sábado, 17 de janeiro de 2009

Guiné 63/74 - P3754: A retirada de Guileje, por Coutinho e Lima (14): Pode não ser-se herói e dar provas de coragem (José Manuel Dinis)

Guiné > Região de Tombali > Guileje > 22 de Maio de 1973 > A população e os militares abandonaram Guileje, às 5.30h, a caminho de Gadamael. Esta foto, dramática, é da presumível autoria do Fur Mil Carlos Santos, da CCAV 8350 (1972/74), segundo informação do seu e nosso camarada e amigo José Casimiro Carvalho, também ele da mesma unidade (Os Piaratas de Guileje) mas que nesse dia estava em Cacine. Faz parte do parte do acervo fotográfico do Projecto Guiledje.

Foto:
AD - Acção para o Desenvolvimento (2007). Direitos reservados. [ Editada por L.G.]


Guiné > Região de Tombali > Guileje > CART 2410 (Junho de 1969/Março de 1970) > Abastecimento de água. Foto de
Armindo Batata, ex-Alf Mil, comandante do Pel Caç Nat 51 (Guileje e Cufar, 1969/70). Outras :

Lista das
companhias que passaram por Guileje (1964/1973):


CCAÇ 495 (Fev 1964/Jan 1965); CCAÇ 726 (Out 1964/Jul 1966); CCAÇ 1424 (Jan 1966/Dez 1966); CCAÇ 1477 (Dez 1966/Jul 1967); CART 1613 (Jun 1967/Mai 1968); CCAÇ 2316 (Mai 1968/Jun 1969); CART 2410 (Jun 1969/Mar 1970); CCAÇ 2617 ( Mar 1970/Fev 1971); CCAÇ 3325 (Jan 1971/Dez 1971); CCAÇ 3477 (Nov 1971 / Dez 1972); CCAV 8350 (Dez 1972/Mai 1973).

Foto: ©
Armindo Batata (2006) / AD - Acção para o Desenvolvimento (2006) (com a devida vénia...).


Guiné > Região de Tombali > Guileje > CCAV 8350 (1972/73) > A fonte que abastecia o aquartelamento e a tabanca de Guileje, a cerca de 4 km. Em primeiro plano, junto à bomba de água, o Fur Mil Op Esp J. Casimiro Carvalho. A aparente descontracção dos militares, em tronco nu, sem armas, a avaliar pela foto, sugere que alguma ligeireza no que diz respeito aos procedimentos de segurança. Presume-se que a foto seja ainda do início da instalação da CCAV 8350, em Guileje talvez finais de 1972 ou princípios de 1973... Como é sabído, antes da retirada de Guileje, em 22 de Maio de 1973, o último abastecimento de água ao aquartelamento e tabanca tinha sido feito em 19 de Maio de 1973. Os guerrilheiros do PAIGC, a avaliar pelas declarações de alguns dos protaganonistas dos acontecimentos, prestados no filme-documentário As Duas Faces da Guerra (Diana Andringa e Flora Gomes, 2007), tinham o controlo da fonte a partir dessa data (ou até mesmo antes)... É estranho que desde 1964, altura em que se instalou a primeira subunidade em Guileje, nunca se tenha equacionado e sobretudo tentado resolver o problema do abastecimento da água... Coutinho e Lima, nas onze razões que evoca para decidir retirar Guileje, apresenta em 5º lugar "a falta de água no aquartelamento" (Alexandre Coutinho e Lima, Cor Art Ref - A retirada de Guileje: a verdade dos factos. Linda-A-Velha: DG Edições. 2008. p. 78).(LG).

Fotos: ©
José Casimiro Carvalho (2007). Direitos reservados.


1. Mensagem de José Manuel Dinis, ex-Fur Mil da CCAÇ 2679, Bajocunda, 1970/71 (*)


Assunto - Comentário à apreciação de de António Martins de Matos (**)

[Subtítulos e negritos, da responsabilidade do editor L.G.]



Caros editores,

A retirada de Guileje tornou-se um assunto de eminente interesse para os tertulianos. E compreende-se, na medida em que foi aparentado a um sinal de derrota por parte das NT, coisa custosa de admitir por quem deu todo o esforço na defesa do território da Guiné, a grande maioria dos que por lá passaram.

Da apreciação feita pelo tertuliano António Martins de Matos, com base na sua experiência pessoal, e dos seus próprios conceitos, respigo algumas das ideias formuladas, confrontando-as com os meus pontos de vista, estribado nos conhecimentos a que tenho tido acesso.

(i) Comando do COP 5: Uma simples questão de perfil ?


Daquele texto, a ideia que mais me impressionou, foi a de que o Major não teria perfil para o cargo de comandante do COP-5.

De facto, como todos muito bem saberão, a avaliação de um perfil profissional resulta da análise de vários parâmetros, de que destaco os seguintes: a personalidade; o carácter; a inteligência; a competência; o relacionamento pessoal; o relacionamento institucional; a interpretação de normas; a recepção, interpretação e transmissão de ordens; capacidade física, etc. que, relacionadas entre si, proporcionam elementos fundamentais à avaliação do perfil. E, no que às organizações respeita, é da conjugação dos perfis dos seus responsáveis, que resulta o bom ou mau caminho, o sucesso ou insucesso.

No caso vertente, da retirada de Guilege, temos uma informação praticamente limitada à publicação, e a algum testemunho de personagens sem acesso a informação reservada, à voz do povo. E desse conhecimento, não me parece podermos inferir, que o Major não tinha o perfil adequado à função. Aliás, como muito bem refere o A.M.M., toda a cadeia de comando relacionada com o COP-5 terá falhado. Ora, estando o Major ao nível mais baixo dessa cadeia, por extensão daquele raciocínio, ninguem teria perfil para as funções que desempenhava, incluindo o General Com-Chefe, evidenciando a incompatibilidade.

(ii) A falta de segurança avançada e a sede do COP 5

Concordo com a referência à não efectivação de saídas do aquartelamento, naturalmente limitadoras da segurança avançada, bem como da informação sobre a real capacidade do IN, sem saber o que se passava para além do arame, declinando manter o IN em respeito. Mas, limitado ao pessoal da quadrícula, que parecia insuficiente, desgastado, e com falta de confiança, mais dois pelotões de milícia bastante exauridos após a emboscada, o Major pediu um reforço de pessoal para aquelas tarefas, mas, literalmente, levou com os pés.

Sobre o estabelecimento da sede do COP 5 em Guileje, ao contrério, eu penso que foi uma medida acertada, com vista ao estímulo do pessoal, à melhor identificação das dificuldades, e à autoridade que lhe advinha dessa prática, quer em relação aos subordinados, quer relativamente aos superiores. Não foi compreendido, pelo menos, pelos senhores da guerra, que iriam responsabilizá-lo, desresponsabilizando-se.

(iii) A falsa questão da culpa que morre sempre solteira

Refere, também, que houve outros militares que contribuiram para a queda de Guileje, dispensando-se, e bem, de os nomear, mas sem referir as causas dessa conclusão, apesar de algumas alusões à proibição de certos voos, ao critério de colocações em Guileje, e a algumas negligências por parte de algumas entidades.

(iv) Herói ou anti-herói ?

Refere, por último, "as várias tentativas que vêm sendo feitas de o apresentar como um herói, que não foi". Concordo, e passo a explicar.

A retirada de Guileje resultou de várias decisões erradas, ao longo do tempo, que vão desde a escolha do local para instalação da unidade, sem autonomia de água (como em vários outros), e sem acessibilidade periódica, contrariando ensinamentos medievos, sem equipamentos alternativos, de que as comunicações rádio se ressentiram, sem a solidariedade e falta de imaginação do comando, de que se destaca a dificuldade no processamento de evacuações, a recusa no envio de tropa, que garantisse o domínio (pelo menos o controle) da região e elevasse o moral dos residentes, a falta de municiamento suficiente e confiante, revelando não estar à altura da situação.

Em Guileje vivia-se à beira de um ataque de nervos, e ninguém os tranquilizou, bem pelo contrário. O Major revelou coragem, quando, para motivar o pessoal, incorporou a coluna de evacuação, ou quando foi à água. Também, quando regressado de Bissau, decidiu partir a pé, desde Gadamael, apesar da escolta de dois grupos de combate.

O Major não foi herói, mas incorporou o anti-herói, sem veleidades sebastianistas, sem sacrifícios descabidos, sem subserviência espúria, racionalizando os problemas latentes, partilhando com os seus subordinados, pessoas com capacidade de amar, de sofrer, de desejar, e, máximo dos máximos, comprometendo a sua carreira e vida familiar, pela salvação da tropa e dos que lhe estavam confiados. Também por isso foi corajoso, ousando bater com a porta ao controverso General.

Como diria o Meirim, sem ovos não se fazem omoletas.

Um abraço fraterno.

