segunda-feira, 11 de junho de 2012

Guiné 63/74 - P10024: Efemérides (103): XIX Encontro Nacional de Combatentes: 10 de junho de 2012, Homenagem do Prof Doutor Manuel Antunes aos antigos combatentes da guerra do ultramar (Virgínio Briote)

PALAVRAS DO PROFESSOR DOUTOR MANUEL ANTUNES  DURANTE O XIX ENCONTRO NACIONAL DE HOMENAGEM AOS COMBATENTES

O discurso proferido, no passado 10 de junho,  pelo conhecido cardiologista Manuel Antunes, diretor do prestigiado Centro de Cirurgia Cardiotorácica do Centro Hospitalar e Universitário de Coimra [, foto à esquerda, cortesia da página Ciência Hoje, poste de 26 de agosto de 2009], chegou-nos hoje ao nosso conhecimento através do correio do nosso co-editor Virgínio Briote:



Em perigos e guerras esforçados,
Mais do que prometia a força humana,
E entre gente remota edificaram
Novo Reino, que tanto sublimaram;
……
E aqueles, que por obras valerosas
Se vão da lei da morte libertando;




Estimados Combatentes,

Quero agradecer-vos a suprema honra de poder estar, aqui e hoje, convosco. Não me reconheço os dotes que presumivelmente estiveram na origem do convite que me foi feito pela Comissão Executiva deste Encontro e que outros, em anos anteriores, evidenciaram. No entanto, as palavras deste ilustre desconhecido que está perante vós, que não serão um modelo de retórica, são certamente sentidas. Como escreveu o poeta,

Mas eu que falo, humilde, baxo e rudo,
De vós não conhecido nem sonhado?
Da boca dos pequenos sei, contudo,
Que o louvor sai às vezes acabado.


No 10 de Junho, celebramos o Dia de Portugal, Dia de Camões, o poeta da nossa epopeia ultramarina. Estamos todos aqui, neste local histórico, à sombra da Torre de Belém, que simboliza os descobrimentos portugueses, para celebrar Portugal e honrar os seus combatentes, os seus heróis.

Homenageamos os que combateram na guerra do Ultramar, a mais recente e que ainda está bem viva na memória de muitos, e em que pereceram quase nove mil portugueses europeus e africanos, cujos nomes estão para sempre gravados neste monumento. Tal como os navegadores de antanho, muitos destes deixaram as suas terras para defender a Pátria em terras longínquas, que a maior parte até desconhecia.

Homenageamos todos os outros que deram a vida pela Pátria ao longo da sua história, neste rol incluindo aqueles que, mais recentemente, o fizeram em missões de paz em que, como cidadãos do mundo, estivemos e continuamos a estar envolvidos em várias partes do planeta.

Todos merecem o nosso mais profundo reconhecimento. “Ditosa Pátria que tais filhos tem”. Não tenhamos medo desta frase, como não devemos ter medo de afirmar, como Vasco da Gama, “Ditosa Pátria minha amada”. Porque estes Homens só morrem quando a Pátria se esquece deles. E porque não nos esquecemos deles, aqui viemos hoje.

Mas não recordamos apenas os que perderam a sua vida na guerra, homenageamos também um enorme número de combatentes ainda vivos, a merecer reconhecimento, e de que há muitos, ainda, a sofrer as consequências de uma guerra por Portugal, com referência especial para os mais de 15.000 deficientes do ultramar. Os Portugueses homenageiam-vos a todos vós que aqui estais e os vossos camaradas que aqui não puderam vir.

É claro que há por aí quem não goste do que aqui estamos a fazer. Mas como disse, há pouco mais de um ano, o Senhor Presidente da República, por ocasião do 50º Aniversário do início da guerra em África, “…hoje aqui não homenageamos uma época, um regime ou uma guerra. Trata-se, simplesmente, de uma homenagem da Pátria àqueles que se encontram entre os seus melhores servidores”.

Ainda que algo se tenha progredido nos últimos anos, lamento a forma como os Antigos Combatentes da Guerra de Ultramar foram, e continuam a ser desconsiderados, mesmo maltratados, o que evidencia um triste retrato de Portugal.

Um retrato que se começa a fazer na escola. Escola de onde entretanto desapareceu o culto da Pátria, da bandeira, do hino. Escola onde, quase 4 décadas depois, ainda se escamoteia e até se deturpa uma parte importante da nossa história, mas a que a história um dia fará justiça.

Como também disse o nosso Presidente, “é importante transmitir às gerações mais novas, o testemunho de quem enfrentou a adversidade ombro a ombro com aqueles a quem confiava a vida e por quem a daria também; o testemunho de quem conhece a relevância de valores como a solidariedade, o profissionalismo, o mérito e a honra, a família e o País”.

De um Antigo Combatente li que, “só assim se pode incutir nos mais novos o sentimento de que pertencem a uma nação, com as suas vitórias e as suas derrotas, os seus momentos de glória e os seus períodos de desânimo. Não se pode compreender um país se não se conhecer o seu passado, com tudo o que teve de bom e de menos bom”.

Homenageamos hoje, pois, a entrega e o espírito de missão dos nossos combatentes, com o coração e a alma cheios de orgulho no que fizeram. Em combate e fora dele. Na integração com as populações locais, sem precedentes noutras guerras e entre outros povos, e que é amplamente reconhecida pelos próprios cidadãos desses hoje países independentes.

