quarta-feira, 2 de março de 2011

Guiné 63/74 – P7887: Páginas Negras com Salpicos Cor-de-Rosa (Rui Silva) (11): Operação Gamo à base inimiga do Biambe



1. Mensagem de Rui Silva* (ex-Fur Mil da CCAÇ 816, Bissorã, Olossato, Mansoa, 1965/67), com data de 1 de Março de 2011:

Como sempre as minhas primeiras palavras são de saudação para todos os camaradas ex-Combatentes da Guiné Portuguesa, mais ainda para aqueles que de algum modo ainda sofrem de sequelas daquela maldita guerra.




10 de Julho de 1965 (a 816 tem mês e meio de Guiné)
Operação “Gamo” à base inimiga de Biambe


Localização de Biambe na estrada de Bissorã para Binar

-Tanto estica, tanto encolhe, que a coluna parte e ficam cerca de 20 homens para trás, grande parte nativos de granadas à cabeça. Isto já em plena zona de Biambe, e o inimigo ali tão perto. Ainda escurecia e muito. Tempo de chuvas e tornados. Isto numa coluna inicial de cerca de 150 homens (Companhia completa da 816 mais o Grupo de combate “os Lordes” dos Águias Negras da 643, ambos sediados em Bissorã-


Das minhas memórias: “PÁGINAS NEGRAS COM SALPICOS COR-DE-ROSA”

Volvidos mais alguns dias e quando estávamos a festejar um aniversário, de quem não me ocorre agora, eis que surgem na nossa casa (casa dos Sargentos) os Alferes Castro e Costa.

Visita agradável e logo os fizemos partilhar da festa também, mas pelo semblante deles logo nos apercebemos que eles não vinham juntar-se à festa e muito menos participar dela.

Humm,… a visita devia-se a outra coisa…

Depois de breves minutos de convívio, chegou a altura de se ir directamente ao assunto. Tratava-se de uma operação a Biambe. Ao falar-se de Biambe a malta entreolhou-se, pois Biambe era uma zona de grande concentração inimiga e muito forte. Ali, os “turras”, e como já disse em histórias anteriores, tinham fama de serem bons atiradores, subiam às árvores para melhor campo de visão, os sentinelas estavam também em árvores e até já usavam uniforme de campanha, etc., etc.. Portanto era já uma tropa organizada.

Então de copo de whisky na mão com dois cubos de gelo a boiarem neste nosso apreciado líquido, o Alferes Costa sentado sobre uma pequena mesa, num papel qualquer, fez um esquema de como a coisa se iria processar. Assim, além da 816, colaboravam na operação os comandos de Bissau, por outro itinerário (isco ?), os “Lordes” da 643 (Grupo de Comandos com o efectivo de um Grupo de Combate e a Companhia “irmã” da nossa, a 818 (então sediada em Bissau), esta em missão de segurança. O assalto era então perpetrado pelos “Lordes” e a 816. Como a festa dos anos arrefecesse notoriamente, o que não passou despercebido ao Alferes Costa, este, que também não sabia esconder um certo nervosismo, teve palavras de moralização para com a malta, antes de se retirar.

A orquestra de instrumentos improvisados, com garrafas, copos a serem batidos por colheres, o bombo da Companhia à mistura que era a predilecção do “baterista” Belchior, etc., que momentos antes tocava em grande escala, deixou praticamente logo de actuar.

Ouvia-se ainda um ou outro dos improvisados instrumentos, mas estes já eram tocados mais instintivamente do que por vontade própria dos seus manipuladores. Tudo aquilo se transformou um pouco e, então agora, em pequenos grupos, a malta conversava prevendo e imaginando aquilo que poderia acontecer em Biambe. Afinal ainda éramos periquitos.

Ao fim e ao cabo isto não passava de uma compreensível apreensão que a todos dominava. Sabíamos que para além de todos os escolhos que um assalto a uma casa-de-mato podia proporcionar, teríamos de enfrentar um grupo bem armado, munido de “bazookas” (ou lança-rockets) e metralhadoras pesadas, material este que ainda não equipava a maioria dos refúgios inimigos.

Os que quiseram, ou puderam, descansaram um pouco o corpo, já que o espírito, esse, jamais sossegaria. À hora pré-estabelecida, a Companhia 816 marchava em direcção à Outra Banda, passando primeiro pela ponte sobre o rio Armada e em caminho para Biambe. O meu Grupo de Combate era o último. À frente, os “Lordes”.

Uma vez embrenhados no mato, o silêncio que até aí foi quase absoluto, começou a ser necessariamente sepulcral. Ouvia-se só o de todo em todo inevitável que era o estalar de uma ou outra folha seca ao ser pisada e ao agitar de um ou outro arbusto quando roçado pelos camuflados, e nada mais.

De olhos desmesuradamente abertos, como a quererem ver mais c’o que era humanamente possível, a malta, felinamente e em fila indiana, ia serpenteando, seguindo o estreito e acidentado carreiro que nos levaria às proximidades do objectivo. Por vezes a mata era tão densa que quase mergulhávamos na mais completa escuridão, deixando portanto de enxergar fosse o que fosse. A progressão fazia-se, ora apressadamente ora parando, pois em fila indiana, uma coluna com cerca de 150 homens, fora os nativos voluntários – os tais que recebiam uns pesos, à jorna-, a deslocar-se, de noite fechada e em terreno tão sinuoso e desconhecido de todo, era impossível manter uma marcha em cadência mais ou menos regular.

Bastava um ligeiro atraso de um homem dos da frente para que se estabelecesse um reagrupamento com muita dificuldade, principalmente nos lugares da retaguarda, aonde por vezes era preciso correr para que a coluna não partisse, o que a acontecer podia ser fatidicamente irremediável. Quando a coluna partia, a parte perdida, naturalmente a de trás, com um leve assobiar, simulando o piar de um pássaro, tentava detectar a outra parte que, logo alertada, correspondia com outro piar e assim fazia-se o reagrupamento, para grande alívio dos perdidos o que muitas das vezes resultava. Daquela vez porém os esticões estavam a dar-se com muita frequência e nós, os que íamos atrás na coluna, víamo-nos em dificuldades para manter a integridade da coluna.

Mas o que se estava a prever, aconteceu mesmo. Foi inevitável. Num dos esticões a coluna desuniu-se para jamais se unir. Como irremediavelmente perdidos, ficamos ali cerca de 20 homens, o que não chegava a um pelotão. Eram cerca das 3 horas da madrugada. Logo o pânico se estabeleceu. Aconselhou-se calma e mais calma, mas a malta logo perturbada, só minutos depois sossegou e na medida do possível.

Estávamos já em plena zona de Biambe e claro, sem guia, pois este ia à cabeça da coluna, como era óbvio.