José Dinis

_____________

Notas de L.G.:

(*) Vd. poste de 24 de Agosto de 2008 >
Guiné 63/74 - P3147: Tabanca Grande (83): José Manuel Dinis, Fur Mil da CCAÇ 2679, Bajocunda (1970/71)

(...) Chamo-me José Dinis, integrei a CCAÇ 2679 no CTIG, durante os anos de 1970/71, como Fur Mil, Companhia que, inicialmente, desempenhou funções de intervenção no Sector Leste, baseada em Piche, onde estava o BART 2857, tendo passado ao regime de quadricula em Bajocunda, em Agosto de 1970, substituindo a CART 2438, sendo dependente do COT1. Integrei o 2.º Pelotão, que comandei durante cerca de 18 meses, após a transferência compulsiva do meu grande amigo, o Alf Mil Eduardo Guerra.

O Grupo ficou conhecido por Foxtrot, e ganhou nomeada pela sua grande disponibilidade, entrega e arrojo. Ao nível da Companhia, regista o maior número de louvores e o menor número de porradas.

Em Piche fui dinamizador da estação de rádio ali criada, embora com a antena horizontal próxima do telhado de zinco para abafar as emissões. em virtude da falta de autorização para o efeito.

Em Bajocunda criei a jornal Jagudi, que expandia textos de diversos camaradas, bem como, por vezes, transcrevia artigos de orgãos da comunicação social. O Jagudi ganhou alguma notoriedade porque era lido pelo João Paulo Dinis no Pifas. (...)


(**) Vd. poste de 14 de Janeiro de 2009 >
Guiné 63/74 - P3737: A retirada de Guileje, por Coutinho e Lima (11): Um erro de 'casting', o comandante do COP 5 (António Martins de Matos)


Vd. último poste desta série > 17 de Janeiro de 2009 >
Guiné 63/74 - P3752: A retirada de Guileje, por Coutinho e Lima (13): A missão de apoio aéreo de 21 de Maio de 1973 (António Martins Matos)

Guiné 63/74 - P3753: Não venho falar de mim... nem do meu umbigo (Alberto Branquinho) (17): com a arma na mão e o credo na boca. (Alberto Branquinho)

NÃO VENHO FALAR DE MIM… NEM DO MEU UMBIGO (17)

CAMBANÇA – II

Sempre que havia uma operação para norte do aquartelamento era necessário atravessar o rio, que distava, em linha recta, uns três ou quatro quilómetros.
A companhia saía, de noite, para sul, virava a leste ou oeste (como manobra de diversão), serpenteava pelo terreno uns quilómetros, até que invertia para norte, a caminho do rio.

No local da travessia o rio tinha cerca de duzentos metros de largo. Tudo era planeado de modo a que chegássemos junto ao rio quando a maré estava no seu pleno para evitar chafurdar (e perder tempo) nos dez ou quinze metros do lodo da maré baixa.

Com o rio iluminado pelas estrelas, os homens, em grupos de dez, carregados de G-3, cartucheiras, cantil, bazuca, granadas, metralhadora, embarcavam na canoa, que teria dez a doze metros de comprimento e um metro de largura.

A canoa aguardava encostada à margem, agarrada pelo remador. Baloiçava com a entrada de cada um dos passageiros e respectiva carga e metia uns goles de água. Completado o embarque, o remador, homem idoso e experimentado, empurrava a canoa para dentro do rio, entrava e, com um único remo, fixado à ré, fazia-a seguir silenciosamente.

A meio do rio e no meio da noite só se viam as estrelas no céu ou reflectidas na água, bamboleantes, devido ao leve chapinhar do remo e da proa a rasgar a água.
Alguns iriam rezando, encomendando a alma a Deus, mas todos iam tensos e silenciosos, tentando, talvez, localizar na água algum crocodilo noctívago.
Qualquer pequeno baloiçar ou movimento (sempre seguido da tentativa de o compensar para o lado contrário), fazia a água quase galgar as bordas da canoa. O risco de baldear a carga estava sempre presente e maior era quanto mais bruscos fossem os movimentos.

Chegados à outra margem, o remador saia e puxava a canoa para uma posição paralela à margem, para o pessoal sair.
A canoa regressava vazia à margem de onde partira e as viagens sucediam-se até passarem os últimos homens.

No fim de cada travessia o remador retirava do fundo da canoa a maior quantidade possível de água, com a ajuda de uma lata velha que transportava pendurada no apoio do remo. Ficava sempre alguma água, que aumentava com as oscilações do embarque.

No regresso da operação, dois ou três dias depois, o pessoal, cansado, voltava a fazer a travessia do rio do mesmo modo, mas, agora, em pleno dia.

Foi no início de umas dessas travessias nocturnas que um furriel, porque os soldados não acatavam a ordem para se sentarem no fundo da canoa, teimando em seguir de cócoras e com as mãos agarradas de cada lado para não molharem os fundilhos, que, sentado em último lugar, puxou a culatra atrás e berrou:

- Eu não sei nadar. Quero toda a gente com o cu sentado no fundo. Se esta merda vira, varo-vos a todos.
__________

Notas de vb:

1. Alberto Branquinho foi alf mil da CArt 1689, 1967/69. Andou por Gandembel, Empada, Bambadinca, Buba, Bedanda, Bafatá, Banjara...

2. Último artigo da série em

Guiné 63/74 - P3752: A retirada de Guileje, por Coutinho e Lima (13): A missão de apoio aéreo de 21 de Maio de 1973 (António Martins Matos)





Alexandre Coutinho e Lima, Cor Art Ref - A retirada de Guileje: a verdade dos factos. Linda-A-Velha: DG Edições. 2008. p. 415. Anexo X - Relatório da Missão de Apoio Aéreo a Guileje, 21 Mai 73.


Nesta missão foram largadas, por uma parelha de Fiat G-91, 4 bombas de 750 libras. Em observações pode ler-se: "Guilege (sic) pretendia que se bombardeasse todas as matas em redor do aquartelamento. Ao ser-lhe perguntado por que razão não utilizava a artilharia, reportou que procedia desse modo a fim de não referenciar a posição do quartel!"


(Imagem editada por L.G. e reproduzida com a devida vénia...)


1. A meu pedido, aqui fica feita a descodificação do relatório de missão da FAP no subsector de Guileje, em de 21 de Maio de 1973 (*). O meu agradeciemnto ao António Martins de Matos, Ten Gen Res da FAP, que participou nesta missão como Ten PilAv (**)


HORÁRIO

ATD (actual time of departure) 07:50

ATA (actual time of arrival) 08:35

Os aviões voaram 45 minutos, o que quer dizer que, quando regressaram a Bissau, já só tinham combustível para mais 5 a 10 minutos (face ao armamento que levavam não podiam levar tanques de combustível suplementares).

PILOTOS

Cap Bessa + Ten Matos

Como curiosidade o facto de, na Força Aérea, o comandante da missão não ter que ser o mais graduado mas sim o mais experiente.

Nesta saída para o Guileje, o Tenente Matos era o chefe da missão e o Capitão Bessa o seu asa.

TIPO DE MISSÃO

ATAP, tipo de missão resultante de um pedido de fogo imediato, com a saída da parelha de alerta.

À descolagem o piloto apenas sabe para que área se deve dirigir e quem deve contactar. Por este motivo é imprescindível que o quartel dê informações tão precisas quanto o possível no que refere a arma usada na flagelação, a direcção, há quanto tempo ...

Em oposição ao ATAP existia o ATIP, quando a missão era pré-planeada.

LOCALIZAÇÃO

BS = Bissau

Guilege 5 D2-32 e Guilege4 H1-73 (locais onde as bombas foram lançadas)

As coordenadas do lançamento eram referenciadas numa grelha colocada sobre a carta de 1:50.000.

Estas bombas tinham um efeito devastador num raio de 500 metros do impacto (zona de segurança a partir de 1.000 metros).


MODALIDADE

BOP = Bombardeamento a picar

Os aviões entravam numa picada a partir dos 10.000 pés, largavam o armamento por volta dos 5.000 pés e iniciavam de imediato a recuperação, sendo o ponto mais baixo da sua trajectória por volta dos 2.500 pés.

Enquanto um avião recuperava do passe, o outro circulava por cima a fim de descortinar eventual disparo de míssil ou antiaérea. Caso tal se verificasse, o armamento deste avião era imediatamente empregue nesse local.


OUTRAS CONSIDERAÇÕES

Enquanto que no GUIDAGE os aviões tinham de fazer os ataques com infinitas cautelas devido ao facto de existir tropa no terreno (os meus mais angustiantes 5 minutos registaram-se quando, a pedido dum Gr Comb, intitulado SIERRA BRAVO, foi largado armamento num pontão da estrada para Binta, mesmo nas barbas das nossas tropas), no Guileje sabia-se que não havia tropa na mata.

Tendo sido lançadas 16 bombas deste tipo nas matas entre o Guileje e a fronteira, a haver tropa do PAIGC nessa área, os efeitos teriam sido devastadores.

