
Recortes de imprensa, "Diário de Lisboa", 30 de abril de 1975, 2ª ed., pp. 1 e 20.
Fonte: Instituição: Fundação Mário Soares e Maria Barroso | Pasta: 06822.172.27196 | Título: Diário de Lisboa | Número: 18752 | Ano: 55 | Data: Quarta, 30 de Abril de 1975 | Directores: Director: António Ruella Ramos; Director Adjunto: José Cardoso Pires | Edição: 2ª edição | Fundo: DRR - Documentos Ruella Ramos | Tipo Documental: Imprensa
1. Há 50 anos a agência Reuters e o Diário de Lisboa, de 30/4/1975, noticiavam o fim da guerra do Vietname. Uma guerra com 3 décadas, que foi um pesadelo para todos: os vietnamitas e os outros p0vos da Indochina, os franceses, os americanos... (e demais povos e todo o mundo, já que não foi uma mera guerra regional, desenrolou-se em pleno clima de "guerra fria"...).
Foi também uma guerra que esteve no nosso "imaginário"... Mais do que isso: também sobrou para nós... Os mísseis terra-ar Strela, por exemplo, já tinham sido testados no Vietname... bem como a passagem da guerrilha à guerra convencional (no caso, port exemplo, da Guerra dos 3 G: Guidaje, Guileje, Gadamael)...
E havia até quem, mal ou bem, na nossa geração, comparasse a guerra da Guiné com a do Vietname... É evidente que foram duas realidades incomparáveis: pelos meios bélicos empregues, em homens e armas, pela extensão do território, pela violência, pelo nº de baixas, etc.; as nossas guerras foram de "baixa intensidade". Os militares norte-americanos tiveram cerca de 58 mil mortos, e perto de 300 mil feridos. As perdas entre os vietnamitas, civis e militares, do Norte e do Sul são impossíveis de calcular (há estimativas que apontam para 2 a 4 milhões).
Em 30 de abril de 1975 estávamos no rescaldo das eleições, realizadas uns dias antes (em 25 de abril) para a Assembleia Constituinte. As primeiras eleições livres!... Tinha havido o 11 de março e depois a fúria das nacionalizações...Mas já antes o 28 de setembro de 1974, que alguns historiadores apontam como o início do PREC (Processo Revolucionário Em Curso).
O "verão quente de 1975", já estava em banho maria... E em Angola, a 6 meses da independência, já havia crescentes sinais da brutal guerra civil que se iria desencadear depois do 11 de novembro de 1975 e prolongar durante anos e anos até 2002 (com escassos períodos de paz podre pelo meio).
Os últimos militares portugueses em Angola regressaram a 10/11/1975, na véspera da "dipanda". A sangria de quadros foi brutal... Um amigo meu, angolano, médico, disse-me que nesse dia, histórico, o número de médicos que restavam no território era der 26...
Cinquenta anos depois perguntamo-nos, ingenuamente: porquê ? para quê ? como foi possível ? A guerrra do Vietname, a guerra da Guiné, a guerra de Angola... A(s) guerra(s)...
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5 comentários:
O homem é na sua essência mais profunda um bicho. A sua denominada inteligência é dominada pelo seu instinto de preservação e posse como qualquer outro irracional , salvo algumas boas excepções
Daí as guerras continuarem a acontecer.
Eduardo Estrela
Boa tarde
Depois da minha estadia na Guiné passei à disponibilidade em Angola. Estava em Luanda á data da publicação acima mencionada. Naquela altura a guerra fratricida já se desenrolava entre os movimentos na cidade de Luanda, sem envolvimento das nossas tropas que, "julgo", "pendiam" para um dos movimentos. Eu para ir para o trabalho antes de sair de casa ouvia primeiro os macanudos para saber quais as ruas menos perigosas para circular. E, havendo recolher obrigatório, foi uma aventura encontrar lugar onde o meu filho pudesse nascer. Entretanto ele nascia e eu e o meu pai podíamos ter morrido. É que o MPLA resolveu atacar da traseira do SMAS o escritório da UNITA que ficava no primeiro andar de um prédio da Avenida dos Combatentes. E, a casa do meu pai mesmo entre os dois locais! Tendo até a UNITA utilizado uma metralhadora pesada que fazia tremer toda a nossa casa. Bom, lá conseguimos fugir num intervalo da guerra, depois de uma manhã fechados na dispensa com receio de alguma morteirada, com uma gata escondida num saco de plástico, com o rabo de fora. E, pouco depois ter metido o meu filho e a minha mulher num avião.
Ainda pensei continuar em Luanda, apesar da autêntica guerra que se desenrolava nas suas ruas, até porque na minha profissão tinha quase sempre onde me alimentar, mas pouco antes da independência e, perante o que vi, tive realmente medo e meti-me no primeiro avião. Detalhes havia muitos para contar, mas não o vou fazer.
E, cada vez á mais guerras, mais estupidez humana, será que a IA irá acabar com estes monstros ou criar ainda mais ? A nossa geração está de partida e, os nossos netos ?
Abraços
No dia 30 de Abril de 1975, já eu sabia do que se passava em Angola, pela televisão brasileira, já há muito eu tinha saído de Luanda com passaporte com visto da PIDE (PIM) e viajado na VARIG, num avião Luanda-RIO, quase vazio.
