1. Mensagem de José Manuel M. Dinis, ex-Fur Mil da CCAÇ 2679, Bajocunda, 1970/71, com data de 22 de Setembro de 2009:
Caríssimo Carlos,
Anexo um extracto da "História da Unidade", respeitante ao mês de Setembro de 1970, portanto, sem qualquer cunho pessoal ou interpretativo, ao contrário dos escritos anteriores. Parece-me que, para valorização desta narrativa, vou passar a intercalar os meus textos com a transcrição da história oficializada da 2679. Isto, independentemente de outros camaradas virem a terreiro contar as suas experiências nos diferentes particulares da permanência no CTIG. Mas não só histórias, também outros conhecimentos, que podem referir-se à instrumentação agrícola, ou ao conjunto de orientações do Alcorão contidos na tábua sagrada, usos, costumes e mézinhas, principalmente fulas, étnia predominante nas regiões por onde andámos. A ver se eles aparecem, porque alguns vêm o blogue.
Um grande abraço para ti e para a Tabanca.
Da História da Unidade da CCAÇ 2679
Situação geral durante o mês de Setembro - 70
Durante o mês de Setembro processaram-se modificações sensíveis no quadro dos efectivos das forças estacionadas em Bajocunda.
- A 1.ª Companhia de Comandos Africanos que reforçava a zona regressa no dia 13 deste mês a FÁ MANDINGA.
- A CART 2438 que a Companhia rendeu no Sub-sector segue no dia 21 para Bissau a fim de embarcar para a Metrópole, por ter chegado o termo da sua comissão.
- Chegou a Bajocunda vindo de Piche, 02 GrCombate da CCAV 2747 que ficam na situação de reforço temporário à Companhia.
- O dispositivo no dia 30 era o seguinte:
- Comando e 02 GrComb. ... Bajocunda
- 01 GrComb ... Copá
- 01 GrComb .... Tabassi
- 9.º Pel Art ... Bajocunda
- Pel Caç Nat 65 ... Copá
- Pel Mil 269 ... Amedalai
- 02 GrComb da CCAV 2747 ... Bajocunda
Prossegue a intensa actividade operacional no Sub-sector.
A Companhia pica diariamente o itinerário Bajocunda/Pirada.
O Pel Caç Nat 65 reforça temporariamente Tabassi até 16SET70, inclusive, véspera da sua ida para Copá, a fim de render o GrComb da CArt 2438.
Tal como no mês anterior a actividade do IN foi muito reduzida, resumindo-se a uma flagelação sobre o Destacamento de Copá, sem quaisquer danos às NT ou à população.
Devido às intensas chuvas caídas o trânsito auto faz-se com muita dificuldade em todos os itinerários, fazendo com que a Companhia fique isolada durante alguns meses em consequência das cheias dos rios BIDIGOR e MAEL JAUBÉ, tendo às vezes de se fazer o reabastecimento de Pirada para Bajocunda por meio de barcos pneumáticos.
O péssimo estado dos itinerários (e só como tal são considerados os que a carta assinala como estradas) provoca elevados danos nas viaturas auto.
Ao péssimo estado que atingiram as estradas percorridas pelas viaturas, consequência das chuvas acrescido da contínua falta de sobessalentes auto, resultou numa situação muito delicada, quanto a viaturas auto operacionais.
A população entrega-se, no período, a actividade intensa no sector agricola.
As NT prosseguiram a sua actividade normal de patrulhamentos da área sob a sua responsabilidade e de contacto com a população.
De salientar ainda o reforço da Companhia na melhoria das suas instalações a fim de proporcionar um mínimo de conforto e bem-estar ao pessoal. Isto é de salientar por ser feito nos intervalos da actividade operacional, com o pessoal bastante cansado.
Seguem-se resumos de actividade diária em que a Companhia esteve envolvida, destacando-se 21 patrulhamentos nas regiões de Bajocunda e Copá.
Meu comentário:
Quanto à referência às más condições em que se encontrava o parque auto, deve ter-se em conta que a Companhia aceitou-as no mau estado em que se encontravam, presas por pontas, como soi dizer-se, em negociata de bastidores, num porreirismo cúmplice com a Companhia rendida. Desta atitude resultaram, de facto, muitas dificuldades para a actividade operacional. Seria bonito, no entanto, confrontar os consumos constantes dos mapas de gestão, com o número de viaturas disponíveis e os quilómetros percorridos. Mas, obviamente, esta análise não é passível de se fazer agora. O que se verificou em todo o resto da comissão, foi um sufoco no número e qualidade de viaturas disponíveis, sendo frequente o recurso a viaturas emprestadas. De certeza, porém, como já referi anteriormente, foram os operacionais que correram riscos inusitados, amontoando-se, frequentemente, um grupo de combate em uma ou duas viaturas, por vezes com taipais, que para além de incómodas, representavam um passaporte para a outra vida, em deslocações diárias pelas picadas, com os riscos decorrentes de minas ou emboscadas.
Nunca o comando da Companhia manifestou qualquer sensibilidade para o problema, e nunca foi apurado o quantitativo do nagócio associado. Sabia-se, porém, que por diversas vezes o Furriel MAR era confrontado com exigências e ameaças punitivas, absolutamente insensatas, provenientes daquelas cabecinhas pensadoras, destituídas dos mínimos conceitos éticos e de responsabilidade.
Deste quadro deriva, na minha interpretação, um primeiro grande alheamento do General ComChefe, que não soube, ou não quis saber, criar e implementar eficazes equipas de inspecção ao material circulante, aos depósitos de géneros e material de guerra, às instalações de cozinhas e refeitórios, dotando-as de auditores que garantissem uma rigorosa distribuição da despesa, bem como mínimos de qualidade de vida aceitáveis. Porque em muitos casos o pessoal ficava à mercê dos abutres das dotações financeiras. E isso aconteceu até ao fim da comissão na 2679.
Quanto à movimentação de pessoal, reza assim:
Durante o mês de Setembro - 70
Abates ao efectivo:
- 1.º Cabo NM 07137969 - ANTÓNIO LUDGERO RODRIGUES CRÓ (Foxtrot)
Abatido ao efectivo desde 03SET70 data em que foi evacuado para o HNDIC, por motivo de doença, ficando na situação de Além do Quadro, (QOIEM) até decisão da Junta Hospitalar.
- Soldado At NM 04019569 - ANTÓNIO EVANGELINO RODRIGUES AGUIAR
Abatido ao efectivo desde 30SET70, data em que faleceu por motivo de doença.
__________
Nota de CV:
Vd. último poste da série de 16 de Setembro de 2009 > Guiné 63/74 - P4966: História da CCAÇ 2679 (26): Passeio fronteiriço e, A GMC e o coelho na coluna ao Gabú (José Manuel M. Dinis)
Blogue coletivo, criado por Luís Graça. Objetivo: ajudar os antigos combatentes a reconstituir o "puzzle" da memória da guerra colonial/guerra do ultramar (e da Guiné, em particular). Iniciado em 2004, é a maior rede social na Net, em português, centrada na experiência pessoal de uma guerra. Como camaradas que são, tratam-se por tu, e gostam de dizer: "O Mundo é Pequeno e a nossa Tabanca... é Grande". Coeditores: C. Vinhal, E. Magalhães Ribeiro, V. Briote, J. Araújo.
sexta-feira, 25 de setembro de 2009
Guiné 63/74 - P5011: Notas de leitura (24): "Memórias de um guerreiro colonial", de José Talhadas - Parte II (Beja Santos)
1. Mensagem de Mário Beja Santos (*), ex-Alf Mil, Comandante do Pel Caç Nat 52, Missirá e Bambadinca, 1968/70, com data de 23 de Setembro de 2009:
Caríssimo Carlos,
Vejo que és tu que comandas as operações no navio almirante.
Aqui te envio o segundo texto da recensão do sargento Talhadas, o terceiro e último ainda seguirá esta semana.
Um abraço do
Mário
Memórias de um guerreiro colonial (2)
Beja Santos
Namoro, aerogramas, Teixeira Pinto e Buba
Em meados de 1969, o sargento Talhadas recebe o prémio “Governador da Guiné” (irá recebê-lo novamente em 1971), veio passar férias a Portugal e conheceu a sua futura mulher na Baixa da Banheira. Passou aqui dois meses, a namorar com a “conversada”, na coboiada com os camaradas, com um carro a caminho da sucata fazia ralis na Avenida da Praia, no Barreiro. Sentiu-se espicaçado para uma nova estada em África, em Janeiro de 1970 embarcou rumo à Guiné.
Para esta sua terceira comissão o navio de embarque de tropas destinado foi um petroleiro da Marinha de Guerra, o seu destino era um novo destacamento de fuzileiros especiais. Não haveria a tensão de despedida no cais da doca de Alcântara, acontece que o petroleiro “gripou” no Mar da Palha, acabaram por sair no cais de Alcântara.
