segunda-feira, 20 de setembro de 2021

Guiné 61/74 - P22556: Reavivando memórias do BENG 447 (João Rodrigues Lobo, ex-Alf Mil, cmdt do Pelotão de Transportes Especiais, Brá, 1968/71) - Parte V: Ordem de serviço, nº 279, de 28 de novembro de 1970, pp. 3, 4 e 5




1. Mensagem de João Rodrigues Lobo [ex-alf mil, cmdt Pelotão de Transportes Especiais / BENG 447 (Bissau, Brá, dez1967/fev1971): fez o 1º COM, em Angola, na EAMA, Nova Lisboa; vive em Torres Vedras onde trabalhou durante mais de 3 décadas como chefe dos serviços de aprovisionamento do respetivo hospital distrital; membro nº 841 da Tabanca Grande.]

Date: sábado, 3/07, 23:07 | Subject: Contributos para o blog.

Como combinado começo a enviar o que julgo serem alguns contributos pessoais para o blog, embora um pouco personalizados.

Duas Ordens de Serviço de Maio e Novembro de 1970, cujos originais me foram dados por nelas constar o meu nome, mas que revelam um pouco do que foi o BENG 447, e o que foi por este Batalhão construído.

De notar que a primeira é assinada pelo Major Engº João A.Lopes da Conceição e a segunda pelo Tenente Coronel Engº João António Lopes da Conceição.(*)







Cópia da Ordem de Serviço nº 279, de 28 de novembro de 1970, do BENG 447, pp. 3, 4 r 5 )pp. 1397/8/9)

2. Comentário do editor LG
:

Em relação ao art. 5º da página 1397 (Cópia de sentença), destaque-se o seguinte, por mera curiosidade: a 4 militares do BENG 447, dois cabos e dois soldados, foi instaurado procedimento criminal pelo TMT  (Tribunal Militar Territorial) da Guiné por alegadamente , "em acção conjunta e de comum acordo", em 4 de julho de 1969, a bordo do N/M "Rita Maria", terem subtraído fraudulentamente os seguintes artigos:  

(i)  nove caixas de vinho no valor de 1687$00 (escudos),  o equivalente, a preços de hoje, a 518,25 €;

(ii) nove pacotes de 72 caixas de fósforos cada um, no valor de 178$64 (o equivalente hoje a 54,88 €).

Trata-se de um simples "fait-divers" ou dá para entender um pouco melhor o que era a "justiça militar" de então ? Claro que um "roubo" era/é sempre um "roubo"... 

Não sabemos o desfecho deste caso: o João Rodrigues Lobo guardou cópia desta Ordem de Serviço, de 28 de novembro de 1970, por nela constar a atribuição, à sua pessoa, da Medalha Comemorativa das Campanhas da Guiné... E estava já em fim de comissão. 

Mas é possível que os alegados quatro autores do "surripianço" de 54 garrafas de vinho e de 648 caixas de fósforos da "despensa" do N/M "Rita Maria", propriedade da Sociedade Geral de Comércio, Indústria e Transportes, do Grupo CUF,  tenham recebido o "castigo exemplar": provavelmente ficaram mais uns meses na Guiné, até pagarem a totalidade da indemnização que era devida aos donos dos bens "surripiados"...LG

12 comentários:

Valdemar Silva disse...

'acção conjunta e de comum acordo subtraindo, fraudulentamente, nove caixas de vinho e 72 caixas de fósforos'
Pudera com os enjoos da viagem de barco, havia necessidade duma cura de bioxene.
Talvez por ter sido de 'comum acordo', embora fosse subtraído 'fraudulentamente', lá foram amnistiados para passarem o tempo no mato sem problemas com a justiça.
Nove caixas de vinho foi obra, mas para que queriam 72 caixas de fósforos?
Talvez fosse para resolver o problema quando acabasse o vinho: estou às escuras!!!

Valdemar Queiroz

Tabanca Grande Luís Graça disse...

Com a devida vénia...

De Ships and the Sea . Blogue dos Navios e do Mar, da autoria de Luís Miguel Correia;


Wednesday, October 12, 2011
Paquete misto RITA MARIA

http://lmcshipsandthesea.blogspot.com/2011/10/paquete-misto-rita-maria.html

(...) Embora a Sociedade Geral de Comércio, Indústria e Transportes fosse principalmente uma empresa de navegação vocacionado para o transporte de carga, a maioria dos seus cargueiros tinham bons alojamentos para alguns passageiros e depois da segunda guerra mundial foram construídos para a SG diversos navios mistos de passageiros e carga, um dos quais foi o RITA MARIA que aqui apresentamos numa fotografia de autor desconhecido a entrar o porto de Leixões no final a década de 1950, antes de ter sido ampliado o seu casco em 1959.

Além do RITA MARIA, que tinha acomodações para 70 passageiros, a frota da SG possuía os paquetes mistos ALFREDO DA SILVA, ANA MAFALDA e MANUEL ALFREDO, tendo em 1966 sido comprado à companhia israelita Zim o paquete Amélia de Mello, de 10.000 TAB e capacidade para 320 passageiros, para fazer a carreira de Angola.

