Blogue coletivo, criado por Luís Graça. Objetivo: ajudar os antigos combatentes a reconstituir o "puzzle" da memória da guerra colonial/guerra do ultramar (e da Guiné, em particular). Iniciado em 2004, é a maior rede social na Net, em português, centrada na experiência pessoal de uma guerra. Como camaradas que são, tratam-se por tu, e gostam de dizer: "O Mundo é Pequeno e a nossa Tabanca... é Grande". Coeditores: C. Vinhal, E. Magalhães Ribeiro, V. Briote, J. Araújo.
quarta-feira, 23 de setembro de 2009
Guiné 63/74 - P4996: Controvérsias (35): O caso do Amílcar Ventura... Resistência ou colaboracionismo ? (Vitor Junqueira)
Amigos Luís Graça e Carlos Vinhal,
O Texto que se segue está pronto há uns dias. Pela falta de oportunidade, estive numa de manda-não-manda até que hoje constatei que, embora de forma indirecta, se voltava ao tema. Decidi-me e agora é convosco. Se houver necessidade de poda, força! Peço a vossa atenção para os itálicos que agora, também na qualidade de editor (**), sei que não passam para o blog!
Um especial abraço para vocês,
VJ
2. Colaboracionismo (***)
por Vitor Junqueiro
Pessoal amigo, desta e doutras guerras, bloggers militantes, gente de sentimentos e coração ao pé da boca... e na ponta dos dedos.
Cheguei há pouco da Pérola do Atlântico que não visitava havia já duas legislaturas – é a nova medida do tempo na região – e nesta volta, em que esquadrinhei montes e vales, concluí: O Homem é um génio! Não sei quem pagou ou vai pagar. Algum do nosso, certamente já escorregou, mas o que vi deixou-me de boca aberta e acreditem que com a minha idade, uma pessoa já não se deixa deslumbrar facilmente. Rendo-me, e apesar da minha simpatia pela bola com o A lá dentro, até estava capaz de lhe oferecer uma cruzita se soubesse que ele se adaptava ao clima do Contnente.
Boca aberta, nem sempre significa iminência de disparate. Assim o espero, ao meter a colherada numa polémica que tem assanhado ânimos e desencadeado fúrias literárias e à qual, por uma questão de princípio, não poderia ficar alheio.
Uma pessoa vira as costas e é no que dá. Palavras desembainhadas, G3 na rua, (e as bazucas?), pelotões de fuzilamento! Parece que os camaradas não ficaram fartos. (****)
Como quem não quer a coisa, lá veio o patrão tentar meter ordem na caserna (post 4953, excitação 45). E não é que o homem escreve bem e explica-se ainda melhor!? Nunca entenderei porque é que dizem aquilo das pessoas da Lourinhã! (*****) Eu até gostava de encontrar um pintelhinho que desse para aquecer (ainda mais…) o debate, já que é disso que o meu povo gosta. Mas não, aquilo vai ao encontro da minha própria visão sobre a matéria e portanto, o Luís disse e está dito. E no entanto...
Eu gosto muito de contos da carochinha. Até já escrevi alguns que passaram no blog. Mas por natureza, prefiro os do Lobo Mau. Gosto especialmente daquela cena em que o dentuças pergunta ao capuchinho o que faz abaixada à beira do rio.
- Então não vê que estou a lavar a minha c…, senhor lobo?
Ao que o malino responde confuso:
- Ai porra, agora é que chegaste para mim. Eu não conheço essa versão da história …!
Neste palco, têm sido contadas muitas histórias, com maior ou menor brilho consoante a arte do narrador. Algumas deixam-me tão confuso como o pobre lobo. Como esta tanga do gasoil, que pura e simplesmente nunca aconteceu por flagrante impossibilidade material. Ou se calhar o meu cerbo está a ficar cansadito, com diz a minha paciente D. Joaquina!
De facto, já tinha lido uma resma de comentários ao post do Vasco da Gama, e atendendo à qualidade dos comentadores, nem deveria atrever-me a abrir o bico. Pois atrevo, e ainda por cima para dizer, “basta de porrada no ceguinho, chiça!”.
Brincadeira e ironias à parte, até nem seria má ideia abrir um canal novo para falar dessa questão tabu chamada colaboracionismo. No caso de Angola e Moçambique, parece não restarem muitas dúvidas de que existiram ajudas que podem configurar efectiva colaboração com o IN. Cantineiros isolados no mato, missões religiosas, empresas do ramo agro-industrial (madeireiras), possivelmente transportadores, colaboraram. Com dinheiro, géneros, informações, oferecendo guarida, tratando feridos etc. Uns, tê-lo-ão feito por convicção. Outros, assertivamente, compraram o sossego pagando um tributo.
Até aqui, não há qualquer novidade. Quem esteve atento ao recente trabalho do Joaquim Furtado sobre a Guerra de África, teve oportunidade de ouvir contados na primeira pessoa, relatos de antigos colaboradores. E na Guiné, o que é que se sabe para além dos casos conhecidos de deserção para o lado do PAIGC e algumas bem urdidas fugas de informação?
Durante a minha comissão, ouvia-se dizer que aqui ou acolá actuariam agentes infiltrados do IN, outros comiam dos dois lados e alguns até tinham nome. Ao meu conhecimento nunca chegou qualquer confirmação. Põe-se então a questão de avaliar, quem o quiser fazer, se as cervejolas, os cigarritos e tantas, mas tantas outras tentativas de chegar à fala com a guerrilha da respectiva ZA [, Zona de Acção], através da oferta de roncos, consubstanciam alguma forma de colaboracionismo. Não, segundo o meu critério. Eu próprio, em determinada altura, dactilografei uma carta mais ou menos nestes termos:
"Caros camaradas do PAIGC, sabemos que a guerra nos proíbe de sermos amigos. No entanto, nada nos impede de fazer um intervalo na missão que nos foi atribuída de nos liquidarmos mutuamente. Por isso, aguardo que me façam saber se estão dispostos a participar numa futebolada com a nossa malta e com a garantia de total segurança para o vosso regresso etc. e tal, despedidas e assinatura".
A cartinha foi deixada num trilho muito batido, andou por lá meses e reapareceu espetada num galho com uma alfarroba por perto. O caso teve como testemunhas, o ex-capitão Cupido, oficiais e sargentos da CCaç 2753. (Se necessário envio lista com endereços e números de telefone).
