sexta-feira, 2 de março de 2012

Guiné 63/74 - P9553: Notas de leitura (338): Guerra Colonial & Guerra de Libertação Nacional 1950-1974: O Caso da Guiné-Bissau, de Leopoldo Amado (2) (Mário Beja Santos)

1. Mensagem de Mário Beja Santos (ex-Alf Mil, Comandante do Pel Caç Nat 52, Missirá e Bambadinca, 1968/70), com data de 8 de Fevereiro de 2012:

Queridos amigos,
A tese de doutoramento do Leopoldo Amado tem capítulos incontornáveis, doravante são leitura de referência para entender este período da ascensão da luta. Neste texto procura-se sumariar a génese do nacionalismo guineense, o aparecimento de partidos, o aparecimento de Cabral e as sementes que levam ao PAIGC. Na transição para os anos 60, ganha expressão o que se passa em África no que respeita ao surto independentista. E depois temos um relato altamente documentado sobre a passagem para a guerra. É impossível resistir a esta leitura. Vivamente a recomendo.

Um abraço do
Mário


Guerra Colonial versus Guerra de Libertação Nacional:
O caso da Guiné-Bissau (2)

Beja Santos

O segundo capítulo da tese de doutoramento do Leopoldo Amado é porventura o mais acabado repositório de que passamos a dispor sobre a génese do nacionalismo guineense após a II Guerra Mundial, possui uma recolha espantosa de dados e fios soltos sobre o eclodir da guerrilha que, só por si, torna o seu livro “Guerra Colonial versus Guerra de Libertação Nacional, o caso da Guiné-Bissau” (IPAD, 2011) um documento de consulta obrigatória para o estudo do conflito. Reúne uma massa informativa impressionante.

É muitas vezes esquecido que logo no termo da II Guerra Mundial se registaram amplos protestos populares contra o aparelho administrativo colonial, caso das mortandades e chacinas provocadas por autoridades locais. Leopoldo Amado destaca a grande revolta ocorrida em Dezembro de 1950 contra as práticas do administrador António Pereira que foi julgado mais tarde, no tempo do governador Vaz Monteiro. É neste período que se fundou o Partido Socialista Guineense, de vida efémera. No Outono de 1952, Amílcar Cabral e a mulher chegam à Guiné. A polícia escreverá em 1955: “O engenheiro Amílcar Cabral e a sua mulher comportaram-se de maneira a levantar suspeitas de atividades contra a nossa presença nos territórios de África com exaltação de prioridade de direitos dos nativos e, como método de difundir as suas ideias por meios legalizados. O engenheiro pretendeu e chegou a requerer, juntamente com outros nativos, a fundação de uma agremiação desportiva e recreativa de Bissau, não tendo o governo autorizado”. O autor dá-nos um quadro sumário e rigoroso do que era a oposição ao salazarismo e como se estava a processar a evolução da consciência nacionalista. No fim da década, os nacionalistas podiam dizer que tinham esperanças acrescidas, após a independência do Gana, da Guiné-Conacri e do Senegal. As atitudes unionistas passaram a ganhar forma e a serem populares. Logo no termo da guerra houve propostas para a união de todos os africanos. A própria burguesia urbana protesta contra o poder colonial centralizador, mas a sua contestação é confusa e muito pouco convergente. A primeira organização política a surgir foi o MING – Movimento Nacional para a Independência da Guiné, que também não teve projeção. Seguiu-se o PAI – Partido Africano para a Independência, que só em 1962 se transformaria em PAIGC. O MLG – Movimento de Libertação da Guiné é fundado em 1958, nele participaram, entre outros, Rafael Barbosa que depois se transferirá para o PAI. O espaço político era uma verdadeira amálgama, as diferentes entrevistas e depoimentos recolhidos por Leopoldo Amado são elucidativos da ingenuidade, da falta de experiência e da muita desorientação política destes ativistas.

