quinta-feira, 17 de janeiro de 2008

Guiné 63/74 - P2447: Julião Soares Sousa, o primeiro guineense a doutorar-se pela Universidade de Coimbra (Carlos Marques Santos)


Universidade de Coimbra > 11 de Janeiro de 2008 > Doutor Julião Soares Sousa. Foto retirada do Diário As Beiras, de 12 de Janeiro de 2008, com a devida vénia. O historiador guineense será um dos oradores do Simpósio Internacional: Guiledje na rota da independência da Guiné-Bissau (Guiledje e Bissau, 1 a 7 de Março de 2008).

O nosso Camarada Carlos Marques Santos enviou-nos um recorte do jornal Diário As Beiras de 12 de Janeiro de 2008, que transcrevemos, com a devida vénia.

Julião Soares Sousa é o primeiro guineense doutorado pela UC [Universidade de Coimbra]


Historiador e investigador guineense, especialista em História Política da Guiné e de Cabo Verde, Julião Soares Sousa defendeu ontem [, 11 de Janeiro de 2008,] com mérito a sua dissertação, intitulada “Amílcar Cabral e a luta pela independência da Guiné e Cabo Verde 1924-1973”.

Natural da Guiné, é actualmente colaborador do Centro de Estudos Interdisciplinares do Século XX (CEIS20), da Universidade de Coimbra (1).

Em 1991 concluiu a Licenciatura em História, pela Faculdade de Letras da Universidade de Coimbra (FLUC). Seis anos depois, em Janeiro de 1997, torna-se mestre em História Moderna, também pela FLUC.

Desde 1999 que vinha a preparar o seu doutoramento, em História Contemporânea. A sua principal área de investigação é a construção do Estado nos PALOP. Porém, revela ainda um gosto por outras áreas científicas, nomeadamente, História de África, História e Cultura dos Países Africanos de Língua Oficial Portuguesa, História da Expansão, Colonialismo e Anticolonialismo.

Quanto a publicações, em 2003 lança a sua primeira obra, intitulada, “Os movimentos unitários anticolonialistas (1954-1960). O contributo de Amílcar Cabral”. Faz parte da revista Estudos do Século XX, do (CEIS20).

Publica, ainda, “Amílcar Cabral: do envolvimento na luta antifascista à manifestação de tendência autonomista no Portugal do pós-Guerra (1945-1957)”. A publicação resultou de comunicações e discursos produzidos no II Simpósio Internacinal Amílcar Cabral realizado na Cidade da Praia, Brasil, entre 9 e 12 de Setembro de 2004.

Carlos Marques Santos
ex-Fur Mil da CART 2339
Fá Mandinga e Mansambo
1968/69

2. Comentário de CV:

Congratulamo-nos, na nossa Tabanca Grande, com a existência de mais um guineense Doutor (por extenso) em História Contemporânea, formado por uma universidade portuguesa. O seu trabalho de investigação interessa-nos a todos nós que fizemos a guerra colonial / guerra do ultramar / luta de libertação na Guiné-Bissau... Daqui vão as nossas melhores saudações e os votos de uma feliz e produtiva carreira profissional (3).

Ficamos também felizes por saber boas novas do nosso camarada Carlos Marques dos Santos, natural e residente em Coimbra, tertuliano da primeira hora, camarada do Torcato Mendonça e de outros camarados nossos da CART 2339... Segundo me diz o Luís, o coraçãozinho do Carlos Marques dos Santos há tempos pregou-lhe uma partida. Felizmente que a coisa agora está "medicamente controlada", segundo ele nos diz no mail que nos enviou. Carlos, um caloroso abraço em nome desta Tabanca Grande.


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Notas de CV:

(1) Uma das linhas de investigação do CIES20 é o "Colonialismo, anticolonialismo e identidades nacionais". Responsável: Doutor Luís Reis Torgal (um dos oradores que irá estar presente no Simpósio Internacional: Guiledje na rota da independência da Guiné Bissau, tal como de resto o novo Doutor).

(2) O Doutor Julião Soares Sousa é também poeta, tendo nós encontrado um dos seus poemas na página Maktub Poemas, numa antologia de poetas de expressão portuguesa (Figura, na Guiné-Bissau, ao lado de Amílcar Cabral e de Carlos E. Vieira).O seu livro de poesia, Um Novo Amanhecer, 48 pp., foi publicado em 1996, pela Livraria Minerva, de Coimbra


CANTOS DO MEU PAÍS

Canto as mãos que foram escravas
nas galés
corpos acorrentados a chicote
nas américas

Canto cantos tristes
do meu País
cansado de esperar
a chuva que tarde a chegar

Canto a Pátria moribunda
que abandonou a luta
calou seus gritos
mas não domou suas esperanças

Canto as horas amargas
de silêncio profundo
cantos que vêm da raiz
de outro mundo
estes grilhões que ainda detêm
a marcha do meu País


Julião Soares Sousa
(Um novo amanhecer, 1996)

(3) Sobre este evento também encontrei a seguinte notícia no blogue de Eurídice Delgado Monteiro (cabo-verdiana, presumo) > Igualdade na Diferença > 11 de Janeiro de 2008 > Academia (as teses mais aguardadas)

(...) Amílcar Cabral

Nesta sexta-feira, dia 11 de Janeiro, aqui na Universidade de Coimbra, fui assistir à defesa da Tese de Doutoramento em História do candidato doutoral Julião Soares Sousa, intitulada Amílcar Cabral e a Luta pela Independência da Guiné-Bissau e Cabo Verde, sob a orientação científica do Prof. Doutor Luís Reis Torgal.

Para além da presença sombria dos Reis de Portugal e da moderação do Vice-Reitor da Universidade de Coimbra Prof. Doutor Pedro Manuel Tavares Lopes de Andrade Saraiva, também a arguente externa Profa. Doutora Isabel Castro Henriques (Universidade de Lisboa) e o arguente externo Prof. Doutor José Carlos Venâncio (Universidade da Beira Interior) estiveram de olhos nos olhos do Julião Sousa Soares. Ainda fizeram parte da mesa do júri o Prof. Doutor João Marinho dos Santos, o Prof. Doutor A e a Profa. Doutora B.

Após oito anos de investigação científica, o Historiador e Poeta Julião Soares Sousa entrou pela Sala dos Capelos para debruçar sobre Amílcar Cabral, numa perspectiva africana (ou seja, a partir de dentro). Durante os 150 mn da prova, várias questões foram abordadas, sendo de destacar: a socialização de Amílcar Cabral; o despertar da consciência política de Amílcar Cabral; a vida literária de Amílcar Cabral; o nacionalismo no espaço ex-colonizado por Portugal; o materialismo histórico e o marxismo; o espírito unificador de Cabral; a unidade Guiné e Cabo Verde; a proximidade e as singularidades históricas da Guiné e Cabo Verde; a problemática ideológica; os problemas de liderança enfrentados por Cabral; a dessacralização dos chefes africanos; a actualidade da filosofia política de Amílcar Cabral.

Entre as novas pistas de reflexão, foram destacadas nomeadamente a importância de uma análise sobre “as representações, as interpretações e os mitos cabralianos” e sobre “o género na perspectiva de Amílcar Cabral”. Durante a arguição desta prova académica, foram destacados os pontos fortes e fracos do trabalho realizado. No final da prova, tendo respondido às questões colocadas, o candidato de origem guineense foi aprovado com Distinção e Louvor (sendo o primeiro guineense a doutorar-se pela Universidade de Coimbra e o segundo africano a doutorar-se através da Faculdade de Letras da Universidade de Coimbra).


(Reproduzido com a devida vénia)

Guine 63/74 - P2446: PAIGC - Instrução, táctica e logística (7): Supintrep nº 32, Junho de 1971 (VII Parte): Minas II (A. Marques Lopes)


Guiné > Região do Oio > Mansabá > CART 2732 ( 1970/72) > GMC destruída por mina A/C no Bironque, a 16 de Julho de 1971.

Guiné > Região do Oio > Mansabá > CART 2732 ( 1970/72) > Estrada (asfaltada) Mansabá-Farim > O Carlos Vinhal e o Sousa à sua esquerda, segurando uma mina anticarro detectada a tempo e levantada. As minas e armadilhas, de um lado e de outro, foram dos aspectos mais cruéis da guerra colonial/guerra do ultramar, nos três teatros de operações (Angola, Guiné e Moçambique).
Fotos: © Carlos Vinhal (2006). Direitos reservados.


Guiné > Zona Leste > Sector de Galomaro > Dulombi > CCAÇ 2700 (1970/72) > Seis minas A/P detectadas na região de Padada e recuperadas pelas NT.

Foto: © Fernando Barata (2007). Direitos reservados. (Creio que a foto é do Arménio Estanqueiro, mas não tenho a certeza) (1)


Continuação da publicação de um longo texto, extraído do Supintrep, nº 32, de Junho de 1971, enviado em 14 de Setembro de 2007 pelo A. Marques Lopes (Nascido na Mouraria, Lisboa, é hoje coronel DFA, na reforma, e reside em Matosinhos).
Publica-se hoje a segunda e penúltima parte relativa ao capítulo sobre minas e outros engenhos explosivos utilizados pela guerrilha, no CTIG.


PAIGC - Instrução, táctica e logística (7): Supintrep nº 32, Junho de 1971 (VII) > UTILIZAÇÃO DE ENGENHOS (continuação) (2)

Revisão e fixação de texto: L.G. (As imagens digitalizadas pelo AML, a partir de um exemplar do original, têm fraca qualidade; optou-se, mesmo assim, por inseri-las, na maior parte dos casos).


