1. Mensagem do nosso camarada Francisco Henriques da Silva (ex-Alf Mil da CCAÇ 2402/BCAÇ 2851, Có, Mansabá e Olossato, 1968/70), ex-embaixador na Guiné-Bissau nos anos de 1997 a 1999, com data de 29 de Novembro de 2012:
Meus amigos,
No seguimento do meu anterior "post" sobre o livro de Patrick Chabal " Amílcar Cabral: revolutionary leadership and people's war", remeto-vos a 2ª parte da recensão, acompanhada por uma fotografia do autor.
Cordiais cumprimentos
Francisco Henriques da Siva
(ex-Alf. Mil. de Infantaria da C.Caç. 2402)
Amílcar Cabral – o líder revolucionário (2/2)
(continuação)
O autor detém-se na análise do Congresso de Cassacá (1964) que visou reorganizar a estrutura militar, reformar e disciplinar o partido, reduzir a autonomia de certos grupos, coarctar os abusos de poder, exercer um firme controlo político sobre a condução da luta armada (a principal questão de fundo) e, finalmente, a organização civil das áreas libertadas. Todavia, o líder do PAIGC e o Congresso reconheceram, igualmente, a existência de outras questões relevantes: a etnicidade (ou seja, a fraca adesão dos fulas aos ideais da guerrilha, antes alinhando com as teses portuguesas) e problemas de índole cultural que suscitavam óbices à prossecução da luta.
Os êxitos diplomáticos devem ser evidenciados, ao longo de todo o período de luta e em especial na recta final, referimo-nos ao início da década de 70. Leia-se: o reconhecimento do PAIGC, como único representante do movimento nacionalista da Guiné-Bissau, a nível da OUA; as declarações em diferentes instâncias da ONU; o apoio dos países socialistas e outros (Suécia, por exemplo) à causa independentista; a audiência concedida pelo Papa Paulo VI em Agosto de 1970 e o respaldo político internacional generalizado a uma eventual declaração de independência.
Todo o período que medeia entre Congresso de Cassacá (1964) e a declaração unilateral de independência (Setembro de 1973) consiste numa escalada da guerra, em que o PAIGC obtém importantes êxitos e o dispositivo militar português é expressivamente reforçado. Não obstante, o advento de um novo governador em 1968, António de Spínola e a implementação da sua politica “Por uma Guiné melhor” era potencialmente mais perigoso que qualquer resposta militar musculada, num conflito que foi sempre considerado como sendo de baixa intensidade, na medida em que se tratava de uma política de aliciamento e conquista das populações que punha em risco, essa sim, os objectivos do PAIGC (cfr. p. 94).
A guerra envereda nos últimos anos (1971-1973) por uma senda de maior agressividade. Sem embargo, o “PAIGC não procurava uma vitória militar uma vez que Cabral estava convencido de que seria demasiado pesada em termos de vidas humanas” (v. p. 95). Também, numa fase posterior, a propósito de uma hipotética vitória militar total Manuel dos Santos (Manecas) concorria, ponto por ponto, com a mesma opinião: “Não acreditávamos realmente numa vitória militar total” (v. p. 104). Todavia, nesta fase e tendo em conta o território que alegadamente dominava, bem como a população sob o seu controlo, o PAIGC já se considerava um partido-Estado.
O autor refere-se invariavelmente ao ideário político, à intensa actividade intelectual e à visão estratégica do líder do PAIGC, mas não se refere às suas qualidades militares. É, pois, legítimo concluir que Cabral deixava tudo isso aos operacionais no terreno, limitando-se apenas a orientá-los politicamente. Não era um militar, nem o que podemos considerar um “duro”, mas alegadamente um homem tolerante. Sabe-se, por exemplo, que Cabral, condescendente por natureza, opunha-se à pena de morte e à prisão perpétua e que, muitas sentenças dos tribunais populares neste sentido, não foram executadas.
É interessante notar que as eleições de 1972, na clandestinidade, obviamente, que visavam legitimar e consolidar o passo seguinte – a independência – “devem ser encaradas como a primeira tentativa para o estabelecimento de uma significativa separação e equilíbrio político entre o partido e o Estado” (p. 127).