A 1 de Janeiro de 1972 a frota da SG foi integrada na da Companhia Nacional de Navegação, terminando assim 52 anos de actividade da Sociedade Geral. Quanto ao RITA MARIA, foi retirado do serviço em 1977 e transformado em batelão para serviço no Tejo. (...)

Tabanca Grande Luís Graça disse...

Até numa singela Ordem de Serviço da tropa se aprende palavras novas... Confesso que nunca tenha lido o vocábulo "adir":... apresentou-se o soldado tal...adido a esta unidade..., deixando de adir na data tal...(Referência a um militar,d a CART 2715, do Xime, que foi ao BEG 447 com um motor para reparar...):

adir
adir | v. tr.
adir | v. tr.

a·dir 1 - Conjugar
(latim addo, -ere, pôr junto, acrescentar)
verbo transitivo
Adicionar, acrescentar.

a·dir 2 - Conjugar
(latim adeo, -ire, ir para)
verbo transitivo
[Direito] Entrar na posse de (herança).


"adir", in Dicionário Priberam da Língua Portuguesa [em linha], 2008-2021, https://dicionario.priberam.org/adir [consultado em 20-09-2021].

Tabanca Grande Luís Graça disse...

adido
adido | n. m. | adj.
masc. sing. part. pass. de adir

a·di·do
(latim additus, -a, -um, particípio passado de addo, -ere, pôr junto, acrescentar)
nome masculino
1. Funcionário que auxilia um chefe ou uma corporação.

2. Funcionário diplomático que trata de assuntos ou interesses especializados numa embaixada ou legação (ex.: adida cultural, adido militar).

3. Funcionário que excede o número legal dos que formam um quadro efectivo.

adjectivo
4. Que se adiu ou adicionou.

Feminino: adida.

"adido", in Dicionário Priberam da Língua Portuguesa [em linha], 2008-2021, https://dicionario.priberam.org/adido [consultado em 20-09-2021].

Tabanca Grande Luís Graça disse...

Todos os batalhões publicavam, creio que diariamente, a sua Ordem de Serviço. E, naquele tempo , em que não havia fotocopiadores, era tudo dactilografado em estêncil (, do inglês, "stencil"), permitindo tirar n cópias em papel.

Escrevi e repoduzi em duplicador a história da minha unidade (CCAÇ 12). Escrevia muito bem à máquina naquele tempo, com 3 anos de experiência jornalitica na redaçao de um jornal quinzenário. Se não erro, eram cerca de meia de centena de páginas. Gastei meia centena de estênceis. Também havia unidades que publicavam o seu "jornald e caserna", mimeografado.

Um batalhão precisava de 1º cabo escriturário a tempo inteiro só para produzir a Ordem de Serviço.

Tabanca Grande Luís Graça disse...

... Não tinha lido o início da página 1398... Os "crimes" acima referidos ("surripianço" de caixas de vinho e de pacotes com caixas de fósforo, a bordo do N/M Rita Maria) acabaram por ser aministiados... Ainda bem. LG

Fernando Ribeiro disse...

Oh, Luis, vê-se logo que não costumas fazer palavras cruzadas! Dizes que nunca leste a palavra "adir". Pois "adir" é uma palavra vulgaríssima nas palavras cruzadas. É uma palavra que está sempre a aparecer, como sinónimo de "somar". Até chateia.

Tabanca Grande Luís Graça disse...

Fernando, tens razão, não faço palavras cruzadas... Mas é mais do que óbvio que o verbo "adir" está relacionado com "adido"... Todos passávamos pelo Depósito Geral de Adidos, em Bissau, que era pior que um albergue...

Simplesmente não tenho a mais pequena ideia de alguma vez ter usado o vocábulo... "adir". Ele há coisas!

Fernando Ribeiro disse...

Caro Luis,

Em Angola, havia duas estruturas que recebiam os militares que chegavam da Metrópole ou do mato, ou que partiam para a Metrópole ou para o mato, conforme se deslocavam integrados em unidades e subunidades ou em regime individual. Para as unidades e subunidades, o ponto de paragem era o Grafanil, que ficava a vários quilómetros de Luanda. Eu não sei qual era a designação oficial da coisa, pois sempre lhe ouvi chamar "Campo Militar do Grafanil", mas admito que tivesse outro nome. Para fazeres uma ideia das condições em que o pessoal ficava alojado no Grafanil, podes ver aqui uma fotografia do interior de uma caserna no dito cujo Grafanil. Em Bissau era pior? Duvido, até porque à noite o Grafanil era invadido por milhões e milhões de mosquitos (não estou a exagerar), para os quais não havia mosquiteiro que valesse. Alguns mosquitos conseguiam sempre passar para o lado de dentro do mosquiteiro e banquetear-se com o nosso sangue, por muito cuidado que tivéssemos em evitar que isso acontecesse.