O massacre do Pindjiquiti veio acelerar a atuação nacionalista, quando Cabral passa por Bissau em Setembro de 1959 acordou com os seus principais colaboradores que iria partir para Conacri e dedicar-se exclusivamente ao movimento de libertação, fazia a leitura do massacre como prova eloquente de que o Governo português não aceitaria negociações para a independência. Leopoldo Amado descreve a colocação das peças políticas nos territórios limítrofes e o desencadear da mobilização dentro da Guiné. Um exemplo: “Na madrugada de 28 de Maio de 1960, foram lançados panfletos, colados nas paredes e metidos debaixo das portas, em envelopes. Na madrugada de 26 de julho de 1960, em Bissau, foram distribuídos pelos CTT de Teixeira Pinto, em carta, dois tipos de panfletos, um cicloesticado e outro impresso. Nos dias 1 e 7 de Outubro de 1960, na caixa dos CTT de Bissau, foram introduzidos panfletos subordinados ao título: “Comunicado do Movimento de Libertação da Guiné, endereçado às diversas entidades e autoridades. No dia 24 desse mesmo mês, foram colados nas montras dos estabelecimentos e postos de iluminação de Bissau, panfletos do Movimento de Libertação da Guiné”. Mais panfletos e documentos saídos do punho de Cabral vão repetir-se. Já em Conacri, Cabral criou o Lar dos Combatentes, uma verdadeira escola de guerrilha, organizam-se vários campos de treino, isto em simultâneo com a sede clandestina a funcionar em Bissau sobre a chefia de Rafael Barbosa, que virá a ser desmantelada em Fevereiro de 1962, pela PIDE. A mobilização dos camponeses é um dado assente em 1962. Um outro exemplo: “No mês de Maio, elementos do PAIGC percorrem diversas tabancas armados de pistolas. No dia 25 de Junho, foi atacada a vila de Catió marcando-se assim a passagem à ação armada. Num ataque, registou-se a destruição da jangada de Bedanda e cortes de fios telefónicos. Na noite de 27 de Junho, numa operação na tabanca de Utasse, área de Bigene, foi morto a tiro por elementos do MLG, sob o comando de François Mendy, um agente de PIDE de nome Augusto Macias”. Cabral é cada vez mais instado pelos outros movimentos de libertação a desencadear a luta armada, vai protelando por falta de condições, há poucos quadros e o armamento é ainda irrisório, por essa razão o PAIGC aposta na subversão e o Sul é a região escolhida: estradas interrompidas, pontes incendiadas, as autoridades reprimem, em vão. Apercebendo-se que as armas são fundamentais, Cabral lançou um apelo à ajuda internacional. E vai recebê-la.

As divergências entre as formações políticas guineenses eram um motivo de preocupação internacional. O presidente Modibo Keita, do Mali, promoveu em Bamako, em 16 de abril desse ano, uma reunião visando estabelecer um acordo entre os líderes dos vários partidos: Labery, Vicente Có, François Mendy, Amílcar Cabral e Ibraima Djalo. Assinaram-se papéis mas não se conseguiu constituir uma frente de luta, tal o número de divergências. A FLING acaba por ser a fórmula encontrada para a conjugação dos vários grupos nacionalistas que não aceitavam as teses da unidade Guiné-Cabo Verde. Um dos grupos, o MLG, liderado por François Mendy, desencadeia os ataques em S. Domingos, Suzana e Varela. A recetividade da população foi praticamente nula, já que não tinha havido consciencialização política. Os ataques prosseguem, mas a população não adere. Leopoldo Amado descreve os grupos sediados em Dakar. Em 3 de Agosto de 1962, visando unicamente a independência da Guiné, fundou-se a FLING, fusão do MLG, do UPG – União Popular da Guiné, UPLG – União Popular de Libertação da Guiné e, mais tarde, da UNGP.