4. Fabricação de granadas, lata fumigência e garrafas incendiárias por meio local

4.1. Fabricação de garrafa incendiária

Matérias primas: gasolina, álcool, óleo vegetal e borracha

[Por razões de segurança e de bom senso, omitimos aqui a fórmula de composião destes engenhos]

4.2. Fabicação de caixa fumigência

[à base de Clorato de amoníaco (NH1 CL), Clorato de potássio (KC1 C3) e Naftalina]

[Por razões de segurança e de bom senso, omitimos aqui a fórmula de composião destes engenhos]

4.3. Fabricação de granadas



[Por razões de segurança e de bom senso, omitimos aqui a fórmula de fabrico deste tipo]

4.4. Minas anti-tanques




4.5. Fabricação de minas

As minas são obstáculos explosivos. Uma mina compõe-se de invólucro, de embalagem e de instalação de fogo. Há minas anti-pessoal, anti-carros blindados e minas que podem destruir casas. Pode-se utilizar materiais em madeira, pote em porcelana, garrafa de vidro, caixas de ferro para fabricar as minas.

4.6. Embalagem de explosivos

Põe-se 5-10 Kgs de explosivos numa mina anti-tanque, 50-200 grs numa mina anti-pessoal cavalos aumentando 0,5 duma vez.

4.7. Granadas servindo de explosivo



4.8. Instalação de fogo

Incendiar pela pressão, pelo torpedo um fio, electricidade e pela instalação retardadora.

Composição de explosivo à base de clorato de potássio e açúcar:

Clorato de potássio.... 50%

Açúcar................. 50%

Depois desta composição deita-se umas gotas de ácido sulfúrico, a composição química incendeia.


5. Implantação de engenhos explosivos


Por se julgar de interesse, trancreve-se o Relatório Imediato N.º 1 da 2.ª REP do QG/RMM [, Região Militar de Moçambique,] o qual diz respeito a técnicas de implantação de engenhos explosivos pelo IN, em tudo semelhante às utilizadas na Província da Guiné [vd 3ª e útima parte deste texto, em poste a seguir].


5.1. Quanto à relação entre o local de implantação dos engenhos explosivos, a vegetação e os acidentes circundantes

a. Minas A/P

- Nos itinerários em que as NT passam com frequência e desde que haja árvores isoladas junto aos mesmos, armadilham o local, cientes de que as NT aproveitam muitas vezes a sombra dessas árvores para pequenos descansos;

- Bermas das picadas, conjugadas com minas A/C, no leito das mesmas; escolhem as bermas que melhor protecção conferem às NT, cientes de que, ao ser activada a mina A/C, é para esses locais que elas se dirigem;

- É-lhes indiferente haver ou não vegetação, salvo no 1.º caso apontado – árvores isoladas ou em pequeno número.


b. Minas A/C

- Preferem o meio ou o topo das subidas [de modo a] que as viaturas, ao accionarem-nas, caiam para trás aumentando assim a possibilidade de originar novos acidentes e mais vítimas;

- Sítios com pedras: afastam as pedras e colocam as minas, voltando a tapá-las com pedras; este processo é rendoso, porquanto as NT ao começarem a picar sobre as pedras “convencem-se que é tudo pedra” e passam à frente; podem colocá-las também em pequenos intervalos existentes;

- Nas passagens a vau dos cursos de água, colocam-nas junto às margens, a fim de que as viaturas, ao accionarem-nas, caiam ao rio;

- Sítios com árvores junto ao itinerário e que impeçam as viaturas de sair do mesmo;

- Nos desvios ou outros itinerários que possam ser utilizados no retorno das colunas;

- Nos locais das picadas onde a água se acumula; começam a desviar a água, colocam a mina e deixam a água voltar a tapá-la.


5.2. Quanto ao tipo de terreno propícioà implantação dos engenhos

Preferem o terreno arenoso, porquanto, não só facilita a colocação mas também a dissimulação, pois basta um pouco de vento para apagar todos os sinais.


5.3. Relação das acções e colocação de minas com:


a. Movimentos IN

Desde que tenham grupos de transporte em trânsito, criam campos de minas à distância de segurança e nos possíveis locais de passagem das NT, tendo em vista não só garantir a liberdade de movimentos ao IN mas também, pelo rebentamento de engenhos, avisá-lo da presença das NT.

b. Linhas de infiltração

Criam campos de minas nos prováveis locais de aproximação das NT.

c. Movimento das NT
- Sempre que sabem que há colunas colocam minas nas picadas

- Implantam também minas nos trilhos por onde passaram as NT pois já sabem que voltarão a passar por lá.


5.4. Técnica de implantação e disposição dum campo de minas

a. Implantam campos de minas A/C sempre que pretendem que um determinado itinerário seja abandonado pelas NT, tendo em vista criar liberdade de movimentos na região, ou prejudicar as NT apoiadas por esse itinerário;

b. Implantam campos de minas A/P à volta dos trilhos percorridos pelas NT, tendo em vista causar o maior número possível de mortos;

c. No respeitante à técnica de implantação, há a considerar:

Minas A/P em trilhos



(i) Mina A/P colocada no trilho para ser accionada pelo elemento da frente.

(ii) Minas A/P colocadas de um lado e outro do trilho, a cerca de 50 metros deste e distanciadas de 50 umas das outras, destinadas a serem accionadas pelo pessoal que saltar para as bermas. Deve ser em número aproximado de 40 de cada lado e sempre ligadas uma às outras por arames de tropeçar que fazem accionar disparadores. Caso não disponham de tantas minas poderão ser utilizadas granadas.

(iii) Emboscada montada de um só lado (para evitar atingirem-se com os seus próprios fogos) e destinada a ser desencadeada após rebentarem as primeiras granadas. NOTA: segundo o capturado, nem sempre costumam montar as emboscadas.

(iv) Mina A/P a montar após a retirada das NT e em caso de prosseguirem o caminho. É implantada para o caso das NT utilizarem o mesmo trilho para o regresso, pois, ao chegarem ao local, uma vez que já foram accionadas as minas, é natural pensarem que não há mais.


Minas A/P conjugadas com minas A/C nos itinerários


Não tem disposição especial. No entanto, costumam estudar a possível reacção das NT a partir do accionamento da mina A/C, bem como o afastamento médio dos passos, colocando-as então onde lhes pareça mais provável viram a ser accionadas; utilizam ainda os seguintes métodos, embora sem técnicas ou disposições especiais:

- Junto a árvores isoladas ou em pequenos grupos de árvores isoladas próximo dos itinerários percorridos por colunas auto;

- Nas bermas dos itinerários que melhor protecção confiram às NT em caso de accionamento de mina A/C ou de emboscada.


Mina A/C



Em geral começam por implantar 1 par de minas (1 para cada rodado) e depois minas isoladas separadas de ¾ Kms cada uma.

5.5. Dispositivo de lançamento de fogo


Em geral todas as minas que implantam funcionam por pressão. No caso das armadilhas usam, como é normal, disparadores.


5.6. Diversos

a. Destruição de pontes

Pontes de cimento



- Para pontes pequenas, as cargas nos encontros são de 6 Kg (A, B, C, D) e as cargas de corte ao meio (E, P) são de 4 Kg.

- Para pontes maiores, aumentam as cargas.

- Por vezes cavam os acessos junto aos encontros e colocam também cargas.


Pontes de madeira


Podem ser explosivos, mas o normal é serem queimadas.


b. Outros assuntos de interesse


- Na teoria a implantação e campos de minas A/P junto aos trilhos só seria feita após terem avistado as NT. Para tal, usariam um Grupo de Reconhecimento e um Grupo de Armadilhagem e deveriam ambos os grupos disporem de emissores/receptores. Na prática, implantam os campos nos trilhos que normalmnte são utilizados pelas NT;

- As emboscadas conjugadas com as minas – segundo o capturado – não têm sido usadas na zona onde operava;

- Costumam reforçar as minas com granadas, ou com cargas de 2 Kg ou 4 Kg de TNT. No início, punham as granadas em cima das minas; actualmente e por causa das picagens, colocam-nas por baixo e descavilhadas, a fim de que possam rebentar quando descavilhadas;

- Após a colocação das minas não deixam ninguém de sentinela; vão para as bases e voltam imediatamente a seguir à passagem da coluna para ver se foram levantadas. Em geral colocam as minas a distâncias tais das bases que, quando accionadas, possam ouvir o rebentamento;

- Não costumam levantar as minas não accionadas, pois, mais tarde ou mais cedo, alguém sairá. Só as levantam passados 2 a 3 anos, pois, ao fim desse período, é sinal de que as NT deixaram de utilizar esse itinerário;

- Em geral não armadilham as pontes, mas sim os terrenos em volta, depois de as destruirem;

- Actualmente não usam sinais para referência das minas que implantam, a não ser, por vezes, latas das rações das NT, que coloca sobre a mina: O procedimento adoptado é o croquis da zona armadilhada, ou a colocação dos engenhos em locais de boas referências.

Desta forma e em consequência, após a colocação das minas, reunem os elementos da base e descrevem o local ou mostram o croquis feito. Em princípio não armadilam trilhos susceptíveis de serem utilizados pela população.

Desta forma, só um número restrito de elementos é conhecedor dos locais minados, evitando-se a fuga de segredo;

- O único processo que usam para contrariar a detecção por parte das NT é o dispositivo anti-levantamento (granada descavilhada sob a mina);

- As minas que aparecem sem tampa não têm por finalidade não serem detectadas pelas picas: tiram as tampas (das caixas de madeira) para reforçarem a mina que está lá dentro com outra mina;

- Colocam as minas “na época em que passam colunas” e que é do conhecimento dos velhos: em geral há sempre colunas pouco tempo antes de começarem as chuvas e logo a seguir às chuvas;

- O capturado refere como tendo posto os seguintes tipos de minas: (i) Anti-grupo (A/P); (ii) Anti-carro; (iii) Anti-tanque.

Perguntada a diferença entre as minas anti-carro e a anti-tanque, referenciou a anti-tanque como sendo a M/46 (russa) e a anti-carro como sendo paralelipipédica e com as seguintes dimensões aproximadas: 35cm X 25cm X 20cm e menos potente do que a anti-tanque (caixa de madeira).


