sexta-feira, 14 de junho de 2019

Guiné 61/74 - P19889: Voluntário em Bissau, na Escola Privada Humberto Braima Sambu - Crónicas de Luís Oliveira (10): Se fosse fácil não seriamos corajosamente voluntários, seriamos apenas turistas.









Guiné-Bissau > Bissau > Escola Privada Humberto Braima Sambu (março-maio de 20919) > Uma experiência, enriquecedora, de voluntariado

Fotos: © Luís Mourato Oliveira  (2019). Todos os direitos reservados. [Edição e legendagem: Blogue Luís Graça & Camaradas da Guiné]



1. Mensagem do Luís Mourato Oliveira:

(i)  nosso grã-tabanqueiro nº 730;

(ii)  foi alf mil inf, de rendição individual, na açoriana CCAÇ 4740 (Cufar, 1973, até agosto);

(iii)  e, no resto da comissão, o último comandante do Pel Caç Nat 52 (Setor L1 , Bambadinca, Mato Cão e Missirá, 1973/74): 

(iv) é lisboeta,fez o Liceu Pedro Nunes, é bancário reformado, foi praticante e treinador de andebol;

(v)  tem fortes ligações à minha terra natal, onde agora vivo, Lourinhã, Oeste, Estremadura...

(vi) acaba de regressar de uma missão de 3 meses em Bissau, como voluntário na Escola Privada Humberto Braima Sambu, no âmbito de um projeto da associação sem fins lucrativos ParaOnde, que promove o voluntariado em Portugal e no resto do Mundo



Data: 76 de junho de 2019. 12h52:
Assunto: Missão na Guiné




Bom dia Luís
Aqui vai o texto  enviado para a ORG ParaOnde. relatando a minha experiência de voluntariado na Guiné-Bissau.

Abraço
Luís Oliveira



Porque devemos fazer voluntariado na Guiné-Bissau

por Luís Oliveira



A Guiné-Bissau é um pequeno País com cerca de 1.800.000 habitantes que, após uma guerra de libertação com o colonialismo português, conquistou a independência em Setembro de 1974. Desde então inúmeras vicissitudes têm contribuído para o enorme atraso económico e social que a sua população vive nos dias de hoje.

A instabilidade política e governativa, consequência de 20 golpes de Estado desde a data de independência, sendo que dezasseis deles não foram bem sucedidos, são a principal causa dos graves problemas que hoje grassam no País, colocando-o entre os mais pobres do Mundo.

Grande parte da população, cerca de 26%, sofre grave situação de insegurança alimentar e desnutrição e desde 2017 este valor tem tendência para aumentar. Como consequência existem fortes índices de anemia nas mulheres em idade reprodutiva e nas crianças com efeitos directos no atraso do desenvolvimento.

O Plano Nacional de Desenvolvimento Sanitário III prevê que 90% do orçamento da saúde seja financiado por apoio externo e população não confia no sistema. Patologias como a tuberculose,  malária e febre amarela contribuem para que a esperança de vida não ultrapasse os 58,2 anos.

A corrupção é uma doença endémica que atinge os governantes, o funcionalismo público e as autoridades policiais colocando a Guiné na posição 170 entre os 180 países mais corruptos do Mundo o que acentua a pobreza instalada, agrava as desigualdades, atinge os direitos humanos e fragiliza as instituições do Estado.

A Educação no ensino básico é em grande parte garantida pela iniciativa de privados e, não sendo obrigatória, 23% das crianças estão fora do sistema educativo. No ensino estatal a falta de pagamento aos professores que passam meses sem receber dá origem a greves ininterruptas que originam que das quinze unidades curriculares previstas no ensino básico, apenas três ou quatro são cumpridas.

Apesar de ter decorrido em Abril último em Bubaque o V Congresso da Educação Ambiental dos PALOP e Galiza, actualmente mais de 90% dos guineenses cozinham a carvão, a recolha do lixo é limitada e a sua eliminação é feita por incineração sem qualquer tratamento provocando enorme poluição ambiental.

O corte ilegal de árvores e a destruição da floresta determinam alterações climáticas significativas reduzindo em volume e tempo a época das chuvas com consequências negativas na produção agrícola.

A actividade piscatória está controlada por embarcações estrangeiras que através do arrasto selvagem delapidam os recursos piscícolas do País.

Neste cenário um povo maravilhoso, resiliente e solidário,  tem de sobreviver e conhecendo as suas dificuldades e dos seus irmãos partilham com generosidade o arroz da refeição familiar com qualquer um que chegue, mesmo se desconhecido.

Os mais jovens inspirados pelo sociólogo guineense Miguel Barros têm consciência crítica dos problemas do País e dialogam sobre as suas origens e como ultrapassá-los, outros já sem esperança optam pela viagem da emigração por vezes uma aventura fatal.