Uma curta história, da qual nada se pode concluir quanto às diferentes formas que o colaboracionismo pode assumir, esta não terá sido uma delas. A mim, importa-me sobretudo frisar que se tivesse aparecido alguém para uns toques na bola, nem num pêlo lhes teríamos tocado! No dia seguinte, se os céus me facilitassem tal desígnio, ter-lhes-ia limpo o sebo com a maior das satisfações. No mato, de canhota na mão.
Agora, que me responda quem sabe: quantas guarnições isoladas e sem qualquer hipótese de defesa, não se aguentaram mercê de um fechar de olhos a certos intercâmbios que se operavam nas suas redondezas? E quantas destas, não foram poupadas pelo facto de o próprio IN ter interesse na sua permanência em determinadas áreas? Que parte da nossa logística foi parar às mãos do PAIGC?
Em qualquer destas situações, nada houve que possa confundir-se com actos de colaboracionismo formal ou informal. Falta-lhes um elemento caracterizador, o desejo ou a vontade de ver o IN consagrar-se militarmente vitorioso.
E porque é que somos como somos, na Guiné, nos Balcãs ou em Timor? Desconheço, mas tenho uma ideia! Esta é a maneira de ser do soldado português desde há séculos, espírito prático, adaptável, filho de um povo de brandos costumes que colonizou continentes com a Bíblia numa mão e a espada na outra. Se for preciso, matamos o nosso irmão mas não o odiamos.
Quem passou pela experiência de caçar algum elemento da guerrilha à unha ou assistiu à sua entrega voluntária, sabe do que estou a falar. Não desconheço Wiriamu ou as façanhas de um tal alferes R. em Angola ou certas formas de destruir o inimigo na Guiné, que a maioria de nós, ex-combatentes, jamais aprovaria. Mas esses casos foram a excepção que confirma a regra. Acho eu, ou estarei tótó de todo?
Retomando o caso do nosso camarada que disse o que disse a propósito do bidonzito de gasoil, estou convencido de que ele não é ceguinho e também não será tonto nem mentiroso. A sua inteligência até lhe permitiu entender que neste palco onde todos têm podido dizer o que lhes vai na alma, parece e sublinho o parece, existir uma matriz ideológica prevalecente, que sempre se manifestou contra a guerra. A decisão de defender pelas armas o que pelos vistos, não muitos, consideravam territórios portugueses do ultramar, tem sido aqui profusamente criticada.
Não raras vezes, essas críticas têm-se feito acompanhar de considerações enaltecendo a razão histórica e a superioridade moral da luta do PAIGC contra as forças de ocupação – nós! Foram publicadas dezenas (centenas?) de páginas glorificando as acções do IN ou pelo menos gabando-lhe tanto a estratégia como a astúcia. Defendeu-se até à exaustão a versão da derrota militar das FA portuguesas, implicando nesse desfecho a ineficiência do dispositivo militar, a impreparação dos comandos, a desmotivação generalizada das tropas que não reconheciam ao regime legitimidade para envolver o país numa guerra injusta, assassina e contra os ventos da história, etc., etc., etc.
Foi tal a torrente de documentação carreada para o debate – citações de personalidades de indiscutível peso na política nacional e internacional de então, textos retirados de diversos livros e outras publicações, documentos, transcrições de discursos, reportagens e entrevistas –, que eu próprio, embora continue a afirmar que o retrato não condiz minimamente com a paisagem no espaço e no tempo em que lá estive, só por uma unha negra não fiquei também (con)vencido … quanto ao vencimento dessa tese!
O que eu acho, e estou-me nas tintas se o mundo inteiro se está cagando para aquilo que eu acho, é que o camarada Amílcar, a quem envio um abraço de solidariedade tertuliana, apenas terá querido ir ao encontro do que julgava ser “politicamente correcto”. Alinhar com essa corrente de pensamento supostamente dominante no seio da Tabanca, exigiria algum tipo de ritual, uma espécie de prova de fogo sem a qual o nosso iniciado acha que não apresenta as necessárias credenciais para ser admitido pelo grupo dos mais vanguardistas. E vai daí, como não desertou, não passou informações ao IN nem sabotou coisa alguma, resolveu oferecer-lhes um bidon de combustível, que era o que tinha à mão. Se bem que, ajudar materialmente o outro lado até pode ter justificação, em caso de catástrofe humanitária, por exemplo. O que nunca poderia ser o caso.
Na sua (minha) perspectiva, dar uma mãozinha à rapaziada da outra banda, teria apenas o significado de estar muito avançado para o seu tempo, ter o sentido da premonição e antecipar que daí a pouco … dá cá um abraço pá, e agora somos todos camaradas e amigos.
Ora uma coisa é a análise que podemos fazer deste conturbado período da história e das nossas vidas no plano político-filosófico, se assim o quisermos. Questão bem diferente é a da coesão do sistema baseada no pragmatismo das relações entre indivíduos, nas lealdades de sangue ou de grupo, na sobrevivência da matilha, onde qualquer traição se paga caro. E nem toda a gente possui as armas para fazer essa destrinça, se me faço entender, limitando-se a ensaiar o salto teórico para o outro lado da barreira e esperar ser aceite. E foi o que aconteceu, tratou-se apenas um ensaio e nada mais.
Naturalmente, não quis nem teria competência para desmontar um processo mental complexo, ainda para mais, desconhecendo o substrato psicológico do visado. O que sei, e disso tenho obrigação, é que em determinadas circunstâncias, a nossa cachimónia prega-nos partidas, levando-nos a acreditar em quimeras.
Se esta é uma forma simplista de desvalorizar uma história que a ter fundamento, seria um acto muito grave só comparável à prática de espionagem a favor do inimigo, não deixa também de ser um apelo à razoabilidade e um lembrete acerca do perigo dos julgamentos serôdios.
E aqui volto à velha questão da legitimidade para aferir comportamentos passados correlacionados com matérias acerca das quais, a sociedade portuguesa continua tão profundamente dividida.
