Sexagésimo nono episódio da série Bom ou mau tempo na bolanha, do nosso camarada Tony Borié, ex-1.º Cabo Operador Cripto do CMD AGRU 16, Mansoa, 1964/66.
Resumo do décimo dia
Já nos encontrávamos no estado do Alaska, que é uma
gigantesca península, que se limita a norte com o Oceano
Ártico, a oeste com o estreito de Bering, que o separa do
país europeu Rússia, na área das províncias de Chukotka
Autonomous Okrug e Kamchatka Krai, ao sul com o mar
de Bering e, a leste, com o Canada, nas províncias de
Yukon e British Columbia. Tem 1 723 336,57 km², dos
quais 1 477 953,12 km² são terra firme, sendo o resto coberto
por água, tornando-o o maior estado dos USA.
Apesar deste território ter sido habitado, milhares de
anos, por povos indígenas, a partir do século XVIII,
algumas potências europeias consideraram o território do
Alasca, bom para exploração. Assim, o nome “Alaska", foi
introduzido no período colonial russo, que lhe chamava,
“Аляска”, quando foi usado para se referir a esta
gigantesca península, derivado de uma expressão do
idioma esquimo-aleutiano, “Aleut”, ainda hoje falado em
diversas partes deste território, quando se referem ao
território do Alasca, mais propriamente ao estreito de
Bering, querendo dizer mais ou menos, “para onde a
corrente da acção da água do mar é dirigida”. Também é
conhecido como “Alyeska”, a "Grande Terra", uma palavra
também “Aleut”.
Era manhã, no nosso relógio, pois a luz do dia já nos
iluminava há muitas horas, estávamos no que chamam a
cidade de Delta Junction, que está localizada a pequena
distância da confluência do rio Delta com o rio Tanana,
onde existe a povoação de Big Delta e, onde também
viviam os primeiros habitantes que eram os “Tanana
Athabaskan” e, além destes rios, o território do Alasca é
cortado pelo rio Yukon, um dos rios mais longos da
América do Norte, com os seus 3185 km de
comprimento, possui milhares de pequenos lagos, alguns
com algumas dezenas de quilómetros de largura, com
grande quantidade de peixes, em especial salmão, além
de tudo isto, cerca de 35% do Alasca é coberto por
florestas, principalmente, no sul do estado, além de
abrigar milhares de “Glaciares”, que são as tais espessas
massas de gelo formadas em camadas sucessivas de
neve compactada e recristalizada, durante várias épocas,
em regiões onde a acumulação de neve é superior ao
degelo, cujo tamanho varia entre algumas centenas de
metros, até 80 km de comprimento, chegando até aos
300 metros de espessura.
Creio que já chega de história, mas perdoem acrescentar
mais um pormenor, se o território do Alasca, fosse um
país independente, seria o 17.° maior do mundo em
extensão territorial e, ainda existe outro pormenor, é que o
governo americano comprou todo o território do que é
hoje o Alasca ao Império Russo, em 1867, por 7,2
milhões de dólares, mais ou menos, dois cêntimos por
“acre”, ou seja ($4.74/km²), mas só no ano de 1959 o
elevou à categoria de estado, tornando-se assim no 49.º
estado americano.
Vamos continuar, pois o que mais deve de interessar aos
nossos companheiros são pequenos pormenores da
viajem, como vivem por aqui as pessoas, o que os nossos
olhos viram e, o que faltava em facilidades no dia a dia,
era abundante em animais na estrada, pelo menos por
aqui em Delta Junction, pois por volta do ano de 1928, o
governo dos USA trouxe uma manada de 23 búfalos do
“National Bison Range”, no estado de Montana, para esta
povoação de Big Delta, para ajudarem os seus habitantes
na caça. Em poucos anos reproduziram-se de tal maneira,
que já eram problema para as pequenas culturas, onde
teve que haver controle, abrindo a época de caça, com
mais frequência, existindo agora um controle, que
mantém uma manada de apenas umas centenas.
