Blogue coletivo, criado por Luís Graça. Objetivo: ajudar os antigos combatentes a reconstituir o "puzzle" da memória da guerra colonial/guerra do ultramar (e da Guiné, em particular). Iniciado em 2004, é a maior rede social na Net, em português, centrada na experiência pessoal de uma guerra. Como camaradas que são, tratam-se por tu, e gostam de dizer: "O Mundo é Pequeno e a nossa Tabanca... é Grande". Coeditores: C. Vinhal, E. Magalhães Ribeiro, V. Briote, J. Araújo.
sexta-feira, 29 de setembro de 2006
Guiné 63/74 - P1129: Operação Macaréu à Vista (Beja Santos) (14): Procurar em vão a nossa alma
Guiné > Zona Leste > Sector L1 > Bambadinca > Regulado do Cuor > Missirá > 1968 > "Um grupo de soldados a gralhar junto de uma ponte de cibes".
Foto: © Beja Santos (2006)
Continuação da publicação das memórias de Beja Santos (1), que comandou o Pelotão de Caçadores Nativos nº 52, em Missirá, partir de Agosto de 1968. Neste post, o nosso amigo e camarada aborda, de maneira delicada e elegante, mas também lúcida e corajosa, um dos tabus dos nossos 13 anos de guerra colonial: a solidão e a sexualidade (homo ou hetero) nos quartéis, em geral, e nos nossos aquartelamentos e destacamentos da Guiné, em particular.
É um notável texto, que merece a nossa melhor atenção e reflexão. Fabuloso o título que me é proposto e que eu mantenho integralmente, inspirado num grande poeta, músico e cantor brasileiro Chico Buarque (que está de volta a Portugal no próximo mês de Outubro)... É um post que honra este blogue e enriquece a nossa tertúlia: já aqui quebrámos alguns tabus (como por exemplo os nossos mortos que deixámos enterrrados na Guiné, os nossos queridos nharros que abandonámos e que foram fuzilados pelo PAIGC, a incompetência de muitos dos nossos oficiais superiores, os mitos de certas grandes operações...). Hoje, creio, quebra-se mais um tabu...(LG)
Procurar em vão a nossa alma
por Beja Santos
Solidão não é o vazio de gente ao nosso lado... isto é circunstância. Solidão é muito mais do que isto. Solidão é quando nos perdemos de nós mesmos e procuramos em vão pela nossa alma. (De um poema de Chico Buarque).
Em Bambadinca, a 30 de Agosto [de 1968], de um regresso a uma vigilância em Mato de Cão, tinha um maço de fotografias reveladas à minha espera. Muitas delas ajudam-me agora a reconstituir os estilhaços da memória. Eu no Uige, sozinho e acompanhado. Numa delas estou ao lado do Brandão. Despedimo-nos a 31 de Julho, ele seguia para Bula, eu parti para outra oblíqua, em direcção ao Geba. Ver-nos-emos mais tarde, na Op Anda Cá, em Fevereiro [de 1969][, pela última vez. Brandão, tu eras zombeteiro e caçoavas permanentemente dos acasos da fortuna. Eras um verdadeiro minhoto. Nesta fotografia tu sorris. Na minha recordação, tu levas duas granadas lança-foguete ao ombro quando, a escassos metros dos teus pés, rebenta um fornilho. Com o rebentamento, revolteias numa nunvem de salitre e clamas:
- Meu Deus, estou morto!.
Não ganhaste para o susto. Numa cratera ali ao teu lado um dos teus soldados deixou os ossos triturados e Fodé Dahaba chora mansinho. Mais tarde, por aerograma, um amigo avisa-me:
- O Brandão finou-se. Foi um acidente estúpido, um soldado seguia à frente dele com a G3 no ombro, o cano virado para ele. Foi um acidente estúpido, um arbusto destravou o gatilho, a bala entrou-lhe pela fronte. Mais estúpido de tudo é que no caixão, sossegado, parecia dormir serenamente.
Pego noutra fotografia. Agora, é labor insano. A reconstrução de um abrigo em Missirá. Está lá o Alcino Barbosa, o Cibo, Nhaga Macque, Ussumane Baldé, rolam um tronco de palmeira, ainda a cheirar a corte da motoserra. Ao fundo está Sadjo e também o estou a ver pela última vez. Em Março [de 1969], naquela flagelação que reduzirá a cinzas a nossa Missirá, ele vai cair atravessado pelos estilhaços de um granada de um morteiro, quando enxotava crianças e velhos para um abrigo.
Enfim, albuns de militar em campanha na última guerra de Portugal. Há fotografias de tudo: crianças com espingardas Mauser, soldados com sorriso franco a reparar uma ponte, eu a pegar por uma corda uma surucucu, a tal cobra que os soldados fugiam em pânico na mata. São fotografias a preto e branco de gente, de paisagens, de obra feita e refeita.
À noite acabo a leitura de Rebeca, de Daphne du Maurier. A minha mãe ofereceu-me o seu exemplar antes de eu partir, dizendo:
- É uma obra prima, acredita, aliás tu já viste o filme. - O que era verdade. Já vira num cineclube a Rebecca de Hitchcock, Óscar de Melhor Filme em 1940, o primeiro de Hitchcock na América, com Laurence Olivier e Joan Fontaine nos principais papéis, e Judith Anderson num desempenho magistral da governanta, que lhe valeu o Óscar secundário.
Romance inesquecível que gira angustiantemente à volta de Rebeca, que nunca parece. Obra de mistério e suspense, é uma ficção que resvala para a literatura policial já que há um assassínio que, neste caso, nunca será desvendado. Mais tarde, irei reler assiduamente o livro que tem uma bela capa de Bernardo Marques, um desses artistas magistrais que mudaram o desenho gráfico das edições em Portugal.
É noite adiantada e vou fazer a ronda pelos postos. Como sempre, levo a minha lanterna e procuro itinerários diferentes. Tudo seguro no posto junto ao cavalo de frisa, falo com Gibrilo e peço-lhe para mudar a camisa do petromax. Depois, sigo para o posto virado para a fonte. Aí está o Veloso, e conversamos sobre aprovisionamentos para a próxima coluna a Bambadinca. Envieso e vou entre moranças por onde raramente passo. Embrenho-me e olho demoradamente a Mesquita a pensar no Ramadão que se avizinha. Sigo silenciosamente e é então que oiço vozes sussurrantes, vozes que vão resfolegando e que crescem em ansiedade. Aponto o foco para a zona do murmúrio, a luz que acendo é a luz que me queima o olhar e me tolhe o movimento. O que vi está visto: dois soldados fazem sexo e o foco da lanterna apaga-se no exacto momento em que um homem sentado afasta o outro homem que estava em cima dele.
Em pânico, volto para o meu abrigo e atiro-me pesadamente para a minha cadeira de verga onde leio, escrevo e oiço música. Eu sei e virei a saber que o sexo é uma questão interdita nesta guerra. Há muito calão, muita expressão brejeira, fala-se de amores mas parece que tudo morre no pudor subterrâneo seja dos amores que ficaram em Portugal seja no pacto de silêncio que queremos ver estabelecido com os nossso corpos jovens a quem se procura preservar da intimidade dos outros olhares, dos outros filtros da consciência. Fala-se do sexo mas não se diz nada, é como se fossem frases lançadas como bolas de sabão. Não há consequência nesta comunicação, até porque aquelas frases soltas não estão atadas a afectos. Andamos em tronco nu, endereçamos piadas às bajudas mas nas conversas entre militares, ainda por cima um quartel em que vivemos em abrigos ao lado da população civil, sente-se que não há gravidade neste erotismo epidérmico. As dores do sexo não são transmitidas ao grupo, depois somos portugueses e nesta guerra constituimos um caldeirão de gente que passou pelas universidades, pelo liceu e escolas técnicas, agricultores, operários e estudantes entendem-se na caserna por um denominador comum onde o sexo íntimo não existe nem se comenta.
É por isso que eu estou estuporado com este quadro insólito, conhecendo aqueles homens com quem convivo todos os dias e que acabo de encontrar numa inesperada união homossexual. Procuro aliviar a tensão pondo música barroca no gira-discos e até tentei em vão sossegar os nervos lendo. Oiço o saibro a ser esmagado pelo andar de alguém que se aproxima e me bate discretamente à porta da morança. Mando entrar e segue-se um diálogo em que descobri que era homem capaz de me irmanar com o sofrimento de quem procurava. Nessa noite, sei que tomei decisões acertadas mas procurando em vão a minha alma
- O que é que o meu alferes vai fazer comigo? Diga-me já se nos vai castigar ou contar o que viu.
Olho-o com embaraço e peço-lhe para se sentar:
- Ouve, o que vi faz parte da vossa intimidade e não vejo nenhuma razão para trazermos a público o presenciado. Estou muito embaraçado, porque tivemos todos uma conversa demorada sobre o respeito e a boa convivência que devemos a esta população. Adverti para os perigos de procurar mulheres casadas ou solteiras. Tu tens visto estas cenas em que os soldados nativos se envolvem em amores com as mulheres dos outros e mal cheguei houve aqui uma cena de tiroteio. Quando há adultério, ou coisa parecida, remeto tudo para o régulo Malan. Agora, a situação é nova, um militar da Metrópole envolvido numa relação sexual com um soldado nativo. Não te passa pela cabeça o que seria se vocês fossem vistos pelos vossos camaradas?
O meu visitante, que entrara com uma expressão congestionada, não pareceu serenar com esta minha declaração:
- Meu Alferes, não estou a representar, eu ando de cabeça perdida, desde miúdo que procuro reprimir-me, não sou como os outros, não perco a olhar a raparigas, vou sempre direito a olhar a zona do sexo dos homens, aprecio as formas e uma cara bonita. Se o meu Alferes contar esta história eu juro que me mato, não estou a encostá-lo à parede, eu dou um tiro na cabeça, eu não aguentarei a vergonha de andarem a chamar-me roto ou maricas.
Achei que devia dar uma nova direcção à conversa:
- Camarada, espero que incluas na tua vergonha a sorte do guineense que arrastaste para o teu acto. Não sou padre nem inquisidor, sou o teu comandante e vamos agora tratar do dia de amanhã. O que eu vi, vi. Não haverá, da minha parte, qualquer publicidade ao que vi. Talvez vocês tenham tido muita sorte em não ter sido apanhados por civis ou camaradas. Vais-te entender com o teu amigo sobre o que poderá acontecer se vocês forem vistos a praticar sexo. Não me ameaces com tiros na cabeça, controlas-te como toda a gente pois a vergonha é também uma regra que decorre do autodomínio. A vergonha não é um assunto exclusivo de homossexuais.
O meu visitante, entretanto, quis desabafar:
- Ó meu Alferes, eu não sei se aguento a situação só a bater punheta, eu gosto do meu amigo, esta solidão enlouquece-me. Eu procuro medir as consequências, sabia muito bem que andava a arriscar tudo, estou farto desta guerra, sinto-me muito só, já me basta assobiar às raparigas, como se eu fosse uma pessoa normal. O que é que eu vou dizer ao meu amigo?
