
1. Mensagem de Augusto Silva Santos, ex-Fur Mil da CCAÇ 3306/BCAÇ 3833, Pelundo, Có e Jolmete, 1971/73, com data de 25 de Setembro de 2010:
Camarada Luís Graça,
Por influência de um e-mail recebido esta semana do camarada Manuel Resende, na sequência do meu depoimento publicado na revista "Domingo" do jornal Correio da Manhã do passado fim de semana na rubrica "A Minha Guerra" (tal como eu esteve em Jolmete, embora em ocasiões diferentes, ele na CCAÇ 2585 eu na CCAÇ 3306), venho por este meio apresentar a minha possível adesão ao blogue Tabanca Grande.
Para o efeito, junto as duas fotos "exigidas" e a totalidade do meu depoimento enviado ao já referido jornal que, por manifesta falta de espaço, apenas publicou uma pequena parte da história sobre o que foi a minha passagem pelo teatro de guerra da Guiné. Espero que isto preencha o necessário para a referida adesão. Temos de chegar aos 500!

Julgo que estou a ser o primeiro elemento do BCAÇ 3833 que esteve na Guiné entre 1970/72, respectivamente no Pelundo com a CCS e a CCAÇ 3307, em Có com a CCAÇ 3308, e em Jolmete com a CCAÇ 3306, a colaborar nesse blogue. Se estiver enganado, algum camarada que me corrija.
Nesta perspectiva, tomo ainda a liberdade de vos enviar o relatório de duas da operações levadas a efeito pela CCAÇ 3306 e nas quais participei. Pessoalmente julgo ser um documento interessante que, de alguma forma, pode acrescentar algo sobre o que foi a nossa passagem pela Guiné.
Se acharem que o contributo é válido, tenho ainda muitas fotos (para além das que estou agora a enviar) que poderei disponibilizar/partilhar, bem como o resumo dos "Factos e Feitos do BCAÇ 3833". Este é igualmente um documento interessante. Contém todo o historial das Companhias.
Fico a aguardar o vosso feedback.
Um Abraço
Augusto D. Silva Santos
2. Apresentação
Nome: Augusto Silva Santos
Comissão: Guiné 1971/73
Força: BCaç 3833/CCaç 3306 e Depósito Geral de Adidos/Brá
Actualidade: Vive em Almada, 60 anos, empresário reformado, casado, com duas filhas e uma neta.
Título: Encontro de irmãos nas matas da Guiné


Assentei praça no RI7/Leiria em Janeiro de 1971. Após avaliação das minhas habilitações, fui transferido para EPC/Santarém onde concluí a recruta. Sou entretanto colocado no CISMI/Tavira, onde me foi dada a especialidade de Atirador de Infantaria. Por ter obtido a máxima classificação na disciplina de tiro (Atirador Especial de G3), sou colocado no CTC/Cacém como Cabo Miliciano, para dar recrutas. Algum tempo depois rumo ao CMEFED/Mafra para ficar na EPI como instrutor, curso que entretanto não concluí por ter sido mobilizado para a Guiné.
Já como Fur Mil parto para o CTIG/Bissau a 28 de Dezembro de 1971, em rendição individual, com destino à CCav 2749 colocada em Piche para, segundo viria a ser informado no QG, substituir um Furriel falecido na sequência de uma emboscada, quando se preparava para vir de férias à Metrópole. Nunca viria a confirmar este facto, pois entretanto sou requisitado para o BCaç 3833, mais propriamente para a CCaç 3306/Jolmete, tendo assim ficado mais perto do meu irmão Arménio D. Silva Santos, também mobilizado um ano antes para este teatro de guerra, colocado na CCaç 3307/Pelundo, sede do Batalhão (o pesadelo dos meus pais era agora a dobrar). Neste caso, fui substituir um Furriel casado com uma cabo-verdiana que havia desertado para o Senegal. Consta que mais tarde foi capturado e morto pela PIDE/DGS junto à fronteira. Foi precisamente perto do aquartelamento de Jolmete que em 20 de Abril de 1970, teve lugar o assassinato dos 3 Majores e do Alferes que estariam a negociar com o PAIGC o fim das hostilidades no Chão Manjaco. Após o regresso do Batalhão à Metrópole por ter terminado a comissão, sou colocado no Depósito de Adidos em Brá, onde permaneci mais um ano. O meu regresso teve lugar a 22 de Dezembro de 1973, com 24 meses de comissão.