Connosco estavam alguns carregadores pretos o que, ao lembrarmo-nos, iluminou-nos logo a alma, pois era natural que conhecessem o terreno, mas logo começaram a cair em contradições quanto ao caminho a seguir; enquanto um dizia que era por ali, outro indicava o lado oposto, e então vimo-nos mesmo perdidos, para desespero nosso. Falou-se da orientação pela lua, pelas estrelas (sabíamos que estávamos no hemisfério sul do planeta onde o “Cruzeiro do Sul” era uma constelação que podia dar alguma orientação), etc. mas, não havia hipótese. Os minutos iam passando e o alvorecer não tardaria. Estávamos receosos por tudo. Alguém, mais pessimista disse: ”Ainda acabamos por ficar entre os dois fogos!”. Outro dizia isto, outro dizia aquilo, etc., etc.. Então era tudo frases de conteúdo dramático. Enfim, estávamos atónitos e sem saber o que era melhor fazer. O melhor ainda seria ficarmos por ali estacionados, permanecendo calados e camuflados e aguardar. Aguardar também o alvorecer, aguardar o possível tiroteio resultante do assalto perpetrado por parte da coluna que avançou para o refúgio inimigo, aguardar também pelo apoio aéreo à operação, e… aguardar.

O espírito da malta estava perturbadíssimo pela situação. Nós, perdidos decididamente e o efectivo que avançou para o objectivo reduzido significativamente mormente desprovido de muitas granadas de “bazooka” e morteiro que ficaram connosco, à cabeça dos carregadores nativos. Mas era preciso tomar uma decisão, só faltava saber qual.

Entretanto o alvorecer foi aparecendo e assim as trevas foram dando lugar, em leve sequência, à luz solar. Como sempre, o alvorecer fazia-se acompanhar do chilrear diverso e incessante da imensa e variada passarada. À hora pré-fixada, surgiram então, bem ao longe, mas bem ouvidos, os bombardeiros T6. Aliás estávamos todos atentos ao primeiro ruído denunciador da proximidade destes. Olhávamos o espaço e tínhamos os ouvidos apurados como nunca. Em mais alguma situação visaríamos tão cedo o pássaro de metal, de ruído forte, que muitas vezes nos fazia respirar fundo, e então ali...

A propósito, uma pequena curiosidade: os pilotos dos T6 usavam um emblema no seu fato de campanha que dizia exactamente isto: “TROTE LENTO - COICE FORTE”, sobre um avião desenhado. Na verdade os bombardeiros T6 eram lentos de progressão no espaço, mas as bombas que largavam eram de grande potência, daí a explicação da frase no dito emblema.

Bom, e voltando à operação Biambe, logo que apareceram ao longe os bombardeiros, alguém se lembra de atiçar o ambiente. “A aviação vê aqui um pequeno grupo e lança alguma bojarda pensando que somos um grupo de “turras”, pois haviam muitos nativos no grupo. “Camisa branca” poucos. E pronto, só nos lembrávamos do pior.

De facto, no grupo não havia um único temperador para a situação. O pessimismo tinha mesmo assentado arraiais.

Tínhamos um radiotelegrafista connosco (valeu-nos isso) o que nos podia servir de muito. Com um radiotelegrafista munido do respectivo rádio, podíamos estabelecer contacto com os bombardeiros, pondo-os ao corrente da situação. Para frustração nossa não foi possível, pois o nosso rádio não sintonizava com o dos bombardeiros. Tentamos desesperadamente o contacto, mas todas as tentativas foram vãs.

Até que, EUREKA! Conseguimos entrar em contacto com o PCA - Posto de Comando Aéreo - que, e como habitualmente, se fazia transportar num “Dornier” - pequena avioneta de construção rudimentar (lembro-me de ver uma no Olossato acidentada encostada a um canto. Quando vi que a fuselagem era feita de Dexion – cantoneira de aço aligeirada, mais aplicada em móveis - e forrada a lona, até me arrepiei, pois já tinha andado naquilo algumas vezes)-.

Logo comunicamos o sucedido e então sim, o alívio apareceu no seio da malta.

Pelo PCA, os bombardeiros ficaram ao correr da nossa situação também.

Entretanto soa o tiroteio e logo deduzimos tratar-se do ataque. Tiroteio intenso, o que não nos surpreendeu a avaliar pela força que se esperava naquela casa-de-mato, e alguns rebentamentos à mistura e eis que o silêncio de novo pairou. Normalmente ao primeiro estoiro de um nosso morteiro, com boa pontaria, acabava a festa.

Logo nos interrogamos sobre o que se teria passado. O mais provável, concluímos nós, era que após dura resistência eles abandonaram a base.

Soube depois que a base era constituída por diversas barracas e que foi logo abandonada após os tiros de aviso de um sentinela.

Na busca apanharam-se 4 granadas de mão, 1 cinturão e vários livros de escola a pressupor que havia por ali escola e à semelhança de outras grande bases inimigas.

Não houve portanto verdadeiramente ataque e o tiroteio que ouvimos foi a flagelação inimiga com a tropa dentro da base (o tal tiroteio que eu pensei ser o do ataque à base como atrás descrevo), o que normalmente também acontecia. O tiroteio durou cerca de 25 minutos e depois veio-se a confirmar o inimigo ter tido 2 baixas.

Muitas vezes acontecia assim: nós de assalto tomávamos a base, entretanto abandonada, e o inimigo já do lado de fora tinha ali um novo alvo e bem conhecido dele.

Depois, também o costume: barracas incendiadas e atenções redobradas pois já sabíamos que os íamos ter à pega dali para a frente.

E então eis que do PCA surge a ordem para o nosso pequeno e desorientado grupo, que nos emboscássemos rapidamente, pois cerca de 30 “turras” fugiam em direcção ao ponto em que nos encontrávamos. Rapidamente o Alferes Esteves que ficou no pequeno grupo com dois Furrieis, sendo eu um deles, procuramos instalar os nossos homens da melhor maneira. Ouvimos depois dizer que esse grupo estava agora acoitado sob uma grande árvore, (provavelmente ao abrigo da aviação) mas que aguardássemos, pois eles podiam prosseguir, involuntariamente, ao nosso encontro. Momentos de rara expectativa e o coração a querer saltar para fora do peito. Íamos ter contacto com um grupo de efectivo superior ao nosso, nós com poucas G3, pese embora que os emboscados éramos nós… e, nós é que jogávamos com a surpresa e esta era sempre uma boa vantagem.

De armas aperradas e olhos bem abertos, aguardávamos aquele grupo inimigo. No entanto chega-nos depois a informação aérea, de que afinal o grupo tomava agora outro rumo.

Mais uma operação falhada! O inimigo detectou-nos mais uma vez com a “colaboração” do nosso guia (“deles”) e um sentinela avisa com três tiros seguidos. Sim, nada de baixas ao inimigo, nada de material significativo aprisionado. Somente, e tal como já vinha sendo hábito, a coisa saldou-se com o refúgio incendiado e completamente destruído, o possuir de alguns parcos víveres e animais domésticos que eles abandonavam intempestivamente, e para gáudio da tribo indígena. O circo do costume…

Entretanto o PCA tratou de nos fazer reagrupar à Companhia, no caso a 818 a tal que fazia a segurança nesta operação. A pequena avioneta indicava-nos o rumo a tomar cortando o ar segundo a direcção que devíamos seguir, a partir da altura que passava por cima de nós e em voo muito baixo. O “Dornier” repetiu esta operação tantas vezes quantas foram precisas para nos levar ao encontro, e uma vez este ter acontecido foi juntar-se lá além aos bombardeiros que entretanto bombardeavam posições inimigas. Ouvíamos os rebentamentos longe o que nos fazia deduzir que o inimigo bem longe andava. Entretanto o nosso pequeno grupo, ainda em progressão ao encontro do outro, atravessa uma enorme bolanha e com uma árvore de grande parte no meio. Alguém diz: “Meu Alferes eles vão além” e aponta para dois ou três pretos que se viam, não muito longe, embrenhados no mato. Então o “cow-boy” instala o morteiro, pois a distância não dava partido a uma outra arma, aponta-o e logo saem duas granadas uma atrás da outra. Passados breves segundos ouvimos os rebentamentos daquelas e pronto, como não mais os víssemos, abandonamos o pensamento neles. Mas, logo de seguida, eis que surgem tiros da orla da bolanha. “É uma emboscada”!, alguém grita. Então, todos à uma, fomos abrigar-nos no único abrigo ali possível: a grande árvore referida atrás. Tudo ao molhe.