(Continua)
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Notas de L.G.:

(1) Vd. postes sobre o Américo Estanqueiro, ex-Fur Mil da CCAÇ 2700 (Dulombi, 1970/72), de quem já aqui falámos, a propósito da sua exposição fotográfica na Fundação Mário Soares:

12 de Novembro de 2007) > Guiné 63/74 - P2260: Álbum das Glórias (33): Inauguração da exposição de fotografia do Américo Estanqueiro, hoje, na Fundação Mário Soares

13 de Novembro de 2007 > Guiné 63/74 - P2263: Álbum das Glórias (34): Fotografias do Américo Estanqueiro na Fundação Mário Soares (Virgínio Briote / Fernando Barata)


(2) Vd. post anterior > 4 de Dezembro de 2007 > Guiné 63/74 - P2327: PAIGC - Instrução, táctica e logística (6): Supintrep nº 32, Junho de 1971 (VI Parte): Minas I (A. Marques Lopes)

Guiné 63/74 - P2445: Em louvor da G3, no duelo com a AK47 (Mário Dias)

1. Mensagem de Mário Dias, recebida na terça-feira, 15 de Janeiro de 2008, com o título: Em louvor da G3

Caro Luís:

Por ser tão comum enaltecer a vantagem do PAIGC sobre as NT a propósito da AK47 versus G3, o que não considero verdadeiro, junto em anexo a minha opinião mais ou menos fundamentada sobre o assunto.

Aproveito para anunciar que, contrariamente ao meu desejo, não me vai ser possível estar presente no lançamento do livro do Beja Santos que profundamente admiro. Daqui lhe envio um grande abraço e continue a escrever. Que nunca as mãos lhe doam.

Boa viagem até Guiledje e votos que o Simpósio venha a constituir-se numa mais profunda amizade e compreensão entre todos nós.

Um grande abraço.
Mário Dias
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2. Resposta do VB:
Meu Caro Furriel Mário Dias,

Não é o Luís, sou eu, o Briote que assumo o encargo de publicar a tua (minha também) defesa da G3, essa namorada que, tanto quanto me lembre, me foi fiel durante a minha comissão na Guiné.

Não dei muitos tiros em combate. Ainda hoje me lembro que foram 22, em toda a comissão. Só que de uma vez, logo no início da comissão, quando me encontrava ainda em Cuntima, na CCAV 489, despejei o carregador até ao fim numa emboscada entre Faquina Fula e Faquina Mandinga.

Depois nos Comandos, a minha história com a G3 quase dava um romance. Na carreira de tiro que havia lá para os lados do aeroporto (lembras-te?), esvaziei um cunhete. Há quem diga que foram cinco, não acredito. Certo é que o cano, sem tapa-chamas, rachou. E o Saraiva obrigou-me a pagar a asneira.
Achei, na altura, que ela me tinha sido ingrata, pela vergonha que me fez passar. E que o cap Saraiva era um exagerado. Troquei-a por uma FN, também sem tapa-chamas (ainda estou para saber porque é que eu as preferia assim).

Meses depois, reconciliámos-nos, fizemos as pazes e foi a minha namorada até ao fim. Custou-me tanto a liquidação da dívida que, a partir daí, passei a ser eu a tratar dela. Como tu dizes, com as mãos na massa.

Mário,

Foste um dos instrutores que me ensinaste a pegar nela. A pôr os meus olhos no cano, a usá-la o estritamente necessário, a trazê-la no colo, com meiguice.

Não vou aqui falar de outras coisas que me ensinaste, que a hora é de honrar a G3. Mas é sempre tempo para publicamente reconhecer que foste um instrutor que nos deixou marcas muito positivas, nomeadamente pelo teu saber e conhecimento daquela terra e daquelas gentes que, eu sei, tanto apreciavas.

vb
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3. Texto de Mário Dias:
Em louvor da G3.

É muito vulgar e frequente tecerem-se comentários depreciativos à espingarda G3, quando comparada à AK47. Em minha opinião, nada mais errado. Analisemos, à luz das características de cada uma e da sua utilização prática, os prós e contras verificados durante a guerra em que estivemos empenhados em África:

Comprimento: G3 - 1020mm; AK47 - 870mm
Peso com o carregador municiado: G3 - 5,010Kg; AK 47 – 4,8Kg
Capacidade dos carregadores: G3 – 20 cartuchos; AK47 – 30 cartuchos
Alcance máximo: G3 – 4.000m; AK47 – 1.000m
Alcance eficaz (distância em que pode pôr um homem fora de combate se for atingido):
G3 – 1.700m; AK47 – 600m
Alcance prático: G3 – 400m; AK 47 – 400m

Passemos então a comparar.

No comprimento e peso a AK47 leva alguma vantagem. A capacidade dos carregadores, mais 10 cartuchos na AK47 que na G3, será realmente uma vantagem?

Se, por um lado, temos mais tiros para dar sem mudar o carregador, por outro lado esse mesmo facto leva-nos facilmente, por uma questão psicológica, a desperdiçar munições. E todos sabemos como o desperdício de munições era vulgar da nossa parte apesar de os carregadores da G3 serem de 20 cartuchos.

O usual era, infelizmente, “despejar à balda” sem saber para onde nem contra que alvo. Sem pretender criticar a maneira de actuar de cada um perante situações concretas, eu, durante todas as acções de combate em que participei ao longo de 4 comissões, o máximo que gastei foi um carregador e meio (cerca de 30 cartuchos). Por tal facto, em minha opinião, a dotação e capacidade dos carregadores da G3 é mais que suficiente, além de que os próprios carregadores são mais maneirinhos e fáceis de transportar que os compridos e curvos carregadores da AK47.

Também quanto ao poder balístico, a G3 leva vantagem pois, embora na guerra em matas e florestas seja difícil visar alvos para além dos 100/200 metros, tem maior potência de impacto e perfuração sendo a propagação da onda sonora da explosão do cartucho muito mais potente na G3, o que traz uma maior confiança a quem dispara e muito mais medo a quem é visado. A G3 a disparar impõe muito mais respeito.

Porém, os principais motivos que me levam a preferir a G3 à AK47 (creio que a fama desta última é mais uma questão de moda) são as que a seguir vou referir ilustradas, dentro das possibilidades, com gravuras:



G3


AK47

Deixem-me, então, começar a vender o meu peixe em louvor da G3. Todos sabemos a importância do silêncio e da rapidez de reacção numa guerra de guerrilha e de como o primeiro a disparar leva vantagem.

Normalmente o combatente numa situação de contacto possível em qualquer lado e a qualquer momento leva geralmente a arma com um cartucho introduzido na câmara e em posição de segurança. Eu e o meu grupo tínhamos bala na câmara e arma em posição de fogo desde a saída à porta de armas do aquartelamento até ao regresso e nunca houve um único disparo acidental. Mas, partindo do princípio que nem todos teriam o treino necessário para assim procederem, a arma iria então com bala na câmara e na posição de segurança.

Quando dois combatentes se confrontam, o mais rápido e silencioso tem mais possibilidades de êxito e, nesse aspecto, a G3 tem uma enorme vantagem sobre a AK47. Talvez poucos se tivessem dado conta dos pequenos pormenores que muitas vezes são a diferença entre a vida e a morte.

Um caso concreto:

Vou por um trilho no meio do mato e surge-me de repente um guerrilheiro. Levo a arma em segurança e tenho rapidamente de a colocar em posição de fogo. Do outro lado o guerrilheiro terá de fazer o mesmo. Em qual das armas esta operação é mais rápida e fácil? Sem dúvida alguma na G3.

Se olharmos para as gravuras observamos que na G3, levando a arma em posição de combate, à altura da anca com a mão direita segurando o punho dedo no guarda mato pronto a deslizar para o gatilho, utilizando o polegar sem tirar a mão do punho com toda a facilidade e de forma silenciosa passo a patilha de segurança para a posição de fogo e disparo.

E o portador de AK47? Sendo a alavanca de comutação de tiro do lado direito da arma e longe do alcance da mão terá que, das duas uma: ou larga a mão do punho para assim alcançar a alavanca de segurança ou então tem que ir com a mão esquerda efectuar essa manobra. Em qualquer das soluções, quando a tiver concluído já o operador da G3 terá disparado sobre ele.

Suponhamos agora que o homem da G3 vê um guerrilheiro e não é por este detectado. A passagem da posição de segurança à posição de fogo, além de rápida, é silenciosa pois a patilha de segurança é leve a não faz qualquer ruído ao ser manobrada. O guerrilheiro não se apercebe de qualquer ruído suspeito e mais facilmente será surpreendido. Ao contrário, um guerrilheiro que me veja sem que eu o veja a ele e tenha que colocar a sua AK47 em posição de fogo para me atingir, de imediato me alerta para a sua presença pois a alavanca de segurança dá muitos estalidos ao ser accionada. Assim, não é tão fácil a um portador de AK47 surpreender alguém a curta distância.

Outro caso concreto:

Todos certamente estaremos recordados de quantos vezes era necessário combinar o fogo com o movimento nas manobras de reacção a emboscadas ou na passagem de pontos sensíveis. Nessas ocasiões, em que fazíamos pequenos lanços em corrida para rapidamente atingirmos um abrigo para o qual nos teríamos de lançar de forma a ficarmos automaticamente em posição de podermos fazer fogo (a chamada queda na máscara), a G3, devido à sua configuração era de grande ajuda pois, não tendo partes muito salientes em relação ao punho por onde a segurávamos, (o carregador está ao mesmo nível) permitia que de imediato disparássemos com relativa eficácia.

E a AK47? Reparem bem naquele carregador tão comprido e saliente do corpo da arma. Como fazer manobra idêntica? Impossível. Mesmo colocando a arma com o carregador paralelo ao solo para facilitar a “aterragem”, isso faz com que tenhamos que perder tempo a corrigir a posição de forma a estarmos aptos a disparar. E em combate cada segundo é a diferença entre a vida e a morte.

Um defeito geralmente apontado à G3 é que encravava facilmente com areias e em condições adversas.