Nesta cidade de Delta Junction, oficialmente termina o
“Alaska Highway” e, começa o “Richardson Highway”, que
para norte, nos leva à cidade de Fairbanks, e para sul à
cidade de Valdez, onde existe o terminal do célebre
“Alaska Pipe Line”, que é aquele oleaduto gigante que
transporta o óleo em bruto por uma distância de
aproximadamente 800 milhas, extraído do fundo do mar,
lá no norte do Alaska, em Prudhoe Bay, onde o clima já é
polar.
Existem por aqui poucas pessoas, está muito desabitado,
as estradas resumem-se a 4 ou 5 a que chamam
“Highways”, mas, só junto às principais cidades têm 2
vias, o resto é só uma via onde passam as viaturas umas
pelas outras. Para nós, era bom, era tranquilidade, era
paisagem, era natureza pura, era ar puro que se respirava,
todas as dificuldades para nós eram normais e
aceitavam-se com muito agrado, pois quando jovens, tal
como os nossos companheiros, tínhamos sobrevivido
sem quase nenhumas facilidades, a uma passagem por
um período de anos, num maldito cenário de guerra, lá na
África.
Havia por aqui diferentes facilidades, como por exemplo,
existem com frequência, junto às estações de serviço, as
lojas de conveniência, muito melhores que a loja do
“Libanês” lá em Mansoa, que vendem desde uma
“aspirina” até um “par de pneus todo o terreno”, locais
com bombas de água, com sabão ou sem sabão, de
muita ou pouca pressão, próprias para lavagem de
viaturas pequenas ou grandes, que os proprietários dessas
viaturas usam, lavando ou simplesmente tirando alguma
terra, lama, pó ou mosquitos já mortos dos vidros da
frente, dos faróis ou das manetes que abrem as portas e,
é o que fazemos com muita frequência.
Era ainda manhã, visitamos o Centro de Turismo, uma
pessoa, saindo de um luxuoso autocarro, que
possivelmente vinha dos portos das cidades de Valez ou
Anchorage, desviando-se de uma poça de água, dizia:
“isto parece o terceiro mundo”. Para nós era exagero,
mesmo muito exagero, devia de ser do tipo de uma
daquelas pessoas que nós, quando prestávamos serviço
militar em Lisboa, esperando o embarque para a então
província da Guiné, víamos na zona do Mosteiro dos
Jerónimos, vestidas com aquelas roupas garridas,
falavam inglês, passeando-se com ar de pessoas
importantes, mas depois de emigrar, viemos a saber que
eram uns remediados, com o mínimo de escolaridade,
que abriam uma conta no banco, descontando uma
importância por semana do seu ordenado para virem à
Europa mostrarem-se e, um nosso companheiro de
então, nos dizia: ”olha ali, um cáa...mone”.
Porra, estou a fazer muitas interrupções, vamos mas é
continuar. No Centro de Turismo, a funcionária, uma
simpática senhora, descendente de emigrantes alemães,
dizia-nos que já tinha visitado por mais que uma vez
Portugal, gostava de “vinho do Porto” e “pastéis de nata”,
e sabendo que a nossa origem era Portugal, logo se desfez
em amabilidades e informações muito úteis, tentando falar
algumas palavras em português, o que nos fazia rir,
ajudou-nos a tirar algumas fotos no “marco histórico”,
onde oficialmente termina o “Alaska Highway”.
Tomando o rumo do norte, ou seja, seguimos pelo
“Richardson Highway”, para a cidade de Fairbanks. Chovia
aquela “chuva miudinha”, o Jeep e a caravana, já lavados,
seguiam com alguma segurança, parámos na cidade de
“North Pole”, sim, aquela povoação onde dizem que vive
o “Pai Natal”, que se localiza entre o rio Chena e o rio
Tanana, dizem que vive do turismo e de duas grandes
refinarias de petróleo, o que pudemos constatar pelo
tráfico de grandes camiões/tanques que entram e saiem
constantemente da cidade, entrando na única estrada que
a atravessa, que é o “Richardson Highway”.