O sargento Talhadas tem agora à mão o registo dos acontecimentos, os aerogramas enviados à “conversada”: “Encontro-me numa cidadezinha que tem por nome Teixeira Pinto. Tem o estatuto de cidade, mas para te ser franco é muito mais pequena que a Baixa da Banheira”. O PAIGC aumentara a sua influência na região, estabelecera bases na área do Churo, actuando com ataques a quartéis e emboscadas a colunas de viaturas numa faixa de terreno entre Teixeira Pinto, Bachile e Cacheu. A “tropa macaca” (as unidades do Exército), segundo ele, fazia a quadrícula, e a operacional tinha a grande participação de pára-quedistas, fuzileiros e comandos: as tropas “normais” ficavam cada vez mais agarradas aos quartéis, as unidades guerrilheiras só recuavam depois dos enfrentamentos com as tropas de elite portuguesas. Escreve textualmente: “As tropas especiais em território guineense agigantaram-se naquela ocasião e ainda mais nos anos subsequentes, quando a desmoralização no interior dos quartéis começava a ser evidente. Foram elas que romperam cercos, acorreram rapidamente a auxiliar e repelir tentativas de tomadas de unidades nas áreas fronteiriças, que impuseram respeito ao desafio crescente da guerrilha que se expandia e solidificava um pouco por toda a parte”. Incansável nas suas convicções, relembra-nos que estava ali para defender a Pátria, arriscava tudo em sua defesa. E escreve para a Baixa da Banheira: “Eu não estou aqui por gostar de matar. Disse-te que gostava disto, é verdade. Sou um tipo que sempre gostou da aventura. Mas não como tu compreendes-te. Eu não gosto de matar. Se o tenho feito é para não acabarem comigo. Ainda sabes o que é a guerra... Ainda na última missão, tivemos vários contactos com inimigo, em todos lhe causámos baixas. Em todos eles estive na primeira linha. Vi dois colegas serem feridos. Inclusive fui projectado para o ar com o rebentamento de uma bazucada. Se essa granada tivesse explodido uns metros mais à frente, talvez já não existisse. Agora diz-me: tenho, ou não tenho, razão? Mata-se ou morre-se, é assim a guerra”.
Em Teixeira Pinto havia sido criado um Comando de Agrupamento de Tropas, Spínola apostava fortemente no desgaste interno do PAIGC. Durante meses, centenas e centenas de soldados das tropas especiais e do Exército movimentaram-se por Churo, Coboiana, Pelundo, Jol, Jolmete. Vai relatando todos estes confrontos, não sem deixar o reparo que as forças do PAIGC retiravam e, semanas mais tarde, refaziam os seus acampamentos. A população era a grande sofredora, sempre intimidada, intranquila, por vezes famélica.
Depois, partem para a região de Buba, onde o aquartelamento era bombardeado com regularidade. Foram recebidos com júbilo pelos camaradas do Exército, encontrou mesmo um colega da escola da Baixa da Banheira. Nessa altura reconstruía-se e alargava-se a estrada para a Aldeia Formosa, tudo um tormento diário, desminavam-se as picadas de manhã à noite voltavam a ser semeadas minas. Os fuzileiros começam a fazer emboscadas nocturnas e vão interceptando as deslocações dos guerrilheiros: “Regressámos a Bissau um mês depois. O quartel de Buba esteve em relativo sossego mais uns tempos, mas assim que o PAIGC detectou que os fuzileiros já não voltavam, iniciou, novamente, a pressão quase diária. Outros destacamentos, meses depois, tiveram de zarpar para lá. A guerra estava a evoluir, com a introdução de nova tecnologia. Tinham chegado os foguetões Katiucha”.
O regresso ao Cacheu
Metidos a bordo de uma lancha de desembarque grande seguiram para a base de Ganturé, onde viveram dois meses de monotonia mas também de intensa preparação para as novas actividades operacionais. Os fuzileiros deslocavam-se em botes de borracha Zebro, saíam em equipas que se rendiam em pleno rio, na vã tentativa de dissuadir a movimentação dos guerrilheiros. Os ataques com artilharia do PAIGC aos aquartelamentos da zona militar eram constantes e até rotineiros. É nessa altura que se dá um grande ataque ao aquartelamento de Bigene em que os guerrilheiros avançaram para o arame farpado, foram os fuzileiros que levaram a força do PAIGC a recuar. A “nomadização” passara a ser feita pelas tropas especiais, substituindo a acção da tropa de quadrícula que “na prática, não saía, em actos ofensivos, do seu quartel ou do seu perímetro exterior”. Por vezes, as tropas especiais infiltravam-se em território senegalês, como em Nénecó ou Cumbamory. Em Cumbamory deu-se uma refrega violenta, as tropas do PAIGC deram uma resistência enorme, como habitualmente a guerrilha retirava e depois regressava. E foi assim que decidiu uma nova operação à reconstruída base de Cumbamory. Apanharam-se 10 toneladas de armas. Mas as forças locais do PAIGC ripostaram, chegou a temer-se o corpo a corpo, os T-6 lançaram bombas, os fuzileiros retiraram para Bigene. O sargento Talhadas regista que as duas batalhas de Cumbamory em que interveio colocaram frente a frente, na prática, unidades de guerra clássica, quase de trincheiras. Mas não deixa de referir que nessa altura ainda se fazia sentir a supremacia da frota aérea.
O destacamento de fuzileiros, nesta sua segunda comissão da Guiné, está completo com a chegada dos jovens grumetes, a unidade tornou-se numa unidade de guerra. Regista que o COP 3 entre Abril de 1970 e Janeiro de 1971 conheceu quatro comandantes efectivos e, pelo menos, um interino: “Quase todos eles tiveram comportamento negativo no que diz respeito à competência de liderança e gestão de homens, alguns deles altamente treinados, o que, naturalmente, se reflectiu no planeamento operacional e que só não trouxe um desgarramento na estrutura e no enquadramento prático no terreno porque as principais unidades tinham um alto espírito de disciplina e actuação”. O sargento Talhadas insiste que eram os fuzileiros as únicas unidades de toda a zona operacional a efectuar acções ofensivas, garantindo as tropas do Exército apenas a defesa dos quartéis. Nesta óptica, o PAIGC movimentava-se em crescendo por todo o território do COP 3, deslocava os seus foguetões, dispondo de uma capacidade de retirada imediata: “A guerra estava a entrar numa fase de maior sofisticação em termos de tecnologia. E tal não acontecia do nosso lado”.
(Continua)
__________
Nota de CV:
Vd. poste de 22 de Setembro de 2009 > Guiné 63/74 - P4994: Notas de leitura (23): "Memórias de um guerreiro colonial", de José Talhadas - Parte I (Beja Santos)
Caríssimo Carlos,
Vejo que és tu que comandas as operações no navio almirante.
Aqui te envio o segundo texto da recensão do sargento Talhadas, o terceiro e último ainda seguirá esta semana.
Um abraço do
Mário
Memórias de um guerreiro colonial (2)
Beja Santos
Namoro, aerogramas, Teixeira Pinto e Buba
Em meados de 1969, o sargento Talhadas recebe o prémio “Governador da Guiné” (irá recebê-lo novamente em 1971), veio passar férias a Portugal e conheceu a sua futura mulher na Baixa da Banheira. Passou aqui dois meses, a namorar com a “conversada”, na coboiada com os camaradas, com um carro a caminho da sucata fazia ralis na Avenida da Praia, no Barreiro. Sentiu-se espicaçado para uma nova estada em África, em Janeiro de 1970 embarcou rumo à Guiné.
Para esta sua terceira comissão o navio de embarque de tropas destinado foi um petroleiro da Marinha de Guerra, o seu destino era um novo destacamento de fuzileiros especiais. Não haveria a tensão de despedida no cais da doca de Alcântara, acontece que o petroleiro “gripou” no Mar da Palha, acabaram por sair no cais de Alcântara.
O sargento Talhadas tem agora à mão o registo dos acontecimentos, os aerogramas enviados à “conversada”: “Encontro-me numa cidadezinha que tem por nome Teixeira Pinto. Tem o estatuto de cidade, mas para te ser franco é muito mais pequena que a Baixa da Banheira”. O PAIGC aumentara a sua influência na região, estabelecera bases na área do Churo, actuando com ataques a quartéis e emboscadas a colunas de viaturas numa faixa de terreno entre Teixeira Pinto, Bachile e Cacheu. A “tropa macaca” (as unidades do Exército), segundo ele, fazia a quadrícula, e a operacional tinha a grande participação de pára-quedistas, fuzileiros e comandos: as tropas “normais” ficavam cada vez mais agarradas aos quartéis, as unidades guerrilheiras só recuavam depois dos enfrentamentos com as tropas de elite portuguesas. Escreve textualmente: “As tropas especiais em território guineense agigantaram-se naquela ocasião e ainda mais nos anos subsequentes, quando a desmoralização no interior dos quartéis começava a ser evidente. Foram elas que romperam cercos, acorreram rapidamente a auxiliar e repelir tentativas de tomadas de unidades nas áreas fronteiriças, que impuseram respeito ao desafio crescente da guerrilha que se expandia e solidificava um pouco por toda a parte”. Incansável nas suas convicções, relembra-nos que estava ali para defender a Pátria, arriscava tudo em sua defesa. E escreve para a Baixa da Banheira: “Eu não estou aqui por gostar de matar. Disse-te que gostava disto, é verdade. Sou um tipo que sempre gostou da aventura. Mas não como tu compreendes-te. Eu não gosto de matar. Se o tenho feito é para não acabarem comigo. Ainda sabes o que é a guerra... Ainda na última missão, tivemos vários contactos com inimigo, em todos lhe causámos baixas. Em todos eles estive na primeira linha. Vi dois colegas serem feridos. Inclusive fui projectado para o ar com o rebentamento de uma bazucada. Se essa granada tivesse explodido uns metros mais à frente, talvez já não existisse. Agora diz-me: tenho, ou não tenho, razão? Mata-se ou morre-se, é assim a guerra”.
