quarta-feira, 17 de maio de 2023

Guiné 61/74 - P24322: Historiografia da presença portuguesa em África (368): Da CUF à Casa Gouveia, da Casa Gouveia à CUF: Uma viagem interminável (1) (Mário Beja Santos)

1. Mensagem do nosso camarada Mário Beja Santos (ex-Alf Mil Inf, CMDT do Pel Caç Nat 52, Missirá e Bambadinca, 1968/70), com data de 31 de Agosto de 2022:

Queridos amigos,
Se algum de vós souber onde se encontra literatura ou acervo documental sobre a Casa Gouveia, António da Silva Gouveia ou a Sociedade Geral de Comércio, Indústria e Transportes, Lda., peço a deferência de me dizer onde. Comecei, de facto, agora a bater às portas, de António da Silva Gouveia republicano na Guiné, já encontrei algumas referências, falta ir ao arquivo da Assembleia da República ver os diários das sessões para saber se há intervenções suas referentes aos negócios guineenses; a outras portas terei de bater, ao Arquivo Histórico Ultramarino, fui bem recebido no Arquivo Histórico da CUF-Alfredo da Silva, a Fundação Amélia de Mello ofereceu-me literatura que estou agora a utilizar. Mas trata-se de encontrar um fio condutor que comece em Gouveia e se conecta com a Sociedade Geral, algo que vai durar de 1921 até à independência da colónia. Quem me puder ajudar, por favor, não se acanhe.

Um abraço do
Mário



Da CUF à Casa Gouveia, da Casa Gouveia à CUF:
Uma viagem interminável (1)


Mário Beja Santos

Sempre questionei onde parava o acervo da Casa Gouveia, a principal empresa da Guiné, envolvida em explorações agrícolas, compras sobretudo de oleaginosas, algum tratamento industrial e transporte para a metrópole. Começam agora a aparecer papéis sobre António da Silva Gouveia, comerciante na Guiné e deputado, a este assunto voltaremos.

Batendo à porta da Fundação Amélia de Mello, encontrei acolhimento por parte do seu Secretário-geral, Dr. Jorge Quintas, que esteve profundamente ligado ao processo terminal dos Armazéns do Povo (que, como se sabe, integrava os Armazéns do Povo criados durante a luta armada e o acervo da Casa Gouveia, Sociedade Comercial Ultramarina e Barbosa e Comandita), cedeu-me um conjunto de publicações donde extraio hoje elementos que poderão ser úteis para entender como Alfredo da Silva, através da Sociedade Geral de Comércio Indústria e Transportes, incluiu no seu património a Casa Gouveia.

O professor Miguel Figueira de Faria [foto à direita] é o responsável por 3 livros editados por Publicações Dom Quixote em 2021 com os respetivos títulos: "Alfredo da Silva Biografia", "Alfredo da Silva e Salazar" e "Alfredo da Silva e a I República". É dessas publicações que procuraremos extrair algumas informações sobre a Sociedade Geral e como esta se veio articular com a Casa Gouveia. Sendo um visionário e homem de ação, procurava as melhores oportunidades para investir em negócios, percecionava a área dos transportes como fundamental. Esteve na Carris, mas as coisas não lhe terão corrido de feição, estamos em 1919, propõe a criação de uma nova empresa no conselho de administração da CUF, é assim que vai surgir a Sociedade Geral que tomará a forma de uma sociedade por quotas de responsabilidade limitada, é batizada com o nome de Sociedade Geral de Comércio, Indústria e Transportes, Limitada.

A União Fabril e a Sociedade Geral tornar-se-ão desde logo entidades inseparáveis. Como escreve o autor, a Sociedade Geral irá cumprir os objetivos inicialmente propostos, estabelece ligações, envolve-se em negócios vários, por exemplo estará presente na administração da Companhia do Congo. E mais:
“Três anos depois da sua criação, em 1922, a mesma sociedade afirma-se definitivamente no mundo dos transportes marítimos com a compra de quatro navios em Inglaterra batizados respetivamente: "Costeiro", "Mello", "Pinhel" e "Maria Cristina". A Sociedade Geral alargaria no ano seguinte a sua frota ao tornar-se proprietária de mais quatro embarcações. Mas a Sociedade Geral dava outro passo importante, desta feita ao entrar no mercado das oleaginosas. Em 19 de março de 1921, estabeleceu-se uma nova companhia com o nome de António da Silva Gouveia, Ldª, na qual a Sociedade Geral entrava na condição de sócia maioritária. Tratava-se de uma sociedade por quotas, constituída com o capital de 55.000 libras, das quais 25.000 tomadas por António da Silva Gouveia e as restantes 30.000 pela Sociedade Geral. Esta nova sociedade vai adquirir a António da Silva Gouveia as propriedades e casas de comércio que esta possuía na Guiné, bem como tomara seu cargo todo o comércio exercido anteriormente por aquele sócio minoritário. A Sociedade Geral garantia, de forma direta, o abastecimento de matérias-primas fundamentais à atividade da CUF.”