Quero aqui referir que ao longo dos muitos anos da minha vida militar, tanto em combate como em instrução ou nas carreiras de tiro, tive diversas armas G3 distribuídas e nunca nenhuma se encravou. A G3 possui de facto um ponto sensível que poderá impedir o seu funcionamento se não for tomado em conta. Trata-se da câmara de explosão, onde fica introduzido o cartucho para o disparo, que tem uns sulcos longitudinais (6 salvo erro)* destinados a facilitar a extracção do invólucro. Acontece que se esses sulcos não estiverem limpos e livres de terra ou resíduos de pólvora não se dá a extracção porque o invólucro fica como que colado às paredes da câmara. Se houver o cuidado em manter esses sulcos sempre livres de corpos estranhos nunca a G3 encravará. Outra coisa que poderá levar a um mau funcionamento é as munições estarem sujas ou com incrustações de calcário ou verdete.

Nós tínhamos por hábito, como forma de prevenir este inconveniente, untarmos as mãos com óleo de limpeza de armamento, para esfregarmos as munições na altura de as introduzirmos nos carregadores. E resultou sempre bem.

São pequenos pormenores que deveriam ter sido ensinados na recruta mas, pelos vistos, nem sempre havia essa preocupação bem como muitas outras que foram, a meu ver, causa de algumas (muitas) mortes desnecessárias.

CONCLUSÃO

Depois de passados tantos anos sobre a guerra, continuo fã incondicional da G3. Se voltasse ao passado e as situações se repetissem, novamente preferia a G3 à HK47.

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Notas e fixação do texto: vb

(*) Quatro estrias ou seis, Mário?

Foi a arma de infantaria padrão do exército alemão, Bundeswehr, até 1997, e continua a ser utilizada por vários exércitos nacionais. A G3 é tipicamente um fuzil de calibre 7.62 x 51 mm NATO, capaz de fogo semi-automático ou totalmente automático com um cartucho desmontável. Pode ainda ser anexada uma baioneta à G3.

Foi desenvolvida pelos engenheiros da Mauser, após terem passado algum tempo em Espanha a trabalhar para outros fabricantes de armas nesse país. Ajudaram a criar a espingarda CETME e levaram-na de volta para a Alemanha. De facto, por algum tempo as G3 tiveram a palavra "CETME" estampada num dos lados; o design levou contudo várias modificações, como por exemplo, a CETME tinha um apoio em madeira e a G3 não.


G3 significa "Gewehr 3", Espingarda, 3 em alemão. A G3 foi adoptada em 1958 como substituta para a G1 da Bundeswehr, uma versão modificada da belga FN FAL, que estava em serviço desde 1956, o ano em que a Alemanha Ocidental tinha entrado para a NATO.

Portugal teve necessidade de adotar uma nova arma no inicio dos anos 60, por conta da guerra colonial na África. As possibilidades não eram muitas. Os Estados Unidos mantinham um claro embargo a Portugal durante a era Kennedy. Assim, a escolha tinha que recair numa arma fornecida por um país que estivesse na disposição de transferir a tecnologia para a sua fabricação em Portugal. A escolha foi pela arma alemã, que passou a ser fabricada em Portugal pela Fábrica de Braço de Prata.

Quando chegou a África, em comparação com as antigas armas ligeiras das forças armadas a G3 era vista como extremamente sofisticada. Tratava-se de uma arma automática, que podia disparar rapidamente uma considerável quantidade de tiros.
Foi necessário bastante treino de forma que a tropa se habituasse a entender que a posição normal da arma devería ser a posição tiro-a-tiro, porque do ponto de vista operacional, gastar rapidamente a munição no meio do mato, sería um problema.

Em 1965, já o numero de espingardas automáticas G3 tinha ultrapassado as 150.000 nas forças armadas, e mesmo assim, ainda existiam em funcionamento 15.000 espingardas automáticas FN, fornecidas de emergência pelo exército alemão, antes da introdução da G3.

A arma esteve presente nos vários cenários de guerra, em Angola, Moçambique e Guiné-Bissau. Viu-se ainda a G3 ser utilizada em Timor leste pelas guerrilhas das Falintil.

Até ao ano 2000, ainda algumas velhas G3 se encontravam operacionais naquele território.
A substituição da G3 nas forças armadas portuguesas aproxima-se a passos largos. A sua provável substituta será provavelmente a
G36, que é vista internacionalmente como a substituta lógica da G3, embora outras possibilidades continuem em aberto.

Extraído da Wikimedia Commons. Com a devida vénia.

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De Mário Dias, ver também postes de:

15 de Janeiro de 2006 > Guiné 63/74 - CDLI: Falsificação da história: a batalha da Ilha do Como (Mário Dias)

17 de Novembro de 2005 > Guiné 63/74 - CCXCV: A verdade sobre a Op Tridente (Ilha do Como, 1964)

15 de Dezembro de 2005 > Guiné 63/74 - CCCLXXII: Op Tridente (Ilha do Como, 1964): Parte I (Mário Dias)

16 de Dezembro de 2005 > Guiné 63/74 - CCCLXXV: Op Tridente (Ilha do Como, 1964): II Parte (Mário Dias)

17 de Dezembro de 2005 > Guiné 63/74 - CCCLXXX: Op Tridente (Ilha do Como, 1964): III Parte (Mário Dias)

Sobre a Kalash, vd. os seguintes postes publicados no nosso blogue:

30 de Maio de 2006 > Guiné 63/74- DCCCXVIII: Confissões de um pacifista: A minha paixão pela bela Kalash (João Tunes)

17 de Maio de 2005 > Guiné 69/71 - XX: "Foi você que pediu uma kalash?" (David Guimarães)

quarta-feira, 16 de janeiro de 2008

Guiné 63/74 - P2444: Arsénio Puim, ex-Alf Mil Capelão, CCS/BART 2917, hoje enfermeiro reformado e um grande mariense (Luís Candeias)


Guiné > Zona Leste > Sector L1 > Xitole > 1970 > O Padre Puim, capelão militar, de origem açoriana, com o furriel Guimarães da CART 2716. Infelizmente é a a única fotografia que temos dele, no nosso blogue. Devido às suas homilias, este capelão teve problemas com a PIDE/DGS, acabando por ser expulso do Exército, em 1971, tal como outros (o caso talvez mais mediático foi o do Padre Mário da Lixa, membro da nossa tertúlia). 

 O Arsénio Puim, natural da Ilha de Santa Maria acabou por deixar o sacerdócio, foi enfermeiro e casou-se com uma enfermeira. Hoje está reformado, segundo informação do nosso amigo Luís Candeias (1), vivendo na Ilha de S. Miguel. 

 Foto: © David J. Guimarães (2005). Direitos reservados. 

  1. Mensagem do Luís Candeias, com data de 14 do corrente: 

 Bom Dia, Luís. Hoje foi uma manhã muito especial para mim. Consegui falar com o amigo Arsénio e com a Leonor. Ele vai já tentar entrar no blogue e participar também na nossa conversa. Para o ajudar, dei-lhe vários links para ele ter menos dificuldade em chegar lá. Fiz inclusivamente o copy-paste para ele do teu endereço de e-mail. Estou muito feliz hoje por ter talvez já dado o primeiro passo para vos ajudar a reencontrar o nosso Arsénio. 

 Um grande abraço Luis Candeias 

  2. Comentário de L.G.: 

 Obrigado, Luís, é uma excelente notícia. Espero que lhe tenhas feito chegar o comentário que escrevi na nossa última mensagem. Fico, entretanto, a aguardar notícias, em primeira mão, do nosso amigo comum. Ele muito provavelmente já não se lembra de mim, mas deve recordar-se bem do Abílio Machado que, de resto, escreveu sobre ele um texto memorável (2). 

 Não é preciso repetir-lhe que a nossa Tabanca Grande não tem portas nem janelas, como nas tabancas do regulado de Badora que o Arsénio conheceu, a começar por Bambadinca, onde vivemos entre meados de 1970 e o fatídico dia 1 de Janeiro de 1971. 

 Como eu te disse, há tempos tinha deixado este comentário no blogue, em mensagem dirigida ao David Guimarães que estava no Xitole (2): 

  Convivi pouco com o capelão Puim. Já não ia missa nessa idade, e muito menos na Guiné, em Bambadinca. Além disso, a malta da CCAÇ 12 tinha uma intensa actividade operacional, ao serviço do comando do do batalhão, sobrando pouco tempo para conviver com a malta da CCS. Levei-o, a ele, Puim, uma vez, numa das nossas colunas logísticas ao Xitole, a ele e à mulher do Carlão... (Ainda me recordo de a ver, de camuflado, e de sapatos de salto alto, vermelhos, à guarda do angélico Puim... Não sei se te recordas: o Carlão era um dos alferes da CCÇ 12, estando na altura destacado no reordenamento de Nhabijões... Alguém se recusou, por razões de segurança, a levar a mulher do Carlão. Deve ter sido o comandante da coluna, um dos nossos alferes ou talvez o Beja Santos, do Pel Cal Nat 52, já não me recordo ao certo... Julgo que a coluna ia mesmo até ao Saltinho. Já não tenho a certeza se ela acabou por ir ou por ficar. O Puim foi dessa vez, e terá sido essa uma das quatro vezes que ele te visitou, no Xitole)... 

 Bom, hoje estou arrependido de nunca ter ouvido uma homilía do Puim, mesmo por simples curiosidade intelectual, por solidariedade humana ou por camaradagem... Na altura, eu achava que todos os capelães militares eram escolhidos a dedo e estavam bem integrados no sistema. Não me dei conta que os efeitos devastadores da guerra também afectavam os homens encarregues de zelar pelo conforto espiritual dos nossos combatentes. Além disso, o Concílio Vaticano II mexeu profundamente com a Igreja (ultraconservadora) que nós conhecímos, desde o nosso tempo de meninos e moços... 

Claro, eu tinha ouvido falar do Padre Mário de Oliveira, o Padre Mário da Lixa, também expulso do exército dois anos antes (Esteve em Mansoa, ali perto de nós, mas só vim a conhecê-lo, pessoalmente em 1976, no dia do meu casamento, civil, em Candoz, Paredes de Viadores, Marco de Caneves)... 