Quanto aos reparos, foram no mínimo oportunos, se não mesmo pedagógicos! Vão certamente ter o mérito de arrefecer certas derivas para a confabulação. A seriedade do Blog deve ser um valor para nós que o fazemos, e para os milhares que lá vão beber a informação de que necessitam. Assumir a possibilidade de a qualquer momento se ser confrontado com a crítica severa ou o contraditório, é um excelente estímulo para cultivar a objectividade, penso eu de que. Relativamente à explicação do Luís, achei-a fundamental para que todos percebam que determinadas matérias (textos), pela sua forma ou conteúdo, necessitam mesmo de nota prévia e da perguntinha à Fernando Mendes: Fica assim mesmo ou quer pensar melhor?
E agora venha a porrada!
Paletes de abraços,
V. Junqueira
PS (não é esse!)- Falei em histórias da carochinha e do lobo mau. Quis dizer que as aprecio imenso, mas de vez em quando necessitamos de um prato de substância capaz de provocar uma certa agitação das águas. Tenho reparado que são publicadas páginas e páginas de muito interesse, sem dúvida, mas que não suscitam uma singela observação. Já quando o tema é fracturante – está na moda, o fracturante! – logo aparecem os comentadores de serviço e os outros. Por isso, faço um apelo à querida cambada para que não se fique pelo comentarizito de postagem directa. Simples e curto, não é, malandragem?
[ Revisão / fixação de texto / bold a cor: L.G.]
2. Nota de L.G. enviada ao autor, no dia seguinte
Muy preciosa... a prosa. Fica a aboborar. Talvez saia mais logo ou sábado... Tenho tido pouco tempo esta semana, estou em júris de selecção de candidatos aos nossos cursos...
Vitor, fazes sempre muita falta cá na caserna... Dás pica e sabes temperar as tuas intervenções com um sentido de humor, muito especial, que eu aprecio de sobremaneira...
Só não concordo contigo quando dás a entender que há um main stream , uma corrente de fundo, na Tabanca Grande, pró-PAIGC... A maior parte dos textos que publicámos sobre o PAIGC até são de fontes nossas... Outros são documentos com interesse historiográfico (PAIGC Actualités, por ex.)... Pessoalmente gostaria de triangular a informação, como fazem os historiadores... Infelizmente são raros os depoimentos do outro lado... Ficaram de me arranjar histórias de vida de guerrilheiros... Espero um dia poder também inseri-las aqui, para serem objecto de análise crítica da nossa parte... como foi a história (mal contada, também concordo...) do Amílcar Ventura (Ele prometeu responder dentro de dias a algumas críticas, não fugiu...).
Aquele abraço. Luís
3. Resposta do Vitor:
Luís,
A tua apreciação sobre o meu trabalho é que é preciosa para mim. Estimulante e encorajadora.
Permite-me desfazer um equívoco de que serei, eventualmente, o primeiro responsável. No blog existe de facto um main stream anti-guerra e não pró-PAIGC. Uma coisa não tem forçosamente que ver com a outra. De outra forma o que é que eu estaria a fazer no seio desta tertúlia? Se ando por aqui, é porque me sinto confortável e muito bem acompanhado!
Abraço,
VJ
__________
Notas de L.G.:
(*) Vitor Junqueira, ex-alferes miliciano da CCAÇ 2753 - Os Barões (Madina Fula, Bironque, Saliquinhedim/K3, Mansabá , 1970/72), médico, residente em Pombal, membro da nossa Tabanca Grande, organizador do nosso II Encontro Nacional (Pombal, 2007).
(**) Referência ao seu blogue pessoal, "Kurt" - Amizade, Viagens, Aventura e muito mais!... ("O Blog onde se ligam amigos e companheiros de viagem para 'curtir' o que a vida tem de melhor. Porque só temos uma, há que aproveitá-la!"). Um blogue andarilho...onde também colabora o nosso Paulo Santiago, de Águeda.
(***) O colaboracionismo dos guineenses (que estiveram do nosso lado), foi já aqui - no Blogue, I Série - objecto de debate... vd. postes de:
27 de Maio de 2006 > Guiné 63/74 - DCCCVI: O colaboracionismo sempre teve uma paga (6) (João Parreira)
26 de Maio de 2006 > Guiné 63/74 - DCCC: O colaboracionismo sempre teve uma paga ( 5) (Carlos Vinhal)
26 de Maio de 2006 > Guiné 63/74 - DCCXCIX: O colaboracionismo sempre teve uma paga (4) (Pepito)
26 de Maio de 2006 > Guiné 63/74 - DCCXCVIII: O colaboracionismo sempre teve uma paga (3): Paulo Raposo
26 de Maio de 2006 > Guiné 63/74 - DCCXCVI: O colaboracionismo sempre teve uma paga (2) (Zé Teixeirq)
25 de Maio de 2006 > Guiné 63/74 - DCCXCV: O colaboracionismo sempre teve uma paga (1) (A. Marques Lopes)
(...) Notas de L.G.:
(...) Colaboracionismo: Actividade, comportamento, atitude ou interesse de colaboracionista, ou seja, de pessoa que colabora com ou apoia o inimigo que ocupa, total ou parcialmente, o território do seu país (Dicionário Houaiss da Lígua Portuguesa, 2002).
O termo fancês collaborationniste surgiu em 1940, na sequência da ocupação da França pelo exército alemão e a constituição do Governo de Vichy, presidido pelo Marechal Pétain (1851-1951), o herói de Verdun na I Guerra Mundial. Depois da libertação, Pétain foi condenado à morte por alta traição, sentença comutada em prisão perpétua. Houve outros governos colaboracionistas durante a II Guerra Mundial: Bélgica, Holanda, Noruega (com o famigerado Vidkun Quisling, abertamente favorável aos nazis), Croácia, Hungria bem como noutras partes da Europa de Leste...
Ao colaboracismo contrapõe-se a resistência: por exemplo, a resistência francesa, La Résistance (1940-1944) à ocupação nazi e ao regime de Vichy... Em Portugal, também se fala de Oposição ou Resistência à Ditadura (leia-se: Ditadura Militar, instaurada em 28 de Maio de 1926 e depois, a partir de 1933, Estado Novo, deposto em 25 de Abril de 1974).