__________


Notas de L.G.:

(*) Vd. último poste da série > 15 de Janeiro de 2009 >Guiné 63/74 - P3744: A retirada de Guileje, por Coutinho e Lima (12): Spínola podia ter feito muito mais... (Rui Alexandrino Ferreira)

(**) Vd. poste de 14 de Janeiro de 2009 >Guiné 63/74 - P3737: A retirada de Guileje, por Coutinho e Lima (11): Um erro de 'casting', o comandante do COP 5 (António Martins de Matos)

Guiné 63/74 - P3751: Fauna & flora (11): O babuíno da Guiné ou... cabrito pé de rocha (Vitor Junqueira)

Guiné > Zona Leste > Sector L2 > Geba > CART 1690 > Destacamento de Banjara > 1968 > Quando a fome era negra, até cabrito pé de rocha se come... Só que em Bissau o periquito Vitor Junqueira estava longe de imaginar que o dito cabrito era... macaco-cão! (*)...

Nesta foto, um macaco fidalgo caiu numa armadilha dos militares da CART 1690, de trágica memória... (Recorde-se que esta companhia, a que pertenceu o nosso querido amigo e camarada A. Marques Lopes, da Tabanca de Matosinhos, hoje Cor DFA Ref, sofreu 1 morto e 11 desaparecidos - levados para Conacri - num ataque do PAIGC, contra o destacamento de Cantacunda, na noite de 10 para 11 de Abril de 1968).

Foto: © A. Marques Lopes (2005). Direitos reservados.


1. Do Vitor Junqueiro, que é médico, residente em Pombal (não é no Pmbal!), membro da nossa Tabanca Grande, organizador do nosso 2º Encontro Nacional, de saudosa memória (Pombal, 2007), pai e avô babado, portentoso contador de histórias (com H), ex-garboso oficial da nossa ex-gloriosa marinha mercante, ex-Alf Mil Inf, CCAÇ 2753 - Os Barões (Madina Fula, Bironque, Saliquinhedim/K3, Mansabá ,1970/72)... Além disso, um belo amigo e um grande camarada, a quem agradecemos mais este contributo para o nosso blogue:

Caros editores,

A propósito do interesse académico que as nossas lembranças de ex-combatentes da Guiné possam apresentar para os estudiosos do macaco cão (**), aqui vai o meu contributo.

1 - A ZA da minha companhia, incluindo áreas limítrofes, pode definir-se grosso modo como uma faixa de território com cerca de dez quilómetros para cada lado do eixo Mansabá-Farim (região do Oio). Conheci bem a região por tê-la patrulhado inúmeras vezes.

2 - No princípio da década de 70 (70, 71 e 72), um babuíno conhecido pela tropa sob a designação de macaco-cão, proliferava neste território.

Julgávamos nós que o nome do animal teria a ver não apenas com a anatomia do focinho, a fazer lembrar o do cão, mas também pelas vocalizações dos adultos que muito se assemelhavam às dos caninos. Os machos mais corpulentos teriam à volta de 15 a 18 kg, as fêmeas pesariam entre os 10 e os 12 Kg.

3 - As famílias (bandos) eram numerosas constituídas por cerca de vinte a trinta elementos. Numa deslocação em coluna de Farim a Mansabá, podiam avistar-se quatro ou cinco grupos ao longo do percurso. Pareciam não temer os humanos nem tão pouco as viaturas militares, permitindo facilmente a nossa aproximação a menos de cinquenta metros.

4 - Cada família aparentava obedecer a um único macho adulto que, regra geral, "se empoleirava" num ponto conspícuo como por exemplo um baga-baga ou os ramos secos e desfolhados de uma árvore morta. Desse posto estratégico, controlavam a família enquanto esta se alimentava no solo ao mesmo tempo que vigiavam o que se passava em seu redor.

5 - Mais para o interior, grupos com idêntica constituição podiam ser encontrados na proximidade de antigas tabancas onde procuravam alimento com base em plantas de cultivo que cresciam espontaneamente, após o abandono destas áreas pelas respectivas populações. Aí encontravam também abundância de frutos como mangos e citrinos.

6 - O florescimento destas colónias pode atribuir-se ao facto de, o seu predador mais importante e praticamente único - o homem - ter sido desalojado de vastas áreas, quer por iniciativa própria para fugir à tragédia da guerra, quer devido à política de reagrupamento de tabancas. Deste modo, foram abandonados (destruídos) centenas destes aglomerados dispersos por todo o território. Não havendo habitantes não há caçadores e, assim, a pressão sobre o macaco-cão como fonte de alimento aliviou notavelmente.

7 - Para abater um destes animais, não basta ser caçador, tem que se ser um bom atirador! Se o animal não for atingido num ponto vital como a metade posterior da cabeça ou a coluna cervical, o bicho não cai. Atingido por vários projécteis noutra zona, pode até comportar-se como se não fosse nada com ele, acabando por ir morrer longe da vista do caçarreta para sua grande humilhação.

8 - Outro indicador da abundância destes babuínos pode encontrar-se na frequência com que caíam nas armadilhas montadas pela tropa. Quando se tratava de fêmeas com filhotes, estes podiam ficar por longos períodos (dias?), junto ao corpo das mães. Nestas circunstâncias e se encontradas a tempo, as crias eram geralmente adoptadas pelos militares que tinham para com elas cuidados e desvelos de verdadeiros pais!

9 - Confirmo que as manifestações de sofrimento dos bebés babuínos, sejam elas a dor física, a fome, o medo ou outras emoções que na nossa brutalidade estamos a anos luz de entender, são verdadeiramente pungentes.

10 - Pela minha parte, este é o fim da macacada a que me atirei, picado pelo Jorge Picado que no seu último poste me incita ao pronunciamento.

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Notas de L.G.:

(*) Vd. poste de 11 de Novembro de 2006 > Guiné 63/74 - P1266: Estórias de Bissau (1): Cabrito pé de rocha, manga di sabe (Vitor Junqueira)

(**) Vd. postes da série Fauna & Flora:

16 de Janeiro de 2009 >Guiné 63/74 - P3750: Fauna & flora (10): Um par de Macacos à solta em Nova Sintra. (Herlander Simões)

16 de Janeio de 2008 > Guiné 63/74 - P3747: Fauna & flora (9): Do macaco-cão ao macaco-fidalgo... à mesa (José Nunes / Artur Conceição)

13 de Janeiro de 2009 > Guiné 63/74 - P3734: Fauna & flora (8): O estudo do Papio hamadryas papio (Maria Joana Ferreira Silva)

13 de Janeiro de 2009 > Guiné 63/74 - P3733: Fauna & flora (7): Babuínos, chimpanzés, caçadores, militares, pitéus e... turismo científico (Pepito)

13 de Janeiro de 2009 > Guiné 63/74 - P3732: Fauna & flora (6): A mensagem da Maria Joana e a resposta do Patrício Ribeiro

12 de Janeiro de 2008 > Guiné 63/74 - P3727: Fauna & flora (5): Coluna de Macacos Kom dizimada na estrada de Cutia para Mansabá. (Jorge Picado)

11 de Janeiro de 2009 > Guiné 63/74 - P3722: Fauna & flora (4): Tudo o que sabemos sobre o macaco-kom (Jorge Teixeira / António Costa)

11 de Janeiro de 2009 > Guiné 63/74 - P3721: Fauna & flora (3): Mais histórias de macacos (Henrique Cabral / Luís Faria)

11 de Janeiro de 2009 > Guiné 63774 - P3720: Fauna & flora (2): Os macacos-cães do nosso tempo (Luís Graça / J. Mexia Alves)

10 de Janeiro de 2009 > Guiné 63/74 - P3714: Fauna & flora (1): Pedido de apoio para investigação científica sobre o Macaco-Cão (Maria Joana Silva)

sexta-feira, 16 de janeiro de 2009

Guiné 63/74 - P3750: Fauna & flora (10): Um par de Macacos à solta em Nova Sintra. (Herlander Simões)

O Macaco cão da Guiné


Mensagem para a Maria Joana (não sei ainda se é assim que queres que eu te trate):

1. Aqui tens mais uma resposta às tuas perguntas.

2. Outra coisa: tens tido algum contacto com a ONG AD que tem projectos para Guileje e o Cantanhez ? Tens procurado o seu apoio ? Conheces alguém desta organização ? Estás, vais estar ou estiveste na Guiné-Bissau, recentemente?

3. Recebi os teus mails, com o resumo do teu projecto e a tua manifestação de interesse em "integrar" a Tabanca Grande...

Saudações bloguísticas.

LG

Mensagem de Herlander Simões (1), de 12 de Janeiro de 2008

Macaco cão. Foto de Herlander Simões.

Caro Luís Graça!


Na minha passagem pela Guiné tive algum contacto com os chamados macacos cão, com mais frequência na zona de Nova Sintra, onde andavam salvo erro, dois à solta no quartel.






Cheguei a fazer algumas caçadas naquela zona e era frequente vermos bandos desses macacos com os seus gritos que quase pareciam cães a ladrar. Era voz corrente entre a população que a carne desses animais era muito apreciada nalgumas zonas. Ainda hoje estou convencido que comi carne desse animal e o grande responsável foi o malandro do Furriel enfermeiro de Nova Sintra, do qual infelizmente já não recordo o nome.