Ficamos todos empilhados, numa situação grotesca. Os tiros foram poucos e isolados e portanto mantivemo-nos em expectativa e não respondemos. Em boa hora assim pensamos pois de imediato surgiram do capim colegas nossos da 818. Periquitices…

 Mais tarde já com o ouvido bem apurado saberíamos que a bala ao sair do cano era de G3 ou Thompson, ou da costureirinha...

Esta operação tinha sido o baptismo desta Companhia e esta, ou aliás, um elemento entre estes, ao ouvir ruído, não esteve com meias medidas e à que disparar.

Caramba, o que podia ter acontecido! Já conhecíamos casos de tropa atingir tropa, pois por vezes e devido à sinuosidade do terreno parte da fila indiana situava-se no sentido oposto da outra parte, fazendo conjecturar que o inimigo estava ali mesmo à nossa frente. Só a experiência e o sangue frio aconselhava a ter calma e a melhor atenção.

Bom, mas nada aconteceu do muito que podia acontecer, principalmente se nós abríssemos fogo também.

Todos juntos agora, prosseguimos de regresso à base. Entretanto surge no ar um helicóptero. Claro, ao vermos tal objecto voador logo suspeitamos de haver feridos por ali. Mas como e porquê naquele sítio? Afinal aquele sítio tinha sido aonde momentos antes tínhamos visto o pequeno grupo de “turras”. Chegados junto do helicóptero, logo constatamos que afinal era para levar um preto… carregador nosso, ferido com estilhaços de uma granada de morteiro… precisamente do morteiro do “cow-boy”. Os dois ou três pretos que tínhamos visto ao longe, quando estávamos na bolanha, eram afinal carregadores nossos e que na altura alinhavam com a 818. Foram confundidos, pois as suas roupas, à maneira indígena, levaram-nos a supor que se tratava de um pequeno grupo de “turras”. Que confusão! Tudo foi confuso e o resultado dramaticamente desastroso!

A operação não tinha começado nada bem e estava a acabar ainda pior.

Havia agora a lamentar este ferido, e ainda por cima, ferido por nós próprios.

O helicóptero levantou verticalmente e depois, em voo paralelo, seguiu a todo o gás em direcção ao hospital de Bissau.

Mais adiante encontramos o resto da 816 e ainda os “Lordes”. A coluna formou-se, agora completa e regressamos a Bissorã. Um regresso frio, consequente de uma operação frustrada, mas restava-nos a consolação - o que não era pouco - de não ter havido também qualquer azar, para além do ferido atrás citado.

Alguns quilómetros antes de Bissorã e quando aguardávamos as viaturas ainda tivemos uma pequena emboscada - ou flagelação - que nem sequer foi merecedora de qualquer esboço de reacção da nossa parte. Eles apareciam sempre ao longe ou ao perto. Com muitos tiros ou poucos. Eles queriam era dizer que estavam ali, que existiam, que estavam atentos.

E pronto, aquela operação tinha chegado ao fim. Operação sob o signo do azar, pois este começou com a desunião da coluna em plena progressão ao encontro do refúgio inimigo, em plena noite cerrada, e em pleno mato, o que veio a precipitar os acontecimentos subsequentes, e nunca mais nos largaria.

Foi clarividente que a progressão de uma extensa fila indiana, feita em noite muito escura, (tempo das chuvas) feita por caminho de mato desconhecido e bastante sinuoso, nunca pode ser feita com pressa, sem que isso não custe uma cisão na coluna que se pode tornar irreparável como tinha sido o caso. Ainda a total inexperiência da 818, aliada à nossa (816) que ainda era pouca, veio tudo resultar numa operação eivada de aspectos negativos e azarentos.

Cervejada, dormir e bola e venha outra que esta já era, o que ia acontecer dois a três dias depois, regularmente.

“Pelo menos vou estar vivo mais dois dias” como dizia muitas vezes o meu amigo, e também Furriel, Martins (o Mansores).
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Notas de CV:

(*) Vd. poste de 26 de Janeiro de 2011 > Guiné 63/74 - P7674: Doenças e outros problemas de saúde que nos afectavam (4): As abelhas (Rui Silva)

Vd. último poste da série de 12 de Junho de 2010 > Guiné 63/74 – P6579: Páginas Negras com Salpicos Cor-de-Rosa (Rui Silva) (10): Golpe-de mão à “casa-de-mato” de Cussondome

Guiné 63/74 - P7886: Contraponto (Alberto Branquinho) (24): Fronteira portuguesa? Ainda?

1. Mensagem do nosso camarada Alberto Branquinho (ex-Alf Mil de Op Esp da CART 1689, , Catió, Cabedu, Gandembel e Canquelifá, 1967/69), com data de 22 de Fevereiro de 2011:

Caro Amigo Carlos Vinhal
Junto vai um pequeno texto para o CONTRAPONTO (24) que foi a reacção imediata à leitura de um conto do José Eduardo Agualusa.

Abraço
Alberto Branquinho


CONTRAPONTO (24)

FRONTEIRA PORTUGUESA? AINDA?

No livro de contos “Fronteiras Perdidas” (Publicações Dom Quixote) de José Eduardo Agualusa, cuja 1ª. edição é de 1999, está incluído um conto denominado “Lugar de Morança” (pág. 57).

Como natural de África, que fala e repete África (não só Angola), aqui a história começa em Ziguinchor – Senegal.

Há referências a uma “velha casa, com uma larga varanda a toda a volta”, “um rádio ligado e uma voz que canta”, ao “grito do muezim chamando o povo às orações”, ao “rio Casamansa”, à “poeira vermelha flutuando sobre a estrada”, tal como nos nossos tempos de Guiné…

E, inesperadamente, termina do seguinte modo:
«Sigo em direcção à fronteira, a São Domingos, na Guiné-Bissau. E é então que vejo uma placa na berma da estrada, meio oculta pelo capim exuberante, corroída pelo tempo, a humidade feroz, um desgosto antigo:

- Portugal 30 - Km. ».

(Passei por aqui, a caminho de Dakar, em 1999, saindo da Guiné por São Domingos, depois de termos passado a noite nos arredores de Susana. Não vi essa placa, que estará – estará ainda? – colocada de modo a ser vista por quem viaje de norte para sul e não em sentido contrário.)