 Por outro lado, as autoridades militares de Bambadinca e a polícia política fizeram a coisa discretamente, pela calada... Poucos de nós, deram conta do que se passou, no início do ano de 1971 em que ele foi preso e levado de helicóptero para Bissau ... 

Em retrospectiva, tenho que considerar o Puim como um homem bom, vertical, coerente e corajoso, talvez o melhor de todos nós, não obstante o seu ar frágil, de menino de coro... Já não me recordo, mas tivemos seguramente conversas, no subversivo bar de sargentos, a respeito do que se passou, na altura, já que o Machado era seu e nosso amigo... 

 O texto do Abílio Machado (2), já aqui publicado, fez-me aumentar a minha admiração por ele: "A coragem de um padre que não abdicou de o ser lá onde era o seu sítio: o altar"... Poucos de nós tiveram tomates para tomar as posições que ele tomou: refiro-me àqueles de nós, como eu, que eram contra a guerra mas que a fizeram... 

 ____________ 

 Notas de L.G.: (1) Vd. postes anteriores: 



  (...) Ele foi meu professor de História no Liceu e sempre um bom amigo. Foi enfermeiro aqui no Hospital, em Santa Maria, casou com a Leonor, também enfermeira, e acabou mudando a sua residência para Vila Franca do Campo, na vizinha Ilha de S. Miguel, terra de origem da Leonor. Tem 2 filhos já crescidotes, o Pedro e o Miguel, estudantes universitários. É hoje um Enfermeiro reformado e um Mariense muito empenhado na Cultura e História marienses, e sua divulgação, com intervenção permanente no jornal 'O Baluarte de Santa Maria' (...). 

(2) Sobre o Arsénio Puim, ex-Alf Mil Capelão, da CCS do BART 2917 (Bambadinca, 1970/72), vd. postes de: 


Guiné 63/74 - P2443: Pami Na Dono, a Guerrilheira, de Mário Vicente (8) - Parte VII: O prisioneiro Malan é usado como guia (Mário Fitas)

Guiné > Região de Tombali > CCAÇ 763 (1965/66) > Área de actuação dos Lassas, aquartelados em Cufar, entre Catió e Bedanda (posições das NT, assinaladas a verde)... A partir da margem esquerda do Rio Cumbijã, estendia-se a mítica mata do Cantanhez, onde o PAIGC estava fortemente implantado.

Guiné Cufar > CCAÇ 763 (1865/66) > Os Lassas na estrada Catió-Cufar. Na foto vê-se um dos oitos cães de guerra (pastores alemães) que os Lassas usavaram em operações, a título experimental.


Guiné > Região de Tombali > Cufar > CCAÇ 763 (1965/66) A bela Miriam, a lavadeira que fazia converso giro com O Furriel Mamadu...

Fotos: Mário Vicente, Putos, Gandulos e Guerra. Ed. de autor (Cucujães, 2000).



PAMI NA DONDO, A GUERRILHEIRA (1)
por Mário Vicente
Prefácio: Carlos da Costa Campos, Cor
Capa: Filipa Barradas
Edição de autor
Impressão: Cercica, Estoril, 2005
Patrocínio da Junta de Freguesia do Estoril
Nº de páginas: 112


Edição no blogue, devidamente autorizada pelo autor, Mário Vicente Fitas Ralhete (ex Fur Mil Inf Op Esp, CCAÇ 726)

Revisão do texto, resumo e subtítulos: Luís Graça.

Parte VII - Os Lassas utilizam o prisioneiro Malan como guia (pp. 52-61)

(i) Em novo interrogatório, o Furriel Rafael ameaça matar a professora de Flaque Injã

Já esquecida dos interrogatórios (2), Pami estremeceu quando em princípios de Setembro [de 1965], é novamente levada para interrogatório. A cena da primeira vez, Quêba intérprete, o alferes Telmo com o seu caderno, e o furriel Rafael com a sua pistola.

Foram repetidas todas as perguntas do primeiro interrogatório, o que levou Pami a um terrível esforço, para não cair em contradição. Depois da repetição, os militares olharam-se e o alferes disse:
- Certo, agora vamos fazer a invenção da Míriam, O.K.?
- Vamos então! - retorquiu Rafael, sentando-se no chão, junto de Quêba. Voltou a puxar pelo cigarro como da primeira vez e falou para Quêba:
- Pergunta-lhe lá se ela conhece a Míriam!

Queba foi traduzindo:
- Sim! Diz que é mulher de pessoal que está na Catió.
- Muito bem! O que é que ela lhe disse de mim, e dos militares.

Pami estremeceu e pensou o pior. Não podia mentir, seria extremamente perigoso. Tinha de descrever as conversas havidas entre ela e a lavadeira do furriel.
- Diz que lava a roupa e que quer um filho do furriel.

Os três homens riram efusivamente. Mas o alferes baralhou tudo, quando solicitou a Quêba para perguntar se conhecia Caboxanque. Pami, sempre atenta, disse que sim. E aqui começou uma autêntica caça nas perguntas e respostas:
- Quantas vezes esteve no Cafal?
- Diz que passou uma vez lá, quando foi a Cabedu, mas não conhece.
- O que é que os militares fizeram em Flaque Injã?
- Não sabe! Mas ouviu falar que tropa queimou morança e escola. E matou pessoal.
- Ela fazia conversa giro só com militar ou com outro pessoal!?

Pami viu-se quase a entrar na ratoeira. Pensou um pouco, e só depois respondeu. O intérprete meneou a cabeça em sinal de negação, e disse:
-Este gaja, meu arferes, é mesmo maluco. Diz que nunca fez aquele conversa, só uma vez pessoal levou ela na mato e tirou cabaço.
- Então porque mentiu?

Rafael tirou a pistola do coldre, puxou a culatra e deve ter metido uma bala na câmara, e disse:
- Mentiu? Então vai morrer.

Aproximou-se de Pami e sorriu. A Queba ordenou que lhe dissesse tudo o que ele ia dizer:
- Então tropa dá-lhe de comer, deixa ela estar sossegada e descansada no quartel, trata ela como uma princesa! E ela paga com a mentira? Assim só pode morrer, foi ela que escolheu!


(ii) Pami teme que os Lassas faça de novo uma operação do outro lado do Rio Cumbijã, utilizando Malan como guia...


Pami começou a soluçar, não era medo. Não fazia mal morrer, e o melhor seria o maldito militar, despejar o carregador todo na cabeça dela. Não suportava era aquele jogo, ao mínimo descuido poderia ser levada a trair os seus e isso ela nunca o quereria fazer. Tentou levantar a cabeça, num assomo de dignidade, e pedir para a matarem. Mas raciocinou. Eles não poderiam ser mais fortes que ela. Jogaria até ao fim! Se um dia conseguisse sair dali, levaria um manancial de informações que seriam de capital importância para o Partido. Limpou com o pano que lhe cobria o corpo, os lacrimejantes olhos e, olhando para o furriel falou, e o milícia foi traduzindo:
- Ela diz que tem vergonha de dizer mentira, mas está com medo de furriel, porque Miriam diz a ela que furriel não tem medo de ir na mato. Pensava que estavam a brincar com ela. Ela disse tudo verdade, só mentiu naquele coisa de conversa giro! E que gosta de tropa ali da Cufar e quer ficar aqui sempre.

Instintivamente, o furriel tirou o carregador da pistola e mostrou este vazio e a câmara sem bala. Olhou para a prisioneira. Mostrou, sorriu e para o alferes disse:
- Só estamos a perder tempo com esta merda! Queba, pergunta-lhe lá se é capaz de nos levar à nova Casa de Mato de Flaque Injã.

Estremeceu toda, e ao intérprete apenas respondeu com uma negação de cabeça.

Agora sim, a prisioneira apercebeu-se de toda a manobra no interrogatório e ficou a saber muito mais do que os militares calculavam que ela soubesse, pois continuaram conversando num à vontade total, com plena certeza de que a prisioneira não entenderia nada sobre o assunto. O alferes encostou-se à parede, puxou uma longa fumaça, começou a deitar círculos de fumo para o ar e entrou em diálogo com o furriel:
- O gajo que vem do Batalhão deve saber tudo! É aquele que trouxemos de Cobumba, quando veio esta gaja. É bem possível que o gajo da PIDE lhe tenha dado a volta.
- Certo, Telmo! Mas se vier para enganar e foder a malta, como o outro gajo que andou connosco às voltas em Cabolol, até nos enfiar na emboscada das abelhas, em que morreu o Martinho?
- Se armar em esperto, foge como o outro e fica por lá para o enterrarem!
- Achas que sim?
- É, pá, o que é que nós podemos fazer?
- Sim, tens razão! O terreno já está mais ou menos conhecido. Mas... a casa de mato? Aí é que é o busílis!
.-O Alfa conhece aquilo bem, vais ver que depressa se localiza! Preocupa-me mais alguma emboscada, aquela zona é fodida!
- Arferes Telmo tem razão! Ali tem manga de chatice com emboscada, se pessoal do Cafal tem tempo e chegar ali! – pronunciou Queba, entrando na conversa. O alferes olhou para o furriel e este encolheu os ombros, num gesto de logo se vê.

O alferes Telmo mandou o milícia levar a prisioneira, e ficou, continuando a conversa com o furriel.

Pami apercebeu-se de tudo. Os Lassas iam voltar ao outro lado do rio. Mas ficou aterrorizada, seria que o alferes se estava a referir a Malan? Não!... não seria possível ele trair o seu povo. Nuvens negras toldaram o pensamento da professora. Teria possibilidades de ainda rever Malan? Tinha de estar atenta a todos os acontecimentos e verificar as movimentações dentro do aquartelamento nas próximas horas.

A meio da tarde, a professora de Flaque Injã apercebeu-se de uma avioneta, a sobrevoar o Cantanhez, na direcção de Cabedu para Bedanda. Passado um tempo, viu sair uma autometralhadora seguida de uma viatura com soldados. Momentos depois uma avioneta, fazia a aterragem na pista de Cufar. Não havia dúvidas, estavam a preparar tudo. Pami pensou quão preciosas seriam as informações que tinha em seu poder. Seria maravilhoso podê-las transmitir à guerrilha. Mas como assim?... Pela sua cabeça, passou a hipótese de evasão. Não conseguiria!... Era impossível. Ainda pensou em aliciar Meta ou Míriam, mas seria loucura, estas não iriam trair os militares. Teria de ficar passiva e isso entristeceu-a bastante.