Em Teixeira Pinto havia sido criado um Comando de Agrupamento de Tropas, Spínola apostava fortemente no desgaste interno do PAIGC. Durante meses, centenas e centenas de soldados das tropas especiais e do Exército movimentaram-se por Churo, Coboiana, Pelundo, Jol, Jolmete. Vai relatando todos estes confrontos, não sem deixar o reparo que as forças do PAIGC retiravam e, semanas mais tarde, refaziam os seus acampamentos. A população era a grande sofredora, sempre intimidada, intranquila, por vezes famélica.
Depois, partem para a região de Buba, onde o aquartelamento era bombardeado com regularidade. Foram recebidos com júbilo pelos camaradas do Exército, encontrou mesmo um colega da escola da Baixa da Banheira. Nessa altura reconstruía-se e alargava-se a estrada para a Aldeia Formosa, tudo um tormento diário, desminavam-se as picadas de manhã à noite voltavam a ser semeadas minas. Os fuzileiros começam a fazer emboscadas nocturnas e vão interceptando as deslocações dos guerrilheiros: “Regressámos a Bissau um mês depois. O quartel de Buba esteve em relativo sossego mais uns tempos, mas assim que o PAIGC detectou que os fuzileiros já não voltavam, iniciou, novamente, a pressão quase diária. Outros destacamentos, meses depois, tiveram de zarpar para lá. A guerra estava a evoluir, com a introdução de nova tecnologia. Tinham chegado os foguetões Katiucha”.
O regresso ao Cacheu
Metidos a bordo de uma lancha de desembarque grande seguiram para a base de Ganturé, onde viveram dois meses de monotonia mas também de intensa preparação para as novas actividades operacionais. Os fuzileiros deslocavam-se em botes de borracha Zebro, saíam em equipas que se rendiam em pleno rio, na vã tentativa de dissuadir a movimentação dos guerrilheiros. Os ataques com artilharia do PAIGC aos aquartelamentos da zona militar eram constantes e até rotineiros. É nessa altura que se dá um grande ataque ao aquartelamento de Bigene em que os guerrilheiros avançaram para o arame farpado, foram os fuzileiros que levaram a força do PAIGC a recuar. A “nomadização” passara a ser feita pelas tropas especiais, substituindo a acção da tropa de quadrícula que “na prática, não saía, em actos ofensivos, do seu quartel ou do seu perímetro exterior”. Por vezes, as tropas especiais infiltravam-se em território senegalês, como em Nénecó ou Cumbamory. Em Cumbamory deu-se uma refrega violenta, as tropas do PAIGC deram uma resistência enorme, como habitualmente a guerrilha retirava e depois regressava. E foi assim que decidiu uma nova operação à reconstruída base de Cumbamory. Apanharam-se 10 toneladas de armas. Mas as forças locais do PAIGC ripostaram, chegou a temer-se o corpo a corpo, os T-6 lançaram bombas, os fuzileiros retiraram para Bigene. O sargento Talhadas regista que as duas batalhas de Cumbamory em que interveio colocaram frente a frente, na prática, unidades de guerra clássica, quase de trincheiras. Mas não deixa de referir que nessa altura ainda se fazia sentir a supremacia da frota aérea.
O destacamento de fuzileiros, nesta sua segunda comissão da Guiné, está completo com a chegada dos jovens grumetes, a unidade tornou-se numa unidade de guerra. Regista que o COP 3 entre Abril de 1970 e Janeiro de 1971 conheceu quatro comandantes efectivos e, pelo menos, um interino: “Quase todos eles tiveram comportamento negativo no que diz respeito à competência de liderança e gestão de homens, alguns deles altamente treinados, o que, naturalmente, se reflectiu no planeamento operacional e que só não trouxe um desgarramento na estrutura e no enquadramento prático no terreno porque as principais unidades tinham um alto espírito de disciplina e actuação”. O sargento Talhadas insiste que eram os fuzileiros as únicas unidades de toda a zona operacional a efectuar acções ofensivas, garantindo as tropas do Exército apenas a defesa dos quartéis. Nesta óptica, o PAIGC movimentava-se em crescendo por todo o território do COP 3, deslocava os seus foguetões, dispondo de uma capacidade de retirada imediata: “A guerra estava a entrar numa fase de maior sofisticação em termos de tecnologia. E tal não acontecia do nosso lado”.
(Continua)
__________
Nota de CV:
Vd. poste de 22 de Setembro de 2009 > Guiné 63/74 - P4994: Notas de leitura (23): "Memórias de um guerreiro colonial", de José Talhadas - Parte I (Beja Santos)
Guiné 63/74 - P5010: Efemérides (25): Boé, 24 de Setembro de 1973, memórias de L. Mussatov, diplomata russo (Nelson Herbert / José Milhazes, Lusa)
Imagem de Amílcar Cabral (1924-1973), o líder histórico do PAIGC que a morte, uns meses antes, não permitiu estar presente na cerimómia da Proclamação da Independência da Guiné-Bissau,na região do Boé, em 24 de Setembro de 1973, em local ainda hoje objecto de controvérsia (*). Foto (editada) da revista PAIGC Actualités, nº 54, Outubro de 1973, edição dedicada à proclamação (unilateral) da independência da Guiné-Bissau . Portugal viria a reconhecer a nova república apenas um ano depois, em 24 de Setembro de 1974 (**).
Imagem: © Magalhães Ribeiro / Luís Graça & Camaradas da Guiné (2008). Direitos reservados.
1. Do nosso amigo guineense Nelsom Herbert (n. 1962, Bissau), licenciado em Comunicação Social pela FCSH/UNL, jornalista, da secção portuguesa da Voz da América / VOA, e membro da nossa Tabanca Grande desde Março de 2008 (***)
Achei interessante...
Mantenhas
Nelson Herbert
Journalist-Editor / Editor e Jornalista
Voice of America / Voz da América
Washington, DC, USA
2. Guiné-Bissau: Entrega de credenciais diplomáticas em plena selva
Número de Documento: 10152535
Moscovo, Rússia 24/09/2009 09:23 (LUSA)
Temas: História, Política, Diplomacia, Guerrilha, Conflitos (geral)
*** José Milhazes, da Agência Lusa ***
Moscovo, 24 Set (Lusa) - Quando a União Soviética reconheceu a independência da Guiné-Bissau, declarada há precisamente 36 anos, Moscovo quis estabelecer relações diplomáticas com o novo país, mas, como a capital, Bissau, estava sob controlo português, a cerimónia realizou-se no mato.
Em 24 Setembro de 1973, a direcção do PAIGC declarou a independência da Guiné-Bissau nos territórios sob o seu controlo, acto que foi reconhecido por mais de 80 Estados até ao início de 1974.
Alguns deles - Argélia, Roménia, Jugoslávia, Guiné-Conacri e União Soviética - decidiram estabelecer relações diplomáticas ao nível de embaixadas.
Leonid Mussatov, então embaixador soviético em Conacri, foi nomeado representante por inerência na Guiné-Bissau, tendo sido encarregado de entregar as credenciais diplomáticas a Luís Cabral, Presidente do Conselho de Estado do novo país.
"Em Maio de 1974, recebi um convite do Governo da Guiné-Bissau para estar no dia 09 de Maio na cidade de Boké (Guiné-Conacri) a fim de ir para uma das regiões libertadas do país (...) Juntamente com os embaixadores da Argélia, Roménia, Guiné e Jugoslávia, cheguei a Boké na manhã de 09 de Maio", escreve Mussatov nas suas memórias "Viagens Africanas", publicadas em Moscovo.
A viagem rumo aos territórios libertados do PAIGC foi feita de noite por questões de segurança.
"Visto que a cidade de Boké se encontra a 60 km da fronteira, fomos até à Guiné-Bissau em camiões protegidos por soldados e comandantes guineenses. Eu ia num carro com o vice-ministro da Defesa da Guiné-Bissau, Pedro Pires [actual Presidente de Cabo Verde]", recorda o diplomata soviético.
"Entre as três e as cinco horas da manhã de 10 de Maio", continua Mussatov, "descansámos em tendas num acampamento militar e, depois, cansados, infiltrámo-nos no território da Guiné-Bissau", descrevendo "ruínas de aldeias guineenses queimadas pelos portugueses".
"Finalmente, às 10 horas, chegámos à residência do Presidente, constituída por vários "palacetes", cabanas no interior da selva. Fomos instalados no "hotel dos embaixadores", cabana construída de ramos e folhas de palmeiras e de outras árvores e anunciaram-nos que a entrega de credenciais começaria às 12.30", recorda o embaixador.