(****) Vd. postes de:
15 de Setembro de 2009 >Guiné 63/74 - P4953: (Ex)citações (45): Resposta ao Mário Fitas: Luís, deixa sair de vez em quando as G3...(Luís Graça)
11 de Setembro de 2009 > Guiné 63/74 - P4939: Banalidades do Mondego (Vasco da Gama) (IV): A minha guerra foi outra, camarada Amílcar Ventura
11 de Setembro de 2009 > Guiné 63/74 - P4936: O segredo de... (6): Amílcar Ventura: a bomba de gasóleo do PAIGC em Bajocunda...
(****) Sobre este tópico, vd. A HISTÓRIA DA LOBA (excerto, com a devida vénia, de Papagovas > Página pessoal de Fernando Silva)
“Pensas que sou da Lourinhã???”
Eis uma expressão por muitos sobejamente conhecida, e que significa: “Julgas que sou estúpido?”, mas a maioria desconhece a sua origem.
No seu livro "A Extremadura Portuguesa”, Alberto Pimentel escreveu o seguinte:
"O Diccionario ’Popular, de Pinheiro Chagas, remata o seu ligeiro artigo sobre a Lourinhã, dizendo : 'Não sabemos qual a origem do proloquio vulgar, que faz com que se diga de um homem lorpa e que tudo ignora: Parece que veio da Lourinhã.' Este proloquio tem ainda outras modalidades, taes como : – E’ da Lourinhã! – Não se faça da Lourinhã! todas ellas batendo no mesmo sentido. E’ provavel que alguma anecdota explique a procedencia do proloquio, como synthese da boçalidade do camponez da Lourinhã. Ignoramol-a. Mas o que sabemos é que o povo d’este concelho conserva uma rudeza primitiva e aquella ignorancia tradicional que os saloios herdaram dos seus antepassados. Assim nos affirmam pessoas que de perto o conhecem."
Na década de 1930, Dona Amélia do Perdigão tinha, na sua quinta, um corpulento animalejo de raça canina que metia respeito e mantinha à distância quem ousasse aproximar-se do palacete ou do trem onde se fazia transportar.
Um dia o animal desapareceu da Quinta do Perdigão e a partir daí, deu muito que falar na região devido ás muitas histórias que sobre ele foram inventadas.
Uns chamavam-lhe LOBA, outros RAPOSA, e que esta devorava animais com as suas garras, dizimava rebanhos, coelhos, galinhas, matava vitelos, e havia quem dissesse que, no Vale Côvo (Conselho do Bombarral), chegou a matar um burro.
Formaram-se grupos populares, Milícias e até chegaram reforços Militares de Lisboa, com o intuito de abaterem a Loba. Chegou-se mesmo a pensar em evacuar a Vila, tal era o pânico da população.
Quando finalmente o animal foi abatido, verificou-se tratar-se “apenas” de uma cadela assustada e esfomeada.
Daí surgir a expressão: 'Pensas que sou da Lourinhã???', devido a este infeliz incidente. (...)".
Felizmente, meu caro Vitor, a minha terra deixou há 25 anos de ser a Terra da Loba, para se tornar a Capital dos Dinossauros... No Oeste estremenho, há outras terras que continuam a ser objecto de troça (ou até de insulto), por causa de anedotas históricas como esta... É o caso de Peniche ("Amigos de Peniche"...), de Rio Maior ("O Leão de Rio Maior")... Tu próprio fazes questão de sublinhar que és de Pombal, ou vives em Pombal (e não do Pombal, no Pombal)... Preciosismos literários ? De modo algum... É como os alentejanos de Cuba: não se vai a Cuba, vai-se à Cuba... Cada terra e cada povo tem a sua idiossincrasia... e as suas susceptibilidades...
Guiné 63/74 - P4995: Estórias do Fernando Chapouto (Fernando Silvério Chapouto) (5): As minhas memórias da Guiné 1965/67 – O meu Bura… ko em Banjara!
(Continuação)
9 de Setembro de 2009 > Guiné 63/74 - P4924: Estórias do Fernando Chapouto (Fernando Silvério Chapouto) (3): As minhas memórias da Guiné 1965/67 – Operação em Mansoa
14 de Setembro de 2009 > Guiné 63/74 - P4948: Estórias do Fernando Chapouto (Fernando Silvério Chapouto) (4): As minhas memórias da Guiné 1965/67 – Sector de Bafatá/Op. AURORA
terça-feira, 22 de setembro de 2009
Guiné 63/74 - P4994: Notas de leitura (23): "Memórias de um guerreiro colonial", de José Talhadas - Parte I (Beja Santos)
Saúde e prosperidade para todos.
Levei as memórias do sargento Talhadas para férias e não estou nada arrependido. Afinal, ainda há muito a esperar da memória da geração combatente.
Dividi os elementos desta recensão em vários textos, para evitar ser mais enfadonho do que é usual.
Um abraço do
Mário
Um guerreiro colonial na primeira pessoa do singular
Beja Santos
Chama-se José da Conceição Gomes Talhadas, é Sargento-mor Fuzileiro Especial, tem uma folha de serviços invejável, desde condecorações a louvores.
Em Abril de 1964, com apenas 17 anos, pediu para ser incorporado na Marinha. Pediu uma especialidade, deram-lhe outra, a de fuzileiro. Foi primeiro para a Angola, fez duas comissões na Guiné-Bissau e com o 25 de Abril foi novamente destacado para a Angola onde viu os prelúdios da Guerra Civil. Resolveu passar todas as suas recordações a escrito, e o mínimo que se pode dizer do seu registo é que se trata de um relato de referência obrigatória para o conhecimento do papel dos fuzileiros em Angola e na Guiné-Bissau. Acresce que nas duas comissões que prestou na Guiné-Bissau profere considerações altamente polémicas que certamente merecerão aos estudiosos um exame muito atento para o conhecimento do moral das forças do Exército (Memórias de um guerreiro colonial, José Talhadas, Âncora Editora, 2009).
Uma questão prévia é posta pelo editor com todo o destaque. A colecção ora encetada com as memórias do sargento Talhadas têm o objectivo de dar voz aos que, tendo algo para contar, se refugiaram sempre na dificuldade de expor, de escrever, ou de serem pessoas “sem importância” em tudo o que se passou. Esta nova colecção acolherá todos aqueles que queiram dar a sua versão, a sua visão, e que tantas vezes não houve a coragem de as pôr por escrito. É este o desafio que eventualmente a Âncora Editora lança a todos nós.
