário Beja Santos e não estando muitas vezes de acordo com o que escreve, reconheço também a sua qualidade na abordagem que faz aos temas que divulga. No caso em apreço retiro daquilo que ali é referido o seguinte:
"...procura demonstrar que houve uma singularidade nas soluções encontradas pelos militares portugueses e que poderão servir de exemplo a outros países que tenham de enfrentar situações semelhantes.";
"Estudar o modo português de fazer a guerra é analisar como um país cheio de carências, em 1961 sem prática de contra guerrilha conseguiu conter a violência, proteger as pessoas e impedir com certos limites o acesso de guerrilheiros às populações locais, incutindo igualmente nas chefias rebeldes o respeito suficiente para induzir negociações políticas.";
"Os aldeamentos portugueses são minuciosamente apreciados, segundo John Cann introduziram uma brecha profunda no aliciamento das populações em muitos casos forçadas ao jogo duplo entre Portugal e o PAIGC.";
"As forças militares não poderiam pôr fim à guerra. O general Spínola e todas as forças armadas portuguesas estavam cientes deste facto.";
"A liderança do exército português demonstrara presciência quer no planeamento quer na condução da guerra. Administrou habilmente a utilização das vidas e dos bens." e
"Quando os políticos não conseguiram providenciar o necessário apoio complementar, foi o exército que interveio a 25 de Abril de 1974”.
Então, pelo aqui se refere, Portugal, mesmo nas condições em que sabemos, sustentou uma guerra colonial de 13 anos, em três frentes, a milhares de quilómetros da metrópole e também entre elas, servindo as soluções encontradas pelos militares de exemplo para outros países - é obra!
Os comandos militares demonstraram ante-visão sobre o futuro e administraram habilmente os recursos humanos e materiais - não parece terem sido incompetentes.
AS forças militares não podiam colocar fim à guerra e quando entenderam que os apoios que lhes eram necessários não chegavam, fizeram o 25 de Abril - concluo que militarmente, parece que nos portámos muito bem e que sempre houve estratégia, pelo menos no capítulo das forças armadas.
O que não sei se no livro está medido, face às comparações com o Vietname, Malásia e Argélia, é a diferença de meios existente e o combate em frentes diferentes. Será que nas nossas condições, meios e equipamento, outras tropas teriam aguentado a situação?
Um abraço
Luís Dias
Tenho este livro
Penso que poderei dar a minha opinião baseado no seu todo.
Julgo que será um dos autores mais equidistante de ambos os contentores (NT E IN)e por isso imparcial.
O autor também refere as nossas debilidades e falhas que foram muitas,nomeadamente a nível dos estados maiores.
Realça a nossa capacidade de improvisação (é genética )e com a escassez de meios de que disponhamos conseguimos resultados surpreendentes (segundo ele).
Enaltece a capacidade de sacrifício dos nossos soldados,talvez devido à sua rusticidade.
Aconselho a lerem esta obra,faz-nos subir o ego e auto-estima.
Um dia,estando como visita no regimento de comandos da Amadora, encontrei um tenente-coronel americano "airborne" e que tinha feito a guerra do vietnam, e que após um exercício em conjunto com os nossos comandos, teve o seguinte desabafo;" se eu tivesse uma companhia como uma das vossas no vietnam e com os meios que disponhamos, não ganhava a guerra longe disso,mas poria em sentido todos os "charlies" que me aparecessem pela frente",significativo.
Para terminar só quero dizer o seguinte:
-NÃO FOMOS ASSIM TÃO "MERDAS",como por vezes por aí se diz.
C.Martins
PS
Quanto às guerras de baixa e alta intensidade, que os historiadores classificam ,segundo a quantidade de meios humanos e materiais empregues, é compreensível,mas nunca estiveram em combate, porque para quem esteve foi sempre de alta intensidade.
C.Martins
Näo foram os nossos soldados,e a maioria dos que os comandaram,os tais "merdas"...mas antes os nossos políticos de entäo.Sem nos devermos esquecer que, mesmo estes génios, estavam ás ordens(!) de um ditador. Um abraco.
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