
Queridos amigos,
Temos versado a questão colonial em diferentes dimensões, aqui no blogue, a dimensão racial tem sido a menos analisada. Em plena ascensão do colonialismo africano, os antropólogos deram uma mãozinha e puseram banho lustral nos ideais civilizadores do branco, o negro era infantil, menos inteligente que o branco, um quase inapto para as artes plásticas, tribal e sorna, precisava de monitores brancos. É dentro desse contexto e recorrendo ao livro "As Raças Humanas", de Louis Figuier, editado entre nós em 1881, que se pode dar entendimento ao nosso olhar sobre África e o africano, quando avançamos, depois da perda do Brasil, para os sonhos do Terceiro Império, a nossa missão civilizadora associar-se-ia à exploração de riquezas, face às quais o negro era totalmente inapto, não passava de uma criança mandriona.
Um abraço do
Mário
No tempo em que se acreditava nas raças superiores e inferiores…
Mário Beja Santos
Quando o livro "As Raças Humanas", de Louis Figuier, foi editado em Lisboa, em 1881, já tinha conhecido quatro edições em França. É obra profusamente ilustrada, com elevada qualidade gráfica, o tema das raças estava no auge, as doutrinas evolucionistas, o pensamento filosófico positivista, os ideais republicanos laicos tinham entrado em colisão, daí a pergunta o que é o homem, de onde vem, se tinha ou não o papel de centro único da criação, como se tinham processado ao longo da História as migrações dos povos, etc. Figuier concluirá que a ciência não pode explicar a diferença existente entre os principais tipos da espécie humana, dirá mesmo que os homens são todos irmãos pelo sangue, que as diferentes raças eram derivadas de uma espécie única pelas modificações que o clima imprimiu no tipo positivo, competia à antropologia classificar as raças e Figuier acha que tal classificação se baseia na cor da pele, é uma apreciação de um valor secundário mas com ele pode formar-se um quadro exato e metódico dos povos habitantes da Terra. E dá um sentido à sua análise com apreciações que são hoje completamente dadas como erróneas: as medidas antropométricas constituíam a chave esclarecedora para distinguir o que essencialmente diferencia a raça branca da raça amarela, a raça amarela da raça parda, a raça parda da raça vermelha e a raça vermelha da raça negra.
E vamos viajar a partir da raça branca, um tal ramo europeu onde destacam as famílias teutónica, latina, eslava (do Norte do Sul), fino-húngara, grega; passa-se para o ramo aramaico e o leitor permitir-me-á que avance para a raça negra. Escreve Figuier:
“A raça negra distingue-se pelos seus cabelos pouco compridos e lanosos, pelo nariz achatado, pela maxila saliente, pelos lábios grossos, pelas pernas arqueadas, pela cor preta ou cinzenta carregada. Estes povos vivem nas regiões centrais e meridionais da África, nas partes meridionais da Ásia e da Oceânia.
Os habitantes da Guiné e do Congo são muito pretos, mas os Cafres são apenas cinzentos-escuros e parecem-se com os Abissínios. Os Hotentotes e os Bosquímanos são amarelados comos os chineses, posto que tenham as feições e a fisionomia dos negros.”
Figuier enuncia os Cafres e os Hotentotes e assim chegamos aos negros:
“Os negros ocupam uma grande parte da África Central e Meridional, a Senegâmbia, a Guiné, uma parte do Sudão Ocidental, a Costa do Congo, assim como a extensa região que ainda há pouco quase completamente desconhecida entre a Costa do Congo a Oeste e a Este da Costa de Moçambique e do Zanzibar, são os lugares habitados pelos negros propriamente ditos. A Guiné e o Congo são as terras clássicas dos negros. É ali que vivem os representantes desta raça com as feições mais características e repelentes. Julga-se que a invasão na África dos povos asiáticos e europeus, tendo-se sempre feitos pelo istmo do Suez e pelo Mar Vermelho, os negros foram empurrados para o Oeste do continente africano. Os habitantes da Guiné e do Congo serão, pois, os descendentes e os representantes contemporâneos dos negros primitivos.
(…) A fisionomia do negro é de tal modo característica que é impossível o não reconhecer à primeira vista, mesmo quando o indivíduo tivesse a pele branca. Os seus lábios proeminentes, a fronte curta, os dedos salientes, os cabelos lanosos, a pouca barba, o nariz largo e achatado, o queixo retraído, os olhos redondos dão-lhe um aspeto particular entre todas as demais raças humanas. Muitos têm as pernas arqueadas, quase todos pouca barriga de perna, os joelhos flexionados, o corpo inclinado e o andar preguiçoso. Podemos acrescentar que nesta raça o tronco tem menos largura que nas outras raças, que os braços são proporcionalmente um pouco mais compridos, que as pernas têm uma curvatura assaz sensível e que a barriga das pernas é um pouco achatada. A cavidade óssea da bacia é muito mais estreita no negro do que no europeu, mas é mais larga no sentido do osso sacro, o que torna para as negras fáceis os partos. Segundo medidas exatas, a bacia superior é 1/4 mais larga no europeu do que no negro. Também as coxas dos negros diferem das dos brancos: no primeiro são sensivelmente achatadas. O pé participa desta fieldade das formas. O vício de conformação que entre nós isenta do serviço militar, o pé chato, não só para o negro não é uma deformação, mas é também um caráter constante.
