sábado, 9 de setembro de 2023

Guiné 61/74 - P24634: Recordando o Amadu Bailo Djaló (Bafatá, 1940 - Lisboa, 2015), um luso-guineense com duas pátrias amadas, um valoroso combatente, um homem sábio, um bom muçulmano - Parte XXXIV: O jogo do rato e do gato; da Caboiana a Madina do Boé, abril de 1972


Guiné > s/l > s/d > Tenente 'comando' graduado Abdulai Queta Jamanca. Cortesia do Blogue Luís Graça e Camaradas da Guiné (Reproduzido no livro, pág. 229)



Capa do livro do Amadu Bailo Djaló,
"Guineense, Comando, Português: I Volume:
Comandos Africanos, 1964 - 1974",
Lisboa, Associação de Comandos,
2010, 229 pp, + fotos, edição esgotada.



O autor, em Bafatá, sua terra natal,
por volta de meados de 1966.
(Foto reproduzida no livro, na pág. 149)


Síntese das partes anteriores:

(i) o autor, nascido em Bafatá, de pais oriundos da Guiné Conacri, começou a recruta, como voluntário, em 4 de janeiro de 1962, no Centro de Instrução Militar (CIM) de Bolama;

(ii) esteve depois no CICA/BAC, em Bissau, onde tirou a especialidade de soldado condutor autorrodas;

(iii) passou por Bedanda, 4ª CCaç (futura CCAÇ 6), e depois Farim, 1ª CCAÇ (futura CCAÇ 3), como sold cond auto;

(iv) regressou entretanto à CCS/QG, e alistou-se no Gr Cmds "Os Fantasmas", comandado pelo alf mil 'cmd' Maurício Saraiva, de outubro de 1964 a maio de 1965;

(v) em junho de 1965, fez a escola de cabos em Bissau, foi promovido a 1º cabo condutor, em 2 de janeiro de 1966;

(vi) voltou aos Comandos do CTIG, integrando-se desta vez no Gr Cmds "Os Centuriões", do alf mil 'cmd' Luís Rainha e do 1º cabo 'cmd' Júlio Costa Abreu (que vive atualmente em Amesterdão);

(vii) depois da última saída do Grupo, Op Virgínia, 24/25 de abril de 1966, na fronteira do Senegal, Amadu foi transferido, a seu pedido, por razões familitares, para Bafatá, sua terra natal, para o BCAV 757;

(viii) ficou em Bafatá até final de 1969, altura em que foi selecionado para integrar a 1ª CCmds Africanos, que será comandada pelo seu amigo João Bacar Djaló (Cacine, Catió, 1929 - Tite, 1971)

(ix) depois da formação da companhia (que terminou em meados de 1970), o Amadu Djaló, com 30 anos, integra uma das unidades de elite do CTIG; a 1ª CCmds Africanos, em julho, vai para a região de Gabu, Bajocunda e Pirada, fazendo incursões no Senegal e em setembro anda por Paunca: aqui ouve as previsões agoirentas de um adivinho;

(x) em finais de outubro de 1970, começam os preparativos da invasão anfíbia de Conacri (Op Mar Verde, 22 de novembro de 1970), na qual ele participaçou, com toda 1ª CCmds, sob o comando do cap graduado comando João Bacar Jaló (pp. 168-183);

(xi) a narrativa é retomada depois do regresso de Conacri, por pouco tempo, a Fá Mandinga, em dezembro de 1970; a companhia é destacada para Cacine [3 pelotões para reforço temporário das guarnições de Gandembel e Guileje, entre dez 1970 e jan 1971]; Amadu Djaló estava de licença de casamento (15 dias), para logo a seguir ser ferido em Jababá Biafada, sector de Tite, em fevereiro de 1971;

(xii) supersticioso, ouve a "profecia" de um velho adivinho que tem "um recado de Deus (...) para dar ao capitão João Bacar Jaló"; este sonha com a sua própria morte, que vai ocorrer no sector de Tite, perto da tabanca de Jufá, em 16 de abril de 1971 (versão contada ao autor pelo soldado 'comando' Abdulai Djaló Cula, texto em itálico no livro, pp.192-195) ,

(xiii) é entretanto transferido para a 2ª CCmds Africanos, agora em formação; 1ª fase de instrução, em Fá Mandinga , sector L1, de 24 de abril a fins de julho de 1971.

