sábado, 16 de novembro de 2024

Guiné 61/74 - P26160: Os nossos seres, saberes e lazeres (654): Itinerâncias avulsas… Mas saudades sem conto (179): Regresso aos Açores, às ilhas do grupo oriental (8) (Mário Beja Santos)

1. Mensagem do nosso camarada Mário Beja Santos (ex-Alf Mil Inf, CMDT do Pel Caç Nat 52, Missirá e Bambadinca, 1968/70), com data de 31 de Julho de 2024:

Queridos amigos,
Com uma certa inquietação quanto ao rigor dos itinerários que acompanham a sucessão das imagens, negligenciado o uso de anotações do caderninho do viajante, sinto que é um certo destempero entre o que se passou neste segundo dia e a fixação das imagens, paciência. Olhando para o mapa, sei que andei pela costa sul, que estive no Farol da Maia, que passei pelo Santo Espírito, ali funciona a outra parte do Museu Municipal, estava encerrado, o passeio progrediu por Sta. Bárbara e S Pedro, com regresso a Vila do Porto. À tarde, o meu querido amigo José Braga Chaves levou-me à baía de S. Lourenço, estivémos no miradouro dos Picos, mas sei também que estive no Pico Alto, não me aparece no encadeamento das imagens, logo se verá, e depois fomos aos Anjos, costa norte, um mar soberbo, conheci uma parte da sua família, jantei em sua casa, um dia e tanto, deve ser da idade, emociono-me muito, parece que foi há bem pouco que lhe dei a recruta no quartel a 7 km de Ponta Delgada.

Um abraço do
Mário



Itinerâncias avulsas… Mas saudades sem conto (179):
Regresso aos Açores, às ilhas do grupo oriental – 8


Mário Beja Santos

No fim do primeiro dia tão emocionante em Sta. Maria, procurei pôr as leituras em dia, o mesmo é dizer que dei toda a atenção ao livro Ilha de Gonçalo Velho, de Jaime de Figueiredo, teve a sua 1.ª edição em 1954, esta 2.ª edição que manuseio é de 1990. Registo alguns aspetos que me chamaram à atenção: que nos anos em chove a tempo, caindo boas aguinhas, poderá haver bom trigo de caldeação, nas terras de sequeiro, milhos nas leiras do interior, cevadas para torrefação, batatas, nabiças, inhames, vários legumes, e entre eles a lentilha chamada bonita ou veniaga; fruta, pouca, mas nas fajãs da beira-mar apanham-se uvas excelentes: isabela, verdelho, diagalves, bastardo, sabrainho, mourisco, alicante e moscatel.

Dirá o leitor que isto são insignificâncias para o roteiro da viagem, faço o possível para entender a natureza do meio, é esta que dinamiza a pessoa de quem procura entender-me. Continuando, fico a saber que se explora a pedra de cal e o almagre, para tingir as louças grosseiras (deve ser coisa do passado); as madeiras são a acácia e o viático, para a marcenaria; a giesteira e o eucalipto, para a tanoaria; o pinheiro e a criptoméria para as construções; a pescaria é rica, tem bonitos e cavalas, badejos e garoupas, abróteas, chernes, polvos, lapas e búzios e muito mais. Talvez influenciado pelo que vi na rota das olarias, vejo que os marienses exportavam barro em bolas, possuíam a melhor argila. Seguramente que aquilo que o autor escreveu em 1954 já foi eliminado pela sociedade de consumo:
“A indústria fazia-se por processos rotineiros: nas tendas de oleiros e telheiros, e nos fornos primitivos; ao ar livre, batem-se as bolas de argila, que se contam nas medidas de talhas e caminhos; nos teares rústicos, tecem-se as mantas e colchas, quando há sombra, a dona da casa leva a cardar, a fiar e a fazer obra de lã – meiotes e camisolas para os embarcadiços; no zagões, em dias de chuva, com a trança de palha e vimes, armam-se chapéus e maletas, cestas e baleios, açafates e canastras; e mói-se o cereal, em farinha ou em carolo, nas azenhas, ao longo das ribeiras; nas atafonas, puxadas por jumentos; e nos moinhos, bracejando os velames enfunados…”

Gosto destas imagens do passado, as festas em Espírito Santo, o casario em Valverde, uma imagem de O Figueiral, o Farol de Gonçalo Velho que alguém me disse que é o Farol da Maia, ali perto está o ilhéu do Romeiro, as fotografias do aeroporto, o bairro residencial, que irei visitar mais tarde, o Forte de S. Brás. O dia começa com nova emoção, desta feita enquanto tomo o pequeno-almoço aproxima-se um homem da minha idade, quase ciciando, pedindo licença pela intrusão, pergunta-me se eu conheço um blogue chamado Luís Graça, que ele acompanha religiosamente lá nas Américas onde vive. O episódio já está contado no blogue, irei acompanhar a mulher que me quer mostrar a casa onde viveu na infância.

E vai começar a minha manhã de viajante.