(iii) Pami apercebe-se de que nem todos os Lassas estão ali, na guerra, de livre vontade

Agora sim, tomou a noção do que era ser prisioneira, embora pudesse circular à vontade. A avioneta levantou e tudo regressou ao normal, à exclusão da entrada para o Comando, dos oficiais e sargentos, os quais saíram em silêncio e sem falarem com ninguém. A seguir ao jantar, o Aquartelamento tomou um movimento fora do normal. O pessoal da milícia preparava o seu armamento e os soldados recolheram aos seus abrigos. Pami ouviu o comentário de dois desses incógnitos soldados que, vindos do jantar, se dirigiam para o abrigo da metralhadora pesada, virado na direcção Norte para a mata de Cufar Nalu. Dizia o mais alto:
- Cabrões, não dizem nada! Só à última da hora é que avisam a malta!

O outro mais baixo e gordinho retorquiu:
- É para a malta não se baldar. Assim já não podes imbentar nada e ficares doente, carago.
- É o caralho! Anda aqui um gajo a dar o cabedal, para os ricaços andarem a gozar em Lisboa! Foda-se esta merda toda! Esses é que se baldam a esta porra!

O gordo atalhou:
- E se não lebarmos ,um tiro nos cornos, estamos cheios de sorte, carago.

Pela primeira vez, Pami teve conhecimento que nem todos ali estariam voluntariamente, muito menos por gosto. Já noite escura os militares começaram a concentrar-se em frente ao comando. Devidamente equipados, viam-se os cinturões repletos de carregadores. Os homens das metralhadoras ligeiras, com serpentes de munições em volta de todo o tronco. Enquanto outros com um cordel a servir de bandoleira, carregavam granadas de bazooka. Os bornais completamente cheios, levariam granadas de mão e munições de reserva.

Aí estavam os Lassas preparados para mais uma incursão novamente ao outro lado do rio. A prisioneira verificou depois que cada chefe de equipa, após confirmar os seus homens, transmitia ao furriel que informava o alferes comandante do grupo de combate, e a serpente humana, em fila de pirilau, começou a deslizar rumo à saída Porta de Armas.

Junto ao Leão de Cufar, Pami, apesar da noite estar escura, conseguiu observar um soldado com uma corda à cintura, cuja ponta passava em laço, em volta do pescoço de um negro. Mesmo de costas não se enganou, a silhueta do homem que seguia preso como um animal, era a de Malan Cassamá. Tentou sair da proximidade da palhota prisão, mas de imediato foi interceptada por um soldado milícia que lhe proibiu o afastamento. Verificou que os seus passos não eram assim tão livres como pensava. Alguma liberdade, mas só de dia.

A professora prisioneira não se enganou. Não dormindo, apercebeu-se do roncar silencioso das lanchas, Cumbijã acima.

Manhã cedo ouvia os comentários que iam passando de boca em boca, dos que tinham ficado, e que geralmente se juntavam junto das transmissões, para seguirem os acontecimentos.

Pami atenta apercebeu-se que novamente o acampamento de Flaque Injã tinha sido destruído, e que os militares tinham capturado material. A meio da manhã, para lá do rio, começaram a ver-se nuvens de fumo, e a ouvirem-se sons cavos, lá longe, de rebentamentos. Pela localização das colunas de fumo, Pami apercebeu-se de que Caboxanque e Flaque Injã eram pasto das chamas. Novamente as duas povoações tinham sido vítimas e destruídas, pelo poder dos Lassas.

O céu estava encoberto, com nuvens relativamente baixas. As comunicações abrandaram, e o regresso deveria estar a processar-se. Passado que seria uma hora, os militares muito agitados, correram novamente para o centro de transmissões, e do lado de lá do rio, ouviam-se agora perfeitamente grandes rebentamentos. O céu continuava um pouco nublado. Junto ao seu presídio, Pami ouviu a conversa de soldados que se concentravam junto ao Comando.
- O que é que se passa, meu alferes? Que barulho é este?
- A Companhia foi emboscada! A coisa está preta e os cabrões dos T6 não podem actuar, por causa das nuvens!
- Então é uma porra! Estamos fodidos! Será que já há feridos?
- Julgo que de momento estamos a reagir bem, mas se os aviões não aparecerem depressa, a coisa está mesmo má.
- Meu alferes, escute!?

(iv) Um bombardeiro T-6 é atingido poelo fogo do IN e obrigado a fazer uma aterragem de emergência em Cufar

Fez-se silêncio e ouviu-se o roncar dos motores de aviões, muito alto. O sol descobria agora por entre as nuvens que aos poucos se dissipavam.
- São eles! Haja Deus! Velhinhos, mas aquilo dá uma força dentro de nós! ... Grandes homens aqueles que andam naquela merda.

Os dois militares correram para as transmissões. Pami ficou observando o horizonte, por cima da igreja em construção. Voando em círculo, dois bombardeiros faziam evoluções. Uma nuvem de fumo vermelho apareceu por sobre o lado esquerdo de Caboxanque. Um dos aviões fez uma evolução, passando quase por cima do tarrafe de Impungueda e, passado uns segundos, viu-se novamente subindo quase a pique. Daí a momentos, ouviram-se fortes rebentamentos. O avião voltou a fazer nova evolução, agora menos visível, por ser do lado contrário. Nova subida e novos rebentamentos. Os militares junto ao posto de transmissões, gritavam agora, dando vivas e batendo palmas.

O bombardeiro voltou a fazer evoluções, passando por sobre o tarrafe, e desaparecendo por detrás deste, em direcção ao cais de Caboxanque. Nova subida, e agora sons cavos de roquetes se ouviram. De repente, Pami verificou que a efusão e alegria dos soldados se desfazia e que começavam em movimento louco a correr por todos os lados. Os homens das autometralhadoras arrancaram com os seus blindados em direcção à pista. E logo pouco depois duas viaturas carregadas de gente. Que teria acontecido? Interrogava-se a prisioneira. Mas breve teve a resposta, um soldado, passando a correr, gritava para os camaradas:
- É, pá! Preparar rapidamente! Os cabrões dos Turras atingiram um T6, o piloto vai ver se consegue aterrar aqui na pista!

Pami sorriu e fez força para que ele caísse do outro lado do rio para os seus companheiros o poderem apanhar.

Mas não, o avião passou a rasar por sobre o aquartelamento e aterrou na pista. Ficou sem saber mais nada, apenas se apercebeu da entrada do piloto no Comando.

Agora era nítido o fragor e a intensidade dos rebentamentos. Ouvia agora, junto à varanda do comando, a conversa entre o piloto do bombardeiro, o tenente médico e o alferes que tinha ficado no comando do aquartelamento.
- Parabéns, meu tenente, se o motor falha, aquela merda vem directamente cá para baixo! Não é!?

O alferes transmitia assim a sua solidariedade, ao tenente piloto que ainda não estava completamente consciente, como tinha escapado daquela.
- A vossa companhia está em terreno descoberto junto ao tarrafe, a norte de Caboxanque, e os gajos estão a avançar da mata junto ao cais de Caboxanque.
- Mas porque é que a nossa companhia aparece na bolanha? - pergunta o tenente médico, pouco sabedor desta matéria. Pois o trabalho dele, era tratar as causas da guerra e não fazê-la. Olharam-se interrogativamente, os militares uns para os outros e seguiram-se entretanto uns minutos de silêncio. O alferes cofiou a barba e em tom calmo falou:
- Eu não sei bem o que se está a passar mas, pelas informações do rádio, a malta terá sido emboscada e teria divergido no sentido Norte pela bolanha, para não cair na zona de morte. Aquela descida para o cais de Caboxanque é perigosa e as forças que estão no terreno cheiram-me a E.P. [exército popular]. O capitão deve ter cheirado qualquer coisa. Para pedir a ajuda do Vaso de Guerra, e das lanchas, a complicação é grande.
- Sim! Quando piquei pela primeira vez, só via dezenas de Turras a rebolarem no chão, eles devem ter lá muita malta, vejam que os gajos fizeram-me próximo de vinte furos no avião e furaram o depósito do óleo. Hoje é de facto o meu dia de sorte!

Mas o médico voltou de novo à carga:
- É, pá! Não percebo, nem o comando aéreo aparece! Ainda não vi a avioneta, nem tão pouco helicóptero, para o caso de alguma evacuação! Eu não percebo bem isto!
- Não!? - atalhou, o piloto - É que o céu estava encoberto! Mas eu ainda entrei em contacto com a Dornnier do CA [comando aéreo], que estaria a levantar de Catió com o oficial de operações. E deve estar a chegar outro grupo de T6!
- Olha lá, parece ela!... Mas vem bem alto! - pronunciou o médico, apontando para o céu.


(v) O desânimo de Pami: será que o seu sonho de uma Pátria Livre é irrealista ?


Entretanto por sobre o Cantanhez, mais dois bombardeiros T6 aparecem. Ouve-se o barulho de um helicóptero, que aterra em Cufar. O grupo da varanda no Comando retirou-se e a prisioneira ficou sem mais informações.

A meio da tarde as viaturas saíram, regressando pouco depois com os Lassas. Pelas conversas que ouviu junto dos milícias, a Companhia ter-se-ia esquivado a uma emboscada, junto ao cais de Caboxanque. Detectando a segurança à retaguarda, os Lassas mataram esses elementos e, saindo do caminho que vai dar ao cais, divergiram para a bolanha para não entrarem na emboscada, que deveria ter muita gente do PAIGC.

Sobre Malan o qual tinha seguido como guia, a prisioneira nada conseguiu saber.