(xiv) o final da instrução realizou.se no subsector do Xitole, regulado do Corunal, cim uma incursão ao mítico Galo Corubal.

(xv) com a 2ª CCmds, comandada por Zacarias Saiegh, participa, em outubro e novembro de 1971, participa em duas acções, uma na zona de Bissum Naga e outra na área de Farim;

(xvi) em novembro de 1971, participa na ocupação da península de Gampará (Op  Satélite Dourado, de 11 a 15, e Pérola Amarela, de 24 a 28);

(xvii) 21-24 dezembro de 1971: Op Safira Solitária: "ronco" e "desastre" no coração do Morés, com as 1ª e 2ª CCmds Africanos  (8 morts e 15 feridos graves);

(xviii) Morés, sempre o Morés... 7 de fevereiro de 1972, Op Juventude III;

(xvx) O jogo do rato e do gato: de Cobiana a Madina do Boé, por volta de abril de 1972.


1. Continuação da publicação das memórias do Amadu Djaló (Bafatá, 1940-Lisboa, 2015), a partir do manuscrito, digitalizado, do seu livro "Guineense, Comando, Português: I Volume: Comandos Africanos, 1964 - 1974" (Lisboa, Associação de Comandos, 2010, 229 pp, + fotos, edição esgotada) (*).

O nosso  camarada e amigo Virgínio Briote, o editor literário ou "copydesk" desta obra,  facultou-nos uma cópia digital. O Amadu Djaló, membro da Tabanca Grande, desde 2010, tem cerca de nove dezenas de referências no nosso blogue.



 Recordando o Amadu Bailo Djaló (Bafatá, 1940 - Lisboa, 2015), um luso-guineense com duas pátrias amadas, um valoroso combatente, um homem sábio, um bom muçulmano - Parte XXXIV:

 O jogo do rato e do gato: da Caboiana a Madina do Boé 
abril de 1972 (pp. 228-232)


Saímos de Bissau em viaturas até ao Bachile, onde estava uma força à nossa espera, uma companhia de europeus[1], milícias e pessoal de artilharia. Era aí a porta de entrada para a mata da Cobiana. Ficámos no Bachile, até à noite chegar. Depois, iniciámos a caminhada.

O responsável pela operação[2] era o tenente Jamanca, que era o comandante da 1ª Companhia de Comandos Africanos, com o indicativo “Jacaré”, e contávamos ter no ar o coronel pára Rafael Durão, o comandante do CAOP1.

Andámos a noite toda, até que de madrugada achámos um caminho, cheio de pegadas. Emboscámo-nos e mantivemo-nos quietos até por volta das 13h00, quando fomos sobrevoados por uma avioneta.

Como de costume, quando entraram em contacto, pediram a nossa localização. Depois de verem a tela que tínhamos estendido, o coronel Durão disse-nos para seguirmos a trajectória da avioneta, para os lados de um local onde estavam referenciadas várias barracas. Fomos nessa direcção e, quando chegámos ao local, encontrámos muitas barracas, com o chão coberto de folhas secas, sinal de que tinha sido abandonada, talvez há duas ou três semanas.

Em contacto rádio, o Jamanca transmitiu que estávamos lá dentro e o coronel deu-nos a indicação para as queimarmos. Chegámos-lhe fogo, estava o coronel a dizer que via muito fumo e começámos a ouvir rebentamentos, uns atrás dos outros, vindos das barracas a arder. Eram detonações de balas e de granadas. Nunca viemos a saber se eram munições esquecidas ou guardadas. Era quase como se estivéssemos a ser atacados e afastámo-nos bem das barracas. 