Pus-me de pé, endiretei os óculos, controlei a respiração e disparei sem contemplações:
- Antes de mais, lembra-te que esta solidão atinge toda a gente. Este não é o nosso lugar, mas temos que fazer deste território o nosso lugar habitável. Vais dizer ao teu amigo que tem mulher e filhos que falaste comigo, que eu vi o que vi e que lhe peço que se lembre que vocês não podem andar a fazer sexo entre moranças e não venhas agora perguntar aonde é que vocês devem fazer sexo. O teu discurso não pode ser desculpa para novas imprevidências. Procura não ser tão egoísta. Medita bem, se necessitares de mudar de quartelamento, não hesites caso descubras que há uma relação profunda entre ti e ele. Amanhã, ao fim do jantar, vens-me dar conta do que decidiste. Agora, não leves a mal, já passa das 2 da manhã, temos que dormir. Boa noite. O que conversámos fica estritamente entre nós, não os dois mas os três. Explica cuidadosamente tudo ao teu amigo.
No dia seguinte, depois do loto a feijões, avancei para o meio da parada como se fosse ver o abrigo do morteiro. Discretamente, ele seguiu-me e deu-me conta da sua decisão:
- Dou-lhe razão, não posso comprometer o meu amigo, ele seria a principal vítima. Logo que possa, veja se consegue a minha transferência. Agradeço-lhe a sua compreensão.
Chegámos a Setembro, o cacimbo veio mais cedo. Pela primeira vez, participei numa emboscada nocturna, levei mosquiteiro, permanecemos num arrozal até de madrugada. Para quem se recorda, estas emboscadas diante da floresta hermética eram fisicamente duras e punham o nosso moral à prova. Então, ganhando no factor surpresa, na madrugada de 6 de Setembro, o bi grupo de Madina-Belel [, a noroeste de Bambadinca, no Cuor, ] atacou com uma salva de morteiros, bazucas e muita metralha. Como se fosse hoje, recordo o meu baptismo de fogo. Como em todas as outras situações desta natureza, não faltei à regra cometendo os meus dislates. O primeiro foi acender a luz enquanto a metralha serpenteava sobre os céus de Missirá. Convencido que o hábito faz um monge vesti o meu pijama, calcei-me, abri a porta olhei o fogo a toda a volta como se estivesse a ver um filme em cinemascópio, e corri para um abrigo com a G3 na mão. Eu vou contar.
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Nota de L.G.:
(1) Vd. post de 26 de Setembro de 2006 > Guiné 63/74 - P1118: Operação Macaréu à Vista (Beja Santos) (13): Rebelo, meu rapaz, ninguém nasce soldado!
quinta-feira, 28 de setembro de 2006
Guiné 63/74 - P1128: Estórias cabralianas (13): A Micá ou o stresse aviário (Jorge Cabral)
Guiné > Região Leste > Bambadinca > Fá Mandinga > Pel Caç Nat 63 > O Jorge Cabral e as queridas bajudas mandingas... Um homem não é de pau e, às vezes, mete-se em sarilhos de saias, como aconteceu com a Micá desta estória, passada em Vendas Novas...
Foto: © Jorge Cabral (2006)
Mais um short story (1) do nosso amigo e camarada Jorge Cabaral (ex-Alferes Miliciano de Artilharia, comandante do Pel Caç Nat 63, Fá Mandinga e Missirá, Sector L1 - Bambadinca, Zona Leste, 1969/71; hoje, advogado e professor universitário, especialista em criminologia).
O Stresse Aviário, das Galinhas aos Morcegos
por Jorge Cabral
Terminada a especialidade de Atirador de Artilharia, permaneci como aspirante, em Vendas Novas, na respectiva Escola Prática. Aí me atribuíram variadas funções, Justiça, Acção Psicológica e Cultural, Revista Literária, etc, etc, pelo que quase nunca fiz nada. Quando me procuravam num lado, estava sempre no outro…
Na Justiça, creio que apenas dei andamento a um processo, enviando uma deprecada para Angola, a perguntar se o Furriel Patacas possuía três mãos. É que uma pretensa vítima de violação havia declarado que o Arguido, com uma mão lhe tapara a boca, com outra lhe agarrara os braços e com mais outra lhe despira as cuecas… Acabei por não receber qualquer resposta mas ainda hoje penso que uma terceira mão seria muito útil em certas ocasiões…
Publiquei na Revista da Unidade alguns poemas, todos objecto da censura do Comandante. Uma vez exigiu que substituísse o verso “um gato a escorregar pelo sexo inteiro”, ordem que cumpri escrevendo “molhando minha pena em teu tinteiro”, opção que o bom do Coronel aplaudiu, dizendo:
- Assim está melhor, lembra a escola.
Dinamizei jornais de parede, mas escândalo dos escândalos, esqueci-me de organizar a romagem dos militares a Fátima, no dia 13 de Maio. E assim pela primeira vez, a EPA - Escola Prática de Artilharia não esteve presente. Tão fatal e laico esquecimento ter-me-á valido a mobilização…
Penso que foi na qualidade de oficial de justiça que conheci Micá, rosada e bem nutrida moçoila, pela qual logo senti um clique de ruralidade erótica. Filha do 1º Cabo R/D Correia, viviam ambos nos confins do Polígono, em instalações do quartel, a uns quinze quilómetros da Vila. Órfã de mãe, Mica tinha muito medo do pai, que praticamente não a deixava sair de casa. Sabedor que o Correia, após sair do serviço, fazia um longo turno na tasca do Velez, só regressando a casa muito tarde e sempre bêbado, aventurei-me, fui procurar a Micá.
Bem barbeado, perfumado e de fatinho novo, lá cheguei. Ainda havia só conversa mas a noite prometia, eis que os cães começam a ladrar e Micá empalidece:
- O meu Pai, o meu Pai mata-me!- grita - Fujo e, sem outra alternativa, enfio-me no galinheiro, e fico quietinho debaixo do poleiro. Sinto o cabo entrar em casa e logo depois sair de caçadeira em punho:
- Será raposa ou raposão ? - clama, na sua voz de ébrio. - Não me mexo, e quase não respiro, enquanto montes de galinhas me picam, me picam, me dejectam.
Só ao raiar da manhã, e pé ante pé, é que abandono o local. No quartel estou uma hora debaixo do chuveiro mas não dissipo o cheiro. Quanto ao fatinho novo, o único remédio foi deitá-lo para o lixo.
Tão traumática experiência deixou profundas marcas. Durante largos meses só sonho com galinhas. Até a Micá surge como galinha-gigante, pondo ovos-granadas que me rebentam no peito.
Só na Guiné e em Fá é que começo a melhorar. Ainda sonho com a Micá, transformada em bajuda, aparecendo também o Cabo Correia, feito turra, que eu mato com a sua caçadeira. Acordo mais aliviado…
Em Missirá, contudo, sofro uma recaída. Não é que todos os dias, o mosquiteiro aparece manchado de uma substância amarelada e mal cheirosa ?! Fezes galináceas, concluo. Voltaram. Inspecciono o tecto, e de galinhas, nada. Regressam os sonhos e agora todos são galinhas, o Comandante, o Major das Operações, o Capitão, o Exército inteiro.
Vou a Bambadinca consultar o Nanque (2), que me pede cem pesos e uma galinha para resolver o assunto. Levo-o a Missirá e ele ao pé da cama, mata a galinha, fazendo escorrer o sangue na minha cabeça. Diz umas palavras, faz piruetas e pronto, afirma estar tudo acabado. Logo no dia seguinte porém, reaparecem as manchas. Estarei a enlouquecer?
Falo então com o Teixeirinha, o nosso cozinheiro, que me havia contado muitas histórias de bruxas. Cheio de importância por o Alferes a ele ter recorrido, o Teixeirinha, já muito bebido, faz rezas, olha, cheira e quase irritado, sentencia:
- Porra, meu Alferes! São os Morcegos que lhe andam a cagar em cima!
Jorge Cabral
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Notas de L.G.
(1) Vd. a última, post de 20 de Julho de 2006 > Guiné 63/74 - P974: Estórias cabralianas (12): A lavadeira, o sobretudo e uma carta de amor
(2) Vd. post de 3 de Junho de 2006 > Guiné 63/74 - P836: Estórias cabralianas (10): O soldado Nanque, meu assessor feiticeiro
(...) "Alguns dos que passaram por Bambadinca, certamente se lembrarão de ver o Nanque naquela prisão que parecia um galinheiro (1). Por minha ordem era-lhe fornecida uma cerveja diária, mas nunca lhe consegui arranjar macacos que ele gostava de comer assados (2). Não ficou muito tempo preso, pois calculem, passou a ordenança do Comandante do Batalhão…
"Quando me vim embora despedi-me do Nanque. Abraçando-me, aconselhou-me a seguir o chamamento dos tantãs… O que sempre tenho feito!" (...).
Guiné 63/74 - P1127: Em defesa dos comandos (A. Mendes, 38ª CCmds)
Foto (e legenda): © Virgínio Briote (2005). Todos os direitos reservados. [Edição e legendagem: Blogue Luís Graça & Camaradas da Guiné]
1. Texto do membro da nossa tertúlia A. Mendes , ex-1º Cabo Cmd da 38ª CCmds (Os Leopardos) (Guiné, Brá, 1972/74):
Amigo Luís:
Permite-me uma correcção (1): a 38ª de comandos não foi a última companhia de comandos a ser mobilizada para o TO da Guiné mas sim a CCmds 4041, formada em Lamego e que chegou à Guiné em Maio de 74 e a qual eu ainda dei a fase operacional em Teixeira Pinto.
Se me permites, gostaria de esclarecer o seguinte: trabalhei muito com a 1ª, 2ª e 3ª CCmds Africanos em todas as zonas operacionais da Guiné. Comemos da mesma ração, partilhámos a água do mesmo cantil, sofremos a mesma dor ao chorar os NOSSOS camaradas mortos. Operações duras que obedeciam a directrizes do comando de operações. E por muito duras que fossem, era nossa obrigação levá-las a cabo da melhor forma, seja lá o que isso implicasse.Os Cmds eram voluntários, sabiam ao que iam e para eles a Pátria era algo de sagrado. Empregavam nas operaçõea todo o seu saber que lhe foi ministrado num curso duríssimo.
MAS.....não eram assassinos nem criminosos de guerra, como alguns senhores aqui no blogue tentam dar a entender. De acordo ! Na guerra cometem-se excessos, mas daí a crimes de guerra...
Eu estive em toda a Guiné, do Morés ao Cantanhez.Vivi com a tropa de quadrícula dentro do arame, e também eles no contacto do dia a dia com a população local não eram nenhuns meninos de coro. Por isso, amigos e camaradas de guerra, os Cmds africanos não foram fuzilados por crimes de guerra, mas por ódio! Ódio pelo facto de terem sido fiéis à Pátria numa tropa que fez então ao PAIGC no terreno aquilo que sabia fazer melhor: derrotá-los. Isso nunca foi perdoado pelo sr. Luís Cabral. E, se atentarem bem, o ódio étnico também não esteve ausente.
RESPEITO por quem morreu pela Pátria é a única atitude possível por quem passou pelos campos de guerra.
Amigo Luís Graça, assim que puder vou-te enviar fotos e alguma documentação. Prometo-te que irei ser mais interventivo porque me parece que alguns camaradas, quando aqui escrevem, se esquecem de alguns promenores e acrescentam outros. Aproveito para saudar o amigo Briote (2).