No dia a dia têm de se divertir. A festa é um lenitivo que os anima para o dia seguinte e os faz esquecer as dificuldades por isso gostam de brincar, conviver e arranjar pretexto para soltar a alegria que reside muito no fundo dos seus corações.

Aos voluntários cabe a grande responsabilidade de lhes levar o que mais falta lhes faz e não são apenas bens materiais.

É necessário transmitir aos guineenses uma mensagem inspiradora e de confiança no seu potencial, incentivá-los a não descurarem a educação que é a única via que os libertará e a garantia do seu futuro, a terem orgulho na Pátria que libertaram e capacidade para fazerem dela um lar confortável para a família guineense. 

Cabe aos voluntários dar um exemplo de trabalho, organização e rigor e transmitir aos guineenses que, sem estes valores e sem o empenho pessoal de todos eles, os seus objectivos nunca serão atingidos.

Foi para isto que fui voluntário na Guiné-Bissau. pois acredito no potencial e capacidades dos guineenses, na sua generosidade, na sua alegria que pode transformar um trabalho árduo num divertimento.

Com humanidade, solidariedade e um grande sorriso é mais fácil transformar o Mundo.

Se fosse fácil não seríamos corajosamente voluntários, seríamos apenas turistas.
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Nota do editor:

Último poste da série > 3 de junho de 2019 > Guiné 61/74 - P19854: Voluntário em Bissau, na Escola Privada Humberto Braima Sambu - Crónicas de Luís Oliveira (9): Dicas para viver e sobreviver em Bissau: Custos mensais de estadia aproximados por voluntário com a casa habitada por 3 pessoas: 105 mil Francos CFA (c. 163,00 Euros)

9 comentários:

Tabanca Grande Luís Graça disse...

Luís, os meus parabéns!... Na tua / nossa idade, é um grande desafio, o voluntariado, num país como a Guiné-Bissau, não é para todos. É preciso também coragem física e muita cuidado com a saúde. Tiveste, nomeadamente por parte do nosso grã-tabanqueiro Cherno Baldé e da sua família, um apoio amigo e hospitaleiro. Deixo aqui também para eles um grande abraço. Luís

Cherno Baldé disse...

Caros amigos,

O Luis Mourato Oliveira é um homem de dimensao excepcional. Fazer voluntariado na Guiné-Bissau e nas condiçoes que ele conseguiu fazer, numa zona sub-urbana, vivendo nas mesmas condiçoes da populaçao do Bairro, tran smitir coragem e alegria, brincar e trabalhar com crianças em situaçao de pobreza extrema, sem conforto e em condiçoes de grande escassez, onde falta tudo, de facto, nao é para qualquer um.

Ainda assim, o Luis conseguiu viver e trabalhar sempre com um sorriso e pronto para ajudar e ajudar até quando nao podia ajudar, porque os Guineenses, na sua total ignorancia e desorientaçao, pensam que todos os "Brancos", a imagem de Jesus Cristo, sao capazes de fazer milagres em tudo e o Luis, certamente, fez alguns, mas ainda assim muito insuficientes para acudir as grandes necessidades da populaçao e dos jovens de Bissau.

Na sua ultima visita a nossa casa, que esteve sempre aberta para ele, a minha esposa ofereceu-lhe uma jaca (fruta tropical), ignorando se ele conseguiria come-lo e ficamos na duvida se deviamos dar-lhe a fruta inteira nao descascada ou deviamos prepara-lo pois nao é evidente que todos saibam como proceder e, sobretudo, um europeu quase "piriquito" na Guiné. Se conseguiu comer, espero que tenham gostado, pois a fruta é saborosa e faz bem a saude.

Por ultimo, queria agradecer ao Luis Oliveira e aconselhar-lhe que, para a proxima missao, tenha objectivos e intervençoes mais comedidos, pois nao se pode fazer tudo ao mesmo tempo, nem atender a todos com a necessaria qualidade. Esta a liçao que se pode extrair da vida de Moises (o Profeta) no Sinai, a cabeça do povo Judeu, com destino a Canaa, quando o seu sogro o aconselhou a descentralizar a repartir as tarefas aos chefes eleitos dentre o povo a fim de aligeirar e facilitar a gestao dos conflitos no seio do povo.

Com um abraço amigo,

Cherno Baldé




Antº Rosinha disse...

A Jaca é um fruto bonito e muito raro na guiné. Em muitos anos só conheci duas jaqueiras em toda a Guiné que percorri.

Uma era em Quinhamel, e outra penso que foi algures perto de Santa Luzia.

Só no Brasil é que encontrei no Rio de Janeiro algumas jaqueiras com alguma frequência, mas não muito.

Em Angola em muitos anos nunca vi jaqueiras.

A Jaca foi uma oferta de um fruto muito raro no nosso planeta e nos nossos hjpermercados, que o Cherno se lembrou de oferecer a Luis Mourato.



Tabanca Grande Luís Graça disse...