Uns dias mais tarde, Míriam contou a Pami tudo o que tinha acontecido, conforme lhe descrevera o furriel Mamadu. O pessoal do PAIGC mais uma vez tinha sido humilhado, pelos Lassas. Tinha sofrido grandes baixas, vários mortos e muitos feridos. A professora de Flaque Injã chorou e pela primeira vez o desânimo entrou no seu pensamento. Seria que o sonho de uma Pátria era irrealista?

(Continua)
__________

Notas de L.G.:

(1) Vd. posts anteriores desta série:

23 de Novembro de 2007 > Guiné 63/74 - P2298: Pami Na Dondo, a Guerrilheira, de Mário Vicente (2) - Parte I: O balanta Pan Na Ufna e a sua filha (Mário Fitas)

28 de Novembro de 2007 > Guiné 63/74 - P2307: Pami Na Dondo, a Guerrilheira, de Mário Vicente (3) - Parte II: A formação político-militar (Mário Fitas)

5 de Dezembro de 2007 > Guiné 63/74 - P2328: Pami Na Dondo, a Guerrilheira, de Mário Vicente (4) - Parte III: O amor em tempo de guerrilha (Mário Fitas)

10 de Dezembro de 2007 > Guiné 63/74 - P2340: Pami Na Dondo, a Guerrilheira, de Mário Vicente (5) - Parte IV: Pami e Malan são feitos prisioneiros (Mário Fitas)

18 de Dezembro de 2007 > Guine 63/74 - P2363: Pami Na Dondo, a Guerrilheira, de Mário Vicente (6): Parte V: O primeiro interrogatório da prisioneira (Mário Fitas)

30 de Dezembro de 2007 > Guiné 63/74 - P2391: Pami Na Dondo, a Guerrilheira , de Mário Vicente (7) - Parte VI: Malan é entregue à PIDE de Catió (Mário Fitas)

(2) Resumos dos posts anteriores:

(i) A acção decorrer no sul da Guiné, entre os anos de 1963 e 1966, coincidindo em grande parte com a colocação da CCAÇ 763, como unidade de quadrícula, em Cufar (Março de 1965/Novembro de 1966)…

No início da guerra, em 1963 Pan Na Ufna, de etnia, balanta, trabalha na Casa Brandoa, que pertence à empresa União Fabricante [leia-se: Casa Gouveia, pertencente à CUF]. A produção de arroz, na região de Tombali, é comprada pela Casa Brandoa. Luís Ramos, caboverdiano, é o encarregado. Paga melhor do que a concorrência. Vamos ficar a saber que é um militante do PAIGC e que é através da sua influência que Pan Na Ufna saiu de Catió para se juntar à guerrilha, levando com ele a sua filha Pami Na Dono, uma jovem de 14 anos, educada das missão católica do Padre Francelino, italiano.

O missionário quer mandar Pami para um colégio de freiras em Itália mas, entretanto, é expulso pelas autoridades portugueses, por suspeita de ligações ao PAIGC (deduz-se do contexto). Luís Ramos, por sua vez, regressa a Bissau, perturbado com a notícia de que seu filho, a estudar em Lisboa, fora chamado para fazer a tropa.

É neste contexto que Pan Na Una decide passar à clandestinidade, refugiando-se no Cantanhês, região considerada já então libertada.

(ii) De etnia balanta, educada na missão católica, Pami Na Dondo, aos catorze anos, torna-se guerrilheira do PAIGC. Fugiu de Catió, com a família, que se instala no Cantanhês, em Cafal Balanta. O pai, Pan Na Ufna entra na instrução da Milícia Popular. Pami parte, com um grupo de jovens, para a vizinha República da Guiné-Conacri para receber formação político-militar, na base de Sambise. O pai, agora guerrilheiro, na região sul (que é comandada por João Bernardo Vieira 'Nino') , encontra-se muito esporadicamente com a filha. Num desses encontros, o pai informa a filha de que a mãe está gravemente doente. Pami fica muito preocupada e quer levá-la clandestinamente a Catió, enquanto sonha com o dia em que se tornará companheira do pai na Guerrilha Popular.

Entretanto, o destino prega-lhe uma partida cruel: na instrução, na carreira de tiro, tem um grave acidente, a sua mão esquerda fica decepada. No hospital, conhece Malan Cassamá, companheiro de guerrilha de seu pai, que recupera de um estilhaço de morteiro, que o atingiu na perna, no decurso da Batalha do Como, em Janeiro de 1964 (Op Tridente, Janeiro-Março de 1964, levada a cabo pelas NT) . Malan fala a Pami da coragem e bravura com quem seu pai se bateu contra os tugas.

Pami é destacada para dar aulas ao pessoal do Exército Popular e da Milícia Popular, em Flaque Injã, Cantanhês. No dia da despedida, canta, emocionada, o hino do Partido, 'Esta é a Nossa Pátria Amada', escrito e composto por Amílcar Cabral. Segue para Flaque Injã, com o coração em alvoroço, apaixonda por Malan Cassamá. De regresso à guerrilha, a Cansalá, Malan fala com o pai da jovem, e de acordo com os costumes gentílicos, Pami torna-se sua mulher.

(iii) Na actual região de Tombali (Catió), no sul da Guiné, o PAIGC, logo no início da guerra, ganha terreno e populações (nomeadamente, de etnia balanat). A resposta das autoridades portuguesas não se fez esperar, com uma grande contra-ofensiva para reconquista a Ilha do Como (Op Tridente, Janeiro-Março de 1964).

Entretanto, começam a chegar a Catió chegam reforços significativos. O Cantanhês, zona libertada, assusta o governo Português. Em contrapartida, no PAIGC, Nino, o mítico comandante da Região Sul, manda reforçar os acampamentos instalados nas matas de Cufar Nalu e Cabolol.

Em finais de 1964, Sanhá, a mãe de Pami, morre de doença na sua morança na tabanca de Cadique Iála. O guerrilheiro Pan Na Ufna, acompanhado da sua filha, faz o respectivo choro, de acordo com a tradição dos balantas.

Em Março de 1965, os homens da CCAÇ 763 - conhecidos pela guerrilha como os Lassas (abelhas) - reconquistam ao PAIGC a antiga fábrica de descasque de arroz, na Quinta de Cufar, e respectiva pista de aterragem em terra batida. Nino está preocupado com a actuação dos Lassas, agora instalados em Cufar, juntamente com o pelotão de milícias de João Bacar Jaló, antigo cipaio, agora alferes de 2ª linha.

Entretanto, Pami e Malan continuam a viver a sua bela estória de anor, em tempo de guerra, de sacrifício e de heroísmo. Ela, instalada em Flaque Injá, onde é professora. Ele, guerrilheiro, visita-a sempre que pode.A 15 de Maio de 1965, os Lassas destroem o acampamento do PAIGC na mata de Cufar Nalu. A guerrilha sofre baixas mas, durante a noite, consegue escapar com o equipamento para Cabolol. Na semana seguinte, os militares de Cufar tentam romper a estrada para Cobumba. Embrenham-se na mata de Cabolol, destroiem várias tabancas na zona.

Em princípios de Junho de 1965, os Lassas (abelhas) vão mais longe, destruindo o acampamento de Cabolol. Em Cafal, o comando político-militar do PAIGC está cada vez mais preocupado. Em Julho, Pami chora de dor, raiva e revolta ao ver a sua escola destruída, em Flaque Injã. Grande quantidade de material desaparece ou fica queimado. As casas de Flaque Injã ficam reduzidas a cinzas.

Mas a luta continua... Psiquicamente recuperada, a população começa a reconstrução de Flaque Injã e Caboxanque. A guerrilha recebe mais reforços e armamento novo. Pami entra voluntariamente numa coluna de reabastecimento que a leva à República da Guiné. Segue o corredor de Guilege, e sobe de Mejo para Salancaur, daqui para o Xuguê [Chuguè, segundo a carta de Bedanda,] terra de seus avós paternos. Desce até Cansalá, onde se encontra com seu marido. Não encontra seu pai, pois este fora transferido para o Cafal, e ali integrado numa companhia do Exército Popular.

Em meados de Agosto de 1965, Pami Na Dondo desce com Malan Cassamá até Cobumba. Malan e o seu grupo levam a cabo várias acções contra a tropa e o quartel de Bedanda. O grupo regressa a Cansalá. Uma delegação da OUA visita as zonas libertadas, a convite do PAIGC.

(iv) Madrugada de 24 de Agosto de 1965, Pami e Malan dormiam nos braços um do outro quando a tabanca, Cobumba, sofre um golpe de mão do exército português, que tem a assinatura dos Lassas.

No grupo de prisioneiros que são levados para Cufar, estão Malan e Pami que terão destinos diferentes. Pami estão integrada num grupo de cinco mulheres e procura nunca denunciar a sua condição de professora. Em caso algum falará recusará falar em português ou em crioulo. Mas os seus olhos de águia vão observado tudo, no caminho até ao quartel dos Lassas. No rio Cadique o grupo embarca em lanchas da Marinha. O Alferes Telmo não deixa que ninguém toque nas mulheres. Fala em psico, uma palavra que Pami desconhece. O grupo é entregue à guarda ao Furriel Mamadu.

Pami mal reconhece a antiga fábrica de descasque de arroz, a Quinta de Cufar, onse se instalaram os Lassas. Os prisioneiros são recebidos por militar dos óculos que, mais tarde Pami vem a saber tratar-se de Carlos, O Leão de Cufar, comandante do aquartelamento. Homens e mulheres são instalados em sítuios diefrentes. Malna e Pami entrecuzram o olhar, sem se denunciaram. Sabem que dizem ali adeus para sempre. Lágrimas nos olhos, Pami sente a dor da separação. )Pami e as prisioneiros ficam à guarda da milícia de João Bacar Jaló. Recusa-se a comer, bebe só água. No dia seguinte, a vida no aquartelamento retoma o seu ritmo. Pami pode agora ouvir e até ver perfeitamente, por entre as frestas das paredes de capim ao alto entrançado com lianas, tudo o que acontece por fora da palhota onde tinha passado a noite.