"De súbito", relata ainda o diplomata, "às 11 horas, no céu apareceram dois aviões militares portugueses e, depois de alarme aéreo, fomos obrigados a escondermo-nos. Felizmente, os aviões, depois de darem várias voltas por cima da selva, afastaram-se".
Leonid Mussatov lembra que, no regresso a Conacri, no dia seguinte, soube que a "Voz da América" tinha noticiado esta expedição diplomática. "A espionagem americana e os seus agentes na Guiné seguiram atentamente a nossa viagem e, pelos vistos, juntamente com os portugueses, tentaram assustar-nos", prossegue Mussatov.
Regressado a Conacri, o embaixador soviético seguiu depois para Moscovo para apresentar informação sobre a cooperação com a Guiné-Bissau, tendo mostrado aos membros do Colégio do MNE fotos daquela cerimónia pouco comum.
"O primeiro vice-ministro V.V.Kuznetsov declarou então: 'É o primeiro caso na História da Diplomacia em que embaixadores entregam credenciais não num palácio, mas na selva da guerrilha'", lembra Mussatov.
Lusa/fim
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Notas de L.G.:
(*) Vd. postes de:
18 de Fevereiro de 2009 > Guiné 63/74 - P3911: Dossiê Madina do Boé e o 24 de Setembro (1): Em 1995, confirmaram-me que o local da cerimónia foi mais a sul (Miguel Pessoa)
20 de Fevereiro de 2009 > Guiné 63/74 - P3920: Dossiê Madina do Boé e o 24 de Setembro (2): Opção inicial, uma tabanca algures no sul, segundo Luís Cabral (Nelson Herbert)
(**) Vd. postes de:
2 de Fevereiro de 2009 >Guiné 63/74 - P3828: PAIGC Actualités (Magalhães Ribeiro) (1): O nº 54, Outubro de 1973, dedicado à proclamação da independência: pp. 1-2
5 de Fevereiro de 2009 > Guiné 63/74 - P3846: PAIGC Actualités (Magalhães Ribeiro) (2): O nº 54, Outubro de 1973, dedicado à proclamação da independência: pp. 3-4
10 de Fevereiro de 2009 > Guiné 63/74 - P3864: PAIGC Actualités (Magalhães Ribeiro) (3): O nº 54, Outubro de 1973, dedicado à proclamação da independência: pp. 5-6
17 de Fevereiro de 2009 > Guiné 64/74 - P3905: PAIGC Actualités (Magalhães Ribeiro) (4): O nº 54, Outubro de 1973, dedicado à proclamação da independência: pp. 7-8
(***) Vd. poste de 16 de Março de 2008 > Guiné 63/74 - P2652: Guineenses da diáspora (3): Nelson Herbert, o nosso Correspondente nos EUA (Virgínio Briote)
Guiné 63/74 – P5009: Efemérides (24): Em 24 de Setembro, Independência de jure da Guiné-Bissau (Osvaldo Colaço - CCAÇ 3566)
1. Mensagem do nosso Camarada Osvaldo Colaço Pimenta, ex-Fur Mil Inf da CCAÇ 3566, Empada e Catió, 1973/74, com data de 24 de Setembro de 2009:
24 de Setembro, data da independência de jure da Guiné-Bissau.
Capa do panfleto propagandístico PAIGC Actualités, publicado no poste P3905, em 17 de Fevereiro de 2009
Camaradas,
Mais uma vez obrigado por me receberem tão bem na Tabanca Grande.
Não quero deixar passar este dia 24 de Setembro, sem lembrar da data da independência de jure da Guiné-Bissau.
Um abraço para todos vós do,
Osvaldo Colaço
Origem: Wikipédia, a enciclopédia livre:
«o PAIGC, em 24 de setembro de 1973, declarou unilateralmente a independência, reconhecida nos meses que se seguiram por vários países, sobretudo comunistas e africanos. A antiga metrópole colonial só a reconheceu em 1974, após a Revolução dos Cravos, ela própria devida em larga medida ao impasse em que caíra o esforço bélico português na pequena colónia.»
__________
Nota de MR:
Vd. poste anterior desta série em:
21 de Julho de 2009 > Guiné 63/74 - P4718: Efemérides (19): Em 20 de Julho de 1969, eu estava no Uíge em pleno oceano, a caminho de Farim... (Carlos Silva, BCAÇ 2879)
Vd. também sobre a mesma matéria em:
17 de Fevereiro de 2009, Guiné 64/74 - P3905: PAIGC Actualités (Magalhães Ribeiro) (4): O nº 54, Outubro de 1973, dedicado à proclamação da independência: pp. 7-8
Guiné 63/74 – P5008: Em busca de... (92): Procuro informações sobre o Fur Mil Mec Almeida da minha CCAV 3462 – 1971/73, Bajocunda (José Pereira)
APELO
Camaradas,
O nosso Camarada José Zeferino Moura Pereira, Soldado Condutor da CCAV 3462, que cumpriu a sua comissão em Bajocunda, contactou o nosso Camarada Amílcar Ventura, para o ajudar a tentar obter qualquer informação útil, por ínfima que seja através do nosso blogue, do Furriel Mecânico desta sua companhia, de que apenas se lembra ter o sobrenome de ALMEIDA.
A CCAV 3462 foi rendida pelo BCAV 8323/73 do Amílcar, em Bajocunda, em Novembro de 73.
O José Pereira, já percorreu várias sítios da internet, mas até ao momento não conseguiu obter qualquer indicação do paradeiro do seu amigo furriel.
Segundo as palavras do Amílcar, foi o nosso Camarada José Martins que lhe deu a ideia de publicar este apelo aqui no nosso blogue.
Emblemas de colecção: © Carlos Coutinho (2009). Direitos reservados.
___________
Nota de M.R.:
Vd. último poste desta série em:
Guiné 63/74 – P5007: Banco do Afecto contra a Solidão (6): Um grande capitão da Guiné - Eurico de Deus Corvacho - CART 1613, Últimas Notícias
1. Este poste destina-se a todos os Homens que serviram sob as ordens do então Capitão Eurico de Deus Corvacho, que dele guardam as melhores recordações, e a todos os restantes Camaradas que se solidarizam em acompanhar a evolução das notícias, que conseguimos recolher, sobre o seu melindroso estado de saúde.
O nosso Camarada Nuno Rubim dirigiu-me, em 16 de Setembro p.p., a seguinte mensagem:
Assunto: Notícias do Cor. Eurico Corvacho
Caro Camarada Magalhães Ribeiro,
Visitei ontem, no Hospital Amadora/Sintra, o Cor. Corvacho.
Tal como o filho me avisou, fiquei triste por ele não ter dado sinais de me reconhecer, nem reagir às fotografias que lhe mostrei sobre Guileje e as suas gentes. Só correspondeu nas vezes em que lhe apertei a mão.
O filho disse-me que algumas vezes ele está um pouco mais lúcido.
De qualquer forma o Cor. Corvacho vai ser transferido para o IASFA (Instituto de Acção Social das Forças Armadas).
Um abraço,
Nuno Rubim
Em 17 de Setembro de 2009 reenviei estas fracas novidades ao filho do brigadeiro, com o mesmo nome - Eurico C. Corvacho, que, lembro, se encontra a trabalhar em Angola:
Assunto: GUINÉ: Notícias do seu querido pai - Cor. Eurico Corvacho
Boa noite Amigo Eurico Corvacho,
Junto informação prestada, através de e-mails, por um dos bons amigos de seu pai, que já conseguiu saber algumas notícias dele.
Deixo à sua leitura para conhecimento.
Envio também com conhecimento ao emissor.
Um abraço Amigo do,
Eduardo Magalhães Ribeiro
Dois dias depois, em 19 de Setembro de 2009, recebi de Eurico C. Corvacho, o seguinte e-mail:
Bom dia a todos Caros Amigos,
As últimas informações que tenho, são que o meu pai vai ter alta na próxima segunda-feira.
Não consegui apurar para onde vai pela falta de comunicação com a mulher dele, visto ela não me atender o telefone. Enfim, sem comentários.
No entanto, o Coronel Morais da Silva disponibilizou-se para fazer a “ponte” com ela, bem como tentar resolver a questão do IASFA, que afinal não parece que estava garantida…
Vou-vos mantendo ao corrente do desenrolar do processo.
Um forte abraço para todos,
Eurico Corvacho
No dia 22 de Setembro de 2009, recebi de Eurico C. Corvacho, novo e-mail:
Caros Amigos,
Apenas duas linhas, e que me parecem que podem ser publicadas no blogue.
Serve para vos informar que o meu pai está desde ontem no IASFA (Instituto de Acção Social das Forças Armadas), em Oeiras, com um quadro estável.
Um abraço para todos
Eurico Corvacho
P.S. – Mais uma vez agradecemos ao Sr. Eurico C. Corvacho, as boas notícias que nos foram prestadas, registando aqui o renovar dos sinceros desejos das melhoras do seu estado de saúde.
Emblema do IASFA: © (2009). Direitos reservados.