Era frequente fazermos petiscos com o produto das caçadas que eu e o meu grupo fazíamos e onde o dito Furriel tinha lugar cativo. Certo dia fomos convidados pelo mesmo para um petisco feito por ele que, salvo erro, nos disse que ia fazer cabrito assado. No final do repasto toda a gente perguntava que carne tão saborosa era aquela pois era certo que cabrito não era. Ele nunca nos disse o que comemos, mas todos ficámos desconfiados que era macaco, pois o seu riso malandro assim nos fez crer. Se alguém dos "Duros" de Nova Sintra ler este texto e souber algo sobre este assunto, agradecia que me contactassem.

Junto, em anexo, algumas fotos que tirei com macacos cão, onde numa delas se vê um desses macacos a guerrear com um cão.

Espero que este meu pequeno contributo possa ajudar alguma coisa sobre o tema em questão.

Cumprimentos,

Herlander Simões

__________

Notas de vb:

1. Herlander Simões foi Furriel Miliciano na Guiné entre Maio de 72 e Janeiro de 74. Destinado à CCAÇ 16 (onde nunca cheguou a ser colocado) foi primeiro para os "Duros" de Nova Sintra e posteriormente para os "Gringos" de Guileje (CCAÇ 3477, 1971/73), entretanto já sediados em Nhacra.

2. Último artigos publicados em

Guiné 63/74 - P3749: RTP1, As Duas Faces da Guerra (1): A emoção de rever Guileje e a nossa capela (António Gomes da Cunha, CART 1613, 1967/68)

Guiné-Bissau > Região de Tombali > Guileje > Simpósio Internacional de Guileje (Bissau, 1-7 de Março de 2008) > Visita ao antigo aquartelamento e tabanca de Guileje, futuro museu de Guiledje > 1 de Março de 2008 > A lápide, o que restava da capela construída pelos Lenços Verdes, em 1967... Já mal se consegue ler a inscrição: "A Ti, Deus Único E Senhor / Da Terra, Oferecemos Estas / Gotas De Suor Que Nos / Sobraram da Luta Pela / Tua Palavra Eterna. /Soldados da CART 1613".

Foto: © Luís Graça (2008). Direitos reservados.


Guiné > Região de Tombali > Guileje > CART 1613 (1967/68) > "Guileje, terra de fé e de coragem" (*)... A capelinha construída no tempo do Zé Neto e do António Gomes da Cunha...

Escreveu o Zé Neto (1929-2007), nas suas memórias (**), o seguinte:


"Uma das boas características do meu pessoal era a de que não gostavam de estar parados nos intervalos das operações. Cada um, nas suas profissões ou aptidões, ia bulindo e foi assim que se reconstruíram e melhoraram abrigos, se implantou uma horta que aproveitava a água, depois de decantada, dos chuveiros das praças e se construiu a obra mais emblemática que deixámos em Guileje: a Capela.

"Por sugestão do capelão, Padre João Batista Alves de Magalhães, que apenas pediu um coberto para oficiar a missa quando ia a Guileje, pois dava a volta a toda a área da responsabilidade do batalhão, os Furriéis Maurício (Transmissões) e Arclides Mateus (Atirador), ambos com conhecimentos de desenho de construção civil, planearam e dirigiram a construção do pequeno templo.


"Vinte ou trinta anos depois muito se falou em ecumenismo e outras ideias do mesmo sentido, mas nas profundezas da Guiné isso já se praticava. Na pequena festa de inauguração da Capela e a convite do Capitão Corvacho, o Régulo Suleimane compareceu com toda a sua família e vestido a rigor, embora fosse muçulmano.

"As portas da Capela nunca se fecharam. Os europeus iam lá fazer as suas orações e nunca constou que alguém tivesse mexido fosse no que fosse. Do mesmo modo, quando da celebração do fim do Ramadão, com rituais próprios, mas completamente desconhecidos para a quase totalidade dos rapazes, estes comportaram-se com respeito, a que não faltou uma ponta de curiosidade, é certo" (...).

Fotos: © Zé Neto / AD - Acção para o Desenvolvimento. (2007). Direitos reservados


1. Mensagem do António Gomes da Cunha (***)

Amigo Luís Graça

Fiquei muito emocionado quando ontem à noite, Quinta Feira, assisti à segunda parte do filme [, As Duas Faces da Guerra, ] que passou na RTP1 sobre a Guiné, preenchida com o triângulo Gadamael/Guileje/Corredor da Morte, três locais que marcaram a Companhia 1613, Os Lenços Verdes , que pertencia ao Bart 1896 que se encontrava instalado em Buba, Aldeia Formos, etc….

Aquilo que mais me emocionou foi na parte final quando apresentavam o retrato de Guileje depois de abandonado pela Companhia ali aquartelada, foi o mostrarem os restos da capela que nós construímos. A sua frente encontrava-se totalmente
intacta, e ainda permanecia lá bem visível a placa que lá colocámos no momento da sua conclusão com as seguintes palavras que por certo foram lidas por todos os camaradas que viram o programa:
"A Ti, Deus Único e Senhor,
Te Oferecemos
As Últimas Gotas de Suor,
Que nos Sobraram
da Luta da Tua Palavra Eterna,
Soldados da Cart 1613.”


Senti que, 41 anos depois, ainda ali estava um pedaço da minha vida e da vida dos meus Irmãos da Cart 1613 e do Pelotão Fox, 1165.

Por momentos revivi ontem momentos que me parecia estar a vivê-los localmente nesse momento, imaginas, meu amigo, a dor com o reactivar um trauma de tantos anos.

Com um abraço amigo
António Cunha, O Malhado,
Radiotelegrafista,
Cart 1613 (1966/68)



2. Comentário de L.G.:

António: Foi também para mim uma grande emoção... Já vi o filme 3 vezes: na estreia, em Lisboa (Outubro de 2007); depois em Bissau (com o Nino e demais participantes do Simpósio Internacional de Guileje, em Março de 2008...); e agora na RTP (uma versão ligeiramente diferente)... O filme está disponível no mercado, em DVD. Podes comprá-lo: custa 10 €.

Em relação à tua capelinha (ainda com duas pedras em pé) e à lápide que existia e que tu viste na parede da fachada(num excerto de um filme feito pelos tipos do PAIGC, quando lá entraram, em 25 de Maio de 1973, ou em data posterior, mas antes da destruição das instalações que eles próprios depois efectuaram)... Já agora toma nota da inscrição que consta da lápide e que eu fotografei em 1 de Março de 2008, quando lá estive: "A Ti, Deus Único E Senhor / Da Terra, Oferecemos Estas / Gotas De Suor Que Nos / Sobraram da Luta Pela / Tua Palavra Eterna. /Soldados da C.A.R.T. 1613". É o que resta da tua capelinha, e está guardado como peça de museu... Devo dizer-te que há um grande carinho por parte da população local (que hoje vive em Nejo), por este lugar mítico, que nos marcou a todos, de uma maneira ou de outra... Guileje já era um mito, quando eu desembarquei em Bissau, em finais de Maio de 1969!

Se tiveres histórias (e fotos) de Guileje, escreve-nos! Vai-se fazer um Museu em Guileje. Tens alguma peça, documento ou foto que queiras doar ao Museu, para a gente perpetuar a memória de um lado e de outro ?

Por outro lado, eu gostaria de reeditar as memórias do nosso querido Zé Neto, nesta série (II) do nosso blogue... Com mais fotos e legendas, etc. Queres dar uma ajuda ? Posso-te mandar fotos para te ajudar a relembrar certos pormenores... De momento, tu és o único representante da CART 1613 na nossa Tabanca Grande. É também para nós uma honra.

O Zé Neto deixou-nos um importante acervo fotográfico: a partir dos slides que ele gostava de fazer (e de mostrar à população local), fizemos fotos, algumas de muito boa qualidade...

Vocês, os Lenços Verdes, têm-se encontrado ? O vosso capitão, Corvacho, ainda é vivo ?

O terreno do antigo quartel e tabanca de Guileje já foi entregue à entidade promotora do projecto (Museu, etc.),a AD-Acção para o Desenvolvimento, uma ONG guineense, com sede em Bissau, que nós apoiamos. E que sempre teve o apoio, pioneiro e entusiástico, do Zé Neto, um grande amigo da Guiné e dos guineenses.

Um Alfa Bravo.
Luís
_________

Notas de L.G.:

(*) Vd. poste de 14 de Dezembro de 2005 > Guiné 63/74 - CCCLXVII: Guileje, terra de fé e de coragem (LuísGraça)

(**) Vd. poste de 3 de Fevereiro de 2006 > Guiné 63/74 - CDXCVII: Memórias de Guileje (1967/68) (Zé Neto)(5): ecumenismo e festa do fanado

O Cap Art Ref José Neto, infelizmente, deixou-nos em 2007, depois de enfrentar corajosamente (e de perder) a sua última batalha (Zè, prometi reeditar as tuas memórias, na II Série do nosso blogue, estou â espera de um voluntário; mas o que é prometido, é devido! Um abraço eterno, L.G.:

30 de Maio de 2007 > Guiné 63/74 - P1801: Capitão José Neto (CART 1613, Guileje, 1967/68), a última batalha

30 de Maio de 2007 > Guiné 63/74 - P1802: Zé Neto (1929-2007): Morreu um Homem Grande, adeus, amigo, adeus, meu capitão ! (Pepito)

(***) Vd. poste de 18 de Dezembro de 2008 > Guiné 63/74 - P3644: Tabanca Grande (105): António Cunha, Radiotelegrafista da CART 1613, Os Lenços Verdes

Guiné 63/74 - P3748: As nossas mulheres (6): Recortes de imprensa de uma noiva (Luís Faria)

1. Mensagem de Luís Faria ex-Fur Mil Inf MA da CCAÇ 2791, Bula e Teixeira Pinto, 1970/72, com data de 7 de Janeiro de 2009:

Amigos Editores

Um abraço e renovação de votos, extensíveis a toda a Tertúlia, de um 2009 sem problemas de maior.