Apreciando anteriores narrações de ex-camaradas que passaram verdadeiros horrores de guerra, não posso considerar que a minha passagem pela Guiné tenha sido das piores. Passei por bons e maus momentos, e nela fiz amigos cuja a amizade perdura até aos dias de hoje, como é o caso do Rodrigo Borges, meu companheiro da caça há muitos anos.
Jolmete, Junho de 1972 > com vários elementos da CCAÇ3306
Das situações que mais me marcaram na Guiné e que até hoje guardo memória, passo a citar:
• No dia 4 de Março de 1972, numa operação na região de Badã/Ponta Nhaga, comandada pelo próprio Comandante de Companhia, ao tomarmos de assalto um acampamento do IN que, supostamente estaria com muito armamento com destino à zona do Churo/Caboiana, no acto de acção de busca e recolha e, quando já estávamos a preparar toda a segurança para posterior retirada, somos confrontados com forte reacção do PAIGC do outro lado da bolanha, que nos fustigou com fogo de armas automáticas Kalashnikov, lança granadas foguete RPG7 e morteiro. Deste confronto resultaram 10 feridos para as NT, nomeadamente o Capitão, 2 Alferes, 3 Furriéis, 2 Soldados e 2 Milícias (alguns deles com gravidade), que mais tarde viriam a ser evacuados para a Metrópole. Felizmente saí ileso desta situação. Valeu-nos a pronta intervenção do apoio aéreo, quer na evacuação dos feridos (altura em que sofremos nova flagelação), quer no que respeita a conter a acção do IN no regresso ao aquartelamento, para que as repercussões não tivessem sido maiores.
• Em Abril de 1972, no dia em que o Benfica disputava com o Ajax as meias-finais da Taça dos Campeões Europeus (empatámos em Lisboa mas quem passou foi o Ajax que ganhou 1-0 ao Benfica na Holanda e depois venceu o Inter na final), sofremos um ataque ao aquartelamento por parte do PAIGC. Nesse dia estava fora com um grupo de combate a fazer segurança, quando fomos surpreendidos pelo fogo intenso. A nossa resposta com fogo de morteiro e o apoio da artilharia de Bula foi pronta e eficaz, pelo que a acção do IN não durou muito tempo, mas impressionou o facto de termos ficado durante alguns minutos entre dois fogos. Felizmente não houve consequências para as NT, contudo para a população resultaram 20 feridos ligeiros e estragos no reordenamento.
• Já perto do final da comissão da CCaç 3306, somos chamados a fazer o levantamento de um campo de minas montado há já alguns anos pelas NT numa bolanha perto de Ponta Vicente. Pelo croqui que dispúnhamos, essas minas deveriam estar em determinado local. Por acção das águas estas devem ter sido deslocadas e igualmente deterioradas, pelo que praticamente já não estariam operacionais. Sorte a nossa, pois alguns de nós sem nos apercebermos, ainda chegámos a passar bem perto ou mesmo por cima delas (como foi o meu caso), felizmente sem consequências.
• O isolamento em que nos encontrávamos relativamente às outras Companhias do Batalhão, era algo que de uma maneira geral afectava o nosso moral. Havia muitas dificuldades nos reabastecimentos. Recordo que o nosso aquartelamento distava cerca de 16Kms do Pelundo (única estrada de acesso a Jolmete), e que na época das chuvas esse percurso poderia demorar um dia inteiro. Muitas vezes as nossas refeições eram perfeitamente improvisadas. Nalgumas ocasiões contámos apenas com as rações de combate. Não foi por acaso que nos meus primeiros 6 meses de comissão emagreci 10kg.
• Quando fui colocado no Depósito Geral de Adidos em Brá, para além do serviço na Secção de Justiça como escrivão, tinha também periodicamente a missão de fazer Sargento de Dia à Casa de Reclusão Militar. Lembro-me que no primeiro dia em que isso aconteceu, no Render da Guarda tinham desaparecido 12 reclusos, que entretanto voltaram. No segundo dia desapareceram mais 5, que mais tarde também voltariam a aparecer. Esta era uma situação comum com outros camaradas. Nunca cheguei a saber ao certo por onde os presos fugiam, só sei que eles saíam para ir ao Pilão a Bissau (às “meninas”), e que mais tarde voltavam sempre. A partir desse dia combinei com um dos presos mais antigo (um Fuzileiro com a alcunha de “Grelhas”) para fazer uma “escala de saída”, com a condição de todos estarem presentes ao Render da Guarda. Nunca mais me faltou nenhum recluso.