É neste contexto que o PAIGC deflagra a luta armada, a partir do Sul. Em Março de 1963 a subversão é inequívoca no Sul: Tite e Buba, corte das estradas de acesso a Empada; incêndio de um barco a motor da carreira Bolama – Ponta Bambaiã; ataque à tabanca fula de Priame; flagelações a Cufar e Fulacunda; captura no porto de Cafine dos barcos a motor Mirandela, de Casa Gouveia, e Arouca, da Casa Brandão, foram levados para a república da Guiné Conacri. De uma forma detalhada, Leopoldo Amado elenca os ataques nos meses seguintes, no Sul, no Leste e no Norte. O PAIGC instala-se no Morés, fica aqui a sua base no interior de onde nunca sairá. A evolução da guerrilha vai entrar em espiral. Na segunda metade de outubro de 1964, o PAIGC iniciou o emprego generalizado de minas anticarro e fornilhos. E começaram a atuar nas áreas de Porto Gole, Enxalé, Xime e Bambadinca. Silva Cunha visita a Guiné e escreve um relatório: “Fiquei com o conhecimento exato da situação gravíssima que a província atravessa. Os seus aspetos mais alarmantes eram a rivalidade patente, inequívoca, entre o governador e comandante militar, a incapacidade deste para fazer frente às dificuldades e a sua falta de fé na possibilidade de o fazer. A intenção da manobra do PAIGC era nítida: dividir a província, de Norte a Sul, com base nas zonas do Morés e do Oio, em duas partes, para isolar Bissau e tornar cada vez mais difícil a defesa da zona Leste, onde era mais densa a concentração dos fulas, que se mantinham indefetivelmente fiéis; a partir deste momento, é o PAIGC quem irá encarnar e definir as orientações da luta armada".

(Continua)

O Real Instituto Tropical, dos Países Baixos, editou em 1980 uma brochura de divulgação sobre a Guiné-Bissau. Por mera curiosidade, fica aqui a capa do documento. Folheando a brochura, encontrei ainda autocarros que circulavam dentro de Bissau. A empresa faliu, a seguir vieram as candongas. Recordação de um sábado de manhã na Feira da Ladra.
____________

Nota de CV:

Vd. último poste da série de 27 de Fevereiro de 2012 > Guiné 63/74 - P9540: Notas de leitura (337): Guerra Colonial & Guerra de Libertação Nacional 1950-1974: O Caso da Guiné-Bissau, de Leopoldo Amado (1) (Mário Beja Santos)

4 comentários:

Anónimo disse...

Vai ser difícil lermos um dia aquilo que custa tanto a compreender:

Como e quais os trunfos que Amílcar conseguiu, para unir, calar, conjugar, todos aqueles movimentos à volta da ideia dele, e dentro do partido liderado por ele.

Antº Rosinha

É que em tudo o que ele escreve , não fala nem em nomes nem em movimento nenhum, é como se fosse tudo naturalmente, o que à luz da história do que se seguiu até hoje na Guiné, é dificílimo compreender que fosse pacífico.

Sem dúvida que referia que alguém dentro do partido poderia atraiçoar o partido.

Esta conjugação de vários movimentos e a sempre mal explicada "futura" "para breve" entrada de Caboverde na guerra, todos fogem de aprofundar.

Vamos ver se vamos encontrar algo em Leopoldo Amado mais para a frente.

Cumprimentos

Unknown disse...

Caros amigos, fois escrito no coments anterior o seguinte:
"É que em tudo o que ele escreve , não fala nem em nomes nem em movimento nenhum, é como se fosse tudo naturalmente,..."

Desejo dizer que isto não corresponde. Vêr as seguintes obras:

"Guiné-Bissau - Nação africana forjada na luta" de Amílcar Cabral.
Publicações Nova Aurora -Lisboa 1974.

"PAIGC Unidade e Luta" de Amílcar Cabral.
Publicações Nova Aurora -Lisboa 1974.