Entretanto, o coronel Durão deu novas instruções, para seguirmos a trajectória da avioneta, em direcção a oeste, até junto ao rio, onde dizia que via movimento junto a uma das margens.

Era uma missão ingrata, tínhamos que voltar a passar pelas barracas a arder. A nossa posição estava denunciada e as probabilidades de cairmos numa emboscada eram grandes. O nosso coronel contactou o Jamanca, voltando a perguntar onde estávamos. A avioneta não saía da zona, deu uma volta bem larga e voltou a aparecer em cima da nossa posição.

Nós, de facto, não estávamos a caminhar na direcção que ele nos ordenara. Achávamos uma ideia um pouco suicida.

A pergunta era sempre a mesma, onde estão, do lado esquerdo ou do lado direito da asa da avioneta. E o tenente respondia, se estávamos à direita ou à esquerda.

O coronel desconfiou que o Jamanca não estava a dar as respostas certas e disse para não sairmos daquele local porque ia mandar vir caças para bombardear uma zona onde estava a ver muito pessoal fardado. E disse que nos ia mostrar o local exacto onde estava a ver o tal pessoal, para nós não sairmos dali, onde dizíamos que estávamos.

A avioneta deu uma grande volta e, de repente, mergulhou mesmo por cima do local onde estávamos. Logo a seguir comunicou ao Jamanca que era nesse local que os aviões, que vinham da base de Bissau, iam largara as bombas.

Muito rápido, o tenente disse:

– Não! Não! Não! Somos nós que estamos aqui!

–  Então, “Jacaré”, disse há pouco que a avioneta tinha passado por cima de vocês, bem longe daí! Como é que chegaram a esse local tão depressa?

O Jamanca não sabia o que responder, disse só que não lhe parecera conveniente voltar para trás e explicou os motivos. Nesse momento ainda se ouviam explosões de granadas e tiros e pelo ruído, algumas eram potentes, pareciam de morteiro e bazuca. O coronel Durão mandou-nos voltar ao local onde estivemos emboscados.

Depois, o alferes Tomás Camará, no local onde ficámos, disse qualquer coisa em voz alta. Um grupo do PAIGC, que estava a passar num carreiro um pouco longe na direcção da fumarada, deve ter ouvido a voz do Tomás, aproximou-se e detrás de um baga-baga dispararam contra nós alguns RPG. Mas o Tomás viu-os primeiro e gritou:

– Para o chão, já!

Quase meia dúzia de granadas de roquete bateram nas palmeiras, um pouco acima de nós. Durante alguns minutos ninguém levantou a cabeça. Todos os nossos oficiais foram atingidos. 

Pedido apoio aéreo, chegou um helicanhão a acompanhar os helis para as evacuações. A companhia ficou sem oficiais e eu, como sargento mais antigo, fiquei a comandá-la. A minha primeira medida foi mandar o pessoal preparar-se para sair dali.

Entretanto o coronel mandou-nos procurar um local perto de uma clareira, para no dia seguinte, sermos evacuados. Caminhámos das 18h00 até quase às 21, arranjámos um local que me pareceu bom, para passar a noite. No dia seguinte, fomos recuperados, sem qualquer dificuldade.

***

Tinha acabado de chegar uma informação de que o Amílcar Cabral, acompanhado de jornalistas, estava a visitar a zona do Boé, que o PAIGC reclamava área libertada.

E, rapidamente, encarregaram-nos de irmos até à zona de Madina do Boé[3], com o objectivo de perturbar ou impedir a tal visita.

De Bissau até Nova Lamego fomos de Nord-Atlas, depois em viaturas para Canjadude e daqui aqui até à zona de Madina do Boé fomos de helis, onde nos largaram em várias áreas. 