__________
Nota de M.R.:
Vd. poste anterior desta série em:
quinta-feira, 24 de setembro de 2009
Guiné 63/74 - P5006: O segredo de... (8): Joaquim Luís Mendes Gomes: Podia ter-me saído caro aquele pontapé no...
1. Mensagem de Joaquim Luís Mendes Gomes, ex-Alf Mil da CCAÇ 728, Os Palmeirins, (Como, Cachil, Catió, 1964/66) (*), com data de 6 de Agosto de 2009:
Caro Luís
Aqui te mando o relato duma vivência real que vale o que vale para ser ou não publicada. Vós o direis.
Um abraço
O blogue continua um monumento de História!
J.Mendes Gomes
PODIA TER SAÍDO CARO AQUELE MEU PONTAPÉ NO…
Eu era um simples Aspirante a Oficial. Não tinha culpa de levar a sério a minha posição. Já tinha estado no RII 19 no Funchal nos meus primeiros meses de activo depois do curso de Oficiais Milicianos em Mafra.
Destacado para Évora para preparação da Companhia que me iria levar para o Ultramar, eu levava as minhas responsabilidades muito a sério. Se era para ser Oficial de Dia ao Batalhão, era mesmo Oficial de Dia.
Pela Porta de Armas passava toda a tropa do quartel. Da graúda à miudinha. Ai do sentinela que não cumprisse o seu papel.
Volta e meia era chamado a passar revista ao grupo de soldados que se juntava à Porta de Armas, mortinha por sair.
- Dá licença, meu Aspirante? Está tudo pronto para a revista. – dizia-me o Sargento de Dia, bem perfilado à minha frente.
- Já lá vou - respondia.
Eram p’raí uma dúzia. Em sentido. Em linha rigorosa. Passava diante de cada. Mirava-lhe a barba. O cabelo. A farda. As botas. Tudo tinha de estar a brilhar.
Um dia, um deles, provocador, apresentava-se desalinhado. Boné à rufia. Barba por fazer. As botas baças. A farda suja.
- Ouve lá. Por acaso viste-te ao espelho, lá na caserna?
- Não, meu aspirante. Na caserna não há espelhos. – respondeu prontamente, pensando que tudo estava resolvido.
- Ouve lá. É preciso um espelho para veres o estado dessas botas? Há quanto tempo não vêem graxa?
- Ó meu Aspirante, o meu pré não dá para graxa, muito menos para dois pares de botas… ainda esta noite, voltámos de madrugada de correr montes e vales... não consegui melhor. – adiantou ele, todo triunfante.
Nesse momento, ocorreu-me perguntar:
- Está aqui algum camarada de pelotão deste soldado?
- Estou eu - respondeu uma voz.
Abeirei-me dele. Vi-lhe as botas e a farda. Impecável. Chamei o outro à frente.
- Conheces?
- Conheço. É do meu pelotão.
- Olha para as botas dele.
Ele olhou. Eu olhei-o. A cara manteve-se-lhe inexpressiva. Nenhum sinal de concordância ou desacordo.
Podia cortar-lhe a dispensa de saída. Não. Preferi agarrar-lhe os ombros. Voltei-o de costas e desfechei-lhe um pontapé no…
- Agora, vais para a caserna, arranjas a barba, limpas as botas e apareces cá quando tiveres tudo em ordem.
Tudo voltou ao normal.
Quando voltei para o meu gabinete, senti-me um pouco perturbado com a atitude que tomara. Não era muito frequente. Mas acontecia, de vez em quando, com outros oficiais. Fazia parte da cultura militar.
Não deixei de dormir. O soldado tinha sido arrogante demais. Bem sabia que não estava em ordem. E ousou.
Nunca mais foi preciso repetir. Quando eu estava de oficial de dia, tudo corria às maravilhas.
O tempo passou. A recruta e a especialidade foram tiradas e chegou a hora de partir para o Ultramar. O meu Batalhão foi desmembrado. Duas Companhias destacadas para a Guiné e uma para Moçambique. Coube-me a Guiné.
Passaram-se uns largos meses. Já estava na Guiné. A minha Companhia tomava parte numa grande Operação no sul. Na região de Catió. Para além dos Comandos e de outras forças, estavam no terreno a Companhia de Bedanda e a de Cufar.
No final do dia, depois de diversos contactos com o inimigo, a minha Companhia encontrou-se com a de Bedanda, iam ambas pernoitar, no meio da bolanha, num ponto bem longe das matas onde tínhamos andado em actividade. Ambas tinham saído do RI 16 de Évora. Éramos mais ou menos conhecidos.
Entretanto há um soldado da Companhia de Bedanda que se me dirige.
- Dá licença, meu Alferes?
- Sim. Que queres?
Olhámo-nos. A cara dele não me era estranha. Ele fitou-me nos olhos com os seus. Vidrados. Calado.
- Que pretendes? - Adiantei-me. O intervalo já era demais.
- O meu Alferes não me conhece?
- Sim. Não me és estranho.
- Pois não. - Acrescentou ele.- Conhecemo-nos de Évora. - Adiantou.
Caro Luís
Aqui te mando o relato duma vivência real que vale o que vale para ser ou não publicada. Vós o direis.
Um abraço
O blogue continua um monumento de História!
J.Mendes Gomes
Foto: © Vítor Condeço (2006). Direitos reservados
PODIA TER SAÍDO CARO AQUELE MEU PONTAPÉ NO…
Eu era um simples Aspirante a Oficial. Não tinha culpa de levar a sério a minha posição. Já tinha estado no RII 19 no Funchal nos meus primeiros meses de activo depois do curso de Oficiais Milicianos em Mafra.
Destacado para Évora para preparação da Companhia que me iria levar para o Ultramar, eu levava as minhas responsabilidades muito a sério. Se era para ser Oficial de Dia ao Batalhão, era mesmo Oficial de Dia.
Pela Porta de Armas passava toda a tropa do quartel. Da graúda à miudinha. Ai do sentinela que não cumprisse o seu papel.
Volta e meia era chamado a passar revista ao grupo de soldados que se juntava à Porta de Armas, mortinha por sair.
- Dá licença, meu Aspirante? Está tudo pronto para a revista. – dizia-me o Sargento de Dia, bem perfilado à minha frente.
- Já lá vou - respondia.
Eram p’raí uma dúzia. Em sentido. Em linha rigorosa. Passava diante de cada. Mirava-lhe a barba. O cabelo. A farda. As botas. Tudo tinha de estar a brilhar.
Um dia, um deles, provocador, apresentava-se desalinhado. Boné à rufia. Barba por fazer. As botas baças. A farda suja.
- Ouve lá. Por acaso viste-te ao espelho, lá na caserna?
- Não, meu aspirante. Na caserna não há espelhos. – respondeu prontamente, pensando que tudo estava resolvido.
- Ouve lá. É preciso um espelho para veres o estado dessas botas? Há quanto tempo não vêem graxa?
- Ó meu Aspirante, o meu pré não dá para graxa, muito menos para dois pares de botas… ainda esta noite, voltámos de madrugada de correr montes e vales... não consegui melhor. – adiantou ele, todo triunfante.
Nesse momento, ocorreu-me perguntar:
- Está aqui algum camarada de pelotão deste soldado?
- Estou eu - respondeu uma voz.
Abeirei-me dele. Vi-lhe as botas e a farda. Impecável. Chamei o outro à frente.
- Conheces?
- Conheço. É do meu pelotão.
- Olha para as botas dele.
Ele olhou. Eu olhei-o. A cara manteve-se-lhe inexpressiva. Nenhum sinal de concordância ou desacordo.
Podia cortar-lhe a dispensa de saída. Não. Preferi agarrar-lhe os ombros. Voltei-o de costas e desfechei-lhe um pontapé no…
- Agora, vais para a caserna, arranjas a barba, limpas as botas e apareces cá quando tiveres tudo em ordem.
Tudo voltou ao normal.
Quando voltei para o meu gabinete, senti-me um pouco perturbado com a atitude que tomara. Não era muito frequente. Mas acontecia, de vez em quando, com outros oficiais. Fazia parte da cultura militar.
Não deixei de dormir. O soldado tinha sido arrogante demais. Bem sabia que não estava em ordem. E ousou.
Nunca mais foi preciso repetir. Quando eu estava de oficial de dia, tudo corria às maravilhas.
O tempo passou. A recruta e a especialidade foram tiradas e chegou a hora de partir para o Ultramar. O meu Batalhão foi desmembrado. Duas Companhias destacadas para a Guiné e uma para Moçambique. Coube-me a Guiné.
Passaram-se uns largos meses. Já estava na Guiné. A minha Companhia tomava parte numa grande Operação no sul. Na região de Catió. Para além dos Comandos e de outras forças, estavam no terreno a Companhia de Bedanda e a de Cufar.
No final do dia, depois de diversos contactos com o inimigo, a minha Companhia encontrou-se com a de Bedanda, iam ambas pernoitar, no meio da bolanha, num ponto bem longe das matas onde tínhamos andado em actividade. Ambas tinham saído do RI 16 de Évora. Éramos mais ou menos conhecidos.