As palavras do Cherno Baldé, homem grande e sábio, dizem tudo. Fico muito senwibilizado pelo que ele esreveu a respeito do nosso amigo e camarada Luís Oliveira.

Pela conversa que tive ontem, ao telemóvel, com o Luís Oliveira, percebi a admiração e o apreço que ele nutria pelo Cherno Baldé e a sua família, uma família, de resto, ecuménica: o Cherno e três filhos são muçulmanos; a esposa, nalu, é católica e um dos filhos também.

Que espanto, nos tempos que correm!

Cherno Baldé disse...

Caros amigos,

Ao Luis Graça quero agradecer e retribuir as palavras de elogio que sao dirigidas a mim e a minha familia em geral. esclareço que, tendo bebido um pouco do calice dos pensadores (filosofos vs sociologos) europeus dentre os quais se incluem Marx/Engels, Max Weber e outros) nao sou crente no sentido vulgar da palavra, mas tenho muito respeito e acompanho a minha comunidade na manifestaçao da nossa cultura comum. Esta posiçao permite dar a Liberdade a todos de escolherem livremente a via que quiserem seguir, porque se Deus existe, na verdade, cada um de nos prestara as suas contas de per si.

Ao A. Rosinha queria informar que cada vez ha mais jaqueiras em Bissau, mas a regiao mais propicia para o seu plantio é no sul (Quinara e Tombali), que possui as terras mais ricas do pais, onde inclusive e de forma exclusiva se planta a coleira (Sector de Cacine). A Jaca que ofereci ao luis Oliveira tirei-a no meu quintal. Antigamente eram mais raras porque as pessoas acreditavam no mito de que quem plantasse uma jaqueira nunca viveria o suficiente para comer dos seus frutos, facto que nao corresponde a verdade, pois a prova-lo é a que temos em casa e que, todos os anos nos fornece muitas e bem saborosas jacas. Infelizmente, por ser uma arvore gigantesca, com o tempo e com o crescimento da cidade, seremos obrigados e eliminar.

A jaca, como a maior parte das arvores de frutas e leguminosas em Africa, foi trazida pelos "Colonialistas" da velha geraçao dos exploradores/Navegadores Portugueses.

Com um abraço amigo,

Cherno Baldé

Valdemar Silva disse...

Cherno Baldé
Como diria Chico Buarque 'isto tá mudando pá'.
Na Guiné, as mulheres já comem ao lado dos homens e do mesmo prato.

Vai dando mais comentários.

Um abraço e saúde da boa.
Valdemar Queiroz Embaló

Cherno Baldé disse...

Ora viva amigo Mbalocunda, Valdemar Queiros!

De facto "isto tá mudando pá", a democracia penetrou em tudo e agora o mundo esta de avesso "pé riba cabeça bas", mas atençao, o Luis esteve em Bissau, a bem dizer, na sua zona suburbana. O interior nao esta muito, mas ainda é bastante conservador, homens a parte, mulheres a parte como no Portugal dos anos 40/50.

Com um abraço amigo,

Cherno Baldé



Valdemar Silva disse...

Cherno Baldé
'pé riba cabeça bas', interessante.
Em português: riba = em cima de, sobre.
Mas, acho que a democracia não faz o que está em cima passar pra baixo ou o que está em baixo passar pra cima, longe disso, ou melhor, realmente, ainda estamos na fase de todos estarem ao mesmo nível quando vão votar.
Lembro-me, perfeitamente, quando estive em Paunca, morava numa casa, julgo que requisitada pela tropa, dum casal fula, homem, mulheres e filhos, e por vezes
comíamos alguma coisa juntos, mas o homem nunca autorizava que as mulheres e uma filha comessem com ele, eu e os três filhos.
Em Portugal, mesmo em tempos antigos, todos os membros da família se juntavam na mesma mesa nas refeições, inclusive para todos fazerem as orações antes de comer.
Mbalocunda, o quer dizer?
Um grande abraço
Valdemar Queiroz Embaló
( quando se realizou a reforma ortográfica de 1945, ou já tinha nascido e registado com o apelido Queiroz, com z, meses depois passou a ser Queirós, como a minha 'papelada' estava com z, assim ficou e nunca foi alterado até hoje, inclusive passou assim para o meu filho e espalhou-se por netos na Holanda, mas o correcto é Queirós)

Cherno Baldé disse...

Valdemar, tens razao, também é frequente encontrar em registos mais antigos, nomes como Luis, Dinis com "z" no fim. Também enfrento o mesmo problema com o "Cherno" a portuguesa, quando apos a independencia o nome passou a ser escrito (sem qualquer reforma) por "Tcherno" a guineense.

Mbalocunda (Embalocunda) quer dizer o individuo com o apelido Embalo (Mbalo é a pronuncia correcta em Al-Pular (lingua fula), aquele que é membro da linhagem dos Embalo.

Cherno AB