Quando me apercebi que aquela guerra não era a "minha guerra," logo no dia 26 de
Abril, fiz os meus caixotes e pisguei-me.
A partir de 1975 pode comparar-se aquela guerra ao Vietnam, com os senhores da guerra fria a disputar Angola, palmo a palmo, durante 28 anos com milhões de minas antipessoais espalhadas indiscriminadamente em caminhos pedestres e lavras familiares que obrigou milhões de familias a evadirem-se à toa das suas terras.
Há por aí guerras piores, mas entre gente não tão inocente como eram aqueles bailundos, ganguelas , mucubais e quiocos.
Milhões de angolanos deslocados
Em 1975 eu já tinha terminado a minha comissão militar em Angola. Regressei em 28 de julho de 1974. Mesmo assim, já em 1974 se viviam em Luanda dias de muita violência, que eu acompanhava de longe, de um quartelzinho isolado a 200 metros da fronteira norte de Angola, chamado Malele, onde me encontrava com o meu pelotão. Por um lado, eu ouvia as notícias que me chegavam por três das cinco estações de rádio de Luanda que tinham potentes emissores de ondas curtas, a saber, Emissora Oficial de Angola, A Voz de Angola (também oficial) e Rádio Ecclésia - Emissora Católica de Angola. Por outro lado, os meus subordinados que eram de Luanda (dois primeiros-cabos e um soldado) iam-me dando conta do pouco que iam sabendo sobre o que se passava, graças à correspondência que recebiam dos seus familiares.
No princípio dos incidentes (que incluiram o assassinato de um enfermeiro negro muito estimado, por ter dado vivas a Spínola, e a tentativa de linchamento do conhecido jornalista Sebastião Coelho, tido como «amigo dos pretos»), as rádios mostraram-se muito tendenciosas, apresentando uma visão maniqueísta e simplista, feita a partir da cidade do asfalto, e dando a entender que a população dos musseques de Luanda é que era responsável pelo que ia ocorrendo. Os meus militares luandenses davam-me a visão exatamente contrária, a de uma população pacífica e desarmada, que estava à mercê dos raids feitos à noite por bandos de assassinos a bordo de land-rovers e camionetas de caixa aberta, que disparavam sobre todos os vultos que encontrassem. Alguém estava interessado em provocar uma guerra racial em Luanda, talvez para implantar um regime semelhante ao do apartheid da África do Sul.
Os meus subordinados luandenses estavam extremamente alarmados e sentiam-se impotentes perante o que se passava. A continuar assim, mais tarde ou mais cedo um seu familiar iria acabar por ser morto. Já começavam mesmo a reclamar que o nosso batalhão avançasse sobre Luanda, para defender o povo dos musseques. Em meados de julho de 1974, um grupo de militares angolanos da guarnição de Luanda dirigiu-se desarmado ao quartel-general, na fortaleza de S. Miguel, para pedir proteção para os musseques, e foi recebido a tiro, deixando muitos mortos no terreno. Falou-se em várias dezenas de mortos, de militares do Exército Português que foram deliberadamente mortos por outros militares do Exército Português.
É preciso lembrar que, em julho de 1974, os guerrilheiros dos três movimentos ainda não tinham descido à cidade e se mantinham confinados nas matas. A população negra dos musseques era fortemente controlada pela PIDE e não tinha armas. Quem as tinha eram elementos da população branca, nomeadamente camionistas e taxistas, que as compravam na candonga, sobretudo G3 e Uzi.
Terminada a minha comissão, fui para Luanda, a fim de embarcar num avião dos TAM de regresso à Metrópole. Em Luanda, apanhei uma vez um táxi para ir não sei aonde. Metendo conversa comigo, o taxista confessou-se apoiante da UNITA e admirador de Jonas Savimbi. Para comprová-lo, desceu a pala de tapar o sol e mostrou que no lado de dentro da pala trazia um retrato de Savimbi, com a sigla UNITA por baixo. Explicou-me, então, o que para ele significava a sigla UNITA: Único Negro Inteligente de Toda a África.
Em 1974, alguém estava interessado em provocar uma guerra racial e instaurar um regime de apartheid em Angola.
Caro Fernando Ribeiro , de maneira alguma quero entrar em "discussão " consigo neste grande blog, mas sejamos sinceros e, respeitando os principios do blog' , não nos podemos fiar só no que nos diseram ou contaram algo à distância. Nem sermos parciais.Temos de ver, estar no sitio, viver as situações. O que conta, desculpe-me é parcial. Eu estava lá!, desde que saí da Guiné (janeiro de 1971 até às vesperas da independência novembro de 1974). O Fernando Ribeiro ouviu ao longe o que lhe disseram. E, só na sua passagem de táxi por Luanda constactou realmente algo. Contar uma parte do que, pelo que diz, se apercebeu, mais uma vez não está a ser correcto. O que se passou foi absolutamente terrível para todos, e, não falemos à toa de assassinatos. Nem falemos à toa das nossas tropas. Vi, e senti pessoamente , situações que o Fernando Ribeiro nunca viu nem pelos vistos lhe contaram. (de todas as partes !!!) Muito há ainda que dizer ou contar mas penso que neste blog , com respeito, devemos ser mais objetivos e recodar o que realmente fomos, vimos e passámos agora em salutar camaradagem.
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