O sargento Talhadas participou de uma forma activa na Guerra Colonial durante cerca de dez anos. O seu depoimento é de um homem que não quer esconder nos ideais que acreditou, assumindo-os com convicção. Toda a sua prosa espelha o sentido da disciplina e uma elevada consideração pela hierarquia militar. Começou por ser conhecido pelo Baixa da Banheira ou o 22, o que se prende com as suas origens humildes de que ele tanto se orgulha. Nascido em Moura, em 1947, veio com os pais para a Baixa da Banheira, era na cintura industrial de Lisboa que os pais buscaram melhores condições de vida. Depois da quarta classe, tinha o mundo do trabalho à sua espera: aprendiz de balcão numa loja de venda de tecidos, depois ajudante electricista, mais tarde operário corticeiro, por fim empregado de escritório em Alfama. Depois sonhou ir para a Marinha tirar um curso de electricista ou radarista. Mas o médico na inspecção foi bem claro: “Esse dá um bom fuzileiro”. Seguiu para a Escola de Fuzileiros de Vale do Zebro, feita a recruta tirou o curso geral de fuzileiro e depois foi convidado para o curso de fuzileiro especial. Aos 17 anos foi mobilizado para a Angola, onde esteve de 1965 a 1967, mobilizado para um destacamento de fuzileiros especiais. Regressa a Portugal e dois meses depois junta-se a outro destacamento de fuzileiros especiais embarcando para a Guiné onde esteve desde finais de 1967 a Outubro de 1969. Nos finais de 1969 volta à Guiné de onde regressou em Dezembro de 1971. Com quase 24 anos é um combatente veterano. Depois do 25 de Abril regressa à Angola com uma missão especial: fazer a entrega aos guerrilheiros dos postos ao longo do rio Zaire.
O sargento Talhadas manifesta (e escreve repetidamente) que na sua ideia de nação, Portugal ia do Minho a Timor. Quando chega a Luanda, em 1965, como simples grumete, deslumbra-se, descobre o camarão e a lagosta, os bordéis, a ânsia de viver o mundo. Mas descobre também a camaradagem e o fascínio da mata, na região dos Dembos. O seu relato é tocante pela simplicidade, o verdor e a brutalidade das experiências da morte, a dor dos feridos e dos mortos. Sentiu sensações dúbias no Zaire, entre o deslumbramento e a decepção.
O registo das memórias torna-se mais intenso, viril e doloroso na primeira comissão da Guiné onde, diz ele, se tornou um guerreiro colonial. Foi na Guiné que adquiriu a capacidade de respeitar os guerrilheiros que lutavam sem desfalecimentos e enfrentando o inimigo sem virar a cara. A adaptação não foi fácil, nada se comparava a Luanda, em Bissau ouviam-se perfeitamente as armas do PAIGC. A primeira operação foi na região de Tombali. Não a esqueceu, tal a impressão que lhe deixou, um inferno de metralha e tiros, gritos lancinantes, ordens que não conseguia perceber, a fúria de um envolvimento, e o primeiro morto, o Escritas, o grumete que tinha a especialidade de escriturário e que foi atingido com um tiro na testa. Abandonado o local, avançou-se em ciclo, um truque para despistar o inimigo. Seguiram depois para o rio Cacheu, para a base de Ganturé. Nunca se esqueceu de quartéis constituídos por improvisadas habitações e a real falta de controlo da fronteira por parte das tropas portuguesas. A missão dos fuzileiros era fazer patrulhamentos de bote diários no rio Cacheu. Era a partir daqui que se faziam operações em locais tão ásperos como Sambuiá, Cumbamory ou Morés. As operações em Canjaja Mandinga revelaram-se um êxito: é apanhado um comandante, o PAIGC sofre mortos, os fuzileiros foram obrigados a retirar, seguiu-se a desforra, que foi brutal.
Em certos momentos, o sargento Talhadas deplora a falta de qualidade do comando, mas depois contém-se, era um militar altamente disciplinado, aprovou e promoveu as virtudes da estrutura hierarquizada. Em Bissau, no desfastio do guerreiro, os fuzileiros envolvem-se à porrada com civis, logo a seguir vem a guerra, novas patrulhas no rio Sambuiá, de vez em quando as minas matavam ou feriam gravemente os fuzileiros. “Ganturé era um campo de arame farpado, encostado ao rio Cacheu. Do outro lado do rio, a 100 metros, mais metros, menos metro, estendia-se uma extensa zona que ficava em permanência à mercê da guerrilha. Quando se saía desse quartel pela via fluvial, a primeira preocupação era estar atento ao que podia surgir da margem sul. E dela surgiu fogachal muitas vezes”. A vida em Ganturé era feita de muita tensão, dali se partia para o interior das matas, à procura dos santuários do PAIGC. É nestas operações que o sargento Talhadas é considerado um herói. Naquela guerra, diz ele, o que contava eram os guerrilheiros mortos e as armas capturadas. Chega o Natal, ele aí revive a camaradagem e recorda todos aqueles que viveram essa época em quartéis e acampamentos. São sempre os seus camaradas que ele recorda com carinho e saudade em todas as passagens do Natal.
Em finais de 1967, surge a ameaça de infiltração de guerrilha nos arredores de Bissau, os fuzileiros recebem a missão de patrulhar o rio Mansoa. Surgem novas refregas, o sargento Talhadas descobre a população que dramaticamente tem que conviver com a presença do inimigo e com a vigilância das tropas portuguesas. E deixa uma nota emotiva de um desses desenlaces dramáticos:
“De todos os episódios que me ficaram desse combate, houve um momento marcante que ainda hoje me persegue como tragédia de guerra: o choro convulsivo de um miúdo dos seus 4 anos, completamente assarapantado no meio de rebentamentos, tiros e gritos.
Já tinha atravessado o curso de água, os tiros a convergirem para a posição onde nos encontrávamos, quando me apercebi da criança, acanhada, desorientada, apanicada, gritando junto à água. Mexeu-me com os nervos e, não estive com meias medidas, corri e consegui retirá-lo da linha de fogo e meti-o detrás de um tronco, que também me abrigou.