Estamos, nestes tempos, a virar a página. As nossas ligações com África são hoje mais fortes que nunca. A promoção da lusofonia africana, que nos pode ajudar a libertarmo-nos de alguns dos nossos problemas, é agora um dos nossos desígnios. A vossa luta também ajudou a criar um ambiente propício para este diálogo. Afinal, a história está, uma vez mais, a reescrever-se e a reencontrar-se consigo própria.

Nestes dias, o País atravessa, novamente, uma situação difícil. Todos nós sofremos as suas consequências. Contudo, comparados com as vicissitudes desse tempo, os problemas que o País enfrenta hoje até parecerão menores. Se os conseguimos resolver então, certamente os resolveremos hoje.

Caros combatentes,

Permitam-me, finalmente, que aproveite a minha presença aqui para destacar o pessoal da saúde das nossas Forças Armadas, médicos, enfermeiros, técnicos e outros que deram apoio médico-sanitário nos teatros de operações ultramarinos. Como médico, não podia deixar de aqui prestar homenagem a todos aqueles que, na frente de combate ou na retaguarda, resgataram da morte as vossas vidas. Alguns pagaram também com a própria vida essa sua dedicação à causa.

Mas não foi apenas na guerra que se destacaram. Eles ajudaram a estabelecer uma rede de centros de saúde de que resultou uma cobertura médico-sanitária efectiva onde antes não existia nada. As populações desses territórios foram os beneficiários directos dessa actuação e ainda hoje o recordam. Sou testemunha disso, como sou testemunha dessa actividade, porque por lá vivia então. Convivi com alguns, aprendi com alguns. É necessário não esquecer que 40% do orçamento das Forças Armadas no ultramar era dedicado à acção social. Também desta forma se contribuiu para a construção do futuro.

Queridos combatentes,

Termino, como comecei, citando Camões:

Em vós esperam ver-se renovada
Sua memória e obras valerosas;
E lá vos tem lugar, no fim da idade,
No templo da suprema Eternidade.


Os Portugueses não vos esquecem. Os Portugueses não esquecem o que vos devem.

Viva Portugal!

10 de Junho 2012

_______________

Nota do editor:

Último poste da série > 1 de junho de 2012 > Guiné 63/74 - P9975: Efemérides (67): Ataque ao navio Patrulha Hidra, dia 20 de Maio de 1973 (António Dâmaso)

6 comentários:

José Marcelino Martins disse...

Sou um dos muitos que, ano após ano, rumei a Belém.
Escutei muitos discursos, escutei muitas opiniões.
Escutei combatentes, e escutei representantes das firmas que "patrocinavam as coroas comerciais" que eram colocadas no monumento, ostentando as siglas dos patrocinadores.
Escutei vivências, e assisti a um verdadeiro desfile de vaidades.

Ao Professor Doutor Manuel Antunes o meu agradecimento e o meu louvor.

Palavras simples, curtas, eloquentes e despidas de vaidades. Tenho a certeza de que quem as ouviu, compreendeu e agradeceu.

Tambem aparece sempre quem, no final da palestra pergunte:"Este gajo foi operacional onde?"

Provavelmente, disso tenho quase a certeza, este ano, ninguem perguntou.

Bem haja, Professor!

antonio barbosa disse...

Os meus parabens pela coragem do Prof Dr. Manuel Antunes pela cora-
gem de dizer publicamente aquilo que muitos pensam mas poucos dizem publicamente. O meu obrigado VIVA
PORTUGAL.
Antonio Barbosa

Anónimo disse...

Este "gajo" não foi operacional em lado nenhum, pelo simples facto de não ter idade para isso.

O Sr. Professor Doutor Manuel Antunes, viveu em Moçambique,e posteriormente na África do Sul,onde fez a especialidade de cirurgia cárdio-toráxica.
Veio para Portugal onde montou o serviço que dirige,construído ao lado do H.U.C.,com condições especiais,mediante protocolo com o M.da Saúde.
Foi, e é de prestigio e de referência mundial.
O Sr.Prof.Dr. Manuel Antunes e a sua equipa,são um orgulho da medicina portuguesa.
Nem tudo é mau em Portugal,como muitos dizem e pensam...ah..para além do prémio nobel da literatura..o coiso..esse...ah..Saramago...também temos um prémio nobel da medicina..Prof. Egas Moniz.
O Prof. Manuel Antunes,apenas revelou o seu patriotismo, independentemente de opções politicas,por isso o meu singelo obrigado.

C.Martins

Anónimo disse...

Não costumo participar nas vaidades promovidas pelos diferentes governos que se aproveitam deste dia, mas, de todos os discursos que já tive oportunidade de ler, este é aquele que considero mais verdadeiro, mais sincero por mais sentido.
Ao Prof. Dr. Manuel Antunes o meu obrigado.
BSardinha

João Carlos Abreu dos Santos disse...
Este comentário foi removido pelo autor.
João Carlos Abreu dos Santos disse...

... para que conste:
Manuel de Jesus Antunes, nasceu em Moçambique.
Em Junho de 1993, foi agraciado pelo PR Mário Soares, com a Grã-Cruz da Ordem Militar de Cristo.
Em Janeiro de 2006, foi o mandatário distrital de Coimbra, para a candidatura à presidência, do prof. Cavaco Silva.
É professor catedrático, da Faculdade de Medicina da Universidade de Coimbra.

Cpts,
JCAS
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