Alberto Branquinho
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Nota de CV:

Vd. último poste da série de 23 de Fevereiro de 2011 > Guiné 63/74 - P7851: Contraponto (Alberto Branquinho) (23): Os milicianos na guerra

Guiné 63/74 - P7885: A guerra vista de Bafatá (Fernando Gouveia) (74): Na Kontra Ka Kontra: 38.º episódio




1. Trigésimo oitavo episódio da estória Na Kontra Ka Kontra, de Fernando Gouveia (ex-Alf Mil Rec e Inf, Bafatá, 1968/70), enviado em mensagem do dia 1 de Março de 2011:


NA KONTRA
KA KONTRA


38º EPISÓDIO

Os passageiros saem do avião, são conduzidos num autocarro até à gare e pouco depois recolhem as malas que vinham despachadas no porão. O nosso Alferes com as malas num carrinho dirige-se para a saída, hesitando ao passar pela porta ostentando os dizeres “nada a declarar”. Neste momento a única coisa que o preocupa é saber se a namorada está ou não à sua espera. Será muito importante que esteja pois disso dependerá muita coisa do seu futuro e, de imediato, umas óptimas férias, longe da guerra.

Ao chegar à zona da saída, o Alferes Magalhães pára. Passa uma vista de olhos por todas as pessoas que estão encostadas à balaustrada de separação, à espera dos viajantes. Não vê a sua namorada. O seu coração como que pára. Será o desmoronar de muitos projectos. Continua a andar, decidido a sair do aeroporto, tomar um táxi e ir para casa dos pais, que por terem já alguma idade não foram esperá-lo.

Ao passar o fim do gradeamento de separação uma rapariga, para ele uma estranha, que aliás tinha visto encostada à balaustrada, agarra-se-lhe ao pescoço aos beijos. Ele afasta-a pegando-a pelos ombros para lhe ver melhor a cara e simultaneamente, ele reconhece-a e ela diz-lhe:

- Então só por ter cortado o cabelo assim curto já não me conheces?

De momento ele ficou como que mole, sem acção para nada. Ultimamente tinha-lhe acontecido muita coisa adversa. Nos últimos tempos, esta seria a primeira auspiciosa. Reagiu, como sempre, e enlaçaram-se agora por vontade mútua.

Sentam-se no bar do aeroporto, não a falar da Guiné, que de momento tinha ficado para trás, mas a combinar o que irão fazer nos próximos dias, além de namorar, como se algo mais houvesse para fazer…

Ela, professora do liceu, andava com muito trabalho pois andava a fazer o estágio pedagógico e o exame de Estado final aproximava-se. Assim, ele teve tempo para rever a família e os amigos. Com estes, sim, viria a conversar muito sobre a Guiné.

Todos os momentos em que ela estava livre eram aproveitados para os dois estarem juntos. Fazem passeios pelos locais mais bonitos da zona do Porto: Passeiam pela marginal do Douro. Sobem num dos elevadores da ponte da Arrábida e atravessam pela ponte para o lado de Gaia para daí desfrutarem a maravilhosa vista do Porto.

O Porto e o Barredo vistos de Gaia.

Passam pelo Barredo onde, em tempos, numa tasca tinham almoçado umas iscas de bacalhau feitas num fogareiro à porta do estabelecimento. Nessa altura ele, como estudante de Arquitectura, andava a realizar um trabalho sobre essa parte antiga da Ribeira do Porto. Sobem pela Rua Escura até à Sé. Deslumbram-se com a vista do Porto antigo, com a Torre dos Clérigos em destaque. Em determinada altura, no terreiro da Sé, um miúdo dirige-se a ela pede:

- Senhora, dê-me um tostãozinho.

- Olha, se eu tivesse um tostão casava-me.

Metendo a mão ao bolso o rapazito pega num tostão e dá-lho dizendo:

- Pegue, já se pode casar.

Claro que o miúdo teve a sua recompensa, continuando os dois namorados o passeio.

O terreiro da Sé, no Porto com a Torre dos Clérigos ao fundo.

Noutro dia, já perto do final das férias dele, vão de eléctrico pela Avenida da Boavista até ao Castelo do Queijo. Apesar de se estar em fins de Novembro a proximidade do mar ameniza muito a temperatura, convidando a uma caminhada ao longo da marginal até ao molhe sul do Porto de Leixões. Os titãs, modernas estruturas portuárias colocadas nos extremos dos paredões, fazem lembrar o lendário Colosso de Rodes.

Um dos “titãs”.

Atravessam Matosinhos. Chegam junto da zona portuária, sempre agradável de se observar pela azáfama de todo aquele pessoal na transferência de mercadorias de e para os navios. Atravessam a ponte móvel para Leça e dirigem-se para a praia, descansam um pouco e continuam até à Capela da Boa Nova, local ermo mas cheio de beleza. Além da capela, só por ali existe o Farol da Boa Nova e um restaurante, magnífica obra do jovem arquitecto Siza Vieira.

A capela da Boa Nova em Leça.

Sentados num muro, têm uma longa conversa sobre o que poderá ser o futuro de ambos.

Fim deste episódio
Até ao próximo camaradas.
(Fernando Gouveia)
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Nota de CV:

Vd. último poste da série de 1 de Março de 2011 > Guiné 63/74 - P7882: A guerra vista de Bafatá (Fernando Gouveia) (73): Na Kontra Ka Kontra: 37.º episódio

Guiné 63/74 - P7884: FAP (62): A morte do Furriel Mil Pil Frederico Vidal e a acção heróica do Alf Mil Pil (?) Pinto da Rocha, numa DO 27, sob os céus de Catió / Cufar, em 24/2/1964 (Virgínio Briote)

1. Mensagem do Virgínio Briote, com data de ontem:


Caro Luis Graça,

Porque foste tu o editor do poste do Frederico Vidal (*), anexo-te a informação que me foi enviada pelo  Gen Pilav [...]  (agradeço que mantenhas reserva da fonte) e que podes acrescentar ao  poste.


Um abraço do
v briote

PS - Anexo uma memória do Frederico escrita pelo Amigo de Família e Capelão FAP Pires de Campos.




Memória do Frederico escrita pelo Amigo de Família e Capelão da FAP Pires de Campos.

 
2.  Informação adicional sobre o Fur Mil Pil Frederico Vidal (1942-1964)

Assunto - A morte do Furriel Frederico Vidal


(...) Estava em execução uma missão de reconhecimento visual, na região de Catió/Cufar, feita em DO 27 sem duplo comando, pilotado pelo Frederico que levava como observador o Alferes Pinto da Rocha.

Em determinada altura o avião foi atingido por fogo de terra tendo atingido o Frederico na cabeça causando-lhe, ao que tudo indicava, morte imediata.



O Alferes, sem comandos do seu lado, e sem conseguir remover o cadáver do seu lugar, pilotou o avião até à Base e aterrou com segurança sem causar qualquer dano à aeronave.


Foi uma situação que demorou cerca de 1 hora de pilotagem, com a mão esquerda, e sem acesso aos travões. Este piloto também já não está entre nós, tendo falecido numa missão de combate a um fogo florestal no verão de 1999.

O Furriel Vidal era de Cascais e encontra-se sepultado, em jazigo da família, no Cemitério dos Prazeres.



Claro que o IN não deu por nada e é por isso que nunca explorou o sucesso e,  dentro das nossas forças, só o pessoal da Base teve conhecimento.

Também voei DO 27 e por isso considero a actuação do piloto observador (aquele que tinha por função orientar e registar os resultados do reconhecimento), como uma acção heróica e única. Todos nós passámos por muitas mas esta é realmente singular.