Saudações.
A. Mendes
Nota de L.G.
(1) Vd. post de 27 de Setembro de 2006 > Guiné 63/74 - P1123: Um espectáculo macabro na bolanha de Cufeu, em 1973 (A. Mendes, 38ª Companhia de Comandos)
(2) O que é feito de dele ? O Virgínio Briote continuava blogando, no Tantas Vidas, pelo menos até Julho passado. Um dos posts, que li era uma evocação do IN, feita pelo heterónimo Gil com o respeito que os inimigos de armas merecem, aqui na pessoa no Nino.
Aqui vai um excerto, de um post de 15 de Julho de 2006:
(...) "Nino, sentido, porra! Uma lenda da guerra da independência. No PAIGC desde 1960, responsável por zonas de guerrilha, preso em Catió por um acaso fortuito pelas autoridades coloniais, circulava sem o recibo comprovativo do pagamento do imposto de circulação, não o das viaturas, claro. Os camaradas atentos libertaram-no logo com toda a gente a ver menos os carcereiros. Membro do bureau político do Partido logo em 64, chefiou a resistência no Como ao famoso 490 de cavalaria, foi aqui que os comandos mais antigos experimentaram a sua têmpera, de tal forma que sempre que se falava no nome dele, fosse na instrução, no Hotel Portugal, na casa da Dora, nas casas de meninas, fosse onde fosse, punham-se todos em pé, calados, em sentido. Uma praxe como qualquer outra, claro! Continuou a subir na hierarquia, responsável político-militar da frente sul, responsável nacional das operações militares. Ele próprio, em pessoa, expulsou as NT do aquartelamento de Guileje. Se alguém tinha que ser, ao menos que fosse ele. Após a independência foi comissário de Estado das Forças Armadas, Presidente do Conselho da Revolução, secretário-geral do PAIGC, até correr com o Luís Cabral, o irmão de Amílcar. Em 1999, na sequência dos acontecimentos de Casamansa, outro golpe, mas agora contra ele. Retirou-se para Portugal, Gaia, onde oficialmente residia até há pouco tempo, até que resolveu desmentir quem tinha dito que a carreira político-militar do Nino tinha acabado" (...).
Guiné 63/74 - P1126: Ranger Eusébio ou recordações do Xitole e do Saltinho (David Guimarães)
Texto do David J. Guimarães, ex-furriel miliciano da CART 2716, aquartelada no Xitole (1970/1972), e pertencente ao BART 2917, sedeado em Bambadinca.
Ora vamos lá a uma conversinha na nossa caserna e não nos podemos incomodar muito com este avivar de memórias, este ouvir estórias mais ou menos inflamadas, romances de guerra, etc. , etc....
Contei um dia por aí que um dos meus soldados - coitado, auxiliar de cozinheiro e nem para isso servia, enfim, gente boa e ainda vivo - escreveu para a namorada um carta em que descrevia uma grande batalha entre a Ponte dos Fulas e o Xitole. Dizia ele a certa altura no texto que eles atacaram de metralhadoras e tudo e os aviões vieram apoiar a acção... Ele tomou parte preponderante e a batalha foi ganha... Como Camões, com o episódio de Veloso em Os Lusíadas na terra dos Cafres... Bom, isso é literatura e não vamos nessa aqui... mas lembrei-me desse tão belo episódio: "Veloso amigo, essa encosta é mais fácil descer do que subir"... e a resposta que é mais curiosa.
Meus amigos, temos que aceitar estas situações de inflamadas das estórias e ter a humildade de aceitar quando elas são corrigidas por um companheiro da época... Isso é importante e marcará a nossa diferença...
E não adianta falar o que são as operações especiais, comandos e resto da tropa toda - todos sabemos ou então dormimos todos....
Penso... Calma, e agora vamos a correcções que me parecem oportunas... Tenho para demonstrar uma caderneta militar; o resto está em memória, gasta de 59 anos (...).
Queria dizer uma coisa ao Mexias Alves que por certo se recorda: a protecção às nossas colunas com aviões T6 e FIAT, nada mais era do que aquelas flagelações que eles faziam, entre Fulacunda, o rio Corubal e o Xitole, em zona de intervenção de Com-Chefe... Nada tinha a ver com as nossas colunas Bambadinca-Mansambo-Xitole-Saltinho... Daí deverá vir uma mistruara ou confusão...
Um pormenor importante... Em Maio de 1970, foi quando o BART 2917 ocupou Bambadinca e um mês tinha o outro Batalhão ido para Galomaro... A minha CART 2717 chegou ao Xitole enquadrada numa coluna. E aí já estavam os camaradas do Saltinho a chamar-me pira... e aí estava o Belarmino, querido amigo, que nunca mais vi e sei que existe (Um abraço se ele me ler!)....
Durante este espaço de trempo da comissão, O Saltinho não teve qualquer contacto com o inimigo a não ser um dia e só - um cagaço que apanharam numa tabanca que guardavam quando o IN resolveu vir lá... Mas quase nem tiros houve, ninguém se magoou, creio eu...
Em Março de 1972 é que os dois Batalhões, o de Galomaro e o de Bambadinca (Bart 2917)embarcaram para a Metrópole, não no Niassa mas sim em aviões Boeings 707 dos TAM, num total de 3... Os dois Batalhões defilaram juntos em Brá, diante do Comandante-Chefe, General Spínola... Os primeiros a embarcarem foram os de Galomaro e depois os de Bambadinca.... Numa semana foi colocada aqui a tropa toda...
Quanto ao grupo especial, também desconheço. nunca ouvi falar dele na época de 70 a 72... Entre o Xitole e o Saltinho os perigos eram bastante menores que entre o Xitole e Bambadinca.... Tangali - creio que era assim que se chamava a última tabanca à guarda do Xitole sendo que daí para a frente já pertencia ao Saltinho, e isto na estrada Xitole-Saltinho....
Em resumo: Mexia Alves, em 1971, o Niassa não trouxe esses Batalhões.... Outros sim, possivelmente, mas esses não... Aliás, eu vi quando o Nissa aportou a Bissau com tropa, estava eu a chegar de férias da Metrópole e pude ver amigos meus - que conhecia da vida civil - uns a chegar e outros a partir... Por curiosidade, um deles tinha combatido numa das Companhias de um Batalhão que esteve em S. Domingos [, na região do Cacheu].
Quanto a essas operações contadas, terás muita razão, meu amigo: foram ficção, pela certa. Mas não nos arreliemos com isso, as pessoas vivem o que dizem, são felizes, pronto...
Gostava de agora dizer uma coisa: a formação de uma Companhia - um Pelotão de Formação e Comando, e 4 grupos de Combate a três secções... Cada grupo de Combate tinha um Furriel de Minhas e Armadilhas e na Companhia havia o Pelotão Ranger em que o Alferes e o Furriel eram Rangers...
Aos Rangers era pedido que andassem como os outros; aos de Minas era que andassem como os outros e resolvessem o problema de armadilhamento do quartel, da periferias e de tomar conta das minas que de vez enquanto estavam plantadas na estrada... e não foram tão poucas quanto isso... Depois era o Furriel de Armas Pesadas que costumava ocupar-se das armas fixas - o Luís teve azar [, foi logo parar à CCAÇ 12, que era uma unidade de intervenção, não de quadrícula], outros safaram-se e nunca sairam do quratel...
Depois era a Formação e Comando com o 1º Sargento com mais um ou dois na secretaria, os Furriéis, o Enfermeiro, o Vagomestre, o Mecânico Auto e o Transmissões... (Se disse asneira emendem-me, mas era mais ou menos isto) .
Creio que o Humberto já falou aí no blogue e eu também: um dia, um grande rebentamento na ponte do Jacarajá, debaixo de uma Mercedes daquelas enormes do exército... Por lá ficou...
As provas maiores estão nos testemunhos oculares de quem viveu na altura, pronto é isso. O
romance, temos que o entender... naturalmente.
Quando eu meter água, digam. Eu não tenho por onde fugir e darei logo a mão à palmatória...´É água da bolanha...
Sei que no fim da minha comissão - já eu estava em Bafatá e dois Pelotões ficaram no Xitole com a outra CART recém chegada e com convivi um ês mais ou menos - houve, sim, aquela grande primeira porrada no Saltinho. Já pedi para me contarem, foi quando apanharam os nossos militares e creio que à mão...
Há quem me saiba esclarecer isto ? Eu aí gostaria de saber... Sei de boato e não queria contar o que não vi e da maneira que me contaram, foi mau demais... Mas houve problema, sei que houve...
David Guimarães
Ex-Furr Mil
Cart 2716
Xitole (Maio de 1970 / Março de 1972)
Guiné 63/74 - P1125: Postais Ilustrados (4): Rapaz balanta, cesteiro (Beja Santos)
Postal ilustrado enviado por Beja Santos a um familiar: (...) "Aqui fica uma recordação de uma ida a Bafatá, um menino como os muitos bondosos e meigos que tenho aqui, fazendo o que ele faz" (...). Missirá, 8 de Setembro de 1968 (?).
Bilhete postal gentilmente cedido pelo nosso camarada Beja Santos (ex-Alf Mil, comandante do Pel Caç Nat 52, Missirá e Bambadinca, 1968/70)
__________
Nota de L.G.:
(1) Vd. posts anteriores (desta série sober postais ilustrados da Guiné):
4 de Agosto de 2006 > Guiné 63/74 - P1023: Postais Ilustrados (1): Pescadora, de etnia papel (Beja Santos)
7 de Agosto de 2006 > Guiné 63/74 - P1030: Postais Ilustrados (2): Dança nalu, Cacine (Beja Santos)
8 de Agosto de 2006 > Guiné 63/74 - P1031: Postais Ilustrados (3): Tocador fula, Bafatá (Beja Santos)
Guiné 63/74 - P1124: Fotos falantes (Torcato Mendonça, CART 2339) (2): A vida boa de Bambadinca, no tempo do Pimentel Bastos
Guiné > Zona leste > Sector L1 > Bambadinca > Mansambo > CART 2339 > 1968 > O comandante do BCAÇ 2852 em visita ao aquartelamento, em construção, de Mansambo, e à famigerada fonte (em cima) - talvez em Novembro ou Dezembro de 1968. Por motivo de doença o terceiro Cmdt da Cart 2339 foi substituído, em Dezembro de 196, pelo quarto e último Comandante, o Capitão Q. P. Laranjeira Henriques, 28 anos, 3ª Comissão no Ultramar.
Guiné > Zona leste > Sector L1 > Bambadinca > Mansambo > CART 2339 > 1968 > Material IN apreendido pelas NT.
Guiné > Zona leste > Sector L1 > Bambadinca > Fá Mandinga > CART 2339 > 1968 > Um Capitão (Lima) e três Alferes periquitos em Fá. O Capitão Lima foi o segundodos quatros comandantes que a companhia teve.
Fotos e texto: © Torcato Mendonça (2006)
Continuação da publicação do álbum de fotografias do Torcato Mendonça, que ele teve a gentileza de me fazer chegar, pelo correio, através de um CD-ROM. Chamou-lhe fotos falantes (1)
O Torcato foi Alf Mil da CART 2339, Mansambo, 1968/69.