O meu grupo, juntamente com outros, foi largado em Dongol Nhamalé, onde permanecemos três dias, sem nada termos visto. Depois chegou outra informação a dizer que afinal Amílcar se tinha dirigido para sul.

Antes do meio-dia surgiram os Alouettes para nos levarem de volta a Canjadude. Estávamos com muita sede. Durante o dia a água fervia nos cantis, não a conseguíamos beber. Da avioneta disseram-nos que nos preparássemos para uma retirada rápida.

Quando os helis chegaram acompanhados por um helicanhão,  já estávamos prontos a embarcar e, em minutos, estávamos no ar a caminho de Canjadude. Por rádio deram-nos a informação para passarmos para as viaturas estacionadas na pista. A água era uma miragem, estávamos mortos de sede e alguns disseram que agora só íamos ter água no Gabu.

Chegados ao Gabu, entrámos directamente nos aviões que estavam na pista, à nossa espera. E agora, para onde vamos?

Levantámos voo e, pouco depois, vimos Bafatá, lá em baixo. Bafatá ficava a cerca de cinquenta quilómetros do Gabu. A sede incomodava-nos muito, para já não falar da fome que sentíamos. Vi a ponte do Saltinho, lá em baixo e depois começaram a baixar e aterrámos em Misside Quebo[4]. De cada um dos aviões saíram duas macas com soldados. Tinham desmaiado com a sede, agravada pelo calor dos aviões.
______________

Notas do autor ou do editor literário (VB):

[1] Nota do editor: CCaç 16.

[2] Nota do editor: entre 28 Abril e 1Maio 1972.

[3] Nota do editor: 28 Março/08 Abril 1972.

[4] Aldeia Formosa, Misside Quebo em Fula.

[ Seleção / adaptação / revisão / fixação de texto / negritos, para efeitos de publicação deste poste no blogue: L.G.]
___________

4 comentários:

Tabanca Grande Luís Graça disse...

O "jogo do rato e do gato": para quem andou no mato,em operações, da Cobiana ao Boé, do Morés à Ponta do Inglês, aquela guerra foi isso mesmo... Quase sempre éramos o gato, mas também às vezes o rato...

Cherno Baldé disse...

Caros amigos,

O Amadu, como bom fula (Futa-fula), originário de Futa-Djallon, lembrá-nos que o nome original de Quebo, designada mais tarde Aldeia formosa pela administração colonial, era Misside Quebo. O termo Misside, no território sob o domínio do estado
teocrático do Futa-Djallon (do séc. XVII ao séc. XIX) era atribuído as localidades com alguma importancia e que funcionavam como sede de uma região administrativa a seguir as Diiwé (províncias) e que eram dotadas de um sítio para o culto religioso e as actividades de preparação e conversão dos camponeses locais designado por Misside, literalmente Mesquita, que muitas vezes acabava por se ligar a designação do local como neste caso de Misside Quebo. De referir que a região de Forrêa, antes do traçado Luso-Francês de 1886, pertencia a (Diiwal) Província de Labé que tinha sua capital em Kadê, hoje bastante perto da linha da fronteira.

Com um abraço amigo,

Cherno Baldé

Anónimo disse...

PS: Quis dizer que o Amadu Djaló era filho de pais originários de Futa-Djalon na república da Guinée.

Cherno AB

Anónimo disse...

Chamo a atenção para a compreensão do Sr. Coronel Rafael Durão para as explicações dadas pelo comandante do Grupo para a não obediência das ordens dadas. Na operação "Sempre Alerta" realizada pela CCa3327/BII17 ao Balengarez, embora as ordens estivessem a ser cumpridas, mas não usando os trilhos da ordem de operações, o Sr. Coronel compreendeu as explicações dadas e mandou regressar as tropas após termos atingido o objectivo principal. Sdem tiros, acrescento.
Abraço do meio do Atlântico.
José Câmara