Em anexo envio uma estória que justifica a posse de relíquias/curiosidades que a meu ver poderão ter interesse especialmente para os Camaradas que andaram ao tempo pelos localidades inscritas e que poderão de certo modo avaliar comparativamente o que o que se dizia na Metrópole e o que era na realidade. E quem sabe, até dar uma risada!

Um adeus e até ao meu regresso
Luis Faria


Curiosidades - Imprensa

Caros Irmãos de Armas da Guiné, permitam-me este devaneio que não quero fira quaisquer susceptibilidades.

Conforme explicado no capítulo 1.º de “Viagens à volta das minhas memórias” fui mobilizado para a Guiné, considerado ainda hoje (?!) o teatro de guerra mais difícil e perigoso àquela época com a excepção eventual do Vietname. E tanto isto era verdadeiro que havia múltiplas solicitações a camaradas que acabavam a comissão, e contratos chorudos para instrução em países Africanos e não só. Também houve muito boa gente que pura e simplesmente (?!) fugiu, é o termo, uns realmente por ideais políticos, outros nem tanto e ainda outros porque foram influenciados e até aliciados por terceiros. E coloco (?!) porque também essa tomada de decisão não deveria ter sido fácil, àqueles tempos, em que Portugal se estendia do Minho a Timor, uno e indivisível, e a noção de Pátria, com a sua Bandeira e o seu Hino, estava muito arreigada no intimo da maioria dos Portugueses e como tal sentia-se que o dever de cada um seria contribuir para a defesa da Pátria, se necessário à custa do seu sangue e da própria vida, como infelizmente a muitos aconteceu. Era assim que eu sentia e ainda hoje ao ouvir o Hino Nacional fico emocionado e o não ver a nossa Bandeira hasteada, praticamente em nenhum sítio, faz-me pensar!

Também tive pressões aliciantes para não ir para a Guiné e fugir , é verdade!

Ao tempo em que estava a formar Companhia no RI 16 – Évora – ofereci o anel de noivado à minha namorada Aida, que ainda hoje é minha Esposa. O Alf. Quintas insistia para que casasse e a levasse para a Guiné, pois ele iria levar a sua, como levou. Nem pensar! E se calhava de ficar estropiado, dependente de terceiros, o que era uma hipótese bem possível? Achava que não era justo poder vir a condicionar-lhe a vida futura e para além disso também iria condicionar emocionalmente a minha prestação na Guiné.

Por seu lado, o meu futuro sogro, Veterano Italiano da guerra na Abissínia, insistia fortemente para que casasse, mandasse a Guiné às malvas e fosse para o Brasil onde tinha negócios, poderia viver bem e sem problemas. Eu rebatia com os meus argumentos, que não conseguia nem queria fazer isso, que não conseguiria viver em paz comigo mesmo se voltasse a cara à defesa do meu País e lá fui dar a minha contribuição, que felizmente não me tirou nem sangue nem a vida. Perdi juventude, isso sim.

Pela Metrópole ficou a noiva e na distância dos dois mundos separados, foram ficando as saudades, as recordações, as fotografias e as cartas que os ligavam, cartas que por querer, nunca referiram nada da guerra em que andava.

O tempo passou, o regresso concretizou-se, o casamento realizou-se, a vida transformou-se e seguiu os seus rumos. Um dia tomo conhecimento de que afinal a nossa Guerra que nunca quis referir, tinha também sido seguida à maneira metropolitana pela minha Noiva, através de dezenas de comunicados das Forças Armadas, publicados nos jornais da época e que a Aida foi compilando, o que me muito me sensibilizou e que me permite hoje, por estarmos no início de um novo ano e por julgar com interesse, enviar à Tabanca três desses comunicados originais, um dos quais é uma espécie de balanço da guerra durante o ano 1970. Dava a ideia que tudo era um mar de rosas.!!!

Um abraço a toda a Tertúlia na esperança de não ter ferido susceptibilidades.
Luís Faria




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Nota de CV:

Vd. último poste da série de 28 de Dezembro de 2008 > Guiné 63/74 - P3676: As Nossas Mulheres (3): Um poema da minha Mãe, Leopoldina Duarte (António Paiva)

Guiné 63/74 - P3747: Fauna & flora (9): Do macaco-cão ao macaco-fidalgo... à mesa (José Nunes / Artur Conceição)

Guiné-Bissau > Região de Tombali > Iemberém > Visita ao Cantanhez dos participantes do Simpósio Internacional de Guileje (Bissau, 1-7 de Março de 2008) > 2 de Março de 2008 > Os macacos-fidalgos vinham, de manhã, acordar-nos e dar-nos as boas vindas (*)...

Foto: ©
Luís Graça (2008). Direitos reservados.


1. Mensagem do José Nunes, com data de 11 do corrente:

Como descrevi no poste sobre a Missão Católica ou missão heróica (**),comi macaco-cão à mesa com os missionários italianos na Missão,não por mero prazer mas por necessidade. O caçador da Missão era um jovem de nome Cabi, os missionários entregavam-lhe uma espingarda de caça e ele saía à caça. Quando regressava tanto podia vir um macaco,como meia dúzia de patos farons,era o que aparecia.

A carne é muito adocicada,como se temperassemos a carne de vaca em vez de sal pormos açucar.
Nas tascas do Pilão e de Bandim era normal ver-se assarem macacos para petiscarem, desde que houvesse água de lisboa sabe!

Sempre me causou muita náusea ver o animal inchar por acção do fogo,muitas vezes era assados tal cpomo eram caçados,e quando espreitei para a panela de bianda que era cozinhada, a primeira coisa que vi foi a cabeça. Fez-me muita náusea,e desde então,nunca mais tive curiosidade de ver.

Para dar comida aos leprosos era necessário recorrer de engenho e tudo era comestível.

Por onde andei vi macacos na ilha de Bissau, ali para os lados de Prabis, na Ponta do Inglés [Xime], e em Bissum-Naga.

Mas parece que eram muito ariscos e não facilmente domesticáveis.

Cordiais Saudaçoes a toda a Tabanca.

José Silvério Nunes
1º Cabo Mec Elect de Centrais
Beng 447
Brá, Bissau, 1968/70

2. Mensagem de Artur Conceição (ex-Sold Trms Inf e Cond Auto, CART 730, Bissorã, Farim e Jumbembém, 1965/67 ):

Meus caros Luís graça, Carlos Vinhal e Virgínio Briote:

Este será o meu modesto contributo para uma causa tão nobre como é a defesa do nosso “primo” babuíno, em que está empenhada Maria Joana Ferreira da Silva, investigadora portuguesa, a fazer, no Reino Unido, a sua tese de doutoramento sobre o macaco-cão da Guiné,

Quando da minha passagem pela Guiné nos anos de 1965 a 1967, existiam muitos macacos, e de várias espécies.

Insisto: no meu tempo - e com isto quero ressalvar o facto de que a Guerra na Guiné não pode ser tomada como sempre igual, tudo evolui, para não se correr o risco de entrar em contradições inexistentes. A guerra durou 13 anos, e teve várias fases, que eu não me atrevo, por incapacidade, a definir, mas todos sabemos que os militares que passaram pela guerra na Guiné, essa guerra foi muito pior para alguns do que para outros, em função do período em que por lá passaram.

No início da guerra, a fauna era muito mais abundante do que no final da guerra, e não vale a pena inventar as razões, dado que são tão óbvias que todos percebem.
Em relação aos macacos, conheci três espécies diferentes, embora saiba que existem mais para além destas:

(i) O macaquinho sagui, pequenino, engraçado, e que era propriedade de algum militar que os tinha a seu cargo;

(ii) O macaco-cão, o tal babuíno que se procura e que quase todas as unidades militares possuíam como mascote. (Era pertença de todos, embora mais amistosos com alguns, que lhes dedicavam mais atenção);

(iii) E finalmente o macaco-fidalgo, que talvez por ser bastante mais ágil e muito mais barulhento, nunca o vi em cativeiro na Guiné.

Comi macaco em Bissau num restaurante que tinha essa especialidade, e que ficava localizado numa rua em frente aos Correios, para o lado do Forte da Amura, uma ligeira subida do lado esquerdo. O nome cabrito pé da rocha para mim é novidade (***).

Para colocar alguma ordem, eu comi porque me garantiram que era macaco fidalgo, porque. sem tal garantia, o macaco cão penso que não seria capaz de comer, sendo que uma das razões era exactamente o contacto que tinha com eles, o macaco cão.