Fotos falantes (2)
Fotos do Alf Mil Cardoso, enviadas pelo Marques dos Santos (4 fotos) (Como o Cardoso aparece em algumas destas fotos, o autor não é, logicamente, ele. Certo é terem-me sido enviadas pelo Marques dos Santos. Vou enviar-lhe uma cópia do CD).
Um Capitão e três Alferes periquitos em Fá. Este Capitão (Lima) era o 2º comandante que tivemos. O primeiro (Cap Mil Meira de Carvalho), logo em Évora, devido a doença, teve que abandonar a Companhia. Aconteceu o mesmo a um Alferes.
A outra foto é já em Mansambo: material IN apreendido pelas NT.
O terceiro Comandante da Companhia (Capitão Q.P. Moura Soares) e o Comandante do Batalhão 2852, Tenente-Coronel Pimentel Bastos.
Trata-se de uma visita ao aquartelamento, em construção, de Mansambo, e à famigerada fonte - talvez em Novembro ou Dezembro de 1968. Isto porque, devido a doença o terceiro Cmdt da Cart 2339, foi substituído, em Dezembro de 1968 pelo quarto e último Comandante. Quanto a mim o verdadeiro Comandante [da nossa CART 2339], Capitão Q.P. Laranjeira Henriques, 28 anos, 3ª Comissão [no Ultramar]!).
Tenente-Coronel Pimentel Bastos
Falemos um pouco dele. Chegamos à Guiné em Janeiro de 68. Depois de breve estadia na Capital, mandaram-nos para o Leste. Fomos para Fá, como Companhia de intervenção do BART 1904, com sede em Bambadinca – Sector L1. O seu Comandante era o Tenente-Coronel Branco.
Fizemos o treino operacional no Xime, onde estava a Companhia 1746, comandada pelo Cap Mil Vaz. Um dos Alferes era o Madaíl (já falado aqui neste Blogue). Depois fomos à nossa vida. A primeira Operação foi destruir o Galo Corubal. Louvor à CART 2339 pelo Cmdt do BART 1904.
Talvez no último trimestre de 68, o Batalhão 1904 foi rendido pelo Batalhão 2852. Era seu Comandante o Tenente-coronel Pimentel Bastos.
A 2339 estava sedeada em Mansambo, empenhada na construção do aquartelamento, a fazer patrulhas e operações, a proteger as Tabancas da zona. Por isso passávamos muito pouco tempo em Bambadinca, Bafatá ou Nova Lamego. Só lá íamos para reabastecimentos, operações ou, a Bafatá, passar um dia, como prémio por algum ronco, correio ou compra de vacas no Sonaco.
Era uma vida, em Mansambo e nas tabancas, sem o mínimo de condições – alimentares, higiénicas, médicas ou outras - que nos proporcionassem o mínimo de conforto.
Bambadinca era uma maravilha para nós. Vivia-se lá um clima de tranquilidade e de bom convívio. Para isso contribuía o Comandante e vários militares. Como a segurança era boa, estavam lá as esposas do comandante, do médico e do tenente da Secretaria.
Estive várias vezes em Bambadinca, por um dia ou dois, no intervalo de colunas, operações ou similares. Verifiquei sempre o óptimo e descansado ambiente que se vivia no Bar/Messe de oficiais e no resto do quartel. Não tive curiosidade em conhecer a povoação, instalações dentro do quartel ou outras. As minhas viagens iam até a certos locais da tabanca, acompanhado do Lali, Sukel ou outro. Tanto assim que não me recordo da escola, menos da professora ou dos comerciantes.
A calma vivida era tão boa que quando as portas batiam eu fazia um movimento. Os do Batalhão sorriam. Nós não tínhamos portas e o som era parecido a uma saída de arma pesada, coisa desconhecida para a maioria deles. Até um dia, pois! (2) ...
Voltando ao Tenente-coronel Pimentel Bastos, além de ser pessoa faladora e de óptimo trato, tentava quer ele quer a esposa e mesmo outros militares proporcionar um ambiente agradável. Como militar não o julgo e espero não o fazer com ninguém. Ele e outros eram profissionais. Muitos não estavam preparados para aquela guerra, creio mesmo que para nenhuma. Eram militares para outros desígnios. Os milicianos, sargentos e oficiais eram iguais, muitos não estavam minimamente preparados. Mas esses não tinham que estar.
Naquele tempo, de 1968 até meados de 1969, viver em Bambadinca era bom, para quem fazia a guerra na Guiné. Isso gerou o laxismo da defesa, o não tratamento das informações e não se compreenderem certos sinais do IN. Gerou-se assim, um irreal clima de confiança. Eles não atacam Bambadinca. Mas atacaram e a defesa não estava acautelada. Houve uma resposta fraca, cenas que eram evitáveis. Comportamentos correctos e determinantes pela parte de alguns militares. Outros, não cumpriram! O major pode ter dado tiros para o ar... agora berrar pelo Pimbas? Creio que não.
Nós, em Mansambo, ouvimos o ataque e pensamos ser na Moricanhe. O rádio informou: ataque a Bambadinca e a ordem de irmos, no dia seguinte, ao Batalhão. Foi o Cmdt da 2339 e dois grupos de combate pois um ficava lá. Ficou esse Grupo em precárias condições (para ser leve) no pontão, semi-destruído na estrada para o Xime (Rio Udunduma, 3º Grupo de Combate do Marques dos Santos).
Estávamos na época das chuvas. Vivia-se em Bambadinca, se bem me lembro, um mau ambiente e uma certa desorientação. Regressámos a Mansambo preocupados quer com o nosso grupo que tinha ficado no pontão quer com o que se tinha passado.
Bambadinca nunca mais foi a mesma. Este ataque deixou marcas profundas. O bater das portas começou a ter outro significado. A carreira de certos militares profissionais ficou afectada. O Tenente-coronel Pimentel Bastos ficou com a sua carreira cortada. Regressou à Metrópole em 4 de Dezembro de 1969, no Uíge. Nós, os da 2339, vínhamos lá. Pela última vez, comandou-nos porque era o Comandante Militar das tropas embarcadas.
Não falo mais sobre o ataque ao Batalhão 2852. Para terminar digo que a Administração Colonial gostou ao que aconteceu aos militares. Talvez alguns militares também.
Um dos profissionais que estava no seu posto, melhor na sua cama, na noite do ataque, fez uma operação a meu lado na zona do Xime. Foi a 1ª em que o Malan Mané serviu de guia. Deu barraca porque o Malan se perdeu e nós estávamos detectados. Mas o dito Oficial profissional estava apavorado, desorientado e não sabia o que fazer. Na reunião antes da operação sabia quando, em frente dos alferes, berrou com o Cap Mil que comandava a Companhia do Xime. O Capitão Miliciano disse-lhe:
- Meu Major, eu sou Professor do Liceu.- Voltou a dizer-lho em reunião no mato quando, e bem, regressámos ao Xime.
O Tenente-coronel Pimentel Bastos, no dia que fez 50 ou 51 anos, foi numa operação com malta da 2339. Não fui com ele porque o paludismo foi mais forte. Á volta dele estavam quatro ou cinco militares do meu grupo, houve tiroteio e ele era mais um…! Deixou resolver a situação, por quem tinha que o fazer e a isso estava habituado. No regresso, em Mansambo, disse-me calmamente:
- Não era necessária tanta gente á minha volta.
- Não sei de nada, meu Comandante.- Sorrimos, claro. Ele ainda acrescentou:
- Os rapazes merecem uns dias fora disto, temos que falar.
Não era um guerreiro, era um militar igual a tantos. Nas horas mortas era poeta. Assinava PIMBAS (3).
A última vez que o vi foi em Lisboa, no desembarque a 10 de Dezembro de 1969.
Encontrei por acaso a esposa, D. Alzira, em Lisboa e soube que o marido estava bem.
Recordo a D. Alzira (confesso que já não me lembrava do nome, vi-o no blogue) e relato um episódio que se passou comigo. Antes digo que era uma Senhora com quem gostava de falar. Geralmente, enquanto aprontavam a coluna eu metia combustível no bar e falávamos. Certo dia cheguei a Bambadinca vindo das autodefesas. Tínhamos passado uma má, uma péssima temporada. Falta de comida e bebida, tabaco, correio, roupa. Felizmente tivemos a visita do General Spínola e, passados poucos dias, fomos rendidos.
Depois do duche, de vestir roupa limpa, de me desinfectar com uma boa dose de uísques, fui ao bar. Uma bebida fresca, comer uma sandes de fiambre era um luxo. Estava lá a esposa do Comandante. Cumprimentei-a, pedi os comes e bebes, olhei para as revistas que estavam em cima da mesa. Talvez a Flama e outras da época. Vi um homem com um fato de astronauta e a legenda, não recordo, falava do homem e da Lua. A D. Alzira disse-me:
- Está a ver, o homem já andou na Lua! - Calou-se talvez devido á cara que fiz.
Confesso que pensei:
- O clima apanhou-a ou bebi demais. -Ela acrescentou:
- Na metrópole viram em directo.- Aí tive pena dela:
- Passou-se…!
O militar do bar deu-me a bebida fresca, a comida, e safou-me.
- Olhe, na minha casa nem se deitaram. O meu alferes tem estado no mato? Veja aí nas revistas.
Claro que vi e li. Acabámos a rir e eu fui, depois de mais um copo, ler o meu correio.
Eram situações caricatas. Só quem lá esteve e as viveu compreende o que valia um cigarro, uma bebida gelada, uma meia – daí – garrafa de uisque e outras coisas tão simples. Além de – isso mesmo… – uma bajuda, mesmo que já tivesse na segunda volta dos cem mil. O isolamento era terrível.
Guerra estúpida a causar sofrimento a tantos. A defender interesses de minorias poderosas, a servir as políticas de uma mão cheia de loucos. Ontem e hoje, é igual. Passado tanto tempo sofre-se ainda na Guiné e no antigo Império. Sofrem hoje outros povos, vítimas de ditadores, loucos e detentores de novos impérios. Em cada dia que passa, fruto da recordação ora trazida, da notícia lida, ouvida ou vista, aumenta em mim a repulsa da resolução dos problemas pela força das armas.
___________
Notas de L.G.:
(1) Vd. postd e 26 de Setembro de 2006 > Guiné 63/74 - P1116: Fotos falantes (Torcato Mendonça, CART 2339) (1): A guerra acabou ?