Chorou, chorou, mesmo depois do tiroteio terminado. Procurei acalmá-lo, fiz-lhe festas, falei-lhe suavemente. Nada teve efeito. Lembrei-me então de lhe dar de beber da água do meu cantil. Sofregamente, empanturrou-se de água e, remédio santo, apaziguou-se.
Desliguei-me dele... nunca mais vi o miúdo, mas a sua recordação perdurou todos estes anos”
(Continua)
__________
Nota de CV:
(*) Vd. poste de 7 de Setembro de 2009 > Guiné 63/74 - P4913: Notas de leitura (22): Gilberto Freyre na Guiné, em 1951 (Beja Santos)
Guiné 63/74 - P4993: Memória dos lugares (44): Cuntima, na fronteira com o Senegal (Ex-1º Cabo Vitor Silva, CART 3331, 1970/72)
Guiné > Zona Leste > Cuntima > CART 3331 (1970/72) > "Todas as manhãs bem cedo Cuntima tinha visitantes do Senegal. Uns para fazerem comércio, outros para partir mantenhas com familiares e amigos e muitos outros para serem assistidos no Posto de Socorros pelo Médico e Enfermeiros da Companhia. Estas duas bajudas senegalesas prestaram-se para a fotografia à distância conveniente, da máquina e dos militares".
Guiné > Zona Leste > Cuntima > CART 3331 (1970/72) > "Posto avançado nº 9. Estive lá de serviço no dia 31 de maio de 1971, no que foi considerado o maior flagelamento IN a Cuntima. As tropas do IN vieram mesmo ao arame farpado".
Guiné > Zona Leste > Cuntima > CART 3331 (1970/72) >"Um dos três obuses que existiam em Cuntima".
Guiné > Zona Leste > Cuntima > CART 3331 (1970/72) >"Vista panorâmica de Cuntima. Uma povoação com gentes de várias origens (não faltavam os comerciantes libaneses e os gilas)".
Guiné > Zona Leste > Cuntima > CART 3331 (1970/72) >"Cuntima: Reservatórios de água, as duas professoras ao fundo e a casa do agente da PIDE/DGS"
Guiné > Zona Leste > Cuntima > CART 3331 (1970/72) > Instalações civis ocupadas pela tropa.
Guiné > Zona Leste > Cuntima > CART 3331 (1970/72) > À hora do rancho...
Fotos e legendas: © Vitor Silva (2008). Direitos reservados.
Breve historial da CART 3331 (Os Tigres de Cuntima, Cuntima, 1970/72):
(i) Mobilizada pelo RAP 2 (Vila Nova de Gaia), chega à Guiné a 19 de Dezembro de 1970;
(ii) No dia 21 de Dezembro embarcou na LDG Alfange com destino ao Centro de Instrução Militar de Bolama, para treino de adaptação ao mato e 2ª parte da Instrução de Aperfeiçoamento Operacional (IAO);
(iii) A 25 de Janeiro de 1971, de novo na Alfange, ruma para Farim onde chegou no dia 28 de Janeiro;
(iv) Em Farim participa em algumas acções no mato e na estrada Farim-Jumbembem.
(v) A 20 de Fevereiro, desloca-se em coluna-auto, rumo a Cuntima, dependente do BCAÇ 2879, onde vai render a CCAÇ 14;
(vi) A ZA do subsector de Cuntima era extenso: delimitada a Norte, numa extensão de aproximadamente 30 km, pela República do Senegal, a Este pelo rio Corlá (Sare Dambé Badoral, Sitató, Sinchã Fogã e Sare Tombom), pela bolanha de Sinchã Massa e a Sul pela bolanha de Sinchã Massa e bolanha do rio Norobanta e pelo marco 107
(vii) Na sua maioria a população era de etnia Fula, de religião muçulmana; havia uma pequena minoria Mandinga;
(viii) As acções do IN não irradiavam sempre do Senegal, pelo tradicional corredor de Sitató;
(ix) As acções contra as NT manifestavam-se especialmente por ataques ou flagelações ao aquartelamento, implantação de minas na estrada Farim-Cuntima e, esporadicamente às colunas de reabastecimentos;
(x)Havia duas unidades de quadrícula no Sector, a CART 3331 e a CCAÇ 2547, ambas instaladas em Cuntima. Para além da ocupação e defesa do Sector, a sua missão princiapl era evitar a infiltração do IN para dentro do TO da Guiné;
(xi) A CART 3331 regressou, num avião dos TAM à Metrópole no dia 25 de Novembro de 1972, com orgulho do dever cumprido;
(xii) Teve três comandantes: Cap Mil Art Manuel Sena Boleo, Cap Inf Máriop José Fernandes Jorge Rodrigues, e Cap Mil Art Armando Pimenta Cristóvão.
Letra da canção Soldado:
Partiu num qualquer navio,
Numa leva de soldados,
Ia calado e sombrio
Entre prantos desolados.
Sabia o itinerário
E o rumo antecipado,
Mas ignorava o fadário
Que lhe estava reservado.
Desembarcou na Guiné,
Em manhã enevoada,
E sentiu, ao pôr do pé
Naquela terra molhada,
Que o destino o lançava
Rumo ao desconhecido,
Sem uma ideia formada,
Numa guerra sem sentido.
Fio destacado p’ró mato,
Lá p’ra terra de Cuntima,
Tinha a fronteira a um passo
E os guerrilheiros em cima.
Sofreu ataques cerrados,
Abafou medo em trincheira,
Sentiu os dias contados,
Viu a hora derradeira.
Fez desumanas picadas,
Padeceu de sede e fome,
Viu cair em emboscadas
Camaradas de uniforme.
Chupou água na bolanha,
Rebolou-se em pó ardente,
Deixou sangue em terra estranha,
Veio-se embora doente!
E depois de tal fadário
Deram-lhe o golpe final:
- Chamaram-lhe Mercenário,
Soldado colonial.
Versos enviados pelo Vitor Silva
Revisão de texto: L.G.
Autor desconhecido,
presumivelmente um militar da CART 3331 (Cuntima, 1970/72).