(…) A cor da pele tira à fisionomia do negro toda a beleza. O que dá graça à cara do europeu é cada parte do rosto ter o seu colorido próprio. As maçãs do rosto, o nariz, a fronte, o queixo, têm, no branco, tons particulares. Na fisionomia do negro tudo é negro. As sobrancelhas, negras como o rosto, perdem-se na cor geral. Apenas há um tom diferente na linha de contacto dos lábios. A pele dos negros é muito porosa e tanto que os poros se apresentam de modo visível. Nem todos os negros têm a pele dura, pelo contrário, pelo contrário, alguns têm-na macia e acetinada. O que há de desagradável na pele do negro é o cheiro nauseabundo que exala suando. Estas emanações são tão difíceis de suportar como as que são exaladas de certos animais. A natureza apropria o negro às regiões em que vive. Em geral, o seu temperamento é linfático. O seu andar vagaroso, a sua preguiça invencível, impacientam o europeu, que não pode compreender tanta indolência. Os negros são menos sensíveis que os europeus à influência de excitantes. A aguardente, a mais forte, o rum, a pimenta, os mais irritantes condimentos francamente excitam a inércia do seu palato.”
Chegámos agora à contundente questão da inteligência e da inferioridade racial. Socorrendo-se de argumentos antropomórficos hoje dados como anacrónicos, Figuier refere o ângulo facial, a fronte muito inclinada para trás, as maxilas muito proeminentes e classifica:
“Aproximava-se do macaco, cujo ângulo facial, nos macacos antropomorfos, tais como o orangotango e o gorila, é de 50º. Esta fraqueza relativa de inteligência que nos é revelada pela pequenez do ângulo facial dos negros vai ser confirmada por nós, examinando-lhe o cérebro. (…) A inferioridade intelectual do negro é evidente na sua fisionomia sem expressão nem mobilidade. O negro é uma criança e como uma criança é impressionável, inquieto, sensível ao bom tratamento suscetível de dedicações, mas, em certos casos, sabendo também odiar e vingar-se. Os povos da raça negra que existem no interior de África, os estados de liberdade mostram-nos pelos seus hábitos e pelo estado do seu espírito que não podem passar de além da vida de tribo. Além disso, em muitas colónias custa tanto tirar bom resultado da educação dos negros, a tutela dos europeus é-lhe de tal modo indispensável para lhe manter os benefícios da civilização, que a inferioridade da sua inteligência, comparada com a do resto da humanidade, é um facto incontestável.”
Instituiu-se assim a inferioridade do negro, a plena dependência do civilizado, a fatalidade da sua anatomia, a sua indolência masculina pondo a mulher a trabalhar como escrava, as suas crendices em divindade secundárias, a crença no poder do acaso. E, de repente, Figuier descobre que os negros possuem muitas vezes uma extraordinária memória, uma extrema facilidade para aprender as línguas, o seu enorme talento nas imitações. Os negros, enfatiza Figuier, são rebeldes às artes plásticas, mas são muito sensíveis à música e à poesia. E conclui dizendo que a família negra tem menos inteligência que qualquer outra família humana e que é preciso dar muito tempo aos negros libertos para viverem numa igualdade com outras raças.
Era esta a doutrina que alimentava o pensamento colonialista e que efetivamente só se começou a desmoronar no fim da Segunda Guerra Mundial. O racismo mudou de figura, está associado a uma religião eleita, a certos fundamentalismos monoteístas, à emergência do nacionalismo de base racial e ao terror das migrações que assolam a Europa e a América do Norte; mas não sejamos ingénuos, os chineses não querem contaminações com outros grupos populacionais… O racismo diminuiu, tem uma face muito obscura, mas está muito longe de se ter extinguido.
Três imagens retiradas do livro de Louis Figuier
_____________Nota do editor
Último post da série de 12 de maio de 2025 > Guiné 61/74 - P26793: Notas de leitura (1796): "Pára-quedistas em Combate 1961-1975", por Nuno Mira Vaz; Fronteira do Caos Editores, 2019 (1) (Mário Beja Santos)
2 comentários:
Caros amigos,
Como diz um ditado popular fula: "o sapo a dizer mal da lagartissa".
Os tempos mudam e as ideologias também.
Nada a acrescentar.
Um abraço amigo,
Cherno AB
O Mário Beja Santos a concluir o seu brilhante pensamento e extraordinário conhecimento do Mundo, diz "Mas não sejamos ingénuos, os chineses não querem contaminações com outros grupos populacionais… " Tenho há 39 anos uma esposa chinesa, Wang Hai Yuan de Abreu, mulher de Xangai, eu um rapaz do Porto, uma contaminação que resultou em dois filhos maravilha, num relacionamento humano inteligente e criativo. A companheira linda de quase quarenta anos de vida.
António Graça de Abreu
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