Malhas que o Império teceu e que felizmente nos Honram (...) (**)
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Notas de L.G.:


(*) Vd. poste de  27 de Fevereiro de 2011 > Guiné 63/74 - P7873: In Memoriam (71): Fur Mil Av Frederico Manuel Machado Vidal (1943-1964), morto em 24/2 /1964

(**) Último poste da série > 17 de Fevereiro de 2011 >Guiné 63/74 - P7808: FAP (61): Passageiro, de classe única, do Nordatlas, em viagem inolvidável de Bissau até Bafatá, via Nova Lamego, com lançamento de géneros por pára-quedas ao longo do percurso (Mário Miguéis)

terça-feira, 1 de março de 2011

Guiné 63/74 - P7883: Notas de leitura (211): Antologia Poética da Guiné-Bissau (3) (Mário Beja Santos)

1. Mensagem de Mário Beja Santos (ex-Alf Mil, Comandante do Pel Caç Nat 52, Missirá e Bambadinca, 1968/70), com data de 24 de Fevereiro de 2011:

Queridos amigos,
Está concluído o périplo aos poetas guineenses até 1990, não vale a pena iludir que é tudo muito poucochinho, numa estreita dependência dos temas portugueses e por vezes com cedências primárias ao incitamento propagandístico, mas sem miolo.
Renova-se o pedido a quem tenha outras antologias com data posterior de fazer o favor de nos emprestar, estamos aqui também para deixar o registo de todas as iniciativas culturais luso-guineenses.

Um abraço do
Mário


Os poetas da Guiné-Bissau: a ingenuidade dos amanhãs que cantam

Beja Santos

A “Antologia Poética da Guiné-Bissau”**, organizada pela União Nacional dos Artistas e Escritores da Guiné-Bissau, com prefácio de Manuel Ferreira (Editorial Inquérito, 1990) procurou na época coligir exemplos representativos das intervenções líricas mais dignas de distinção. Temos aqui várias gerações, há sem sombra de dúvida aproximações entre todas elas: a nostalgia militante, a vibração da palavra de ordem, a glorificação dos afectos, os incentivos à luta da libertação, a laude às vítimas e aos sacrifícios por essa luta e aos heróis anónimos. Há soluções líricas de ternura e enlevo, há fórmulas de grande ingenuidade, de quem se está a estrear na métrica, há poemas com apuro estético, percebe-se que é um país que arranca com vozes entusiasmadas e até deslumbradas mas manda a sinceridade que se diga que este balanço não autoriza um rasgado elogio, uma parte significativa do que consta desta antologia não passará ao futuro. Os poetas que faltam registar são José Carlos Schwartz, Pascoal D’Artagnan, Francisco Conduto, Carlos Alberto Alves de Almada, Jorge Cabral, Nagib Jauad, Félix Sigá, Domingas Samy e Eunice Borges.

Schwartz morreu precocemente, manejava a escrita com simplicidade, com orgulho do seu nacionalismo: “Antes de partir/ Encherei os meus olhos, a minha memória/ Do verde (verde, verde!) do meu País/ Para que quando tomado pela saudade/ Verde seja a esperança/ Do regresso breve”. Pascoal D’Artagnan pautou-se pelo uso de uma métrica arrumada em conceptualismos, manipulou a carga panfletária não subtraindo a veia lírica e o apelo às sonoridades, como se exemplifica no:

 In Memoriam a Amílcar Cabral

As frestas das portas da mártir África
abriam-se num passo compassado.

O homem surgia –
– ele e a glória do porvir
aureolando-lhe o rasgo.

As brisas tornavam-se mais tensas
mais velozes em seus assopros
os sóis decididamente rasgavam os escuros
– que teimavam em esbater-se
– sobre os tectos africanos.

A fé e a esperança
circundavam garante o homem
– era o sonho da caminhada
Incendiando corações galopantes


Francisco Conduto não enjeita quer o panfleto quer as mensagens doutrinais, o mesmo se poderá dizer de Carlos Alberto Alves de Almada. Jorge Cabral é um poeta saudosista, melancólico, embalado por uma poesia muito formalista. Pouco há a dizer, igualmente, de Nagib Farid Said Jauad, Félix Sigá e Domingos Samy. A última poetiza da antologia, Eunice Borges, surpreende pelo uso de uma linguagem simples e directa, acalorada ao serviço de causas como os direitos das mulheres ou a apologia do heroísmo dos combatentes. E surpreende porque tal simplicidade da composição lírica acaba por servir como estrofes de canção:

Manta da minha mãe

A minha mãe
tinha uma manta velhinha
cheia de buracos
que me cobria
quando eu era pequenina!

Mamã,
a manta com que me cobrias
tinha tanto calor
que fez nascer dentro de mim
aquele amor tão grande
que a vida não faz morrer.


Em jeito de conclusão, importa reconhecer que a generalidade desta poesia está profundamente condicionada pela lírica portuguesa, é determinada por causas, mas pouco ousada em termos imaginativos. Se não surpreende na vida cultural de um Estado recém-criado, hoje, caso estejamos ainda a este nível da arquitectura poética, já será motivo de preocupação.
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Notas de CV:

(*) Vd. poste de 1 de Março de 2011 > Guiné 63/74 - P7883: Recortes de imprensa (40): Numa sala de espelhos estilhaçados, lembranças de partidas e chegadas (Beja Santos - Diário de Aveiro - 13/2/2011)

(**) Vd. postes de:

19 de Fevereiro de 2011 > Guiné 63/74 - P7819: Notas de leitura (206): Antologia Poética da Guiné-Bissau (1) (Mário Beja Santos)
e
22 de Fevereiro de 2011 > Guiné 63/74 - P7839: Notas de leitura (208): Antologia Poética da Guiné-Bissau (2) (Mário Beja Santos)

Vd. último poste da série de 27 de Fevereiro de 2011 > Guiné 63/74 - P7872: Notas de leitura (210): A Última Missão, de José de Moura Calheiros (3) (Mário Beja Santos)

Guiné 63/74 - P7882: A guerra vista de Bafatá (Fernando Gouveia) (73): Na Kontra Ka Kontra: 37.º episódio




1. Trigésimo sétimo episódio da estória Na Kontra Ka Kontra, de Fernando Gouveia (ex-Alf Mil Rec e Inf, Bafatá, 1968/70), enviado em mensagem do dia 28 de Fevereiro de 2011:


NA KONTRA
KA KONTRA


37º EPISÓDIO

Os aviões vêm de Lisboa durante a noite, passando pela ilha do Sal em Cabo Verde e regressam durante o dia à Metrópole. Não atravessam o continente africano. Os países a sobrevoar não o permitem por Portugal ser um país colonialista. De qualquer modo vai-se sempre a ver a costa de África. Sabendo disso o nosso Alferes, ao fazer o check-in, pede um lugar à janela e do lado direito da cabine.

Chamam para o embarque. O nosso Alferes tem que mostrar o cartão de embarque e um documento, o Passaporte Militar, trazido de Bafata. Depois de muito procurar, de esvaziar várias vezes os bolsos e um pequeno saco que levava com ele, o dito documento não aparece. Todos os passageiros já tinham embarcado. Sem Passaporte Militar o Alferes Magalhães ia ficar em terra.