Os militares que se deslocassem a título individual, de e para Luanda, e tivessem que passar alguns dias na cidade em serviço, em consultas no Hospital Militar ou em rendição individual, ficavam no Depósito de Adidos de Angola (DAA), que era um quartel comme il faut situado próximo do aeroporto de Luanda. Não havia qualquer semelhança possível entre o Depósito de Adidos de Angola e o Campo Militar do Grafanil; o DAA era um quartel e o Grafanil era uma espelunca. Quando passei um mês em Luanda em consultas externas de psiquiatria, foi no DAA que fui colocado. Até fiz lá um serviço de oficial de dia, que podia ter dado "barraca", mas felizmente não deu.

Fernando Ribeiro disse...

Um dia, um capitão pertencente aos quadros do Depósito de Adidos de Angola comunicou-me que eu teria que fazer um serviço de oficial de dia. Eu respondi:

- Se eu tiver que fazer o serviço, faço, mas olhe que estou aqui em Luanda a frequentar as consultas de psiquiatria. Não sei se estou em condições de desempenhar devidamente as funções.

Disse-me o capitão:

- Não ficou internado, pois não? Então está em condições de fazer o serviço.

E acrescentou, em tom apaziguador:

- Não se preocupe, porque não vai acontecer nada. Aqui nunca acontece nada. Isto não é uma unidade operacional, é apenas um lugar de passagem. O que você tem que fazer é tomar nota de quem é que chega para ficar aqui e quem é que se vai embora, a fim de mantermos um registo permanentemente atualizado de quem está cá colocado e quem deixou de estar. Mais nada. Você até se vai aborrecer. Aqui nunca aconteceu nada e não vai ser agora que vai acontecer.

Nunca tinha acontecido nada, mas eu quase fiz que acontecesse, graças ao meu talento para me meter em sarilhos.

Estava eu a desempenhar a minha função de oficial de dia quando, a meio da manhã, chegou uma escolta com um soldado de cor, preso e algemado, para ser metido na prisão do quartel. Recebi o preso, assinei a papelada que tinha que assinar e a escolta tirou as algemas ao preso e foi-se embora. Fiquei com o preso à minha frente.

Dei uma vista de olhos pelos papéis e verifiquei que o preso tinha acabado de chegar da Metrópole, mas era cabo-verdeano. Perguntei-lhe:

- O que foi que aconteceu para você estar aqui nesta situação?

Ele respondeu-me então que era de Cabo Verde, mas vivia na Metrópole e, por isso, foi incorporado no serviço militar na Metrópole. Depois da recruta e especialidade foi colocado no RAP2, em Vila Nova de Gaia, até que foi mobilizado para Angola em rendição individual.

Para se "despedir", resolveu ir às "meninas" na Rua Escura, no Porto, apesar de não ter dinheiro. Quando a "menina" que o atendeu descobriu no fim do "serviço" que ele não lhe iria pagar, saiu para a rua e fez tamanho escarcéu, dizendo que não estava ali para trabalhar de graça, que apareceu o chulo dela, seguindo-se uma cena de pancadaria entre o chulo e o cabo-verdiano. Entretanto alguém chamou a Polícia Militar, que levou o cabo-verdiano sob detenção. E ali estava ele, diante de mim, depois de ter feito a viagem de avião de Lisboa para Luanda sempre vigiado e algemado.

Assim que me contou a sua história, o cabo-verdiano pediu-me, com todo o descaramento:

- Meu alferes, eu preciso de contactar uma pessoa que está aqui em Luanda, para que saiba que eu estou cá. O meu alferes dá-me licença que eu saia? Eu prometo que volto. Prometo. É só falar com a pessoa e volto assim que puder. Prometo.

Eu disse-lhe que sim!

Logo que se foi embora, ele que era um soldado que eu não conhecia de lado nenhum, para falar com uma pessoa que eu não sabia quem era e num lugar que ele não me revelou qual era, é que me dei conta da asneira que tinha acabado de cometer. Pensei: «Bonito serviço! Então eu deixo sair livre como um passarinho um indivíduo que momentos antes estava algemado e sob escolta?! E se ele não voltar, o que é que me vai acontecer? Isto de porem um maluco como oficial de dia só podia dar mau resultado.»

Não deu mau resultado. Por volta das duas horas da tarde, o cabo-verdiano apareceu-me à porta do gabinete do oficial de dia, dizendo-me:

- Meu alferes, já me pode prender.

Dei um suspiro de alívio que se deve ter ouvido na cidade inteira.

Antº Rosinha disse...

Fernando, a vida em Luanda era mesmo assim, não era para levar muito a sério.
Nada era para levar muito a sério em Luanda.
Podia dizer-se que havia em Luanda um "espírito" de vida que convidava à bandalheira.
Quem pretendesse levar a vida com muito sentido de responsabilidade acabava frustado.
Esse caboverdeano estava no seu habitat.
Os caboverdeanos em Luanda estavam em sua casa.

Valdemar Silva disse...

Caro Fernando Ribeiro
'...Isto de porem um maluco como oficial de dia...'.
Escrito assim mesmo, sem caganças, nem parece um homem do Porto como alguns, dados a auto-elogios doentios.

Valdemar Queiroz