(v) Começam os interrogatórios dos prisioneiros, em Cufar. Um soldado milícia, da torpa de João Bacar Jaló, vem buscar Pami. Pelo caminho, Pami vai-se preparando mentalmente para mentir aos seus captores e sobretudo para não comprometer Malan. Entretanto, com os seus olhos de águia, vai observando e registando todos os pormenores da vida no aquartelamento dos Lassas.

Um milícia serve de intérprete. O interrogatório é conduzido pelo Alferes Telmo, acompanhado pelo Furriel Rafael (de alcunha, Mamadu), um e outros reconhecidos de imediato pela Pami. Respondendo apenas em balanta, diz chamar-se Sanhá Na Cunhema (nome da mãe) e ter nascido na Ilha do Como.
Os militares decidem mudar de táctica. Rafael encosta-lhe o cano da pistola ao seu ouvido, e pergunta-lhe, através do intérprete, o que aconteceu à sua mão esquerda... Um pouco trémula, diz que, quando era criança, fora mordida por uma cobre, tendo o pai sido obrigado a cortar-lhe a mão para a salvar...

Pami parece não convencer os seus interlocutores. Os dois Lassas entram em provocações de teor sexual, pensando tratar-se de uma eventual prostituta ao serviço da guerrilha... O interrogatório irá continuar nos dias seguintes. Pami regressa, exausta, para junto das suas companheiras de infortúnio. Mas, ao mesmo tempo, sente-se orgulhosa por. neste primeiro round, não ter traído os ideais de seu pai, Pan Na Ufna e de seu marido, Malan, valentes guerrilheiros do PAIGC.

(vi) Pami está exausta e confusa, depois do primeiro interrogatório com os rangers Telmo e Rafael (ou Mamadu). Próximo da hora de almoço do dia seguinte, Pami foi levada novamente para ser interrogada. Só que para surpresa sua, o interrogatório não era com os mesmos do dia anterior. Sente que tem de ter muito cuidado. Não pode cair em contradição, ou ceder qualquer pista, pois não sabe nada sobre o que está a acontecer ao seu marido Malan Cassamá, e agora tinha muitas mais razões para a sua inquietação, resultante das revelações feitas pelos seus inquiridores. Sim, ficou a saber que Telmo e Rafael pertenciam a tropas especiais. Porquê a sua inclusão numa companhia normal do exército colonialista, interroga-se ela?

Entretanto Malan é denunciado como guerrilheiro do Exército Popular e é entregue à PIDE de Catió. A professora apercebe-se que os seus companheiros, homens, estão a ser interrogados com a ajuda de cães para aterrorizar mais. Entre as mulheres prisioneiras, já teria havido confissões. Uma, pelo menos, foi alvo de abusos sexuais. As que colaboram com os Lassas são soltas.

Entretanto, a balanta Pami torna-se confidente de fula Miriam e sente um ódio profundo pelo Furriel Rafael (Mamadu, segundo o seu nome de guerra). Os Lassas, por sua vez, voltaram a ir ao outro lado do Rio Cumbijã. Meta, casada com um milícia e amiga da Miriam, contou que tinham andado por Cadique Iála, e que tinham morto muita gente, e queimado as casas todas. E não tinham tido nem mortos nem feridos.

Pami apercebeu-se que de facto as coisas deveriam ter corrido bem, porque houve grande festa no Comando. Mas também poderia ser festa de anos do furriel Rafael, como afirmara Miriam. Era certo que quando algum furriel ou alferes fazia anos, havia sempre grandes festas. Era uma forma de criar corpo de unidade, delineado pelo macaco velho do Leão de Cufar, o chefe dos Lassas.

terça-feira, 15 de janeiro de 2008

Guiné 63/74 - P2442: O Nosso Livro de Visitas (3): Carmindo Pereira Bento, Esq Rec Fox 8840 (Bafatá, 1973/74)

1. O nosso camarada Carmindo Pereira Bento deixou no dia 1 de Janeiro o comentário, que se segue, na postagem Guiné 63/74 - DCLXXI: Esquadrão de Reconhecimento Fox 2640 (Manuel Mata) (4): Elevação de Bafatá a Cidade.

Colegas de Bafatá, vejo tudo o que tem neste e noutros sites relativos à Guine.

Sou ex-militar do Esquadrão de Reconhecimento Fox 8840. Estive lá no início de 1973 até perto do fim do ano de 1974.

Tenho histórias a contar como vocês contam as vossas. Tivemos lá dos maiores atentados registados até essa data. Lamento principalmente o meu ex-capitão e comandante Carvalhais do Esquadrão de Cavalaria 8840 (hoje coronel) nada registar na Internet.

Não vos conheço mas gostaria de ter contacto convosco para vocês conhecerem o meu Esquadrão e recordarmos por onde e como passamos.

Um abraço...

Para meu contacto: Carmindo Pereira Bento.
Restaurante Ângulo-Real
2425-022 Monte-Real- Leiria.

2. Caro camarada Bento

Na impossibilidade de te contactarmos via mail, por desconhecermos o teu endereço e, esperando que continuando a ler-nos, venhas a ver esta mensagem para ti, convidamos-te a contactar-nos de novo através do nosso endereço luisgracaecamaradasdaguine@gmail.com.

Queremos saber pormenores dos acontecimentos de que falas, nomeadamente os atentados (?) e do teu Comandante.

Se quiseres aderir à nossa Tabanca Grande, manda as tuas fotos e começa a contar-nos as tuas estórias.

Tens aí bem perto de ti um camarada do nosso Blogue, o ex-Alf Mil Joaquim Mexia Alves, co-proprietário das Termas de Monte Real.

Tudo leva a crer que o nosso próximo encontro, este ano, será precisamente na vossa terra. Não tens desculpa para não nos ires conhecer.

Ficamos à espera de notícias tuas.

Um abraço
CV

Guiné 63/74 - P2441: Diorama de Guiledje (3): Torpedos bengalórios (Idálio Reis /Nuno Rubim)

Guiné > Região de Tombali > Gandembel > CCAÇ 2317 (1968/69) > O artefacto apoiado ao muro (lado esquerdo) é um torpedo bengalório... Fazia parte integrante de inúmeras apreensões de material que os pára-quedistas obtiveram à volta de Gandembel/Ponte Balana. 

 Foto e legenda: © Idálio Reis (2007). Direitos reservados. 

  1. Mensagem do Idálio Reis, enviado ao Nuno Rubim com conhecimento à Tabanca Grande: 

 Antes do mais, cordiais saudações a todos vós. Na troca de correspondência que venho mantendo com o Nuno Rubim, a quem endereço um particular agradecimento pelo modo como se empenhou na elaboração desse primor, que é o diorama de Guileje, deixa-nos sempre muito sensibilizados este tipo de dedicação. Embora defrontando-se com a falta de elementos, mesmo assim conseguiu reconstruir Guileje, uma terra que bem conheceu. E é admirável, que passados tantos anos, consiga repor todas as infra-estruturas, com quase o mesmo grau de pormenor como ali não houvesse sinais de um qualquer efeito erosivo. Falei-lhe nos torpedos bengalórios (1). O Luís continua a ser um homem da investigação, ainda que não seja esta a matéria que seja mais exímio, conquanto o pareça. Do que me foi dado a conhecer, o torpedo bengalório utilizado pelo PAIGC era uma arma ofensiva que, dadas as suas características, servia para abrir uma clareira por efeito do poder explosivo, nomeadamente para danificar uma cerca de arame farpado. Parecia ser um artefacto artesanal, mas se acaso fosse devidamente colocado e o seu detonador bem concebido, era efectivamente terrível. Num dos ataques a Gandembel, 1 ou 2 unidades foram accionadas, que deterioram uma parte significativa da fiada externa da cerca. Dos despojos deixados, não havia mais nenhum. De todo o modo, julgo que esta(s) localização(ões) não foi(ram) a(s) melhor(es), já que o(s) guerrilheiro(s) incumbido(s) desta missão incorria(m) em perigos à beira do abismo, ainda mais que se aproximaram do local com maior vigilância: o paiol. A fotografia que envio, onde se vê esse artefacto apoiado ao muro (lado esquerdo), é parte integrante de inúmeras apreensões de material que os pára-quedistas obtiveram à volta de Gandembel/Ponte Balana.

 Um apertado abraço amigo do Idálio Reis.


  2. Resposta do Nuno Rubim: Caro Idálio Reis Mais uma vez o camarada e amigo me fornece indicações importantes. E estou sempre a aprender... No que se refere aos torpedos bangalore tenho vária informação, porque também os tivemos cá em Portugal. Mas era um modelo dos EUA. Quando, na minha 3ª comissão, no CIC (Centro de Instrução de Comandos), Grafanil, Luanda, frequentei no BENG o curso de Minas e Armadilhas, tendo obtido a classificação de Mestre, aí estudei, entre outros dispositivos, os torpedos bangalore, cuja origem remonta à 2ª Guerra Mundial ( embora na 1ª GG tivessem sido empregues uns dispositivos primitivos para obtenção dos mesmos fins : abrir brechas nas redes de arame farpado). Mas o camarada Idálio vem agora, a meu ver, clarificar totalmente a questão. E é a fotografia que envia ! Percebe-se agora que o que foi designado na altura por torpedo bengalório, utilizado pelo PAIGC, era afinal um sistema improvisado, artesanal ( como muito bem diz ) desenvolvido talvez por influencia soviética, já que tenho informação que os russos utilizaram um semelhante em operações na Crimeia, entre outras acções, durante a 2ª Guerra Mundial. E o que é que vemos ? Uma simples calha em forma de U, com petardos de explosivo ( provavelmente trotil ), dispostos uns a seguir aos outros e provavelmente ligados ( enrolados ) por cordão detonante. Depois era só aplicar, no 1º elemento de explosivo, um detonador pirotécnico com cordão lento ! Finalmente colocar a calha debaixo da rede de arame farpado e ... fogo ! É claro que o sapador corria grandes riscos ... Normalmente era efectuados ataques de diversão, utilizavam-se meios fumígenos, etc... para proteger o homem. Obrigado, camarada, por mais esta importante achega. 

 Um abraço Nuno Rubim ______________