(2) Vd. post de 14 de Novembro de 2005 > Guiné 63/74 - CCLXXXIX: Op Lança Afiada (IV): O soldado Spínola na margem direita do Rio Corubal (Luís Graça)
(...) "Deixem-me só lembrar que, dois meses depois desta operação, o PAIGC retribuiu a visita das NT e apareceu às portas de Bambadinca em força: mais de 100 homens, três canhões sem recuo, montes de LGFoguetes, morteiros... Esse ataque ficou célebre: os tipos de Bambadinca foram apanhados com as calças na mão, faziam quartos de sentinela sem armas; enfim, um regabofe... Claro que no dia seguinte o Caco Baldé deu porrada de bota a baixo, nos oficiais todos, do tenente-coronel (o célebre Pimbas) até ao capitão da CCS... Um caso exemplar, divertido e hilariante, da guerra da Guiné... A sorte dos gajos de Bambadinca foi os canhões s/r terem-se enterrado no solo e a canhoada cair na bolanha... Quando nós, periquitos da CCAÇ 2590 (futura CCAÇ 12), lá passámos, uma semana depois, vindos de Bissau e do Xime a caminho da nossa estância de férias (Contuboel, um mês e meio de paraíso... seguido depois de18 meses de inferno...quando fomos justamente colocados no Sector L1), os nossos camaradas da CCS do BCAÇ 2852 ainda estavam sem pinga de sangue..."Podíamos ter morrido todos", dizia-me 1º cabo cripto Agnelo Ferreira, da minha terra, Lourinhã... Fomos depois nós , para lá, com os nossos nharros, e em 18 meses nem um tirinho: que o respeitinho (mútuo) era muito bonito... Porrada, porrada, era só quando a gente se atrevia a meter o bedelho na terra deles, que já estava "libertada"... Eu faria o mesmo, na minha terra...Na história do BCAÇ 2852, o ataque a Bambadinca é dado em três linhas, em estilo telegráfico:"Em 28 [de Maio de 1969], às 00H25, um Gr In de mais de 100 elementos flagelou com 3 Can s/r, Mort 82, LGF, ML, MP e PM, durante cerca de 40 minutos, o aquartelamento de Bambadinca, causando 2 feridos ligeiros". (...)
Guiné > Zona Leste > Sector L1 > Bambadinca > 1970 > Espectacular vista aérea do aquartelamento, tirada no sentido leste-oeste, ou seja, do lado da grande bolanha de Bambadinca.
Foto do arquivo de Humberto Reis (ex-furriel miliciano de operações especiais, CCAÇ 12, Bambadinca, 1969/71).
Foto: © Humberto Reis (2006)
(3) Vd. posts de:
1 de Agosto de 2006 > Guiné 63/74 - P1012: Operação Macaréu à Vista (Beja Santos) (3): Eu e o BCAÇ 2852, uma amizade inquebrantável )
1 de Agosto de 2006 > Guiné 63/74 - P1014: A galeria dos meus heróis (5): Ó Pimbas, não tenhas medo! (Luís Graça)
4 de Agosto de 2006 > Guiné 63/74 - P1025: Tenente-coronel Pimentel Bastos: a honra e a verdade (Luís Graça)
4 de Agosto de 2006 > Guiné 63/74 - P1028: O Pimbas que eu (mal) conheci (Jorge Cabral, Pel Caç Nat 63)
16 de Agosto de 2006 > Guiné 63/74 - P1035: Ainda sobre o Pimbas, com um quebra-costelas para o Beja Santos (Paulo Raposo)
30 de Agosto de 2006 > Guiné 63/74 - P1041: O Pimbas e os outros (Jorge Cabral)
quarta-feira, 27 de setembro de 2006
Guiné 63/74 - P1123: Um espectáculo macabro na bolanha de Cufeu, em 1973 (A. Mendes, 38ª Companhia de Comandos)
lembraste amigo luis kuando aki a 1 ano levantei essa kestao? entao algumas vozes se levantaram kritikando me.Pois e amigo Luis eu estive por dentro desses akontecimentos. No ano de 1973 na pikada de Binta para Guidaje kuando dois grupos de combate da 38 de Comandos tentavam desesperadamente passar a bolanha do Cufeu para chegar a Gidaje depararamse kom o makabro cenario de mais de uma dezena de corpos a ser festim para os abutres.JA ALI ESTAVAM a dias e ali iriam fikar.sabes ate kuando amigo Luis?
Um condutor de um unimog ke ia konosco foi vitima de uma mina nessa pikada tendo morrido.Foi o corpo dele transportado na minha viatura ate guidaje e ali ficou.Desceu a terra pelas maos dos camaradas.porke nesse tempo (março73) as evakuaçoes eram impossiveis em guidaje e kem la esteve sabe porke.Nos proprios tinhamos um kamerada sem perna ke na enfermaria(?)lutavava kontra a gangrena.
Amigo luis foram tempos dramatikos ke eu ainda hoje luto para nao me lembrar mas ke nunka vou eskecer.tenho tudo dukomentado.tou a tua e so tua disposiçao se kiseres saber algo mais.envio um grande abraço para todos os camaradas de guerra.mesmo para akeles ke kom menos rigor vao relatando as suas(?) experiencias de guerra.
A. Mendes (Um Comando na Guine)(2)
Komentario de luis graca:
Mendes: Estas registado na nossa tertulia mas kontinuo a espera das tuas duas prometidas fotos. fiko tambem a tua disposicao.escreve ke te faz bem.
___________
(1) A 38ª CCmds teve como unidade mobilizadora o CIOE - Lamego. Esteve no TO da Guiné entre Junho de 1972 e Abril de 1974. Fui a última CCmds, de origem metropolitana, a ser mobilizada para este território.
(2) Vd. post de 2 de Novembro de 2005 >
02 Novembro 2005 > Guiné 63/74 - CCLXV: Apresenta-se o 1º Cabo Comando Mendes (38ª CCmds, 1972/74)
Caro Luis Graça, camarada comando Briote:
Vou-vos falar um pouco de mim. Assentei praça no longínquo ano de 1971 no antigo RAL 1, em Outubro. Ofereci-me para os Comandos onde cheguei em Dezembro de 1971 (CIOE/ Lamego). Completei o curso em Junho de 1972, mês a que cheguei à Guiné, a 26. Iniciei a 2ª parte do curso em Mansoa, na mata do Morés, onde tive o primeiro contacto com o IN. Recebi o crachá de Comando em Agosto, com o posto de 1º cabo.
Em Fevereiro de 1974 terminei a comissão mas só regressei a Portugal em Julho de 1974. As histórias pelo meio ficam para outra altura, e tambem as fotos, neste momento tenho o scanner fora de serviço.
Se quiserem saber mais alguma coisa é só perguntarem.
Um grande abraço para todos os ex-combatentes, em especial os Comandos.
Só mais um pormenor, a minha companhia foi a 38ª Companhia de Comandos, os Leopardos.
A. Mendes
Guiné 63/74 - P1122: Todos não somos demais: Vivam os Rangers! (Joaquim Mexia Alves)
Li atentamente os vossos mails e quero fazer alguns comentários (1).
1 - Rangerices
Quero entender o uso do termo, mas lembremo-nos sempre que uma andorinha não faz a Primavera, ou seja, há muitos Oficiais e Furriéis das Operações Especiais, Rangers -nos quais me incluo-, a maioria, aliás, que deram o seu melhor na Guiné e em todas as frentes de combate, e que por isso merecem o respeito devido a todos que assim procederam.
Aliás, ao que sei, os Ranger's portugueses são uma tropa prestigiada e que tem dado boas provas disso em vários locais do mundo onde têm sido enviados pelo Estado Português.
Sei também, que em vários meetings militares na Europa têm sido elogiados e até recebido prémios pela sua actuação.
Repito, todos fazemos parte da mesma história, e por isso nos devemos considerar uns aos outros, o que não significa forçosamente estarmos todos de acordo.
2 - O Eusébio
Deve, pela cronologia apresentada, fazer parte do meu curso em Lamego, mas não consigo lembrar-me dele.
Pela sua estória confirma aquilo que eu já tinha pedido para ser confirmado, ou seja, que o Batalhão do Galomaro embarcou com o Batalhão de Bambadinca (ao qual pertenci) (2), no Niassa em Dezembro de 71.
Nunca ouvi falar no Xitole do tal grupo especial o que acho estranho, visto que, como sabem a ligação entre o Saltinho e o Xitole era muito estreita e constante.
Aliás, no meu tempo, se não me falha a memória o Saltinho era abastecido via Xitole.
Tanto que assim é, que uma vez fui incumbido de fazer uma coluna do Xitole ao Galomaro, via Saltinho e lembro-me que mais uma vez o Jamil Nasser me tentou dissaduir de tal, mas como isso não era possivel, à última hora apareceu com um camião, salvo o erro, de mancarra e a coluna decorreu sem incidentes.
Ora este episódio leva-me a crer que essa estrada já não seria, naquela altura tão utilizada, pois os cuidados eram muitos. Mas posso estar enganado!!!
3 - Operações de apoio a Bambadinca
Não me lembro de haver ou ter existido qualquer grupo especial vindo seja de onde for dar apoio a operações do meu Batalhão.
4 - FIATs e T6
Nunca ouvi, nunca vi, pelo menos no meu tempo, tal tipo de protecção a colunas na nossa zona.
5 - Rangers
Os Rangers tem uma associação que se chama Associação de Operações Esapeciais, sediada em Lamego e que tem um site na Net.
Só esse site responde pelos Rangers na Associação inscritos e, se por acaso essa estória foi descrita nesse site, e a mesma não corresponde à verdade - como parece não corresponder -, foi-o também na boa fé de camaradas de armas que não inventam, nem mentem sobre assuntos que custaram a vida a uns e muitos cabelos brancos, para não dizer mais, a outros.
Quando me perguntam porque fui de Operações Especiais costumo responder que fui voluntário à força, pois não foi em total liberdade que fiz tal opção o que não significa que não me orgulhe de ter pertencido a essas Forças Militares, como me orgulharia certamente de ter pertencido a quaisquer outras.
Tudo me parece muito estranho, porque às vezes a imaginação e vontade de sermos mais do que somos, prega partidas e leva a contar estórias romanceadas de algo que afinal não aconteceu.
Se for verdadeira, com certeza que o Eusébio apresentará as provas do que afirma, e penso já tarda um pouco!!!
"Todos não somos demais".
Abraço do
Joaquim Mexia Alves
__________
Nota de L.G.:
(2) Vd. os três posts anteriores, com data de hoje (P1119, P1120, P1121)
(2) BART 3873 (Bambadinca, 1972/1974)
Guiné 63/74 - P1121: Carta Aberta ao Ranger Eusébio (Paulo Santiago)
Foto: © João Santiago (2006)
Texto do Paulo Santiago:
Ranger Eusébio:
Há alguns anos, um camarada imprimiu do portal Terravista a sua história de guerra. Na altura não fiz qualquer comentário, não percebia nada de Net e de mails mas, entretanto, aprendi e daí o meu mail.
Pelas indicações que dá, o senhor pertenceu à CCAÇ, comandada pelo famigerado e incompetente Capitão-proveta Lourenço [, a CCAÇ 3490, Saltinho, 1972/74] (1). Penso que seria Furriel Miliciano, sendo o Armandinoo o Alf Mil de Operações Especiais da dita companhia.
O senhor falta à verdade em vários pontos da sua história:
1 - Não é verdade terem ficado uma noite em Bambadinca, onde eu estava: seguiram do Xime para Galomaro e aqui já não sei se pernoitaram ou seguiram para o Saltinho, via Pulom.
2 - Contrariamente ao que afirma, não tinha havido qualquer morto no Pulom. Montei muita segurança, quando do alargamento do carreiro dos djilas, o qual deu origem à picada que o senhor conheceu. Inaugurei essa picada juntamente com o Alf Mota (Operações Especiais) da [CCAÇ ] 2701 [Saltinho, 1970/72].