[Fotos seleccionadas e reeditadas por L.G.; enviadas em Maio de 2007, num lote de 27] (*)
____________
Nota de L.G.:
(*) Vd. postes de:
17 de Março de 2008 > Guiné 63/74 - P2657: Cuntima nos tempos da CART 3331 (1970/72) (Vítor Silva)
6 de Novembro de 2007 > Guiné 63/74 - P2245: Cancioneiro de Cuntima (Vitor Silva, CART 3331, 1970/72)
Guiné 63/74 - P4992: Ser solidário (37): Carta Aberta em prol dos ex-combatentes sem abrigo do Concelho de Odivelas (José Martins)
Carta Aberta
Exm.º Sr. Presidente da Liga dos Combatentes
Exm.ª Sr.ª Presidente da Câmara Municipal de Odivelas
Meu General e Exm.ª Sr.ª Presidente
Permito-me remeter, a V. Exªs. a presente Carta Aberta, no sentido de, pela sua divulgação, congregar à volta da ideia que proponho, o maior conhecimento assim como o envolvimento do maior número de cidadãos e, logicamente, de antigos combatentes.
Com o passar do tempo, a cidade de Odivelas tem vindo a albergar, cada vez mais, um crescente número de habitantes que, naturalmente, incluiu naturais do município ou outros cidadãos que, como o meu caso pessoal, escolheram fixar residência no concelho.
Obviamente que me dirijo, concretamente:
No caso da Liga, ao meu General, na sua qualidade de Presidente do Centro de Estudos, dos Centros de Apoio Médico, Psicológico e Social (CAMPS) e do Centro de Apoio à Inclusão Social (CAIS).
No caso da Câmara, por o caso em presença existir dentro do concelho de Odivelas.
Tivemos conhecimento dos sem-abrigo, cujo caso pretendemos abordar, através de uma peça jornalística do Jornal de Odivelas, já há algum tempo, situação que apenas evoluiu com a mudança de local do acampamento, mas manteve, na prática, a mesma localização: o cruzamento da Avenida D. Dinis com a Rua Dr. Manuel Gomes Coelho, em Odivelas [assinalado no mapa junto como local sem abrigo], junto do Centro Comercial Oceano.
Vista parcial de Odivelas – Foto Google
© Foto do Autor (12/9/09)
No texto do jornal citado, informavam que os mesmos não falavam, não desenvolvendo se por deficiência (auditiva e/ou oral), se por vontade própria, se desinteresse pela vida, se por outras causas. Mesmo sabendo dessa hipótese, arriscamos e aproximando-nos de um que se encontrava sentado na encherga, saudamo-lo e questionamos:
P - Posso fazer-lhe uma pergunta?
R – Se quiser…
P – Foi combatente do Ultramar?
R – Na Guiné.
P – Qual era a sua Companhia?
R – Cavalaria 7.
P – Onde esteve?
R – Bissau… Bafatá…
P – Não se lembra da sua unidade?
R – Nunca devia ter ido para lá!
Pelo teor da conversa acima reproduzida, verificamos que as respostas eram rápidas e, após esta frase, a única obtida nesta breve conversa, voltou ao seu mutismo, baixando a cabeça e curvando o corpo sobre si mesmo, voltando à posição em que estava quando o interpelamos.
Temos aqui um ex-combatente da Guiné, que vegeta na companhia do seu irmão gémeo, vive na rua, num amontoado de peças velhas a servir de residência, abrigado pelas varandas dos prédios, encostados à montra de uma casa comercial que ostenta, como mote na publicidade, 24 horas a servir com conforto.
© Foto do Autor (12/9/09)
É um camarada de armas, que com alguns de nós, unidos num único esforço colectivo, secando as lágrimas e contendo gritos de raiva, servimos a Pátria num local que nos era desconhecido e que nos era adverso, e do qual, muitos de nós, só sabiam o que tínhamos aprendido na escola primária, e para muitos, a única escola que tinham conhecido.
Com os breves dados recolhidos, não pudemos obter, quer por via directa quer por pesquisa documental, qualquer informação do seu passado militar.
Mas, observando o mapa já referido (quase no canto superior esquerdo), está indicado uma casa que tem a indicação palacete.
O referido palacete fica à distância de cerca de 250 metros do local onde se encontram os ex-combatentes/sem abrigo. Pesquisando na página da Internet da Câmara Municipal Odivelas, encontramos uma breve descrição desse palacete que nos permitimos reproduzir, ainda que a informação peque por desactualizada:
Foto do Site da Câmara Municipal de Odivelas
http://www.blogger.com/www.cm.odivelas.pt/Concelho/Locaisinteresse/PalaceteSecXIII
Localizado em Odivelas, este palacete urbano foi construído no século XVIII. De arquitectura barroca e neoclássica, constitui-se como um espaço de lazer e de ligação à natureza, com um logradouro e fontes tipicamente de estilo barroco.
No interior, encontram-se pinturas neoclássicas, onde predominam motivos pompeianos, característicos do séc. XIX, altura em que o palacete vê remodelado o seu interior. Encontramos igualmente, uma certa elegância dos frisos de folhas e flores, laçarias e medalhões.
É imóvel de Valor Concelhio, pelo Dec. n.º 2/96.
Actualmente é um lar para idosas, pertencente à Associação das antigas alunas de Odivelas.
Localização: Rua Dr. Alexandre Braga, n.ºs 6 e 6 A, Odivelas
Consultamos, também, a obra da Dr.ª Maria Máxima Vaz “O CONCELHO DE ODIVELAS – Memória de um Povo” (Edição do Município de Odivelas), no capítulo Quintas de Odivelas ficando a saber que a casa a que nos referimos fica situada na antiga Quinta do Espírito Santo. Porém, numa outra obra e referida pela Dr.ª Máxima Vaz, da autoria do Dr. João Maria Bravo, aquele casarão é indicado como o local onde fixou residência o seu trisavô Manuel Maria Bravo, em 1852, quando este se retirou dos negócios. A propriedade deste edifício em 1959, já liberto da quinta em que estava incluída pela construção imobiliária, mas mantendo os jardins, pertencia a um particular, Sr. Manuel Henriques, que pretendia vendê-la.
Foto do Site da Câmara Municipal de Odivelas (Jardim nas traseiras do palacete)
Qual a relação entre os sem abrigo e o palacete? Muito simples!
Ao ler o texto do site da Câmara de Odivelas, constatamos que é um imóvel de interesse concelhio, desde o início de 1996 (Decreto n.º 2/96). Ou seja: há que manter o edifício em bom estado de conservação e com utilidade para o concelho, para a cidade e para os cidadãos.,
© Foto do Autor (12/9/2009) – Edifício em degradação.