Estas obras, são um repositório de grande parte dos discursos e intervenções de Amílcar Cabral em vários foruns e locais, mesmo internacionais, onde tem referência às questtão acima dada como certa.
Existem tambem diversas brochuras avulsas, com conteuodos atribuidos a A. Cabral.

Sei que tenho mais duas obras (livros)similares, mas de momento não encontro.

Um abraço para todos e para cada um.

Carlos Filipe
ex-CCS BCAÇ3872 Galomaro/71

Antº Rosinha disse...

Filipe, fui eu que escrevi, saiu naquela disposição o comentário com assinatura a meio, ficou atrapalhado.

para complementar melhor o que quero dizer, como li tudo o que me veio à mão na Guiné, de Amílcar, de outros praticamente não havia nada, reafirmo que nunca se encontra as voltas que Amílcar deu, para abrigar debaixo do mesmo tecto, aqueles movimentos todos.

São referidos certos envolvimentos pessoalizados como Barbosa, futebol parece que foi tudo "na paz de Deus", como se alguma vez teria havido paz debaixo daquele tecto, ainda hoje.

Quando se sabe que desde o inicio a grande guerra na Guiné até hoje foi dentro daquele partido "limpando-se uns aos outros"

Filipe, só comecei a deixar-me de uma vida depravada para me dedicar e a ler livros decentes de política no dia 26 de Abril.

E fui comprar o best-seller do Spínola, e um chefe meu disse-me para não comprar porque já tinha sido escrito por Norton de Matos vinte e tal anos antes, ele apenas reproduziu.

Portanto já não havia nada de novo.

Mas Filipe, de tudo o que li de Amílcar que admiro, como admiro os caboverdeanos como gente excepcional, o que achei muito interessante foi sobre como se vê quem nasce a comer vianda à mão e quem o faz por ver os outros.

Filipe, São três histórias que nunca são explicadas aos guineenses como deve ser: A conversão dos diversos movimentos no PAIGC, a tal (não) entrada de Caboverde na guerra, e por último a mastigada e pronta a servir acção dos "três tiros da PIDE".

Cumprimentos

Anónimo disse...

".. li tudo o que me veio à mão na Guiné, de Amílcar, de outros praticamente não havia nada, reafirmo que nunca se encontra as voltas que Amílcar deu, para abrigar debaixo do mesmo tecto, aqueles movimentos todos."

Mais Velho Rosinha, o Carlos Filipe tem razao!!!

Quica estejam a faltar na sua coleccao bibliografica a proposito, algumas obras/textos/livros
(alguns ja referenciados pelo Carlos Filipe no seu comentario) incontornaveis ao entendimento dessa fase da luta travada pelos nacionalistas guineenses e caboverdianos!

Diria tratar-se de um periodo, da afirmacao do "nacionalismo guineense e caboverdiano" no exilio..particularmente em Dacar e Conacri...relativamente bem documentado !!!

E o PAIGC, tal como os demais movimentos nacionalistas em Angola e Mocambique, particularmente
( MPLA e FRELIMO)nao e mais do que o resultado da amalgama de algumas das entao correntes nacionalistas com actividade politica (re)conhecida em Bissau,Dacar e Conacri...que foram no fundo absorvidas !!!

E nao foi de todo um processo pacifico ! Pois sao conhecidas as intervencoes de Amilcar Cabral, junto dos lideres dos estados vizinhos ( Senegal e Guinee)por forma a levar a agua ao seu moinho, em detrimento das ditas demais organizacoes de cariz nacionalista guineense que operavam em Dacar e Conacri.

O que valeu a Cabral (nesse inospito ambiente) foi a valia, o prestigio e a seriedade como lider... isto sem se perder de vista a propria capacidade organizativa do movimento que liderava (comparativamente as demais) !!!!

Mas que nao hajam duvidas : parte das tais divergencias internas a que se refere num dos seus comentarios, resulta dessa quica imperfeita simbiose !!!

Mantenhas

Nelson Herbert