Para além de macaco fidalgo confeccionado em restaurante, e que já não posso dizer se gostei ou não, comi também gazela, uma ou duas vezes, javali, várias vezes, águia e raposa uma vez. Cobra... embora digam que é um petisco, penso que era mais fácil comer capim.

Utilização de macacos para fins medicinais ou outros nunca me apercebi. Os nativos capturarem macacos para os comer também não me parece, pelo menos na zona dos Fulas onde estive 18 meses.

Macacos cão em grupo também nunca vi, mas macacos fidalgo era frequente aparecerem na estrada que liga Jumbembem a Canjambari, a Oeste de Farim, na região do Oio. Eram grupos constituídos por duas a três dezenas, de pelagem bastante mais escura que o macaco cão, muito ágeis e muito barulhentos, de cauda mais alongada e que pareciam voar de uma árvore para a outra.

A captura do macaco é muito fácil, uma vez que o macaco fecha a mão para apanhar o isco e nunca mais a abre, também há humanos assim…!! Se o orifício for pequeno, a mão não sai e o macaco fica preso.

Uma das grandes virtudes do macaco é ser o grande propagador da semente do cajueiro, uma vez que ele vai roubar as castanhas do cajú e foge, levando-as na boca. Quando tenta trincá-las, a castanha liberta um liquido amargo e ele deita-a fora, dando origem a um novo cajueiro naquele local.

Um abraço do tamanho do Cacheu porque o Cumbijã eu não conheci...

Artur António da Conceição
Damaia - Amadora

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Notas de L.G.:

(*) Vd. postes desta série:

13 de Janeiro de 2009 > Guiné 63/74 - P3734: Fauna & flora (8): O estudo do Papio hamadryas papio (Maria Joana Ferreira Silva)

13 de Janeiro de 2009 > Guiné 63/74 - P3733: Fauna & flora (7): Babuínos, chimpanzés, caçadores, militares, pitéus e... turismo científico (Pepito)

13 de Janeiro de 2009 > Guiné 63/74 - P3732: Fauna & flora (6): A mensagem da Maria Joana e a resposta do Patrício Ribeiro

12 de Janeiro de 2008 > Guiné 63/74 - P3727: Fauna & flora (5): Coluna de Macacos Kom dizimada na estrada de Cutia para Mansabá. (Jorge Picado)

11 de Janeiro de 2009 > Guiné 63/74 - P3722: Fauna & flora (4): Tudo o que sabemos sobre o macaco-kom (Jorge Teixeira / António Costa)

11 de Janeiro de 2009 > Guiné 63/74 - P3721: Fauna & flora (3): Mais histórias de macacos (Henrique Cabral / Luís Faria)

11 de Janeiro de 2009 > Guiné 63774 - P3720: Fauna & flora (2): Os macacos-cães do nosso tempo (Luís Graça / J. Mexia Alves)


10 de Janeiro de 2009 > Guiné 63/74 - P3714: Fauna & flora (1): Pedido de apoio para investigação científica sobre o Macaco-Cão (Maria Joana Silva)

(**) Vd. poste de 13 de Setembro de 2008 >Guiné 63/74 - P3202: Estórias avulsas (22): Missão Católica ou Missão Heróica? (José Nunes)

(***) Vd. poste de 11 de Novembro de 2006 > Guiné 63/74 - P1266: Estórias de Bissau (1): Cabrito pé de rocha, manga di sabe (Vitor Junqueira)

quinta-feira, 15 de janeiro de 2009

Guiné 63/74 - P3746: História da CCAÇ 2679 (12): O Carregamento e a RVFM (José Manuel Dinis)

1. Continuação da história da CCAÇ 2679.
Episódio enviado por José Manuel Dinis, ex-Fur Mil da CCAÇ 2679, Bajocunda, 1970/71, em mensagem de 10 de Janeiro de 2009

O Carregamento

A coluna saíu de Piche pela manhã cedo, embora o sol tropical, lá do alto, já emanasse o calor fustigante. A finalidade da deslocação a Nova Lamego era para proceder ao carregamento de munições para obus 14, destinado às peças de Canquelifá. Estrada fora, o Foxtrot escoltava o pelotão do Bart encarregado do carregamento e a cavalaria, com três viaturas, duas white e uma fox, reforçavam a segurança.
Ali chegados, o alferes do Bart constatou o grande volume das caixas para carregar e a dificuldade inerente, pois cada caixa pesava cerca de sessenta quilos. Assim, veio pedir ajuda, quer a nós, quer ao pessoal da cavalaria, e logo anuímos. Decidimos dividir o número de caixas pelos três grupos. Ao Foxtrot calhou carregar em segundo lugar, pelo que dei alguns minutos para quem quisesse ir à cervejinha. Afigurava-se tarefa difícil a transferência daquele material, exigindo vários elementos em cima das viaturas para recepção e acondicionamento, outros a transportar do armazém, dois homens para cada caixa, com esforço evidente.
Quando chegou a vez dos madeirenses, o pessoal já tinha tirado um plano e passaram à execução. Era impressionante a desenvoltura na manobra: dois homens elevavam uma caixa, que colocavam às costas de cada um dos que transportavam até à viatura, onde outros dois a recolhiam e arrumavam, tudo acompanhado com larachas e boa disposição. Comparado com o desempenho anterior, a malta parecia estar na brincadeira. Ao meu lado, alguns militares olhavam com surpresa. Num pequeno grupo, um major perguntou quem eram aqueles gajos.

- É o pessoal do Foxtrot, meu major - respondi com vaidade. Quis saber mais duas ou três coisitas a propósito do pessoal e respondi, causando alguma admiração.

Foi sempre um grupo fantástico, onde se cultivou a solidariedade e a boa disposição

RVFM

Regressava do mato às tantas da noite. No aquartelamento a escuridão casava com o silêncio da noite. Dirigia-me para o meu quarto, quando reparei haver luz no quarto que antecedia. Olhei, e no interior estava um furriel de transmissões do Bart dedicando-se a qualquer trabalho. Entrei, e quando o vi com um ferro de soldar, sobre uma tábua, a alinhar e a fazer ligações com pequenos transistores, que eu não sabia o que eram, perguntei-lhe, na paródia, se estava a fazer o T.P.C.
Sorriu e explicou-me que estava a fazer uma mesa de mistura. Arrebitei as orelhas. Qual era o interesse dele? Nada em particular, mas como tinha a profissão de sonoplasta na Emissora Nacional, deu-lhe para aquilo, sem qualquer objectivo. Perguntei-lhe de quantas entradas dispunha a misturadora, e se poderia ter aplicação prática. Concluímos que sim, poderia ter aproveitamento. Falámos sobre a E.N., já que eu era ouvinte da Rádio Universidade, transmitida por aquela estação.

- Então, e se fizéssemos uma emissora em Piche? - Perguntei-lhe.

Podia ser, utilizando um rádio militar como emissor, mas seria necessária uma licença, em conformidade com o que lei exigia.

- Licença? Interroguei-me. Se isso fosse imprescindivel, era melhor esquecer a ideia.
- Calma - disse ele - Se abafarmos a emissão, ninguém fora de Piche vai ter conhecimento da rádio.
- Porreiro, e como é que se abafa a emissão? - Voltei a perguntar.
- É simples - serenou-me - Recorremos a uma antena horizontal, com cerca de vinte metros, o comprimento do ediíficio, colocada a pouca distância do telhado, porque o zinco encarrega-se do abafanso.
- Porra, pá, sabes do assunto, referi admirado.
- Sim, mas não temos discos, nem prato, torna-se necessário comprar disso.

Pus-lhe à consideração, se o meu gravador e as minhas cassetes, não serviriam para fornecer a música, expliquei-lhe a minha ideia, de seleccionar a gravação e entrar com a voz durante a mudança de cassete ou emitir música, simplesmente.
Servia, claro, e podíamos tentar.

Ok, estava decidido, ele acabava de construir a mesa de mistura, a partir de uns transistores gamados dos rádios portáteis que lhe levavam a reparar. Rapidamente esboçámos uma programação simples, para emissões de uma ou duas horas, talvez a partir das vinte da noite, para entreter, especialmente o pessoal dos abrigos.

Assim nasceu a RVFM - a Rádio Voz do Furriel Miliciano, em homenagem ao construtor do equipamento, que funcionou com emissões irregulares e onde tive pouca participação, pois dormia metade das noites no mato e, pouco depois, saí de Piche por dois períodos, estive de férias em seguida e, no regresso, fui para Bajocunda, definitivamente.

O França

Alguns elementos do 2.º Pelotão - Foxtrot, de pé, da esquerda para a direita: Dinis, Abreu, Teresa e França. Em baixo: Lamarão (condutor), Rodrigues, Martins e Virgílio Sousa

João Baptista França de seu nome, foi um brioso militar. Oriundo do meio rural, onde exercera actividade no campo até à incorporação no BII-19. Foi um elemento de grande valia, sempre pronto para qualquer actividade, amigo dos amigos, com bastantes provas de solidariedade, destemido quanto baste, porque o arrojo deve ser controlado pelo bom senso.
Bem disposto e jovial, foi dos elementos que mais contribuíu para a coesão do Foxtrot, o Segundo Grupo de Combate, manifestando-se com orgulho relativamente ao colectivo.
Educado, disciplinado e voluntarioso, foi um camarada que grangeou a estima de todos os que o conheceram e com ele privaram.