Não conhecemos o imóvel no seu interior, mas pela visita ao site acima referido, é uma casa senhorial, como era hábito à data sua construção.
Assim, e tendo em conta a utilização que lhe foi dada num passado recente, consideramos que seria de criar um grupo de trabalho, incluindo representantes da Câmara Municipal de Odivelas e da Liga dos Combatentes, com o objectivo da assinatura de uma parceria, no sentido de iniciar a afectação do edifício, cada vez mais degradado pela sua paralisação e desocupação, a um uso comunitário, começando por recuperar o piso térreo e os jardins, criando um centro para reunião e apoio social a antigos combatentes que, naturalmente como noutras localidades, são bastantes e com idade cada vez mais avançada, dando-lhes um local onde, inclusivamente, poderiam desfrutar dum serviço de refeições económicas, em consonância com os seus rendimentos, e, desta forma, alterar hábitos sedentários que, com a chegada da reforma, foram confrontados.
© Foto do Autor (12/9/2009) – Edifício em degradação.
© Foto do Autor (12/9/2009) – Edifício em degradação.
Numa segunda fase, recuperar-se-iam os pisos superiores, com vista a criar condições para a instalação de alojamento, temporário e/ou permanente, para os que chegam à Idade de Ouro, incorporando esta ideia na Liga Solidária.
Neste objectivo poderão/deverão ser incorporados pessoas singulares e colectivas, bastando que, para o efeito, a obra fosse considerada abrangida pela Lei do Mecenato e/ou Benefícios Fiscais, não só no que concerne a doações monetárias, em materiais ou em mão de obra, necessárias à realização da ideia.
E porque não instalar, simultaneamente, uma delegação do Núcleo de Lisboa da Liga dos Combatentes? Seria, também, uma homenagem a João Ramires, companheiro de armas de D. Afonso Henriques na tomada de Lisboa em 1147, que incluiu os termos (territórios limítrofes) de Lisboa, onde se situava e situa Odivelas, pelo que deve ser considerado, com toda a justiça, o Primeiro Combatente de Odivelas. Foi, também, o Prelado da Paróquia de Odivelas, tendo falecido em 13 de Fevereiro de 1183.
Também seria uma homenagem a todos os combatentes, que ao longo da nossa história, ou daqui partiram para o combate, ou nesta terra se albergaram após terem cumprido a sua missão patriótica.
Também poderia ser pensada, e executada, a colocação de um monumento em homenagem a todos os Odivelenses que, ao longo da história deste país, trocando as suas alfaias de trabalho por uma arma, acorreram ao chamamento da Pátria, ignorando todas as canseiras, penas e sacrifícios, que tal facto lhes acarretaria.
© Foto do Autor (17/10/2008) – Loures – Pormenor do monumento aos Mortos da Grande Guerra.
E, porque sempre existiu um elo de ligação com a cidade de Loures, onde se encontra um dos mais belos monumentos ao sacrifícios dos nossos avós – combatentes e mortos da I Grande Guerra – porque não unir esforços com esse município, tornando ainda mais viável a obra que aqui, humildemente, sugiro.
E não poderia terminar esta já longa carta, sem lançar um repto a todos os camaradas combatentes que trabalham e residem nesta zona (Odivelas/Loures), para que unamos esforços no sentido de, para no caso desta ideia ser acolhida pelas entidades a quem prioritariamente se destina a carta aberta, proporcionarmos a quem precisa um local onde, calmamente, possa desfrutar de tranquilidade de espírito e a companhia de camaradas e amigos.
De V. Exªs.
Atenciosamente
José Marcelino Martins
Ex-combatente da Guiné
josesmmartins@sapo.pt
__________
Notas de CV:
(*) Vd. poste de 8 de Setembro de 2009 > Guiné 63/74 - P4922: Blogoterapia (125): No dia dos meus anos, brindei à amizade e à camaradagem forjadas em tempo de guerra (José Martins)
Vd. último poste da série de 28 de Agosto de 2009 < Guiné 63/74 - P4873: Ser solidário (36): Assoc. Humanitária Memórias e Gentes reconhecida como ONG desde 26 de Junho de 2009 (José Moreira)
Guiné 63/74 - P4991: FAP (34): A heli-evacuação do malogrado Cap Cav Luís Rei Vilar em 18/2/1970 (Jorge Félix)
Reprodução da caderneta de voo do ex-Alf Mil Pil Heli Al III, Jorge Félix, do mês de Fevereiro de 1970: no dia 18, fez um transporte de evacução (TEVS) da zona operacional (ZOPS) de Susana, para Bissau (BS) ... TEVS -BS - ZOPS - SUSANA - BS, com 4 aterragens...
1. Mensagem de Jorge Félix, com data de 17 de Setembro:
Caro Luís, como vai a nossa malta ?
Tenho andado um pouco afastado, assuntos relacionados com o meu Pai, Senhor com 90 anos...
Passei os olhos por o nosso Blog e li o P4962 (*). Não estou com jeito para narrativas.
Junto uma foto da minha caderneta de voo do dia 18 de Fevereiro de 1970 onde consta uma evacuação á Zops de Susana. Foi há 39 anos ....
Se achares conveniente envia ao Miguel Vilar a imagem que te enviei. Estou sem jeito para contar seja o que for.
Um abraço Jorge Félix
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Nota de L.G.:
(*) Vd. poste de 16 de Setembro de 2009 > Guiné 63/74 - P4962: In Memoriam (31): Cap Cav Luís Rei Vilar, meu irmão e meu herói (Miguel Vilar)
Guiné 63/74 - P4990: Agenda Cultural (28): 20 de Outubro de 2009 - Dia do Veterano de Guerra em Aljubarrota/Alcobaça (José Eduardo Oliveira)
1. O nosso Camarada José Eduardo Reis de Oliveira (JERO), foi Fur Mil da CCAÇ 675 (Binta, 1964/65), enviou-nos o programa e um convite para o Dia do Veterano de Guerra em Aljubarrota/Alcobaça, que vai decorrer em Aljubarrota e Alcobaça em 20 de Outubro de 2009:
A.P.V.G. - Uma pouca de história da Delegação de Alcobaça