Guiné > Região de Tombali > Catió > CCAÇ 617 (1964/66) > S/l > s/d > Progressão em coluna apeada, "coluna por um", "fila indiana" "bicha de pirilau"...
Foto (e legenda): © João Sacôto (2019). Todos os direitos reservados. [Edição e legendagem complementar: Blogue Luís Graça & Camaradas da Guiné]por Carlos Silvério
Quando o 1º cabo miliciano atirador de cavalaria Carlos Silvério (hoje nosso grão-tabanqueiro nº 783) passou pelo RI 5, Caldas da Rainha, como monitor de recruta do CSM (Curso de Sargentos Milicianos), entre setembro e dezembro 1970 (4º turno), lembra-se de ter conhecido o José Belo, então alferes ou tenente miliciano, acabado de regressar da Guiné...
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Carlos Silvério, ex-fur mil at cav, CCAV 3378 (Olossato e Brá, 1971/73); vive hoje na Lourinhã |
Um belo dia apareceu lá um senhor general que quis certificar-se da excelência da formação dada aos futuros sargentos milicianos... E fez questão de supervisar (do latim, "supervidere", ver de cima...) uma das aulas práticas dadas pelo instrutor José Belo...
Às tantas, falando da sua experiência como combatente no TO Guiné, em 1968/70, o instrutor usou a expressão "bicha-de-pirilau"...
Parece que o general ficou "piurso", saltou-lhe a mola e deu uma valente reprimenda ("piçada") ao oficial, à frente dos instruendos (o que, como é sabido, não é regulamentar nem elegante):
- Ó nosso alferes, qual bicha, qual carapuça!... Saiba que no exército português não há bichas e muito menos de pirilau!... Os nossos militares, aqui na metrópole ou nos teatros de operações do Ultramar, na Guiné, em Angola ou em Moçambique, andam em coluna por um !... Ponha isso no seu dicionário!...
O Carlos ficou sem perceber por que é que o senhor general foi aos arames com a expressão "bicha-de-pirilau"... Seria uma reacção... homofóbica?...
Afinal, "pirilau", no português (informal) de Portugal, é sinónimo de órgão sexual masculino, pénis, pilinha, piloca. (Os brasileiros dizem bilau)...
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José Belo, ex-alf mil, CCAÇ 2381, Ingoré, Buba, Aldeia Formosa, Mampatá e Empada, 1968/70; vive hoje nos EUA |
Já o termo "bicha" começa por referir-se ou estar associado a qualquer objecto que, pelo seu feitio ou movimento sinuoso, dá ideia de um réptil, e por extensão, qualquer animal de corpo comprido e sem pernas (como a minhoca, por exemplo)....
Na linguagem informal é usado para designar uma fila (ou fileira) de pessoas, umas atrás das outras, em geral esperando a sua vez de serem atendidas, para obter um bem ou serviço, etc. (por ex., a bicha do pão, das vacinas, do trânsito)...
"Bicha-de-pirilau" é uma expressão que, infelizmente, ainda não está grafada pelos nossos lexicógrafos, muito cautelosos e conservadores. Tal como, aliás, a correspondente expressão técnica ("jargão") usada pela tropa : "coluna por um" refere-se à formação de uma tropa, em que os elementos (que podem ser homens ou viaturas) são colocados um atrás do outro, seguidamente, guardando entre si uma distância regulamentar. (Mas também há colunas por dois, por três, etc.)
A expressão "bicha-de-pirilau" era corrente na Guiné, tal como "fila indiana" (originalmente, o modo como os índios da América progrediam no seu território, em situações de caça, patrulha ou guerra).
A história tem a sua piada, sobretudo pela reação intempesttiva do senhor general inspetor, de ouvido mais sensível ou então demasiado purista da língua portuguesa e/ou do jargão militar.
(Recolha, revisão / fixação de texto: LG)
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Notas do editor:
(*) Vd. poste de 19 de fevereiro de 2020 > Guiné 61/74 - P20668: Em bom português nos entendemos (25): Bicha de pirilau... Expressão da gíria militar do nosso tempo, ainda não grafada nos dicionários... Será que continua a incomodar o senhor general?
5 comentários:
Boa piada de caserna esta. Já conheci estas e outras..
Já fui incomodado algumas vezes por6faksr6demore em bicha e não fila como é normal. Mas bichas foi assim que aprendi.
Faz me lembrar aqui neste blogue na minha iniciação. Tinha algum preconceito em usar a palavra camarada nos meus comentários
Um dia referi alguém chamando lhe colega. Como se usa hoje em tantas situações.
Aqui um camarada /colega irritado comigo escreveu :
#colegas# são as putas..
Nunca esqueci esse insulto, mas acho que não respondi, caso contrário teria utilizado aquela linguagem à moda do Porto.
Gostei deste diálogo /anedota.
VT.
Meu caro, o domínio da língua é poder...
Os militares, os políticos, os gestores, os médicos, os académicos, o clero, etc., são corporações profissionais que têm normas próprias na sua organização e funcionamento. Aos pares é exigido o cumprimento dessas normas, sob pena de se ser rejeitado ou desconsiderado.
O domínio da língua (incluindo a gíria profissional, o "jargão" ou "tecnoleto") é fundamental para aceitação e consideração no seio do grupo, comunidade, organização ou instituição, Não posso usar a "linguagem de carroceiro" num "conselho científico", ou numa conferência... Há limites para o uso da "andedota" ou o recurso ao calão...Na caserna, na recruta ou debaixo de fogo na guerra, às vezes usávamos os piores palavrões para aliviar a tensão: o c*r*lho, o f*da-se, etc., são "granadas linguísticas"... Mas na presença de um superior hierárquico, tenho de ser "linguísticamente correto"...
Na língua, como em tudo há "o texto e o contexto"... A ti, Virgílio, enquanto gestor, quando falavas com os teus patrões suecos, com o teu engenheiro, com a tua secretária ou o teu operário, não falavas da mesma maneira... Estavas a desempenhar diferentes papéis (sociais e profissionais), tal como o médico nas relações com os seus pares, com o diretor clínico, com a enfermeira, com o doente....
É-nos exigido o domínio da linguagem técnica tal como a utlizaçáo da "norma culta" na comunicação oral e escrita. Na universidade, por exemplo, tens de seguir o "Acordo Ortográfico da Língua Portuguesa de 1990", mesmo que não concordes com ele. Um médico estrangeiro, para exercer em Portugal, tem de falar corretamente o português, não basta ser médico...Tem se submeter a um exame à Ordem dos Médicos. Conheço alguns que chumbaram várias vezes...
Aqui no blogue, também há normas para se ser aceite, embora não sejam rígidas: o tratamento por tu e por camarada... Coisa que era impensável na tropa (elitista), no nosso tempo...(Podemos voltar a este assunto, que é também é interessante: já vi aqui gente a irritar-se por ser tratada por tu, na caixa de comentários: "Tu, uma ova, não o conheço de lado nenhum nem andei consigo na escola!"...).
Com tal terminologia nunca poderíamos ter ganho a guerra!
Abraço do J.Belo
Ganhar a guerra ? O Spínola não prometeu nada a Salazar... Aguentar a guerra, era a esperança de Salazar, até que os ventos da História mudassem de direção...
Com óbvias limitações, demorei décadas até compreender que, em verdade, a guerra colonial não foi perdida .
Portugal,juridicamente,não praticava a guerra em nenhuma das colónias.
Logicamente……não se perde uma guerra….inexistente!
Ab.JB
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