JMMD
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Vd. último poste da série de 30 de Dezembro de 2008 > Guiné 63/74 - P3685: História da CCAÇ 2679 (11): Encontro imediato e estórias contemporâneas (José Manuel Dinis)

Guiné 63/74 - P3745: O Nosso Livro de Visitas (52): Fernando Cepa, ex/Fur Mil, CART 1689 (1967/69), natural de Esposende

1. Mensagem enviada por Luís Graça ao nosso camarada Fernando Cepa, ex-Fur Mil da CART 1689 (Catió, Cabedul, Gandembel e Canquelifá, 1967/69), em 7 de Janeiro de 2009:

Fernando Cepa:

Obrigado por me teres telefonado. Fiquei a saber que és de Esposende, que estás reformado, que estás ligado hoje a vários projectos sociais, que lês o nosso blogue com regularidade, que estiveste na Guiné, na CArt 1689, 1967/69 (a que também pertenceu o nosso amigo e camarada Alberto Branquinho, ele Alferes e tu Furriel, mas de outro pelotão), que estiveste na construção do aquartelamento de Gandembel… e que queres comprar e ler o livro A retirada de Guileje: a verdade dos factos, escrito pelo ex-comandante do COP 5, hoje Cor Art Ref Alexandre Coutinho e Lima, o homem que tomou a difícil decisão de retirar de Guideje, em 22 de Maio de 1973 (e que também faz parte do blogue Luís Graça & Camaradas da Guiné)…

Como te disse ao telefone, és bem vindo ao nosso blogue, podes e deves fazer parte da nossa Tabanca Grande e ficas desde já convidado a contar algumas das tuas histórias…

O livro do Coutinho e Lima terá que ser encomendado pessoalmente. Escreve (ou telefona para o autor):

Rua Tomás Figueiredo, nº. 2 - 2º. Esq.
1500 – 599 LISBOA
Telefone: 217608243
Telemóvel: 917931226

Email: icoutinholima@gmail.com

Com portes de correio, o livro (preço de capa: 20 €) deve custar entre 22 e 24 euros… Podes mandar um cheque ou mandar vir à cobrança.

Mais informação aqui: 14 de Dezembro de 2008 > Guiné 63/74 - P3618: A retirada de Guileje, por Coutinho e Lima (2): A festa ... e a solidão de há 35 anos (Luís Graça)

Um abraço do camarada
Luís Graça
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Nota de CV:

Vd. último poste da série de 15 de Janeiro de 2009 > Guiné 63/74 - P3742: O Nosso Livro de Visitas (51): Luís Socorro Almeida, ex-Alf Mil da CCAÇ 19, Guidage

Guiné 63/74 - P3744: A retirada de Guileje, por Coutinho e Lima (12): Spínola podia ter feito muito mais... (Rui Alexandrino Ferreira)


Quinta do Paul, Ortigosa, Monte Real, Leiria > 17 de Maio de 2008 > III Encontro Nacional da Nossa Tertúlia (*)> Dois homens de Guileje e membros da nossa Tabanca Grande: à direita, (i) o Cor Art Ref Coutinho e Lima, que acabou de lançar em 13 de Dezembro último o livro A retirada de Guileje: a verdade dos factos (Recorde-se que foi ele quem, então major e comandante do COP 5, tomou à revelia do Com-Chefe a decisão de retirar as NT e a população civil de Guileje, em 22 de Maio de 1973, sob a pressão das forças do PAIGC) ; e à sua esquerda, (ii) o ex-Fur Mil Op Esp José Casimiro Carvalho, da CCAV 8350 (aqui, na foto, agradecendo ao seu antigo comandante, em seu nome pessoal e da sua família, a decisão de abandonar Guileje, decisão essa que terá salvo a vida a muita gente) (*).

Foto: © Luís Graça & Camaradas da Guiné (2008). Direitos reservados.

1. Mensagem do Rui Ferreira, membro da nossa Tabanca Grande (**)

Assunto - Guiné e sempre a retirada do Guileje

Meu caro Luis

Não conheço pessoalmente nem o então major Coutinho e Lima nem o então piloto da Força Aérea Portuguesa António Martins de Matos (***). Não me move portanto nenhum interesse na causa, não estou ligado a nenhum deles, não me devem nada e idem, idem aspas, aspas, no que comigo se passa.

Li com toda a atenção o texto do segundo, que considero isento, corajoso, claro e totalmente em consonância com o que sempre pensei sobre o acontecimento. Discordando de muitas coisas e da forma de agir, prepotente e autoritária, do marechal Spínola, numa coisa infelizmente tenho de com ele concordar. Não se fez tudo quanto se podia para conservar o Guileje.

Não quero aqui fazer julgamento de tantos heróis anónimos, soldados de Portugal que comeram o pão que o Diabo amassou naquele recanto perdido no cu de Judas, como diria a gíria militar. E, se é bem verdade que a Guiné era um inferno e que por lá ficaram tantos jovens como nós eramos então, ainda que fosse só em memória de quantos se bateram e sacrificaram a própria vida na sua defesa bem merecia que se tivesse ou pelo menos se tentasse ter feito bem mais do que se fez.

Sem pretender ser belicista que nunca o fui, sem invocar as duas cruzes de guerra que ostento ao peito, sem invocar a Torre e Espada que me era devida por acumulação de condecorações por feitos em combate, sem lembrar que fui ferido nas duas comissões que cumpri na Guiné, considero que era imperioso que os oficiais, sobretudo os do Quadro Permanente, perante os soldados, filhos do povo que miseravelmente pagos e explorados serviam a Pátria, era imperioso, dizia, que, quem escolheu a carreira militar como forma de vida, livremente, no mínimo honrasse o Juramento que a ela fez. A meu ver não foi isso que aconteceu.

Mas conservo em mim a angústia que senti, o mal estar, o desconforto, uma certa dor de alma quando em Monte Real o Con Ref Coutinho e Lima pretendeu explicar o que se passou no abandono do Guilege. Não conseguiu minimamente cativar a plateia, nem despertou o interesse da maioria. A instalação sonora tambem pouco ajudou. E apesar do tema continuar a ser actual, como comprova a vasta publicação de novos depoimentos sobre a Guiné e [o número] cada vez maior de memórias de antigos combatentes, de visitas ao nosso blogue, de encontros de gente que se sente bem junto de quem estve consigo na guerra. E nada de novo nos prendeu a atenção.
Votos de longa vida para a nossa tertulia que é sempre uma companhia agradável.

Um grande abraço do

Rui Alexandrino Ferreira

2. Comentário do L.G.:

Meu caro Rui, não me compete fazer comentários aos teus comentários sobre o caso Guileje. Faço votos apenas para que o debate sobre Guileje e, no caso presente, sobre a versão dos acontecimentos feita por Coutinho e Lima no seu livro, continue a pautar-se pela correcção, objectividade e elegância com que estamos habituados no nosso blogue.

Quero apenas corroborar o que disseste sobre a intervenção do nosso camarada Coutinho e Lima, no III Encontro Nacional da Nossa Tertúlia, em Monte Real, em Maio passado: não foi, de facto, feliz, por um conjunto de circunstâncias adversas, a começar pela falta de condições acústicas da sala e da má instalação sonora...

A excitação da pessoal à mesa (cerca de 100 pessoas, que acabavam de se instalar) e o improviso do Coutinho e Lima também não ajudaram a passar a mensagem... Foi pena, sobretudo para ele, que há trinta e muitos anos não tinha a oportunidade de falar para um auditório, como aquele, composto de antigos combatentes da Guiné. Foi pena também para nós, que podíamos estar mais atentos e receptivos e mostrar um pouco de mais de simpatia por um militar português que esteve condenado ao silêncio durante metade de uma vida... De qualquer modo, todos nós aprendemos com os erros. Felizmente que há outros, bem mais graves.

PS - Rui: A triste história do Iero Embaló não está esquecida. Recebi o documento que me mandaste pelo correio. Como sabes, estive de férias no Natal e Ano Novo. Mas o caso vai apreciado pela nossa equipa editorial. Cuida de ti, também. Vê hoje na RTP 1, às 9.30h, a II Parte do filme-documentário As Duas Faces da Guerra. Guileje ocupa um parte substancial do documentário, com visita ao local e entrevistas a vários protagonistas de um lado e de outro, incluindo o Coutinho e Lima. Ontem passou a I parte.
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Notas de L.G.:

(*) Vd. poste de 18 de Maio de 2008 >
Guiné 63/74 - P2854: O nosso III Encontro Nacional, Monte Real, 17 de Maio de 2008 (1): Foi bonita a festa, Joaquim e Carlos: Obrigados!