Quando a Hospedeira que estava a controlar as entradas já não via solução para a situação do Alferes, pelo intercomunicador chama o comandante do avião. Chegado este, pede ao Alferes para tornar a procurar o passaporte. Os bolsos e a saqueta são novamente revirados do avesso, mas nada. Com voz sumida, o Alferes admite que o documento pode estar, por engano, na mala que tinha despachado para o porão do avião. É então que o Comandante, vendo quão importante era para um militar em guerra, ir à Metrópole de férias, dá a seguinte ordem:

- Tirem as malas todas do avião até aparecer a do Senhor Alferes.

A mala apareceu mas não o Passaporte Militar e o Alferes estava na mesma situação de não poder embarcar.

Nova revista nos bolsos e como por milagre num deles aparece agora o desejado papel. Mil desculpas ao Comandante e à Hospedeira, não demorando o avião a levantar, rumo a Lisboa.

Era a primeira vez que o nosso Alferes fazia este percurso. Tinha vindo para a Guiné num cargueiro transformado para levar tropas, o “Ana Mafalda”. De avião a diferença para melhor era abismal. Ao longo do percurso que, de avião dura cerca de quatro horas, vai-se sempre a ver a costa de África, quase toda deserto. O mar junto às dunas toma várias tonalidades, do verde ao azul escuro. Maravilhoso, não deixa de pensar o nosso passageiro de última hora. Já depois da refeição servida a bordo, um prato quente de lombinhos com cogumelos e sobremesa de papaia, o Alferes, com a ajuda de um mapa fornecido a bordo, consegue identificar, na borda do deserto, a povoação de Villa Cisneros, capital do Sara Espanhol.

Vila Cisneros na Prov. Espanhola do Sara

Mais ou menos a meio do território de Marrocos o avião começa a afastar-se da costa e não demora a que apareça na linha do horizonte a costa algarvia. Sensação agradável, estava-se a chegar a “casa”. Passa-se na vertical de Portimão e pouco depois aterra-se no Aeroporto da Portela em Lisboa.

De Lisboa ao Porto foi um instante tendo o Alferes apreciado pela primeira vez lindas vistas aéreas de Portugal, sobretudo ao sobrevoar o Douro, com a recente Ponte da Arrábida, o porto de Leixões, Leça e as demais praias bem suas conhecidas.

A partir do momento em que o avião toca na pista e se sente que a viagem terminou o nosso Alferes, nos largos minutos que antecedem a ordem para se sair da cabine, faz um balanço de todos os últimos acontecimentos vividos na Guiné: A namorada estará à sua espera e não deixa de pensar na Asmau; a morte do Samba, que veio complicar tudo ainda mais no que a ela diz respeito; o que se passará com o Ibraim? E o Dionildo a quem nunca mais ouvirá um F…? São pensamentos que de alguma forma muito o perturbam. Conta agora com trinta e cinco dias pela frente e com a namorada para lhe fazer esquecer tudo isso. Os amigos também ajudariam.

Os passageiros saem do avião, são conduzidos num autocarro até à gare e pouco depois recolhem as malas que vinham despachadas no porão. O nosso Alferes com as malas num carrinho dirige-se para a saída, hesitando ao passar pela porta ostentando os dizeres “nada a declarar”. Neste momento a única coisa que o preocupa é saber se a namorada está ou não à sua espera. Será muito importante que esteja pois disso dependerá muita coisa do seu futuro e, de imediato, umas óptimas férias, longe da guerra.

Ao chegar à zona da saída, o Alferes Magalhães pára. Passa uma vista de olhos por todas as pessoas que estão encostadas à balaustrada de separação, à espera dos viajantes. Não vê a sua namorada. O seu coração como que pára. Será o desmoronar de muitos projectos. Continua a andar, decidido a sair do aeroporto, tomar um táxi e ir para casa dos pais, que por terem já alguma idade não foram esperá-lo.

Fim deste episódio
Até ao próximo camaradas.
(Fernando Gouveia)
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Nota de CV.

Vd. último poste da série de 28 de Fevereiro de 2011 > Guiné 63/74 - P7875: A guerra vista de Bafatá (Fernando Gouveia) (72): Na Kontra Ka Kontra: 36.º episódio

Guiné 63/74 - P7881: Parabéns a você (223): Fernando Chapouto, ex-Fur Mil Op Esp da CCAÇ 1426 (Tertúlia / Editores)

PARABÉNS A VOCÊ

01 DE MARÇO DE 2011


Caro camarada Fernando Chapouto , a Tabanca Grande solidariza-se contigo nesta data festiva.

Assim, vêm os Editores, em nome de toda a Tertúlia desejar-te um feliz dia de aniversário junto dos teus familiares e amigos.

Que esta data se festeje por muitos anos, repletos de saúde, tendo sempre por perto aqueles que amas e prezas.

Na hora do brinde não esqueças os teus camaradas e amigos do Blogue Luís Graça & Camaradas da Guiné, que irão erguer também uma taça pela tua saúde e longevidade.

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Notas de CV:

Vd. poste de 1 de Março de 2010 > Guiné 63/74 - P5914: Parabéns a você (84): Fernando Chapouto, Fur Mil Op Esp/RANGER da CCAÇ 1426, Geba/Camamudo/Banjara/Cantacunda-1965/67 (Editores)

Vd. último poste da série de 27 de Fevereiro de 2011 > Guiné 63/74 - P7870: Parabéns a você (222): Luís R. Moreira (ex-Alf Mil Sapador da CCS/BART 2917 e BENG 447 (Tertúlia / Editores)

segunda-feira, 28 de fevereiro de 2011

Guiné 63/74 - P7880: A minha guerra a petróleo (ex-Cap Art Pereira da Costa) (4): Em Mansabá, os últimos tempos de guerra

1. Mensagem de António José Pereira da Costa*, Coronel, que foi comandante da CART 3494, Xime e Mansambo, 1972/74, com data de 16 de Junho de 2010:

Camarada
Aqui vai mais um texto meu.
Tive dificuldade em o construir e por isso saiu uma série de personagens esboçadas.
À consideração "superior".
Um Ab


A Minha Guerra a Petróleo (4)

Em Mansabá, os Últimos Tempos de Guerra

 Vista aérea da povoação e quartel de Mansabá
Foto de Carlos Vinhal

Conheci Mansabá em finais de Novembro de 1972. O quartel vasto era agora guarnecido por uma Companhia de Artilharia – a CArt 3567 (“Os Insaciáveis") – e duas Secções de Artilharia (obuses 8,8 cm), quando já fora sede de Batalhão e depois de um COp. Levar-nos-ia longe a análise da constituição dos Comandos Operacionais (COp), em diversos locais da Guiné e não cabe aqui discutir soluções tácticas, mas antes falar de pessoas. Dos que ali foram parar e dos que ali viviam o seu dia-a-dia. Hoje, passados todos estes anos, creio que ninguém tinha uma ideia acerca do que pretendia. Todos esperavam. Os nascidos e criados naquela terra e arredores deveriam ter dificuldade em entender o que se passara e o que se passava para que tivessem de viver circunscritos a uma localidade, sem puderem deslocar-se livremente e contactar com os seus, que residiam noutros locais, cultivar a terra um pouco mais longe, comerciar, em resumo: viver.