Quanto ao assassinato de Amílcar Cabral, Chabal explana as diferentes teses que correm sobre o assunto, designadamente as dissensões entre a elite política cabo-verdiana e os guerrilheiros guineenses que estariam na origem do crime, mas, após uma extensa explicação, acaba por concluir “não existirem provas que sugiram que a alegada divisão entre guineenses e cabo-verdianos era um tema politicamente saliente no partido” (p. 140), argumentando, ainda, que o golpe de Estado de 1980 não teria nada que ver com o citado antagonismo inter-étnico. Opinião com a qual discordamos inteiramente, não só pela análise de factos históricos subsequentes, mas pela circunstância, aliás reconhecida pelo autor de que a “política da integração da Guiné e Cabo Verde num país unificado, consagrada no programa partidário de 1956, era uma ideia exclusiva de Cabral” (p. 162) . Mais. O autor conclui, inequivocamente: “além disso, emerge agora que nem os cabo-verdianos nem os guineenses estavam plenamente preparados para a unidade” (p. 163).
Para além da narrativa biográfica, Patrick Chabal que estudou outros processos revolucionários de luta armada anticolonial em África, sobretudo em Angola e Moçambique suscita a questão essencial de se se saber por que razão é que a luta do PAIGC obteve maior êxito que a dos seus congéneres marxistas MPLA e FRELIMO. O autor pensa que aquele partido dispunha de importantes vantagens à partida: em primeiro, lugar, os demais movimentos nacionalistas guineenses desapareceram ou eram irrelevantes; em segundo lugar, existia uma organização melhor estruturada e uma mobilização mais generalizada do campesinato na Guiné em prol da guerrilha, susceptível de diluir as diferenças étnicas existentes e de estabelecer laços mais consistentes de unidade nacional; em terceiro lugar, subsistia um controlo político real de toda a actividade militar e, finalmente, o PAIGC estabeleceu uma administração minimamente eficaz nas áreas libertadas. Poderíamos ainda acrescentar que em contraste com os outros movimentos emancipalistas das ex-colónias portuguesas, o PAIGC dispunha de inegáveis trunfos diplomáticos que os demais não desfrutavam. Estes factores de diferenciação em relação aos outros movimentos de emancipação têm de ser sublinhados, estão na base do respectivo êxito e devem-se, em larga medida, à liderança de Amílcar Cabral. Por razões que o livro não adianta, nem poderia adiantar uma vez que não envereda pela futurologia, a evolução seria outra, já patente, porém, na gestão de Luiz Cabral e no golpe de Estado de “Nino” Vieira (golpe de Estado de 14 de Novembro de 1980) a que Chabal alude de passagem.
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Nota de CV:
Vd. último poste da série de 1 de Dezembro de 2012 > Guiné 63/74 - P10745: Notas de leitura (434): "Amílcar Cabral Revolutionary leadership and people's war", por Patrick Chabal (1) (Francisco Henriques da Silva)
Blogue coletivo, criado por Luís Graça. Objetivo: ajudar os antigos combatentes a reconstituir o "puzzle" da memória da guerra colonial/guerra do ultramar (e da Guiné, em particular). Iniciado em 2004, é a maior rede social na Net, em português, centrada na experiência pessoal de uma guerra. Como camaradas que são, tratam-se por tu, e gostam de dizer: "O Mundo é Pequeno e a nossa Tabanca... é Grande". Coeditores: C. Vinhal, E. Magalhães Ribeiro, V. Briote, J. Araújo.
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1 comentário:
Registo:
"A guerra envereda nos últimos anos (1971-1973) por uma senda de maior agressividade. Sem embargo, o “PAIGC não procurava uma vitória militar uma vez que Cabral estava convencido de que seria demasiado pesada em termos de vidas humanas” (v. p. 95). Também, numa fase posterior, a propósito de uma hipotética vitória militar total Manuel dos Santos (Manecas) concorria, ponto por ponto, com a mesma opinião: “Não acreditávamos realmente numa vitória militar total” (v. p. 104). Todavia, nesta fase e tendo em conta o território que alegadamente dominava, bem como a população sob o seu controlo, o PAIGC já se considerava um partido-Estado.
Há quantos anos nos andam a vender, neste blogue, a tese falsa e barata (propaganda ideológica barata...), a tese falsa da derrota militar das Forças Armadas Portuguesas na Guiné?
Abraço,
António Graça de Abreu
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