A propensão habitual é de captar imagens de cima para baixo, o desfrute da amplidão da panorâmica, onde não falta aquele azul-marinho que me recorda a Grécia. Pedi licença para sair da viatura e fixar esta imagem, sempre me impressionou o céu nublado, esta preocupação de plantar nas bermas, fixo-me no céu e à minha maneira sai-me uma reza de gratidão por estes privilégios de que sou cumulado.
Poderá ser uma banalidade, nas ilhas, é do senso comum, há estes rochedos abruptos, parece que toda esta costa alinhada se agiganta como uma fortaleza inexpugnável, mas o que verdadeiramente me sensibiliza é o contraste da massa rochosa a abraçar este oceano que nesta costa tem ondulação serena.
No livro de Jaime de Figueiredo ele fala no Farol de Gonçalo Velho, quem me acompanha chamou-lhe Farol da Maia, a perspetiva é impressionante, mas um pouco mais adiante pedi para voltar a sair do carro, maravilha-me o trabalho do homem a esquadrinhar, uma terra que se pensava ser estéril, é uma encosta vinhateira que nos encanta.
O Barreiro da Faneca, conhecido por “deserto vermelho”, enfeitiça o visitante com a sua superfície ondulante e suave, com tonalidades várias consoante a hora do dia. Em toda a região açoriana não há um deserto como este.

Eu quero confessar ao leitor que saboreio estas impressionantes paisagens, ando um tanto à deriva, confiando numa memória que já não funciona como dantes, já não sei se estou em Santo Espírito, em Santa Bárbara ou S. Pedro, não para de farejar com este fenómeno para mim insólito desta ilha que tem 17 km de maior extensão e uma superfície de 97 km2 ter tal e tanta profusão de paisagem, é claro que no primeiro e neste segundo dia ando por lugares acidentados, a planura ficará para quando visitar toda a região do aeroporto, não foi por acaso que o ali o instalaram e fizeram em tempo prodigioso aquela pista que tanto serviu no fim da guerra como depois importante aeródromo civil.

Uma vista do miradouro dos Picos
Baía de S. Lourenço

Em outubro de 1967, o navio Carvalho Araújo aqui aportou para largar mercadoria, ainda fomos a terra, tudo me encantou, disse para mim que um dia havia de voltar e pela gravura junta se pode perceber como este panorama está na lista dos mais famosos que a ilha de Sta. Maria oferece, as diferenças em mais de meio século são enormes. Não retive a informação da infraestrutura portuária, agora é estância turística e não me posso esquecer que havia ali uma caixinha com oferta de livros e encontrei um livro de Georges Simenon que não conhecia, um policial imaginativo que devorei até Lisboa.
Aeroporto de Sta. Maria, a torre de controlo moderna e a do antigamente. Volto à leitura de Jaime Figueiredo, ele fala do movimento ininterrupto nas pistas dos quadrimotores, bimotores e aviões de caça. “Quando da evacuação dos exércitos até do Extremo Oriente, ali vinha pousar todos os dias, num meio de barulho ensurdecedor, mais de uma centena de aparelhos, de regresso aos EUA. A parte central do campo de aviação ocupa uma área de cerca de 6 km2, sendo 2 de largura e 3 de comprimento.” E o publicista recordará que finda a guerra a ilha era a placa giratória entre a América, África e Europa, aviões que ligavam as maiores capitais: Nova Iorque, México, Havana, Caracas, Lisboa, Madrid, Paris, Roma e Londres. “Em 1948, no pleno auge do aeroporto, era espantoso e esmagador o novo tráfego comercial, que chegava a parecer inverosímil! Alguns números bastam para o afirmar de modo eloquente: 330 embarcações, 2168 aeronaves; 61.958 passageiros.”
Uma recordatória da ANA alusiva aos 65 anos do aeroporto. Em 1968, quando convidei a minha mãe a visitar S. Miguel, com o apoio de amigas que a acolheram, ela viajou de Lisboa para Sta. Maria e daqui para o chamado Aerovacas, não sei precisar o local, talvez na freguesia da Maia, era uma boa planura, dado o sinal da hora de chegada, as vacas eram meticulosamente afastadas para que o bimotor aterrasse em segurança.
Pormenor das pistas do aeroporto de Santa Maria
Ermida de Nossa Senhora dos Anjos, na freguesia do mesmo nome

A Ermida de Nossa Senhora dos Anjos está localizada à entrada da povoação de Anjos, na paroquia de São Pedro da Ilha de Santa Maria, Açores, Portugal. Esta modesta ermida do século XIX está carregada de história, pois junto a ela permanece em pé um arco da primitiva capela em que Cristóvão Colombo rezou, após largar âncoras na baía do Cré, no ano 1493 no seu regresso da sua viagem de descoberta da América. A igreja original foi construída em madeira e com teto de palha, e reconstruída em alvenaria de pedra entre 1460 e 1474. Em finais do século XIX sofreu obras de restauração que resultaram na sua imagem atual.
Imagem tirada perto da Praia Formosa

(continua)
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Nota do editor

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