Entretanto há um soldado da Companhia de Bedanda que se me dirige.
- Dá licença, meu Alferes?
- Sim. Que queres?
Olhámo-nos. A cara dele não me era estranha. Ele fitou-me nos olhos com os seus. Vidrados. Calado.
- Que pretendes? - Adiantei-me. O intervalo já era demais.
- O meu Alferes não me conhece?
- Sim. Não me és estranho.
- Pois não. - Acrescentou ele.- Conhecemo-nos de Évora. - Adiantou.
- Sim – respondi, já meio atrapalhado, cá por dentro.
- Pois é. Lembra-se do pontapé que me deu... Na Porta D’armas?
- Já me lembro. – Respondi.
Terei ficado pálido. Senti-me perturbado com a surpresa. Mas acrescentei:
- E depois?
- Depois, sabe, meu Alferes... às vezes há uma bala perdida da nossa própria tropa… não se sabe de quem… até pode ser sem querer…
Fiquei estarrecido. Não dei parte de fraco.
- É verdade. Eu sei disso. Não me digas que também és desses fracos?… Achas que é caso para tanto?...
- É tudo uma questão dum repente, na hora certa. – Respondeu lívido, a tremer.
- Oh diabo. Acalma-te. O que lá vai lá vai. É passado. Agora, sei bem que me excedi. Desculpa lá… Quando chegarmos ao quartel, vamos beber uma cerveja os dois e vamos lá esquecer. Se calhar, tu no meu lugar terias feito o mesmo. Não achas? Ou puxavas da pistola Walter e davas-me um tiro?
- Um pontapé era capaz de dar. Um tiro nunca. – Respondeu prontamente.
Fiquei mais aliviado. Foi o que eu quis ouvir.
- Então porque me estás a ameaçar, aqui? Já te pedi desculpa.
Fez-se um silêncio. Pareceu uma eternidade. Depois, veio a resposta.
- Pronto, meu Alferes. Isto foi só para apagar a revolta que senti em mim e me tem acompanhado desde aquela altura. Já me passou muita coisa má pela cabeça. Precisava de me confrontar com o meu Alferes. A ver como reagia. Reagiu bem. Pediu desculpa. Por mim, fica tudo esquecido. Pode crer. Agora, já sou capaz de dar a minha vida para o socorrer...como a outro camarada qualquer.
- Posso retirar-me?
- Dá cá um aperto de mão. Quando nos encontrarmos, em Catió ou em Bissau, seja lá onde for, temos de brindar com uma bem fresquinha. Okey?
- Okey!
Escusado será dizer que naquela longa noite eu não preguei olho, de guarda a mim mesmo.
Foi uma boa lição… para o resto da vida… Até hoje.
Aveiro, 3 de Agosto de 2009
Joaquim Luís Mendes Gomes
__________
Notas dos editores:
(*) O nosso amigo e camarada Mendes Gomes, jurista reformado da Caixa Geral de Depósitos, foi Alf Mil da CCAÇ 728. Sobre a História desta unidade, vd. os seguintes posts:
5 de Abril de 2007 > Guiné 63/74 - P1646: Crónica de um Palmeirim de Catió (Mendes Gomes, CCAÇ 728) (11): Não foi a mesma Pátria que nos acolheu
29 de Março de 2007 > Guiné 63/74 - P1634: Crónica de um Palmeirim de Catió (Mendes Gomes, CCAÇ 728) (10): A morte do Alferes Mário Sasso no Cantanhez
11 de Março de 2007 > Guiné 63/74 - P1582: Crónica de um Palmeirim de Catió (Mendes Gomes, CCAÇ 728) (9): O fascínio africano da terra e das gentes (fotos de Vitor Condeço)
8 de Fevereiro de 2007 > Guiné 63/74 - P1502: Crónica de um Palmeirim de Catió (Mendes Gomes, CCAÇ 728) (8): Com Bacar Jaló, no Cantanhez, a apanhar com o fogo da Marinha
22 de Janeiro de 2007 > Guiné 63/74 - P1455: Crónica de um Palmeirim de Catió (Mendes Gomes, CCAÇ 728) (7): O Sr. Brandão, de Ganjolá, aliás, de Arouca, e a Sra. Sexta-Feira
8 de Janeiro de 2007 > Guiné 63/74 - P1411: Crónica de um Palmeirim de Catió (Mendes Gomes, CCAÇ 728) (6): Por fim, o capitão...definitivo
11 de Dezembro de 2006 > Guiné 63/74 - P1359: Crónica de um Palmeirim de Catió (Mendes Gomes, CCAÇ 728) (5): Baptismo de fogo a 12 km de Cufar
1 de Dezembro de 2006 > Guiné 63/74 - P1330: Crónica de um Palmeirim de Catió (Mendes Gomes, CCAÇ 728) (4): Bissau-Bolama-Como, dois dias de viagem em LDG
20 Novembro 2006 > Guiné 63/74 - P1297: Crónica de um Palmeirim de Catió (Mendes Gomes, CCAÇ 728) (3): Do navio Timor ao Quartel de Santa Luzia
2 de Novembro de 2006 > Guiné 63/74 - P1236: Crónica de um Palmeirim de Catió (Mendes Gomes, CCAÇ 728) (2): Do Alentejo à África: do meu tenente ao nosso cabo
20 de Outubro de 2006 > Guiné 63/74 - P1194: Crónica de um Palmeirim de Catió (Mendes Gomes, CCAÇ 728) (1): Os canários, de caqui amarelo
Vd. último poste da série de 24 de Setembro de 2009 > Guiné 63/74 - P5002: O segredo de... (7): Amílcar Ventura: Ajudei o PAIGC por razões políticas e humanitárias
- Pois é. Lembra-se do pontapé que me deu... Na Porta D’armas?
- Já me lembro. – Respondi.
Terei ficado pálido. Senti-me perturbado com a surpresa. Mas acrescentei:
- E depois?
- Depois, sabe, meu Alferes... às vezes há uma bala perdida da nossa própria tropa… não se sabe de quem… até pode ser sem querer…
Fiquei estarrecido. Não dei parte de fraco.
- É verdade. Eu sei disso. Não me digas que também és desses fracos?… Achas que é caso para tanto?...
- É tudo uma questão dum repente, na hora certa. – Respondeu lívido, a tremer.
- Oh diabo. Acalma-te. O que lá vai lá vai. É passado. Agora, sei bem que me excedi. Desculpa lá… Quando chegarmos ao quartel, vamos beber uma cerveja os dois e vamos lá esquecer. Se calhar, tu no meu lugar terias feito o mesmo. Não achas? Ou puxavas da pistola Walter e davas-me um tiro?
- Um pontapé era capaz de dar. Um tiro nunca. – Respondeu prontamente.
Fiquei mais aliviado. Foi o que eu quis ouvir.
- Então porque me estás a ameaçar, aqui? Já te pedi desculpa.
Fez-se um silêncio. Pareceu uma eternidade. Depois, veio a resposta.
- Pronto, meu Alferes. Isto foi só para apagar a revolta que senti em mim e me tem acompanhado desde aquela altura. Já me passou muita coisa má pela cabeça. Precisava de me confrontar com o meu Alferes. A ver como reagia. Reagiu bem. Pediu desculpa. Por mim, fica tudo esquecido. Pode crer. Agora, já sou capaz de dar a minha vida para o socorrer...como a outro camarada qualquer.
- Posso retirar-me?
- Dá cá um aperto de mão. Quando nos encontrarmos, em Catió ou em Bissau, seja lá onde for, temos de brindar com uma bem fresquinha. Okey?
- Okey!
Escusado será dizer que naquela longa noite eu não preguei olho, de guarda a mim mesmo.
Foi uma boa lição… para o resto da vida… Até hoje.