Mal ou bem, mas labutar no dia-a-dia. E, o que era pior, sabiam que, se fossem “apanhados”, teriam de passar a viver em condições muito mais difíceis quando não em situações de dolorosa inferioridade. É que, se a vida de guerrilheiro e da população que o apoia é duríssima, a vida de um prisioneiro será sempre um calvário. Não sabe onde e como estão os que teve de deixar para trás e, na sua nova situação, ser-lhe-ão sempre atribuídas as tarefas mais humilhantes, para além da desconfiança que sentirá sempre à sua volta. E não adianta tentar “comprar” o ex-inimigo…

Naquela altura os campos já estavam extremados. Quem estava de um lado sabia que não tinha possibilidades de se inserir e sobreviver no outro.

Não contactei muito intimamente com a população. Senti mesmo uma certa distância dela em relação a mim, ou seria a todos nós? Sim, nós, os outros, os que fôramos daqui para lá para… para quê? Para combater pela Pátria, pois claro! Para proteger aquelas populações da barbárie, das garras do “comunismo internacional” e assegurar o desenvolvimento pacífico daquela terra e (quem sabe?) “assegurar a passagem a uma maior autonomia”. Enfim, íamos fazer o que se dizia e era sabido que íamos fazer…

É, no mínimo, estranho que a guerra se constitua como factor de aceleração do desenvolvimento e de autonomia. Será que, se não houvesse guerra o desenvolvimento económico e social não se daria? Ou seria retardado? É-me difícil admitir outra forma de desenvolvimento que não seja assente na paz. No fundo, estamos a dizer que quem se revoltou tinha razão e assim conseguiu que a população vivesse melhor, embora pagasse caro essa melhoria. Verdadeiramente insanável esta contradição.

A “guerra” levava, naquela altura, dez anos e, hoje, parece-me que aquela terra e aquela gente padeciam de uma espécie da gangrena que as apodrecia cada vez mais. Os guerrilheiros faziam a guerrilha. Era o seu dever patriótico de homens que queriam ser livres. Imolavam-se, se necessário fosse, em combates curtos, mas intensos, contra um número considerável de conterrâneos seus e contra os que, vindos da “Metrópole”, os perseguiam por vezes com grande violência. Saberiam eles bem porque lutavam? Direi que sabiam.

Naquele tempo, parece-me que todos tínhamos (muitas) certezas. No meio estavam uns que suportavam, que aturavam as vicissitudes daquela situação sem puderem invertê-la. É o drama habitual das grandes massas de um povo que, não sabendo ou não achando necessário participar activamente, limitam-se a tentar sobreviver, oscilando, como um ponteiro desgovernado sobre o painel do momento. Normalmente, a História não regista o seu sofrimento, nem justifica a sua acção… ou falta dela.

Ao contrário da primeira comissão, desta vez, também nunca falei com nenhum guerrilheiro, nem com alguém que com eles tivesse vivido.

É certo que algo melhorara nos últimos tempos de guerra. Agora havia uma estrada asfaltada que levava a Bissau ou a Farim, estava montada uma rede de assistência médica e medicamentosa como nunca existira e o arroz era vendido a um preço simbólico: “cinco pesos e meio”. Ainda me recordo de uma grávida, em trabalho de parto, que foi evacuada para Bissau, por via aérea pelo, hoje general Martins de Matos.

Actualmente, nada disso por lá existe e, mesmo cá, as transmontanas têm os filhos nas ambulâncias…

Vivia-se em paz no interior da tabanca. Contudo numa tensão permanente. Havia que manter o inimigo à distância. Inimigo de quem ou de quê, isso é que era mais complicado de dizer… Para isso lá estávamos, mais de centena e meia de jovens – sim éramos jovens, é bom que se diga – que, com uma certa regularidade, faziam demonstrações de força e, com elas, garantiam que “os outros” não se aproximavam.

Vivia-se numa espécie de equilíbrio tenso e susceptível de se alterar ao menor sopro do acaso. Era a tal gangrena que minava e, cada dia, agudizava mais a situação. Uns já não, outros ainda não. Mas já não ou ainda não, o quê? O que é que cada um de nós, homem ou mulher, velho ou novo, nascido ali ou vindo de outro local, queria, em última análise? Dava a impressão de que aquela situação de equilíbrio iria alterar-se a qualquer momento. De que modo?

Andávamos todos à procura de sermos felizes. Cada um à sua maneira, construindo o seu amanhã à medida dos seus anseios e, quando não os identificava claramente, pelo menos queria que “aquilo” acabasse. Não me peçam estatísticas, percentagens ou tendências. Isso são abstracções de sociólogos ou de políticos carreiristas a justificarem – uns e outros – a marcha de um fenómeno que decorria naquele momento e não era possível parar nem condicionar.

O que pensaria o “Moisés Tchombé”, o chefe do posto, daquilo tudo? Chamávamos-lhe assim pela semelhança física com o ex-dirigente congolês. Será que exercia as suas funções a pensar no dever quotidiano a cumprir ou na simples sobrevivência, esperando que, quando “aquilo” acabasse, pudesse continuar tranquilamente a ser um bom “chefe de posto”? E os dois funcionários da Casa Gouveia, já aliciados para o “Partido”? Que esperariam eles, quando tudo acabasse, se acabasse? Claro que teria de acabar, mas… de que maneira? E o comerciante libanês (outro membro do “Partido”) que vivia como os seus colegas de profissão, num dia-a-dia de compra e vende toda e qualquer coisa que fosse necessária? E os velhos da tabanca, dotados da sabedoria que a idade sempre traz, o que pensariam daquilo? Como visualizariam o fim? Pensariam que o PAIGC, estava condenado a vencer e a tomar conta de tudo e, nesse caso, qual seria o papel deles? E se fosse a “Tropa” – reparem na expressão que usei e que usávamos – a ganhar, como ficaria todo o resto?

Há um indício técnico que, confesso, negligenciei: o Pelotão de Milícia estava incompleto e, embora o método de recrutamento estivesse modificado, centralizando-se num período de recruta num centro de instrução (que chegou a funcionar em Mansabá), parecia não haver interessados em recompletá-lo…

Estranho, para quem tinha que se defender diariamente de um inimigo que não se pode dizer que fosse muito contemplativo, como se viu naquele ataque “ao arame” em que arderam 21 casas. O que pensaria a população, em geral, das possibilidade de evolução da guerra? Valeu-nos naquela altura a Companhia de (instrução) Comandos Africanos que estava em formação e que fez as vezes dos bombeiros, apagando o incêndio, com baldes e bacias. Pedi às instâncias superiores cerca de 250 contos para reabilitar as casas e repor os bens daqueles que tudo tinham perdido. Nem um tostão veio. Não compreendi, na altura, a dificuldade em se aceitar que, em cada casa, houvesse pouco mais de dez contos em bens e alimentos. O PAIGC, vindo dos lados do Morés, atacou ostensivamente a tabanca e incendiou os telhados das moranças a tiro de RPG. O Amadu fala deste ataque, no seu livro e também não o entende(1). O conjunto tabanca mais quartel era grande e tinha um perímetro bem conhecido dos guerrilheiros. Um ataque cirúrgico, como hoje se diz, e que me pareceu um “ajuste de contas”, uma espécie de “perda de estado de graça”. Depois, veio o ataque à coluna de Cutia, a emboscada à coluna da CArt e à própria coluna grande de Bissau a Farim e volta. Terá sido o virar de uma situação de “equilíbrio”.