3 - O senhor não formou qualquer GE [Grupo Especial] (esta designação não existia na Guiné). Havia 8 militares no Pel Caç Nat 53, que fizeram algumas operações irregulares para lá da fronteira juntamente com outros, vindos de Bissau,sempre sem qualquer enquadramento de militares brancos. Este grupo foi inactivado, devido à estupidez e fanfarronice do proveta Lourenço.
4 - O senhor fala de HK47. Corrija, por favor, para AK47. Havia no Saltinho para aquele grupo de 8 militares um RPG2, que o senhor terá visto alguma vez e, por via disso, dizer que tinha um RPG7. Mais um engano.
5 - O senhor fala em muitos roncos. Pergunto: seus ou do PAIGC ?
6 -Tem uma foto com a legenda Operação Kirafo. Corrija para Quirafo. É lamentável utilizar aquele nome: além da aldrabice, o Quirafo, como sabe, evoca uma das maiores tragédias da Guiné. Devido à incompetência do seu capitão e do seu Comandante de Batalhão morreram naquele local mais de 20 pessoas, militares, milicias e civis. Morreu o seu camarada de Operações Especiais Alf Armandino, por quem o senhor deveria ter mais respeito, não inventando histórias.
Devo dizer-lhe, para lhe avivar a memória, não foi ninguém da sua companhia que correu, em socorro, para o local da emboscada. Foi o Pel Caç Nat 53, comandado pelo Fur Mil Mário Rui que não era Ranger. Esta emboscada, encomendada pelos seus comandantes, pode considerar-se um grande Ronco para o PAIGC. Junto uma fotografia da GMC, túmulo de seus camaradas, foto tirada em 2005: continua a atestar a estupidez criminosa do proveta Lourenço e do Castro Lemos (2).
O senhor queria ser herói. Não conseguiu e resolveu reescrever a história daquela época no Saltinho. É lamentável.
Santiago
ex-Alf Mil,
comandante do Pel Caç NAT 53
___________
Notas de L.G. :
(1) Vd. post anterior
(2) Castro Lemos: Julgo ser o comandante do Batalhão de Galomaro, o BCAÇ 3872.
Guiné 63/74 - P1120: O Ranger Eusébio no Saltinho: erros e omissões (Paulo Santiago)
Luís
Fui aos links indicados, lá encontrei as aldrabices, já vistas na página Terravista. Há gaijos com uma imaginação doentia, não pensam um dia ser desmentidos e caírem no ridículo. Quando me vieram há anos com a história do Ranger (1), logo naquela data quis fazer um desmentido, só não sabia onde e, além disso, confesso ter esquecido as façanhas até ao telefonema do Martins Julião [ex-Alf Mil, CCAÇ 2701, Saltinho, 1970/72].
Mas aos factos que eu considero falsos ou inexactos:
1 - O batalhão de Galomaro [BCAÇ 3872, Galomaro, 1972/74] não pernoitou em Bambadinca, onde eu me encontrava naquela data.
2 - Contrariamente ao afirmado na página do Ranger, não tinha morrido ninguém no rio Pulom. A picada do Pulom foi aberta, melhor dizendo, foi um alargamento do carreiro dos djilas, entre Chumael e imediações de Galomaro, onde fiz segurança com o [Pel Caç Nat] 53. Para o Saltinho era uma via de abastecimento mais segura e mais utilizável, mesmo durante as chuvas, em comparação com a via Bambadinca-Mansambo-Xitole-Saltinho. Não havia problema com minas, visto os carros do Jamil (2) e do Rachid, circularem no itinerário na maior das calmas.Coube-me a mim e ao Alf Mota da CART 2701 inaugurarmos a picada em Abril de 71 com uma ida a Bafatá, óptimo para quem estava no mato desde Outubro de 70. Desde a abertura até Agosto de 72 não houve,felizmente, qualquer incidente no Pulom.
3 - Falando verdade havia, é um facto, um grupo no Saltinho preparado para acções irregulares. Eram oito militares do 53, não foram fuzilados, por estranho que pareça,escolhidos pelo Marcelino [da Mata].É também verdade fazerem operações para lá da fronteira, juntamente com outros, vindos de Bissau,mas, sempre sem qualquer enquadramento de militares brancos. Este grupo acabou por ser desactivado, ainda no meu tempo, devido a interferências do proveta Lourenço, pensando que o grupo estava às ordens dele. Contarei o acontecido brevemente.
4 - Havia armamento do IN para aqueles oito elementos, que eu utilizei algumas vezes em operações regulares.O gaijo designa a Kalasch por HK 47, podia ter ido aos livros ver que é AK47.Também tenho uma história do Lourenço com uma AK47.
5 - Este gaijo fala dos Roncos. Esquece que o Ronco foi do PAIGC em 17 de Abril de 1972, com a tragédia do Quirafo (3). Foi a emboscada ao anoitecer em Madina Buco, hei-de contar, foi o ataque a Sincha Mamadú.
6 - Acredito que o Ranger seja da companhia do Lourenço, sabe coisas do Saltinho que batem certo. Alferes Ranger era o Armandino, por quem este senhor deveria ter respeito.
7 - A cara do tipo não me diz nada. Há uma foto de um militar branco frente a uma formatura de negros que não deve ter sido tirada no Saltinho. Deverá ser um pelotão de milícias. O armamento da foto é NT, não é IN.
Em minha opinião, há aqui erros e omissões que gostaria de ver esclarecidos (4).
Um abraço
Paulo Santiago
__________
Noat de L.G.
(1) Vd. post anterior
(2) Vd. post de 11 de Julho de 2006 > Guiné 63/74 - P952: Evocando o libanês Jamil Nasser, do Xitole (Joaquim Mexia Alves, 1971/73)
(3) Vds. posts de:
12 de Julho de 2006 > Guiné 63/74 - P955: As emoções de um regresso (Paulo Santiago, Pel Caç Nat 53) (5): O pesadelo da terrível emboscada de 17 de Abril de 1972
20 de Julho de 2006 > Guiné 63/74 - P975: As emoções de um regresso (Paulo Santiago, Pel Caç Nat 53) (7): ainda as trágicas recordações do dia 17 de Abril de 1972
21 de Julho de 2006 > Guiné 63/74 - P976: A morte do Alf Armandino e a estupidez do capitão-proveta (Joaquim Mexia Alves)
(4) Enviei em 22 de Setembro um e-mail ao ranger Eusébio, para esclarecer estes pontos (olémicos) mas até à data não obtive resposta. O e-mail não foi devolvido, o que sugere que o endereço está correcto e eventualmente activo. Eis o que eu lhe dizia:
ébio:
1. As minhas saudações, na qualidade de editor do blogue Luís Graça & Camaradas da Guiné > http://blogueforanadaevaotres.blogspot.com/
2. Antes de publicar o texto do ex-Alf Mil Paulo Santiago (que esteve consigo no Saltinho), gostaria de poder ouvir e publicar também a sua opinião ou ponto de vista. Escreva-me para este endereço de e-mail: lgraca@clix.pt
Mantenhas.
Luís Graça
Guiné 63/74 - P1119: Um periquito no Saltinho, o ranger Eusébio (CCAÇ 3490, 1972/74)
Foto: © Paulo Santiago (2006)
Foto: © Paulo Santiago (2006)
Texto do editor do blogue, L.G.:
Reprodução de um dos nossos posts, o post XLIII (43, em numeração romana), com data de 4 de Junho de 2005 > Guiné 69/71 - XLIII: Antologia (1): O que era ser periquito...
Na altura eu escrevi, premonitoriamente, o seguinte:
"Há páginas na Net que correm o risco de desaparecer... Miseravelmente. Como aconteceu com as páginas no Portal Terrávista. O maior portal, em língua portuguesa, da segunda década de 1990.
"Algumas das páginas que encontramos na Net têm um maior ou menor interesse documental para a história da guerra colonial na África Portuguesa. Por exemplo, mostram, com maior ou menor propriedade, rigor e talento, o que era a vida de um tuga na Guiné. Por isso merecem ser objecto de antologia.
"Hoje seleciono aqui a página de um ranger, que esteve na Guiné entre 1971 e 1974. É um ranger convicto, endoutrinado, disciplinado, como mandava a puta da sapatilha. A guerra acabou, não serei eu seguramente a alimentar as idiotas rivalidades que levaram a troca de insultos e até a confrontos físicos, em Bissau, entre a tropa de elite (paras, comandos, fuzileiros, operações especiais) e o resto: a tropa-macaca (como a CCAÇ 12 ou a CCAÇ 3) ou os cassanhos (como a CART 1690, do Alferes Lopes)"
Bom, na altura (Junho de 2005), essa página estava alojada num portal entretanto suspenso (Cidade Virtual). O seu endereço original era: http://sapo.telepac.pt/rangers/Guine/Guine1.htm
O sítio apresentava-se como a "página não-oficial" dos rangers, cuja associação (a Associação de Operações Especiais, criada em 1980, e com sede em Lamego) tem um sítio próprio.
A página do ranger Eusébio passou, entretanto, a ficar alojada no portal Planeta Clix (http://rangers.planetaclix.pt//). Ainda há uns tempos a (re)visitei. Estranhamente, voltou há dias a eclipsar-se... Daí o interesse em recuperar o seu conteúdo inicial, até por que o Paulo Santiago, ex-comandante do Pel Caç Nat 53, que esteve no Saltinho entre 1972 e 1973, contesta alguns dos factos aqui descritos (1).
Mas vejamos o que nos contava o periquito e ranger Eusébio, há um ano e tal atrás:
1. Começa por escrever o nosso ranger:
"A viagem durou aproximadamente cinco dias a bordo do navio Niassa e decorreu sem incidentes, com chegada ao largo do porto de Bissau ao anoitecer do dia 24 de Dezembro de 1971.
"Ali aguardámos, fizemos a nossa ceia da noite de Natal e desembarcámos nas primeiras horas da manhã do dia 25 de Dezembro. A excitação do jantar, a ansiedade do desembarque, de conhecer aquela terra tantas vezes falada (com apreensão!), aquelas gentes, não deixou que alguém pregasse olho. Bebemos, conversámos, cantámos até ao amanhecer cinzento, tórrido. Cansados, desembarcámos quase em silêncio".
2. "Uma vez desembarcados, fomos transportados para o aquartelamento do Cumeré que dista da cidade de Bissau uns 40 km por estrada e 12 km em linha recta, e onde permanecemos cerca de vinte dias.
"Este período foi destinado à habituação física, ao contacto com os naturais e, principalmente, ao primeiro encontro com a operacionalidade versus realidade da guerra. Daqui fomos transferidos para as localidades do interior do território (denominado mato).
"Pelo Rio Geba acima, em lanchas de desembarque da Marinha [LDG], fomos levados até ao Xime onde desembarcamos já ao fim da tarde".
3. E a viagem continua, pelas estradas da zona leste (Xime, Bambadinca, Galomaro, Saltinho):
"Ali, no Xime, esperava-nos um esquadrão de cavalaria com os blindados chaimite que nos iriam escoltar até á próxima paragem, Bambadinca.
"Já noite, pernoitámos e ganhámos forças para o dia seguinte que, segundo os velhos (aqueles que já lá estavam, na Guiné), seria bem mais difícil pois o risco de flagelação à distância ou emboscadas era muito grande, ou quase certo. Iríamos ter de atravessar o Rio Pulom onde fatidicamente algumas vidas já se tinham perdido. É um local de selva densa, temível.