Isto é o que se pode retirar da biografia, passando para o volume referente à I República, o autor retoma a questão da Sociedade Geral, descreve a sua constituição e refere a vocação marítima deste novo empreendimento, para além de ser gestora das participações sociais noutras empresas, separando-as do universo industrial da CUF. Recorda igualmente o autor que Alfredo da Silva tentou sem êxito, em 1921, comprar a Companhia Nacional de Navegação. Falhou esta intervenção, como alternativa a Sociedade Geral reforçou a sua capacidade naval. O processo inicia-se com a aquisição do Silva Gouveia, em 1922, unidade com a arqueação bruta de 1204 toneladas, originário de estaleiros ingleses. No Barreiro, as instalações de apoio à frota foram reforçadas com a entrada em atividade de uma cordoaria mecânica para o fabrico, em sisal e manila, de cordas para as fragatas. É um período turbulento, greves permanentes, paragens prolongadas nos portos, pensa-se mesmo que a frota é negócio ruinoso. Mas a frota da Sociedade Geral irá manter-se ativa: o "Costeiro" passou meses a transportar pirites e navegava já para Espanha com carga destinada à Solvay.

A CUF irá comprar embarcações dos Transportes Marítimos do Estado. E lembra o autor que as instalações de apoio à manutenção da frota vão ser melhoradas com o alvará concedido às instalações metalo-mecânicas do Barreiro, o que permitia aperfeiçoar a fundição, caldeiraria e soldadura, fundamentais nos processos de reparação naval. “A Sociedade Geral tem nesta altura diversas rotas de navegação e o vermelho e branco das chaminés dos seus navios navegavam também para a América do Sul, com destaque para Montevideu ou Buenos Aires, e o Brasil, transportando mercadorias para a Baía e Santos. O canal do Panamá era utilizado para fazer chegar nitratos provenientes do Chile a Portugal. Com destino aos portos do norte da Europa, eram regulares os fretes para transporte de cereais e para Inglaterra era feito o transporto de toros de pinho, na ida, e de carvão e sulfato de amónio no regresso. A Sociedade Geral chegava igualmente a Farim, na Guiné, ou Sfax, na Tunísia, onde eram garantidos fretes que ligavam o mediterrâneo ao norte da Europa, nomeadamente a Middlesbrough, Liverpool e Glasgow.”

Em 1926, a frota da Sociedade Geral é de 17 navios com a capacidade de abastecer a CUF de matérias-primas e de colocar nos principais mercados bens provenientes das suas unidades de produção. “Estavam lançadas as bases de uma das principais companhias de navegação a operar sob a bandeira portuguesa.”

Veremos seguidamente no volume dedicado a Alfredo da Silva e Salazar como a Sociedade Geral avançou para a carreira de África.

(continua)

Navio Silva Gouveia, no porto de Lisboa, em 1941
Outro ângulo do navio Silva Gouveia, no porto de Lisboa, em 1941
Trabalhadores da Sociedade Geral a bordo do Silva Gouveia, no porto de Lisboa, em 1941
Documento avulso, ainda não identificado, mas alusivos a pagamentos de uma exploração agrícola da Casa Gouveia, 20 de novembro de 1957, veja-se os aspetos curiosos do ordenado e os direitos a rações para alimentação humana. Amavelmente cedido pelo Arquivo Histórico CUF-Alfredo da Silva
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Nota do editor

Último poste da série de 10 DE MAIO DE 2023 > Guiné 61/74 - P24304: Historiografia da presença portuguesa em África (367): Diogo Gomes na obra de Vitorino Magalhães Godinho (2) (Mário Beja Santos)

1 comentário:

Antº Rosinha disse...

Na Guiné parece que não se falava em contratados, nunca cheguei a entender bem como faziam os brancos (e os caboverdeanos) para pôr os indígenas a produzir.

Mas se esses salários que a casa Gouveia praticava eram mensais, (1957)pela minha ideia eram inferiores aos praticados, pelo menos pelo estado, aos contratados (trabalho forçado) em Angola.

Em 1958, ano que eu fazia 20 anos, trabalhava já profissionalmente à minha responsabilidade,
o Estado punha à minha disposição e de vários colegas em Angola, uns tantos contratados (carregadores, porta miras, desmatações, etc.).

Salário 300 escudos, duas fardas, calções de cotim e camisa, alimentação com três refeições (fartas) com regra, como mais tarde verifiquei com o critério da tropa onde casualmente fiz de vagomestre.

Como estes contratados eram provenientes de sanzalas locais, (interior), nunca tinham usado calçado, vi uma coisa inimaginável para mim de Portugal onde havia descalços ou de tamancos, resolver o problema cada um por si de uma maneira engenhosa.

Foi-lhes fornecido pneus velhos de carro, e com facas afiadas, deixavam-nos nas lonas, e com tiras de câmaras de ar ou outras, faziam sandálias à sua medida (pés muito deformados), que mais tarde, alguém copiou o modelo em Luanda e as sapatarias finas fabricavam a bom preço.

Principalmente para senhoras usar na praia.

Sobre o trabalho forçado em Angola e Moçambique, e São Tomé, de referir que se anda agora a atribuir a Portugal e aos portugueses o modelo perfeito e exclusivo da escravatura, quando o mundo inteiro estava lá alojado desde o petróleo, o café o sisal, o cacau, o algodão os diamantes o ferro, claro que ninguém ansiava por qualquer 25 de Abril, antes pelo contrário.
Era a Europa inteira e o Japão a sugar.

Todo o mundo menos a URRS e CUBA evidentemente.

Aprendi a colonizar, em Angola, eu e muitos colegas metropolitanos, com gente bem treinada vinda de 5 séculos, que alguns continuaram lá a governar(-se).

Se é que alguns não terão "lerpado" com o 27 de Maio e naquela guerra de quase 30 anos que se seguiu.

Cumprimentos