Pelundo, Julho de 1972
• Quando vim pela segunda vez de férias à Metrópole em Abril de 1973, foi meu companheiro de viagem um Fur Mil de seu nome António Piçarra (um alentejano de Moura) que, por coincidência, também regressaria à Guiné no mesmo avião e a meu lado. Travámos assim conhecimento e, na escala que fizemos no aeroporto do Sal/Cabo Verde, lembro-me perfeitamente de termos trocado várias impressões sempre com o sentido de que a guerra para nós acabasse depressa e com um possível regresso juntos. Tal não viria infelizmente a acontecer pois, passado algum tempo, mais precisamente em meados de Julho, recebi a triste notícia de que o Piçarra morrera na sequência de uma violenta emboscada em 4 de Julho de 1973 na estrada de Cutiá/Mansabá e que teria sido morto com arma branca. Foi muito traumatizante para mim (ainda continua a ser). Anos mais tarde vim a confirmar a sua morte por o seu nome constar no Memorial aos Mortos em Combate na Guerra Colonial. Mais recentemente este triste acontecimento foi-me relatado/confirmado pelo seu ex-camarada e amigo Fur Mil Pauleta que pertenceu ao BCaç 4612/Mansoa.
• Quando já me faltavam escassos 3 meses para acabar a comissão, por ter discordado de uma ordem mal dada por um oficial (o que viria a ser confirmado) e chegado a via de factos, fui castigado com 5 dias de detenção. Foi-me na altura dito pelo então Comandante do Depósito Geral de Adidos, que eu tinha razão mas que a democracia ainda não tinha chegado à tropa (sic), e que a ordem de um superior, mesmo mal dada, era para ser sempre cumprida. Como consequência, fui ainda castigado com o ter de fazer a guarda de honra ao General Spínola, na sua última deslocação a este aquartelamento, o que para mim na altura até foi mesmo uma honra.
• Lembro-me que nos finais de 1973 era já grande a tensão entre as NT. O facto de o PAIGC já possuir os mísseis terra-ar Strela que passaram a ser o terror da FAP (começámos a não ter um efectivo apoio aéreo nas diversas missões) estava a ser determinante. Também me recordo de Bissau começar então a ser cercada de arame farpado e da colocação de minas nalgumas zonas da sua periferia, e de nos ter sido comunicada a possibilidade de podermos vir a sofrer em qualquer altura um ataque aéreo, por constar que o IN já possuía os famosos MIGs. O fim estava próximo.
Setembro 2010
Augusto Santos
3. Comentário de CV:
Caro camarada Augusto Silva Santos
Bem-vindo à nossa caserna virtual, onde se entra, e se sai, de livre vontade.
Instala-te e arranja um lugar, são todos igualmente bons, para começares a contar as tuas experiências enquanto ex-combatente da Guiné. As tuas fotos serão também bem-vindas, porque muitas delas representam momentos únicos que todos e cada um de nós viveu.
No local (estrada Cutia/Mansabá) onde morreu o teu amigo e nosso camarada Piçarra, perdeu a minha Companhia (CART 2732) dois bravos militares madeirenses. Estávamos a pouco mais de 1 mês de completar os 21, tempo oficial de duração da comissão.
Vou publicar as tuas fotos, mas os Relatórios da Acções serão publicados mais tarde. Tempo é coisa que não nos falta, ainda estamos aqui para as curvas.
Posto isto, dou-te os parabéns pelo trabalho de apresentação bastante desenvolvido que nos enviaste, o qual te acarreta uma certa responsabilidade para futuro.
Recebe o tradicional abraço de boas-vindas da tertúlia e dos editores.
O teu camarada e amigo
Carlos Vinhal
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Nota de CV:
Vd. último poste da série de 21 de Setembro de 2010 >
Guiné 63/74 - P7018: Tabanca Grande (244): Germano José Pereira Penha, ex-Fur Mil da CCAÇ 5, Canjadude, 1970/72