"Dirigimo-nos então para Galomaro onde deixámos uma Companhia (CCS) e, de seguida, para o Saltinho, sempre acompanhados de perto pelos caças FIAT e bombardeiros T6 da Força Aérea. A tensão era muita, uma grande prova de nervos, mas, felizmente, não chegámos a ser presenteados pela hospitalidade do PAIGC.
"Chegámos finalmente ao local onde eu iria passar a maior parte do meu tempo de comissão" (2).
4. No Saltinho, "fomos recebidos pelos velhos como periquitos, com muita alegria e carinho. Estavam ansiosos pelo regresso às suas casas, e nós quase sentíamos inveja disso. Finalmente foram e assim ficámos entregues a nós próprios num misto de orgulho e saudade.
"Começámos então o nosso trabalho concentrados num objectivo: Havemos de fazer um grande ronco, estar cá para receber os nossos periquitos e regressar.
"Para isso passamos de imediato à acção que não se fez tardar,com algumas escaramuças com o PAIGC de Amílcar Cabral e de Nino Vieira.
"A vida ali não sofria grandes alterações para além das constantes incursões pelo mato, as operações de maior ou menor envergadura, as emboscadas, as flagelações nocturnas, os apoios a outras unidades em perigo, o bater à zona, a preparação no terreno de mais uma coluna de reabastecimento, o pedir apoio aéreo ou artilharia, o montar e desmontar de minas e armadilhas, fazer fornilhos, esticar arame farpado, abrir e restaurar abrigos, as noites sem dormir... os ataques de abelhas, os mosquitos e outros mais, o calor abrasador, a micose insustentável,... o whisky, a cerveja... e muita saudade!
"O aquartelamento do Saltinho era formado por abrigos em betão, capazes de resistir ao temível foguetão 122 mm, de origem soviética, cuja granada ao explodir produz cerca de 15.000 fragmentos mortais.
"Situava-se junto á fronteira com a Guiné-Conacri, na margem do Rio Corubal e constituía a defesa da ponte sobre o mesmo rio. Na outra margem tínhamos um destacamento. Mais para lá era terra de ninguém. Havia por perto, a Norte (a uns 30 km), uma das principais bases de ataque do PAIGC, a base de Kambera.
5. Prossegue o nosso ranger:
"A Sul, sensivelmente à mesma distância, a não menos importante base de Kandiafara que muitos e graves problemas causou aos nossos camaradas de Guileje e Gadamael Porto. A Sul do Saltinho, contavamos com o apoio dos obuses da eficaz artilharia do aquartelamento da Aldeia Formosa [hoje, Quebo].
"Água não faltava todo o ano (embora imprópria para consumo), de um rio que variava bruscamente o seu caudal conforme a época, seca ou das chuvas.
"Entretanto formei o meu grupo (GE) de nativos, por mim instruído e preparado para a execução de qualquer operação, reconhecimento ou acção irregular.
"Era um grupo constituído por naturais da etnia Fula e Futa Fula, homogéneo, com excelentes capacidades de combate, resistência física e grande camaradagem.
"Passámos juntos por situações de muito perigo como, por exemplo, em operações para além da nossa fronteira onde se tornava difícil qualquer apoio que não fosse o aéreo (quando possível!). Tomamos parte em grandes operações um pouco por toda a região de Bafatá, Galomaro, Bambadinca e Aldeia Formosa.
"Estávamos equipados com o tipo de armamento utilizado pelos guerrilheiros do PAIGC, desde a HK-47 (Kalashnikov) até ao temível lança granadas foguete RPG-7. Não havia dúvidas de que estas armas de origem soviética eram mais eficazes, tendo em conta as características da guerra que se travava (guerrilha), as acções a levar a cabo no terreno, assim como pela facilidade de manejo. No entanto o objectivo da utilização deste equipamento prendia-se sobretudo com a intenção de confundir o inimigo e obter daí as vantagens do efeito surpresa.
"Lamento sinceramente não saber qual o foi destino destes homens após a independência da Guiné. Pressuponho apenas que não terá sido o mais feliz, desgraçadamente.
"Terminado o tempo que a própria conjuntura determinou para a minha comissão (teoricamente 18 meses mas na prática dois anos e 94 dias), regressei à Metrópole novamente embarcado no navio Niassa cuja tripulação, pelo carinho e atenção que nos dispensaram, merece todo o apreço.
"A reintegração para mim não foi difícil. Com traumas da guerra não fiquei, caso contrário não me teria servido para nada a forte acção psicológica a que fui submetido durante a instrução do meu curso de Operações Especiais. Lá, no CIOE, formam-se Rangers, de Firme Vontade e Indómito Valor".
__________
Notas de L.G.
(1) Vd. post a seguir.
(2) Tudo indica que o ranger Eusébio pertencia à unidade de quadrícula, sedeada no Saltinho, a CCAÇ 3490, pertencente ao BCAÇ 3872, com sede em Galomaro.
Vd. post de 15 de Agosto de 2005 > Guiné 63/74 - CLXXI: Saltinho, 1971/74... United States of America, 2005
terça-feira, 26 de setembro de 2006
Guiné 63/74 - P1118: Operação Macaréu à Vista (Beja Santos) (13): Rebelo, meu rapaz, ninguém nasce soldado!
Guiné > Zona Leste > Sector L1 > Bambadinca > Regulado do Cuor > Missirá > 1968 ou 1969 > O destacamento do Missirá (aspecto parcial) num fim de tarde calma.
Foto: © Beja Santos (2006)
Distintivo do Pel Caç Nat 52, no tempo em que era comandando pelo Alf Mil Joaquim Mexia Alves (1972/73), que sucedeu ao Wahnon Reis e ao Beja Santos.
Fotos: © Joaquim Mexia Alves (2006)
Texto enviado em 22 de Setembro último, pelo nosso tertuliano Beja Santos que, como ele confessa, está a viver um sonho, ou seja, a reviver o seu dia-a-dia de há quase 40 anos em terras do Cuor. Recorde-se que ele foi alferes miliciano e comandante do Pel Cac Nat 52 (em Missirá), tendo ainda sob a sua liderança a milícia de Finete e à sua guarda as respectivas populações. Sob o título Operação Macaréu à Vista, estamos a publicar as suas memórias de homem, de combatente e de condutor de homens no teatro de operações da Guiné (1).
Nota - Os títulos dos posts são, em geral, da responsabilidade do editor do blogue.
Caro Luís, para a semana serei mais parcimonioso pois vou preparar 20 horas de aulas que darei em breve em Carregal do Sal. Não vou comentar a questão dos cemitérios que ao contrário do que alguns dizem está devidamente repertoriada. Convém não esquecer que muitos mortos são deixados no campo de batalha ou bastante perto. Os norte-americanos que combateram no dia D e depois jazem em cemitérios que são campos de serenidade que apetece visitar. Na Líbia, visitei cemitérios onde estão sepultados alemães, italianos e britânicos. O que verdadeiramente me magoa são a incúria dos símbolos externos e da manutenção que lhes é devida, nos cemitérios espalhados por África. Na parte simbólica, destaco as homenagens aos mortos.
Seria bom que os autarcas do nosso país tivessem uma lista daqueles que morreram ao serviço da Pátria e naturais daquele concelho. Sempre que os Presidentes da República se deslocam às três ex-colónias onde combatemos devem dar sinais de preito, pois tais sinais são indispensáveis para as novas gerações. Mário Soares fez isso na Guiné, contrariando o chamado bom senso e a ira de Nino Vieira, e visitou o cemitério de Bissau.
Quanto à manutenção, os diplomatas deverão cooperar nas situações como a de Bambadinca, protestando mas dando sinais de que estão atentos à manutenção que, ao que parece, a Liga dos Combatentes pretende zelar. Aliás, prestamos-lhes bom serviço direccionando as nossas mensagens acerca dos desaparecidos.
Recebe um abraço do Mário.
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Os antepenúltimos preparativos
por Beja Santos
Há cerca de 10 anos tive um reencontro festivo com o Rebelo. Festivo e surpreendente. Bambadinca [, sede do Sector L1, Zona Leste], a pretexto de um estágio, enviou-nos o Rebelo das transmissões que trabalhou connosco desde os finais de Agosto [de 1968] até Fevereiro de 69. Depois partiu e não deu sinal de vida (2).
Se é verdade que a nossa colaboração nas operações se iniciou em Outubro, foi nos últimos dias de Agosto que recebemos ordens para partir para o Xime com o objectivo de patrulhar a Ponta do Inglês e regressar ficando dois dias no aquartelamento, enquanto a companhia local (talvez a CART 1746, já não sei) partia numa operação na região de Massambo.
Foi nessa época que me apercebi que os nomes das operações deviam ser decalcados de dicionários dos provérbios, dos cancioneiros populares e dos adágios: Fado Hilário, Vê Se Apanhas, Cabeça Rapada, Pato Rufia... A minha operação de estreia chamava-se Meia Onça, visava ir ao acampamento do Buruntoni, na mata do Baio. Dessa recordo que não percebi nem me foram comunicados os objectivos, puseram-nos à frente da coluna que saiu do Xime, andámos dois dias às voltas e ao que parece não encontrámos trilhos e os guias-picadores andaram sempre confusos.
Creio que todos nós vivemos situações caricaturais semelhantes. O que interessa é que partimos de Missirá, e não tínhamos ainda feito 2 Km quando ouvi uma imensa berrata na caixa do Unimog 404. Os soldados gritavam furiosos com o Rebelo que chorava, agarrado ao seu RACAL. Chamavam-lhe cobarde, que estava a fazer mal ao moral das tropas, que não era homem. Pedi ao Setúbal para parar imediatamente a viatura e seguiu-se um sermão violento em que fiquei convencido que eles estavam mais petrificados pelo meu gesticular do que pelo conteúdo do sermão. Em resumo, lembrei àqueles bravos que não se nasce soldado nem mesmo para herói. O Rebelo iria ter a sua oportunidade e mesmo ao meu lado. E ponto final, quem voltasse a barafustar ia ver-me virado do avesso.
Do Xime fomos à Ponta do Inglês, nessa altura já quartel abandonado. Fiquei com a recordação que o Rio Corubal era muito belo. Pois bem, há cerca de 10 anos, apanhei no Marquês de Pombal o autocarro 44 (Moscavide-Cais do Sodré), ao fim da tarde, ia eu com destino dos Restauradores. Então não é que quando me dirijo ao motorista, ele olha para mim, fixa-me esbugalhado, salta do banco, abre a cabine e entra-me no autocarro aos gritos:
- Ó meu alferes, eu sou o Rebelo e andei consigo na guerra!
Abraçamo-nos perante uma plateia atónita até que uma velhota pôs ordem na festa: `
- Ó Sr. motorista, acabe lá com essas expansões e leve-nos ao destino!.