Visitámos um grande estabelecimento de decorações de
Natal e não só, que é frequentado por pessoas chegadas
em viaturas como nós, ou vindas em autocarros, que
constantemente chegam das cidades de Fairbanks,
Anchorage e até de Valdez. Existe aqui uma grande
imagem que dizem que é a maior do mundo, do “Santa
Claus”, feita em fiberglass. As luzes que iluminam as ruas
estão decoradas com motivos de Natal, têm nomes como,
Santa Claus Lane, St. Nicholas Drive ou Snowman Lane. Os carros da polícia têm a cor de verde e branco, os
carros dos bombeiros e as ambulâncias são vermelhas,
tal como a roupa do “Pai Natal” e o posto do correio da
cidade de North Pole recebe por ano centenas de milhares
de cartas dirigidas ao “Pai Natal”.
Para nós era Alaska puro, com muito “folclore”, muita
paisagem, em algumas zonas, neve antiga nas
ribanceiras, chuva e nevoeiro, o tal clima polar, estrada
perigosa, paragens constantes para dar espaço aos
longos camiões que por nós passavam, quando nos
surgia uma qualquer habitação, um pouco retirado da
estrada, normalmente, na sua frente, além de um ou dois
pick-up, um ou dois barcos pequenos com motor fora de
bordo, já antigos, também lá estava uma avioneta com
rodas ou flutuadores, que possivelmente usava a estrada
ou o lago mais próximo para deslocar. Continuando
sempre rumo ao norte, rumo à “latitude 66° 33’, seguindo
para a cidade de Fairbanks, que um tal capitão E. T. Barnette fundou no ano de 1901 enquanto tentava criar
um ponto comercial em Tanacross, onde o rio Tanana
atravessava a trilha Valdez-Eagle. O barco em que
Barnette e uns jovens seguiam encalhou 11 km após o rio
Chena, onde a fumaça do motor atraiu alguns
garimpeiros, que logo acorreram ao local, encontrando o
capitão que ali desembarcou. Os garimpeiros
convenceram Barnette a estabelecer seu ponto comercial ali, onde mais tarde a cidade recebeu seu nome em
homenagem a Charles W. Fairbanks, um senador
republicano de Indiana, mais tarde o 26.º vice-presidente
dos USA.
Transitávamos com algum cuidado por uma via da
cidade, com o Jeep e a caravana um pouco sujos, na
procura do Centro de Turismo, ao nosso lado ia um
veículo da emissora de televisão local, que na paragem
do sinal de trânsito, vendo a matrícula do veículo da
Florida, nos perguntou se tudo nos tinha corrido bem e há
quanto tempo andávamos na estrada. Já tinham ouvido
falar em nós, que nos desejavam boa sorte, e mais umas
outras perguntas de circunstância, nós perguntámos qual
o itinerário mais perto para chegar ao Centro de Turismo,
e eles logo disseram para os seguir. Ali tivemos
alguma informação, percorremos a cidade, como chovia
procurámos hotel, a empregada, sabendo a
nossa proveniência, para surpresa nossa, disse que já
tinha ouvido falar na nossa “aventura”, tinha muito gosto
em receber-nos, não só fazendo um preço “de amigos”,
recomendando-nos para outros hotéis da mesma rede, o
que muito agradecemos.
Já eram seis horas da tarde quando por recomendação
de uma pessoa que aqui vive, que é professor na
Universidade, aqui, em Fairbanks, mas com familiares na
cidade onde vivemos, no estado da Florida, fomos a um
famoso restaurante, próximo de onde passa o “Alaska
Pipe Line”, um pouco ao norte da cidade, comer bifes de
búfalo, onde servem doses para gigantes, a que chamam
“bife para homem do óleo, grande”, “bife para homem do
óleo, médio” ou “bife para homem do óleo, pequeno”.