Aveiro, 3 de Agosto de 2009
Joaquim Luís Mendes Gomes
__________
Notas dos editores:
(*) O nosso amigo e camarada Mendes Gomes, jurista reformado da Caixa Geral de Depósitos, foi Alf Mil da CCAÇ 728. Sobre a História desta unidade, vd. os seguintes posts:
5 de Abril de 2007 > Guiné 63/74 - P1646: Crónica de um Palmeirim de Catió (Mendes Gomes, CCAÇ 728) (11): Não foi a mesma Pátria que nos acolheu
29 de Março de 2007 > Guiné 63/74 - P1634: Crónica de um Palmeirim de Catió (Mendes Gomes, CCAÇ 728) (10): A morte do Alferes Mário Sasso no Cantanhez
11 de Março de 2007 > Guiné 63/74 - P1582: Crónica de um Palmeirim de Catió (Mendes Gomes, CCAÇ 728) (9): O fascínio africano da terra e das gentes (fotos de Vitor Condeço)
8 de Fevereiro de 2007 > Guiné 63/74 - P1502: Crónica de um Palmeirim de Catió (Mendes Gomes, CCAÇ 728) (8): Com Bacar Jaló, no Cantanhez, a apanhar com o fogo da Marinha
22 de Janeiro de 2007 > Guiné 63/74 - P1455: Crónica de um Palmeirim de Catió (Mendes Gomes, CCAÇ 728) (7): O Sr. Brandão, de Ganjolá, aliás, de Arouca, e a Sra. Sexta-Feira
8 de Janeiro de 2007 > Guiné 63/74 - P1411: Crónica de um Palmeirim de Catió (Mendes Gomes, CCAÇ 728) (6): Por fim, o capitão...definitivo
11 de Dezembro de 2006 > Guiné 63/74 - P1359: Crónica de um Palmeirim de Catió (Mendes Gomes, CCAÇ 728) (5): Baptismo de fogo a 12 km de Cufar
1 de Dezembro de 2006 > Guiné 63/74 - P1330: Crónica de um Palmeirim de Catió (Mendes Gomes, CCAÇ 728) (4): Bissau-Bolama-Como, dois dias de viagem em LDG
20 Novembro 2006 > Guiné 63/74 - P1297: Crónica de um Palmeirim de Catió (Mendes Gomes, CCAÇ 728) (3): Do navio Timor ao Quartel de Santa Luzia
2 de Novembro de 2006 > Guiné 63/74 - P1236: Crónica de um Palmeirim de Catió (Mendes Gomes, CCAÇ 728) (2): Do Alentejo à África: do meu tenente ao nosso cabo
20 de Outubro de 2006 > Guiné 63/74 - P1194: Crónica de um Palmeirim de Catió (Mendes Gomes, CCAÇ 728) (1): Os canários, de caqui amarelo
Vd. último poste da série de 24 de Setembro de 2009 > Guiné 63/74 - P5002: O segredo de... (7): Amílcar Ventura: Ajudei o PAIGC por razões políticas e humanitárias
Guiné 63/74 – P5005: E as Nossas Palmas Vão Para... (3): Medalha de Prata de Serviços Distintos, com Palma (José Martins)
1. O nosso camarada José Martins, ex-Fur Mil Trms da CCAÇ 5, Gatos Pretos, Canjadude, 1968/70, enviou-nos a seguinte mensagem:
Medalha de Prata de Serviços Distintos, com Palma.
Recupero algumas linhas do Poste nº 2379 de 19 de Novembro de 2008, altura em que, após mais de trinta anos, uma medalha conheceu o peito do seu destinatário:
Pombal > 28 de Abril de 2007 > 2º Encontro Nacional da malta do blogue Luís Graça & Camaradas da Guiné > Restaurante O Manjar do Marquês.
Antes do almoço, o Vitor Junqueiro, na sua qualidade de nosso anfitrião e organizador do encontro, fez o discurso de boas vindas. Homem de princípios e de valores, mas também verdadeira caixinha de surpresas, preparou-nos uma cena que nos sensibilizou a todos: rodeado, à sua direita, por uma das suas três filhas e por uma das suas duas netas, e à esquerda, por mim e pelo A. Marques Lopes, fez questão de ser condecorado, com o atraso de... trinta e três anos.
A condecoração, que tem a ver com a sua brilhante folha de serviços como oficial miliciano na Guiné, fora-lhe atribuído pelo Chefe do Estado Maior do Exército, estando prevista sua entrega no dia 10 de Junho de 1974, o que não chegou a acontecer por o 25 de Abril de 1974 ter vindo a alterar o curso dos acontecimentos...
Como escrevi na altura, a entrega da condecoração por dois camaradas seus da Guiné foi um gesto muito bonito num dia muito bonito, em que realizámos, mais uma vez, o sentido da palavra camarada...
O Xico Allen estava lá para bater o instantâneo. O que ele seguramente não pôde registar foram as palavras do Vitor para mim:
- Eh!, pá, ó Luís, vê-se mesmo que não tens jeito para esta merda!
(L.G.)
Foto: © Xico Allen (2007). Direitos reservados.
Falei há pouco com o Vítor Junqueira, uma conversa muito agradável, em que lhe perguntei qual era a condecoração que lhe foi atribuída, e isto porque não está inscrita nas listas que correm entre nós – referem a Torre Espada, Valor Militar e Cruz de Guerra – e porque, através das fotos de então, não a identifiquei.
Curioso destas “coisas”, tratei de encontrar um texto que me/nos elucidasse do que representa tal condecoração. Poderia ter consultado O Regulamento da Medalha Militar e/ou o nº 18 dos Cadernos Militares, mas preferi reproduzir o texto que vem na Wikipédia sobre a matéria.
Medalha de Serviços Distintos
Origem: Wikipédia, a enciclopédia livre.
A Medalha de Serviços Distintos é uma condecoração militar portuguesa usada para galardoar serviços de carácter militar relevantes e extraordinários ou actos notáveis de qualquer natureza, ligados à vida do Exército, da Armada ou da Força Aérea, de que resulte, em qualquer dos casos, honra e lustre para a Pátria ou para as instituições militares do país.
A Medalha de Serviços Distintos foi originalmente criada em 2 de Outubro de 1863, por decreto da Secretaria de Estado dos Negócios da Guerra, com o nome de Bons Serviços, a segunda de três classes da medalha militar.
De 1863 a 1919, a Medalha de Bons Serviços (hoje Serviços Distintos) tinha apenas duas classes - ouro e prata, mas pelo Decreto 6093, de 11 de Setembro de 1919, passou a ter também o grau cobre, de forma a premiar as classes que não tinham acesso à medalha, nomeadamente sargentos e praças.
Finalmente, em 1946, através do Decreto n.º 35667, de 28 de Maio de 1946, a medalha passou a chamar-se definitivamente Medalha de Serviços Distintos, mantendo até hoje o desenho que foi estabelecido em 1946.
Medalha Serviços Distintos - Grau Bronze
Medalha Serviços Distintos - Grau Prata
Medalha Serviços Distintos - Grau Ouro
Nota final – A Medalha a que nos referimos e que foi conferida ao Vítor Junqueira é COM PALMA. Isto quer dizer que a mesma foi atribuída com base em factos ocorridos em campanha, ou seja, durante a sua comissão de serviços.
No entanto acrescento que, qualquer medalha, deve ser sempre atribuída, mesmo que tenha palma, deve ser acompanhada COM PALMAS.
José Marcelino Martins
Fur Mil Trms da CCAÇ 5
Emblema de colecção: © Carlos Coutinho (2009). Direitos reservados.
___________
Notas de M.R.:
Vd. postes anteriores desta série em:
17 de Novembro de 2007 > Guiné 63/74 - P2273: E As Nossas Palmas Vão Para... (1): Sara Peres Dias e o seu microfilme Dizer a Guiné-Bissau em Três Minutos
30 de Novembro de 2007 > Guiné 63/74 - P2316: E as Nossas Palmas Vão Para... (2): Os que lutam, na Guiné-Bissau, contra a Mutilação Genital Feminina (MGF)
Guiné 63/74 - P5004: Notícias dos nossos amigos da AD - Bissau (8): A viúva do Cap José Neto estará na inauguração da Capela de Guileje (Pepito)
Guiné-Bissau > Bissau > AD -Acção para o Desenvolvimento > Setembro de 2009 > O Domingos Fonseca, técnico do Programa Integrado de Cubucaré (PIC), e heróico sobrevivente da comissão organizadora do Simpósio Internacional de Guiledje (Bissau, 1-7 de Março de 2008), ostentando uma garrafa de vinho tinto, vinho de mesa, 12º, produzido e engarrafado em Portugal... Rótulo (surpreendente): Encosta de Guilege...
Texto e fotos do nosso amigo Pepito/AD - Bissau:
Amigo Luís:
As chuvas estão a chegar ao fim e aceleram-se os trabalhos de finalização do Museu (o edifício está concluído e agora trata-se de instalar a iluminação, montar o diorama do Nuno Rubim, expor as fotos e organizar o centro de documentação).
Quanto à Capela tudo a andar pelo melhor, como viste nas fotos que te mandei (**).
O meu amigo, antigo colega de Liceu em Bissau e companheiro de primeira hora desta Iniciativa de Guiledje, conseguiu entrar em contacto com a esposa do saudoso Capitão Neto que aceitou vir a Guiledje para a inauguração da Capela construída pelo marido. Foi uma alegria enorme. Não imaginas como eu gostaria de ter ao nosso lado o Capitão Neto que tanto contribuiu para a história de Guiledje. É um pouco o pagamento de uma dívida moral que tenho para com ele. Tudo indica que a inauguração seja no dia 20 de Janeiro de 2010.
Vamos reconstruir a porta de armas recolocando a parte de cima referente aos Gringos.
O Teko pediu-me que distribuisse fotos que ele tirou em 1966 em Medjo, Mampatá e Quebo (Aldeia Formosa). Foi um sucesso redescobrir as pessoas 40 anos depois. Alguns faleceram entretanto, mas lá estavam os filhos orgulhosos de terem uma foto dos pais. Um alegria comovente.
Uma curiosidade: apareceu aqui à venda um tintol com o rótulo Encosta de Guilege que está a ter muita saída. Vou-me informar, mas parece estar a ser promovido por um grupo de ex-militares de Guiledje. Olha para a foto com um exemplar encostado ao nosso Domingos Fonseca...