Ganhei muito por reencontrar o Rebelo e por ele ter vencido aquela prova de fogo. Em Missirá aprendo novos misteres. Por exemplo, já descodifico rapidamente as mensagens. Será que vocês se lembram? As coisas passavam-se assim:
De LVO
Para DKO
INFO
EDITE NOITE GUITA BERRO LUIS
GRETA GOZO DENTE GINA CEDRO
GUITA GRETA MANGA SOLAR AFINO
GRETA BABEL BUDA GUITA HORTA
Pode ser que alguém tenha guardado desse tempo os manuais do cripto. Decifrada esta mensagem, quebra-se o enigma e fica-se a saber o que Bambadinca me comunica: "Ida hoje mecânico esse. Seguirá esse com pessoal desse que tiverem este fim reabastecimento".
Para quem quer sorrir lembro aquela famosa mensagem: "Info Vexa Sexa Passou Aqui Toda Mexa".
É manhã cedo e hoje Missirá terá o meu olhar frívolo e mundano. À porta da sua morança, Binta Sambu medita, acocorada. Cumprimento-a (corpo s'tá bom?) e pergunto-lhe se tem notícias do Uam. Ele ficara ferido semanas antes de eu chegar. Ao que creio numa desactivação de mina. É um mansoanque, uma figura original. Quando ele morrer nos meus braços, no amanhecer de 1 de Janeiro de 1970, direi dele: "Canhoto chupado, preto de mansoanque, manto de Navarra, um gamo antigo. Trouxe-o moribundo, a laquear toda a esperança que a guerra aspira fundo. Um anjo lhe acobertou a nudeza de tiros imprevistos, no lento rio, a todos irmanado. E houve batuque no céu.".
Cumprimentei depois o Campino, o bazuqueiro. Estou em crer que ele se conferia ao direito de ser o galã da companhia e para dar mais intensidade à pose tinha mesmo um barrete de campino. Em Fevereiro [de 1969], quando o Comandante-Chefe, nos visitar, perante a minha aceitação de todo este multiculturalismo, o brigadeiro vociferará:
- Tenho impressão que você comanda um quartel disfarçado de circo!
Depois de Campino, falo com Mamadu Silá, um gigante futa-fula que tem um fio de voz de criança. Silá aproveita para me pedir uns dias de férias, tem um choro à espera dele. Eu pareço que ando a despachar serviço enquanto deambulo sem direcção.
Missirá enche-se de vida, as mulheres seguem dengosas para a fonte, as crianças chilreiam, os civis partem para os trabalhos agrícolas. Sinto que a minha relação se aprofundou com aquele lugar que continua espesso, e mesmo opaco, à minha compreensão. Nessa noite, depois de ler, rememorando aquelas primeiras horas da manhã em que conversei, fiz perguntas ociosas, bebi chá com Lânsana, com o Saiegh a olhar-me desconfiado não estivesse eu doente com tanta despreocupação, folheei alguma lírica camoneana. E depois de visitar os postos de sentinela, escrevi:
A Luis Vaz de Camões
1 Adamastor. Passamos o limite onde chega/
O Sol, que para o Norte os carros guia. Para lá de as Dorcadas /
a bolanha de Finete sobe um elevado morro.
É no anoitecer súbito, tropical, com piares lúgubres de pássaros desconhecidos/
Um Unimog embrenha-se na floresta de galeria, e suspiro por Missirá/
Cuidado com os perigos, grita-me o Adamastor
2 Camões convivial. Acima de Galileu, depois de Calecute, Alexandria e Parnaso, sextina ou redondilha, Jau ou Gama, canto de moço, de velho do Restelo, de trança, tu és o Camões da peregrinação, mendicante da prisão, mas também Inês sem razão. Camões, máquina lusíada, de ti recebemos a vida frugal e exuberante. Tu és a tuba da ditosa Pátria e explica-me porque é que na guerra fui lançado.
Venho ver o mundo fora do abrigo, o céu estrelado. Missirá dorme. Mal sabia eu que amanhã vou ser posto à prova perante um tema desconhecido de sensibilidade e sexo secreto. Eu vou contar. E depois Missirá vai ser flagelada.
___________
Nota de L.G.
(1) Vd. post de 22 de Setembro de 2006 > Guiné 63/74 - P1102: Operação Macaréu à Vista (Beja Santos) (12): Os meus irmãos de Finete
(2) Sobre os nossos homens de transmissões (trms), vd. posts de:
2 de Julho de 2005 > Guiné 69/71 - XCIV: Um alfa bravo para os nossos Op TRMS (1)
9 de Julho de 2006 > Guiné 69/71 - XCVIII: Um Alfa Bravo para os nossos Op TRMS (2)
Guiné 63/74 - P1117: Reabilitação de talhões e cemitérios militares nas antigas colónias (Jorge Santos)
Luís:
Segundo notícia publicada no Correio da Manhã de 9 de Janeiro de 2005, que anexo, estão sepultados em vários talhões e cemitérios das antigas colónias os seguintes combatentes: na Guiné, 630; em Moçambique, 1053; e emAngola, 1346.
O Ministério da Defesa fez na altura um protocolo com a Liga dos Combatentes. Seria interessante saber o que se fez, o que se faz e o que se vai fazer. E convém ter em atenção e lembrar que este processo já se arrasta desde 5 de Fevereiro de 2003. Mas creio que não é só à Liga dos Combatentes que se devem colocar questões: e então o que fazem as outras Associações de Ex-Combatentes? Qual tem sido o papel delas neste processo todo?
E os associados das várias Associações também têm uma palavra importante adizer. Basta que nas Assembleias Gerais façam aprovar uma moção a exigir dasDirecções uma intervenção junto de quem de direito sobre o caso dos camaradas que se encontram sepultados nos vários talhões e cemitérios das antigas colónias. Honra e respeito aos que tombaram nas várias frentes de combate.
Abraço,
Jorge Santos
___________________
Notícia publicada no Correio da Manhã, de 9 de Janeiro de 2005
Defesa: Ministro assina protocolo com Liga dos Combatentes
Portas vai recuperar cemitérios do Ultramar
A poucos dias da pré-campanha eleitoral, o ministro da Defesa não quer deixar pendentes dossiês no seu Ministério. O último foi assinado ontem no Porto e estabelece um protocolo com a Liga dos Combatentes, tendo em vista recuperar talhões e cemitérios nas antigas colónias onde ficaram sepultados milhares de combatentes.
Paulo Portas assinou, por isso, um documento que prevê uma verba de 600 mil euros a distribuir por tranches até 2008. O ministro justificou a iniciativa com a frase: “Só merece respeito dos vivos quem honra os seus mortos”.
Os alvos são, por exemplo, as sepulturas sem nome ou os talhões votados ao abandono. Segundo o Ministério, pelo menos 3000 militares portugueses foram sepultados nas ex-colónias em mais de 300 locais diferentes. O processo que deu origem a este protocolo, iniciado a 5 de Fevereiro de 2003 e ontem concluído. Moçambique, Angola, Guiné-Bissau, Cabo-Verde e até Timor-Leste são os países de acção do programa. No território nacional também está contemplada a recuperação da Cripta, no Alto de São João, em Lisboa, mas só deverá ser abrangida em 2006.
Já este ano, o protocolo com a Liga dos Combatentes prevê a recuperação do talhão no cemitério de Santana, em Luanda, Angola, os cemitério do Alto das Cruzes, na mesma cidade e o de São José de Lhanguene, em Maputo, Moçambique .
Em 2007 está ainda prevista a recuperações de talhões em Timor-Leste num processo coordenado pela tutela, pela pasta da Diplomacia – através dos consulados, embaixadas e adidos militares – bem como da Liga dos Combatentes, liderada pelo general Chito Rodrigues.
NOTAS DE UM PROTOCOLO
MILITARES
Segundo um levantamento feito pelo Ministério da Defesa, em Angola estão sepultados 1346 combatentes em 163 locais diferentes. Em Moçambique são 1053 e na Guiné são 630.
PAGAMENTOS
Só este ano, o Ministério compromete-se a pagar à Liga dos Combatentes 37 500 mil euros até 28 de Fevereiro, a mesma soma até 30 de Abril, 31 de Julho e 31 de Outubro.
SONDAGENS
O momento de pré-campanha levou Portas a comentar a sondagem do Expresso que dá ao seu partido 6,3 por cento: “Para mim é ouro”. Hoje tem um almoço em Santa Maria da Feira.
Cristina Rita / José Rodrigues
Guiné 63/74 - P1116: Fotos falantes (Torcato Mendonça, CART 2339) (1): A guerra acabou?
O Torcato Mendonça, ontem e hoje... Ontem, em Mansambo (1968/69), hoje no Fundão (onde vive), ou melhor, de férias, no Algarve (donde é natural)...
Fotos e texto: © Torcato Mendonça (2006) (1)
Início da publicação do álbum de fotografias do Torcato Mendonça que ele teve a gentileza de me fazer chegar, pelo correio, através de um CD-ROM. Chamou-lhe fotos falantes, o que é uma expressão curiosa que vamos manter, e que faz jus à ideia de senso comum de que vale mais uma imagem do que mil palavras... Eu concordo, em parte, porque acho que uma boa fotografia exige sempre uma boa legenda...
Podem ser colocadas na listagem da Tertúlia (2), se esse for o teu entendimento. Dois pares a serem colocados por qualquer ordem – uma do passado, outra do presente.
(Continua)
____________
Notas de L.G.:
(1) Vd. posts anteriores de (ou sobre) o Torcato Mendonça:
15 de Maio de 2006 > Guiné 63/74 - DCCLIII: O Malan Mané estava vivo em Novembro de 1969 e eu abracei-o (Torcato Mendonça)
16 de Maio de 2006 > Guiné 63/74 - DCCLX: Bem vindo, alferes Torcato da CART 2339 (Mansambo, 1968/69) (Carlos Marques dos Santos)
(...) "É com satisfação que vejo entrar na tertúlia o nosso Alferes Torcato.
"A propósito do almoço da CART 2339, no próximo dia 20, no Gerês, enviei a nossa morada tertuliana e o Torcato ligou-me de imediato. Estivemos meia hora ao telefone, recordando factos da nossa experiência vivida na Guiné" (...).
(2) O Torcato entrou para a nossa tertúlia em meados de Maio de 2006. Eis um excerto de um e-mail que ele me mandou em 14 de Maio:
"O Marques dos Santos deu-me a conhecer este Blogue. Há muito que a 'guerra' acabou para mim, só que quase diariamente ela aparece…! Não resisti, fui à Net e tenho navegado pelo blogue. Fui alferes miliciano na 2339. Li certos eventos que os vivi – o Malan Mané estava vivo em Novembro de 69 e recebia tratamento no Hospital de Bissau. Abracei-o, causando espanto ao fuzo que o guardava. Só que eu estive na mata com o Malan Mané, soube que foi ferido …Eu usava como arma, quando se justificava, o dilagrama…
"Meu caro, há escritos que não tinha deles essa recordação. Vou ter que ir à História da Companhia. Agradeço-lhe este blogue, o fazer-me relembrar certas vivências e questionar-me sobre outras. Mansambo da foto não era a do meu tempo. O Zacarias Saiegh foi meu amigo. Era um Homem extraordinário, ele e outros que foram meus camaradas e foram fuzilados. Nunca os esqueço e não sei perdoar.
"Vou reler a história da 2339 e talvez um dia faça um escrito e lho envie. Madina Xaquili, o meu Gr Comb fez escolta a uma CCAÇ… seria a 12? Estávamos no Cop 7 em Galomaro É a memória a abrir-se. Paro aqui" (...)