(**) O Rui Alexandrino Ferreira é natural de Angola (Lubango, 1943) e vive em Viseu, terra que adaptou e onde tem muitos e bons amigos.
Fez o COM em Mafra em 1964. Tem duas comissões na Guiné, primeiro como Alferes Miliciano (CCAÇ 1420, Fulacunda, 1965/67) e depois como Capitão Miliciano (CCAÇ 18, Aldeia Formosa, 1970/72). Fez ainda uma comissão em Angola, como capitão. Publicou em 2000 a sua primeira obra literária, Rumo a Fulacunda (2ª ed, Palimage, Viseu, 2003).

É hoje coronel, na reforma.

(***) Vd. poste de 14 de Janeiro de 2009 >Guiné 63/74 - P3737: A retirada de Guileje, por Coutinho e Lima (11): Um erro de 'casting', o comandante do COP 5 (António Martins de Matos)

Guiné 63/74 - P3743: Estórias do Jorge Fontinha (3): O meu Grupo de Combate (Jorge Fontinha)


1. Mensagem de Jorge Fontinha, ex-Fur Mil Inf da CCAÇ 2791, (Bula e Teixeira Pinto, 1970/72), com data de 9 de Janeiro de 2009:

Caro Carlos Vinhal:

Tenho andado entretido a ler os Posts do Sampaio Faria que me fazem reviver melhor que as minhas próprias memórias. Todavia ocorreu-me hoje mandar uma outra Estória, esta a do meu Grupo de Combate, que enviarei em anexo deste Email. Será a 3.ª e será: "O MEU GRUPO DE COMBATE".

Tenho pena de não ter uma réplica do Crachá que eu próprio, na altura fiz. Mando no entanto uma fotografia em que ele está, ao lado do da Companhia, à entrada do então destacamento de MATO DINGAL.

A encabeçar a Estória gostaria que figurasse a foto militar e o Crachá da Companhia.

Um abraço para toda a Tertúlia.
Jorge Fontinha

O MEU GRUPO DE COMBATE

O meu Grupo de Combate, constituído já em Bula, é organizado inicialmente sem Oficial, tendo de começo, uma formação atípica de 3 furriéis. O Sampaio Faria, que o comandou de início, eu próprio, Jorge Fontinha e o também Furriel Antonino Chaves. Um mês passado, chega finalmente o Alferes Rua Gaspar, que o passaria a comandar até ao desembarque em Lisboa, tendo saído da composição, o Sampaio Faria que viria a integrar o 2.º Grupo, comandado pelo Alferes Carlos Barros.

Como furriel mais antigo, passo a substituir o Alferes, nas suas ausências, que diga-se de passagem era a maioria das vezes...

Foto 1 - Alferes Gaspar e Jorge Fontinha

Foto 2 - Furriéis Jorge Fontinha e Antonino Chaves

A minha secção era a 1.ª, a da frente, que desbravava caminho e levava os restantes, em bicha de pirilau, ao objectivo e por vezes até par o evitar!...

O meu desempenho nessas funções, chegou a ser famoso, ao ponto de quando saía mais que um Pelotão ou mesmo a Companhia completa, era sempre o meu que ia na frente. Na verdade, uma bússola um mapa e um rádio Banana, para além da G3, eram os meus instrumentos permanentes de trabalho.

Foto 3 - Da esq. para a dir: Alferes Gaspar, Soldado Mário Lobo, Furriel Fontinha, Soldado Sampaio (de pé) e Cabo Tony Pinho

Houve até quem me baptizasse de Inchalazinho!... Foi o Bom e grande amigo, Antonino Chaves. (Há trinta e seis anos que não o vejo, todavia sei onde está e com ele mantenho troca constante de Email's. O velho Obelix, que vive na sua ilha nos Açores!... Ainda contarei o contexto em que ele no auge da sua fúria contida, mas amiga e compreensiva o fez!... O esgotamento era tal e a minha persistência também... eu sei que ele compreendeu.

Inchalá, era o guia mais famoso, em toda a região de Bula e quase todos o pretendiam para servir de guia. Eu não o fazia e nem queria nenhum à minha frente. À minha frente eu só queria o Octávio Domingos, com a sua HK 21 e logo atrás de mim, o Azevedo, em 3.º na progressão.

Eram constantes as missões que nos foram confiadas, na primeira fase, da nossa permanência em Bula, tendo aí ocorrido o nosso baptismo de fogo, já descrito na minha primeira História publicada no Blogue, e igualmente ocorrido a primeira morte no Grupo e concretamente, na minha secção, o Celestino. Hoje não me disponho a contar os pormenores. Será para uma outra oportunidade. Honra à sua memória.

Ano Novo, vida nova. Nos primeiros dias de Janeiro, somos destacados da sede da Companhia e rumado para Teixeira Pinto, onde fomos postos à disposição do CAOP 1, Comandados na altura, pelo Sr. Coronel Rafael Durão.

Foto 4 - Na "Ponte" Alferes Nunes, entre Teixeira Pinto e Cacheu

Nesse período que decorreu até 25 de Maio, altura a que o resto da Companhia se veio juntar a nós, passamos a colaborar activamente com patrulhamentos, seguranças e emboscadas, no avanço e cadência de ritmo dos trabalhos da estrada Teixeira Pinto-Cacheu que é accionada pelo CAOP 1. Por outro lado, em parceria com Fuzileiros Especiais, Paraquedistas e Comandos, são efectuadas Operações de grande envergadura, sobretudo na Região de BURNÉ e na Península do BALANGUEREZ.

Foto 5 - Com o Enf. Silva, no Balanguerez

A vinda do resto da Companhia, sem o 3.º Grupo que entretanto havia sido deslocado para BISSUM, veio reforçar-nos no esforço de colaboração com as Tropas Especiais do CAOP. Nem por isso a nossa actividade viria a diminuir.

Entretanto, Bissau começou a ficar carente de protecção urbana e eis que a Companhia para lá foi, a fim de colaborar também, com guardas, escoltas, rondas, patrulhamentos, etc. Foi durante o mês de Agosto.

De regresso a Teixeira Pinto, voltamos à rotina anterior, que viria a estender-se até ao fim de Novembro.

Findo este período, a Companhia reagrupa-se finalmente em Bula, mas em missão diferente.

O meu Grupo de Combate, juntamente com alguns Cabos e Soldados Especialistas, foi para uma missão de Reordenamentos, aliás como a restante Companhia. A nós coube-nos o Destacamento de MATO DINGAL

Foto 6 - Entrada do destacamento de MATO DINGAL, com o Crachá da Companhia e o do 4.º Grupo de Combate (da minha autoria)

Aí fizemos de tudo. Construímos casas de tijolo, demos aulas às crianças, prestamos assistência medicamentosa à população local e com eles até assistimos à exibição de filmes, naturalmente e superiormente organizado pelo saudoso e grande amigo já não entre nós, do Furriel Fotocine que nos visitava com frequência

Foto 7 - Ensinando as crianças a fazer uma horta, nas traseiras da escola

Foto 8 - Dando aulas em Mato Dingal na escola local, por nós improvisada

Foto 9 - Festejando o Natal de 1971, com parte do Grupo de Combate, em Mato Dingal

Jamais esquecerei o Furriel Fotocine, Fernando Barradas. Paz à sua alma! Foi um grande Homem. As minhas homenagens. Já na altura era Jornalista de “O Comércio do Porto”. Nesta missão, os bravos soldados foram trolhas, carpinteiros, pedreiros, etc. O Alferes Gaspar, o Engenheiro, Arquitecto e Construtor Civil. O Furriel Antonino Chaves, o Vagomestre, o Ministro da Administração Interna, o homem do sistema… O Cabo Silva, o médico, o Enfermeiro, o parteiro e até o Furriel Chaves lhe serviu de assistente na sala… de Partos. Eu fui o professor, coadjuvado pelo Cabo Tony, o homem do Lança –Rockets! É evidente que a maioria das aulas foram dadas por ele. A esta missão, confesso que me baldei um pouco. Eu era mais, não um homem do sistema mas da guerra!...

De regresso a Bula, a Companhia reagrupa-se e prepara-se para os últimos meses de Comissão.

A partir de Julho de 1972 o Grupo de Combate, juntamente com a restante Companhia, retoma a missão original, Operações ao Choquemone, patrulhamentos ao redor da cidade de Bula, protecção aos grupos de desminagem, escoltas e outras acções de protecção à população civil.

Finalmente o regresso a Lisboa, no final do mês de Setembro

Foto 10 - Alferes Gaspar, Capitão Mamede Sousa, Furriéis Fontinha e Sampaio Faria, de frente e Furriéis Antonino Chaves e Madaleno, de costas

A festa da despedida.

Foto 11 - de pé Furriel Sampaio Faria, de bigode e sentado no banco: Furriel Jorge Fontinha. De braços abertos outro furriel do Batalhão cujo nome me não recordo

Foto 12 - Furriel Sampaio Faria, Furriel Mecânico Auto Santos Mealha, Furriel de outra companhia do Batalhão e Jorge Fontinha

Fotos : © Jorge Fontinha (2009). Direitos reservados [Legendas: JF]

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Nota de CV:

Vd. último poste da série de 8 de Setembro de 2008 > Guiné 63/74 - P3186: Estórias do Jorge Fontinha (2): Estrada de Teixeira Pinto-Cacheu (Jorge Fontinha)