O prato do dia era “hamburgueres”. Havia
um grande “braseiro”, as pessoas, com o pão na mão,
tiravam um hamburguer, colocavam uma grande “rodela”
de tomate, cebola e outros temperos. Nós comemos um
bife de búfalo, pedimos a dose média, deu para dois e
cresceu para trazermos para o lanche do próximo dia.
Tudo regado com cerveja local, à temperatura normal, que
parecia vinho branco.
Neste dia andámos pouco, percorremos somente 319
milhas, com o preço da gasolina a variar entre $4.10 e $4.
22 o galão, que são aproximadamente 4 litros.
Tony Borie, Agosto de 2014.
____________
Nota do editor
Último poste da série de 4 de Outubro de 2014 > Guiné 63/74 - P13690: Bom ou mau tempo na bolanha (68): Da Florida ao Alaska, num Jeep, em caravana (9) (Tony Borié)
Blogue coletivo, criado por Luís Graça. Objetivo: ajudar os antigos combatentes a reconstituir o "puzzle" da memória da guerra colonial/guerra do ultramar (e da Guiné, em particular). Iniciado em 2004, é a maior rede social na Net, em português, centrada na experiência pessoal de uma guerra. Como camaradas que são, tratam-se por tu, e gostam de dizer: "O Mundo é Pequeno e a nossa Tabanca... é Grande". Coeditores: C. Vinhal, E. Magalhães Ribeiro, V. Briote, J. Araújo.
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3 comentários:
Caro Tony
Cá continuo a acompanhar a tua viagem por terras frias....
Achei graça ao facto da Senhora gostar de "vinho do Porto" e de "pastéis de nata", como referências a Portugal. Só faltou falar no "Ronaldo" que nos tempos que correm é outro 'símbolo/referência' do nosso país.
Depois essa coisa dos "bifes para o homem do óleo" também achei curioso.
Boa continuação.
Hélder S.
Olá Hélder.
Obrigado pelo teu comentário.
É importante, focas motivos que afinal necessitam de um pouco de esclarecimento, pois tu és, um pouco assim, como a voz dos nossos companheiros.
As pessoas, naturais daqui, com uma idade que pode andar à volta da nossa, não dão lá muita importância ao futebol da Europa, mas os jovens, esses sim, sabem tudo à volta do nosso Cristiano, copiam a sua imagem, quase, como fosse o seu herói!.
O "homem do óleo", é o típico trabalhador do "Alaska Pipe Line", é o "oil men", que nós podemos chamar o "homem do petróleo", como talvez as nossas mães ou pais, chamavam ao "petroleiro", que naquele tempo vinha com uma carroça, vender, entre outras coisas, petróleo e azeite, pelas ruas da vila.
Na região de Fairbanks, da sua população, faz parte uma grande percentagem de trabalhadores do "Alaska Pipe Line", que ainda continuam a ir para lá, alguns por um período de três meses, pois a sua residência é Houston, no Texas, onde existem as refinarias e, claro, algumas "facilidades" do "Alaska Pipe Line". Há uns anos, fazendo parte de um grupo, da multinacional onde trabalhava, tivemos um prémio, que era ir pescar ao Alaska, o vôo era de Houston para Anchorage e, era só homens do petróleo, que bebiam, bebiam, comiam, comiam e, dormiam, dormiam!.
Um abraço, Hélder.
Tony Borie.
Tony,
Mais uma bela reportagem da tua parte.
Para conhecimento dos que se importam com estas coisas, neste momento o óleo do Alaska representa cerca de 7% da produção total dos EUA. É refinado na sua quase totalidade no Alaska, California, Hawaii, and Washington State, Porto Rico e muito pouco em outros países.
Cerca de 95% do óleo do Alaska é exportado para o estrangeiro, sobretudo para os países asiáticos. Japão, Koreia do Sul, China, entre outros, são os grandes importadores.
O que acima afirmei parece contrariar a ideia que os EUA são importadores de óleo. Por razões de de estratégia económica e de defesa são-no, mas também é verdade que neste momento esta naç½o americana é práticamente auto suficiente nas suas necessidades energéticas.
Abraço,
José Câmara
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