E são as notícias que tenho para te dar.
abraço
pepito
________
Notas de L.G.:
(*) Vd. poste de 13 de Setembro de 2009 > Guiné 63/74 - P4945: Notícias dos nossos amigos da AD - Bissau (7): Recuperando bolanhas em Ingoré, região do Cacheu
(**) Vd. poste de 3 de Agosto de 2009 >Guiné 63/74 - P4772: Notícias dos nossos amigos da AD - Bissau (6): Sinalização de sítios históricos no Parque Nacional do Cantanhez
Guiné 63/74 - P5003: Controvérsias (36): A Justiça Militar e os presuntos implicados (João Seabra)
1. Uma peça (de antologia, de finíssimo humor...) que eu acabo de receber do ilustre jurista João Seabra, ex-Alf Mil da CCAV 8350, Piratas de Guileje (Guileje, 1972/74), e querido (como todos os demais) membro da nossa Tabanca Grande:
Caro Luís,
Recebi, há dias, um mail teu em que vinha anexo o actual RDM (*).
Andando para trás no blogue, encontrei uma sugestão tua para que eu e o Jorge Cabral, entre outros, nos pronunciássemos sobre as hipotéticas consequências criminais do constante numa narrativa do Amílcar Ventura (**).
Antes de mais, deixa-me dizer-te que tenho o Amílcar na conta de boa pessoa. Aliás, já foi muito simpático comigo, a propósito de uma correspondência tumultuária que manteve, há tempos, com um terceiro e que desencadeou, por iniciativa deste último, numa grande agitação em cavalariças e canis.
Todavia, aqui para nós, parece-me (podendo estar enganado) que a história dele é uma fantasia que terá descambado em convicção. Aliás não é a primeira, nem será a última, que aparece no blogue.
O menos que se poderá dizer é que o frete foi muito pouco produtivo. Porque não levou ele mais dois ou três bidons de gasóleo? Era para uma emergência?
De qualquer modo, o RDM dispõe sobre ilícitos disciplinares, e a matéria de que se trata é de natureza criminal e está contemplada no Código de Justiça Militar (CJM). Que eu saiba, ao CJM em vigor em 73-74 seguiu-se outro de 77, outro de 2003, e ainda outro mais recente.
Acontece que as minhas áreas de actuação profissional são as do direito fiscal e do direito das sociedades. Neste momento, por exemplo, estou muito atrapalhado porque tenho de opinar urgentemente sobre a vexatória questão da hipotética neutralidade fiscal da fusão inversa. Se calhar vou-lhe chamar reverse merger porque, como diria o Serafim Saudade, “o verdadeiro artista é o que fala estrangeiro”.
Do CJM ocorre-me – “entre as brumas da memória” – a curiosa figura do “presumido delinquente”, e pouco mais. E mesmo assim, porque – por vezes e com grande gáudio – ouço colegas espanhóis aludirem aos “presuntos implicados”.
Para tratar adequadamente a vertiginosa questão da sucessão de leis penais, e da qualificação da hipótese em causa, a pessoa indicada é, realmente, o Jorge Cabral. Mas seria um desperdício, porque o iria distrair das valiosas opiniões periciais que nos vai dando sobre matérias menos áridas.
No fundo seria preferível encerrar o assunto, como o fez, há muitos anos, um magistrado do Ministério Público, quando soube que tinha sido bem sucedido num concurso para a carreira diplomática.
Os impulsos processuais do Ministério Público, designam-se, no nosso jargão, por “promoções”.
Vai daí o nosso futuro diplomata, no primeiro processo que lhe chegou às mãos, exarou o seguinte:
Tendo decorrido o prazo,
e operado a prescrição
vão os autos para arquivo
- eis a minha promoção.
Aplicando o que antecede a mim próprio, diria que muito me preocupa a eventualidade de, involuntariamente, concorrer para envenenar o ambiente de um blogue fundado por um grupo de amigos e que vive, sobretudo, da inexcedível dedicação dos seus editores.
Assim sendo, vou fazer o possível para, de futuro, escrever apenas para arquivo ou para “presuntos interessados”. Se e quando tiver tempo, já se vê.
Abraço amigo do
João Seabra
P.S.: Uma observação (ou “nota”, como se diz agora) final. Fiz serviço militar na Guiné na condição de “compelido”. Mas, uma vez lá, a situação, para mim, era muito simples: de um lado estavam as nossas forças (às quais eu pertencia) e do outro o inimigo. Tudo o mais são subtilezas que estão fora do meu alcance.
[ Revisão / fixação de texto / bold, a cor: L.G.]
___________
Notas de L.G.:
(*) Dirigido ao Jorge Cabral e com conhecimento a outros juristas da nossa Tabanca Grande:
"Jorge: Aqui tens o novo RDM... Não sei se tens tempo e pachorra para o analisar, do ponto de vista daquilo que pode interessar ao nosso blogue e à nossa Tabanca Grande".
(**) Vd. poste de 24 de Setembro de 2009 > Guiné 63/74 - P5002: O segredo de... (7): Amílcar Ventura: Ajudei o PAIGC por razões políticas e humanitárias
Caro Luís,
Recebi, há dias, um mail teu em que vinha anexo o actual RDM (*).
Andando para trás no blogue, encontrei uma sugestão tua para que eu e o Jorge Cabral, entre outros, nos pronunciássemos sobre as hipotéticas consequências criminais do constante numa narrativa do Amílcar Ventura (**).
Antes de mais, deixa-me dizer-te que tenho o Amílcar na conta de boa pessoa. Aliás, já foi muito simpático comigo, a propósito de uma correspondência tumultuária que manteve, há tempos, com um terceiro e que desencadeou, por iniciativa deste último, numa grande agitação em cavalariças e canis.
Todavia, aqui para nós, parece-me (podendo estar enganado) que a história dele é uma fantasia que terá descambado em convicção. Aliás não é a primeira, nem será a última, que aparece no blogue.
O menos que se poderá dizer é que o frete foi muito pouco produtivo. Porque não levou ele mais dois ou três bidons de gasóleo? Era para uma emergência?
De qualquer modo, o RDM dispõe sobre ilícitos disciplinares, e a matéria de que se trata é de natureza criminal e está contemplada no Código de Justiça Militar (CJM). Que eu saiba, ao CJM em vigor em 73-74 seguiu-se outro de 77, outro de 2003, e ainda outro mais recente.
Acontece que as minhas áreas de actuação profissional são as do direito fiscal e do direito das sociedades. Neste momento, por exemplo, estou muito atrapalhado porque tenho de opinar urgentemente sobre a vexatória questão da hipotética neutralidade fiscal da fusão inversa. Se calhar vou-lhe chamar reverse merger porque, como diria o Serafim Saudade, “o verdadeiro artista é o que fala estrangeiro”.
Do CJM ocorre-me – “entre as brumas da memória” – a curiosa figura do “presumido delinquente”, e pouco mais. E mesmo assim, porque – por vezes e com grande gáudio – ouço colegas espanhóis aludirem aos “presuntos implicados”.
Para tratar adequadamente a vertiginosa questão da sucessão de leis penais, e da qualificação da hipótese em causa, a pessoa indicada é, realmente, o Jorge Cabral. Mas seria um desperdício, porque o iria distrair das valiosas opiniões periciais que nos vai dando sobre matérias menos áridas.
No fundo seria preferível encerrar o assunto, como o fez, há muitos anos, um magistrado do Ministério Público, quando soube que tinha sido bem sucedido num concurso para a carreira diplomática.
Os impulsos processuais do Ministério Público, designam-se, no nosso jargão, por “promoções”.
Vai daí o nosso futuro diplomata, no primeiro processo que lhe chegou às mãos, exarou o seguinte:
Tendo decorrido o prazo,
e operado a prescrição
vão os autos para arquivo
- eis a minha promoção.
Aplicando o que antecede a mim próprio, diria que muito me preocupa a eventualidade de, involuntariamente, concorrer para envenenar o ambiente de um blogue fundado por um grupo de amigos e que vive, sobretudo, da inexcedível dedicação dos seus editores.
Assim sendo, vou fazer o possível para, de futuro, escrever apenas para arquivo ou para “presuntos interessados”. Se e quando tiver tempo, já se vê.
Abraço amigo do
João Seabra
P.S.: Uma observação (ou “nota”, como se diz agora) final. Fiz serviço militar na Guiné na condição de “compelido”. Mas, uma vez lá, a situação, para mim, era muito simples: de um lado estavam as nossas forças (às quais eu pertencia) e do outro o inimigo. Tudo o mais são subtilezas que estão fora do meu alcance.
[ Revisão / fixação de texto / bold, a cor: L.G.]
___________
Notas de L.G.:
(*) Dirigido ao Jorge Cabral e com conhecimento a outros juristas da nossa Tabanca Grande:
"Jorge: Aqui tens o novo RDM... Não sei se tens tempo e pachorra para o analisar, do ponto de vista daquilo que pode interessar ao nosso blogue e à nossa Tabanca Grande".
(**) Vd. poste de 24 de Setembro de 2009 > Guiné 63/74 - P5002: O segredo de... (7): Amílcar Ventura: Ajudei o PAIGC por razões políticas e humanitárias
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