Uma morança de Mansabá atingida por fogo IN em 12 de Novembro de 1970
Foto de Carlos Vinhal

Tive contacto com o chefe da tabanca, logo no dia da minha chegada e, depois, só me pedia apoio para satisfazer qualquer necessidade da sua gente. Vi que os habitantes da tabanca viajavam pouco. Poderiam ir a Mansoa nas colunas da CArt. e daí a Bissau ou a Farim, na “coluna grande”, mas inexplicavelmente… não iam. Que se passaria para que tal sucedesse?

Dentre os habitantes da tabanca havia uns que não consegui entender. Não eram africanos. O senhor Zé, a mulher, D. Olinda, e uma filhota de três para quatro anos que tinham. Ele tinha explorado a Serração, alguns quilómetros a Sul, à beira da estrada, e hoje ainda abatia uma ou outra árvore que arrastava numa espécie de chassis que normalmente “até andava” fazendo uma fumarada de gasóleo não queimado. Ela cuidava da horta de casa e fazia funcionar um “restaurante barra café”. A filha enervava-se muito com os tiros da artilharia e com os ataques e o filho, com onze anos, acabara por obrigar os pais virem deixá-lo a casa de familiares, em Leiria.

Mansabá > 13ABR71 > Festa de Batisado da filha do senhor José Leal e dona Olinda > Nesta foto, da direita para a esquerda: Cap Mil Jorge Picado, senhor José Leal, Chefe de Posto (“Moisés Tchombé”) referido no texto, a esposa e uma das professoras ou filha do casal.
Foto de Jorge Picado, com a devida vénia.


Mansabá > OUT71 > A D. Olinda, esposa do senhor José Leal, e a filha de ambos no dia da festa do 1.º aniversário da menina
Foto de Carlos Vinhal

A dado momento, colocaram ali duas professoras “de primeiras letras”: a Sérgia, cabo-verdiana, gorda e que não parecia muito interessada na sua actividade e a Maria do Socorro, balanta, já havia concorrido ao título de miss Guiné, mas o júri teve de a eliminar por falta de qualidades estéticas… Tinha uma outra atitude e parecia querer dinamizar o funcionamento da escola. Suspeitei dela por evitar sistematicamente as colunas da CArt e procurar sempre seguir na “coluna grande”. Um dia impedi-lhe o embarque numa delas e, então, não tive dúvidas. Aos saltos em cima do unimog desatou a gritar “que estava farta dos cães colonialistas portugueses”. Então detectei “as malhas que o Império tecia”. O comandante do Batalhão ameaçou-me e obrigou-me a soltá-la. A rapariga estava fortemente “apoiada nas NT” e eu estava a pouco tempo de me vir embora. Após a independência, talvez em consequência dos “apoios” foi funcionária do Exército, no Estado-maior do Exército e na Repartição de Oficiais. Sei que continuou muito preocupada com o que não tinha – a beleza – ao ponto de comprar a uma daquelas vendedoras que frequentavam as unidades militares e as empresas, o bronzeador mais caro. Ao que me disseram assassinaram-na numa das viagens que fez à Guiné. O móbil do crime terá sido o simples roubo.

Que pensariam estas duas mulheres que viviam numa casa anexa à escola. Esta, que tinha sido um posto de comando e um centro de transmissões, era um edifício, de paredes sólidas, construído no “ano dos centenários” – 1946. Há fotos deste tipo de edifícios. Este era contemporâneo do Posto Administrativo, onde o “Moisés” vivia e cumpria as suas obrigações burocráticas, que eu, devo confessar, nunca entendi bem. Por despacho do General Spínola, o director da escola era eu e o segundo comandante do Batalhão era o inspector da circunscrição escolar na sua área. Por mim, nunca intervim no “processo de alfabetização em curso” a não ser para transmitir as instruções que me davam, prontamente contestadas pela Socorro. A escola foi inspeccionada uma vez, durante as férias e na ausência das professoras. Os resultados foram hilariantes e até deram direito a uma música com letra do alferes Rui Serras e música do Yellow Submarine. Prometo que conto um dia destes…

O que pensariam estas mulheres jovens, na altura, do que se passava à sua volta e o que terá sido feito da Sérgia?

E a “malta”? O que pensariam e como aceitariam aquilo tudo, os alferes – nunca tive mais de três devido à escassez de pessoal – os sargentos – entre os quais também existiam faltas, pelo mesmo motivo – e as praças?

Corro o risco de ser injusto, mas a avaliação que faço hoje é fruto de análise de pequenas situações que foram sucedendo então e que me sugerem que se tratava de uma unidade de “homens independentes”. Havia, penso, um núcleo de mentores que lideravam naturalmente. O primeiro-sargento Cipriano Canelas, amigo de outras situações, homem sensato, competente e dedicado, tinha uma característica que pode ser considerada uma forma de resistência: procurava vestir sempre bem, fardado ou à paisana. Aglutinava à sua volta o alferes Silva, ex-seminarista e, por consequência treinado para liderar, como todos os padres; o Bateira, furriel atirador com a valentia própria de quem conheceu os “ambientes do Brasil” e que manejava a MG 42; o Rui Serras, estudante falhado de medicina, angolano de Portalegre ou portalegrense de Angola, persuasivo e alegre que, como vi mais tarde, sabia bem congregar vontades; o Mota e Silva furriel atirador eficaz e reservado.

Depois havia outros, como os malogrados Vale das Transmissões, Sá Lopes, Ranger, sempre pronto a fazer jus à sua qualificação e o Costa, gigante atirador e marido da Júlia. Ainda me lembro do Ramos, magro e louro, meu companheiro naquela coisa das minas… e o Antero Paiva. E o Carvalho, o furriel “Enfermeiro”, que fazia os possíveis por assistir a população e a “malta”, com cuidado e a qualidade possível. Havia também o Alves da Artilharia, sempre sisudo, mas pronto na “hora do aperto” e eficaz no desempenho das tarefas que lhe tocavam.

Entre os soldados, relembro o “Boxista” que tinha andado a aprender a “Nobre Arte” mas com resultados modestos, o Pilo (é nome e não alcunha) pescador do bacalhau e que preferia estar ali com os pés no chão a andar aos tombos num dóri; o Valdez das Transmissões que tocava, na flauta de bisel “El Condor Pasa” acompanhado à viola pela Sousa Pinto da mesma secção.

Todos cumpriam e bem, mas sem entusiasmo excessivo. As coisas, faziam-nas porque era necessário fazê-las, desde a guerra às tarefas de guarnição. Dir-se-ia que resistiam à provação que lhes era imposta.

Não creio que “sofressem de patriotismo exacerbado”. A Pátria, para eles, não era ali… Não notei que odiassem o inimigo, mas distanciavam-se dele. Defendiam-se e faziam a guerra porque a isso os obrigavam e não detectei que nutrissem ódio pelo inimigo, mas também não me pareceu que tivessem qualquer simpatia ou compreensão pela parte contrária. Esta atitude de reserva vinha desde a primeira baixa sofrida pela Companhia, quando tinham pouco tempo de Guiné e eu ainda não estava com eles. Fora um ferido com mina lá para os lados de Manhau. Penso que se sentiram injustiçados e daí nasceu em espécie de revolta surda de quem não teme, mas que também não acredita e, sem outra saída, mantêm uma atitude de fria independência e de liberdade escondida.

Sem grandes alardes de valentia tive prazer em os comandar, mais como cidadãos do que como soldados.

(1) - Djaló, Amadu Bailo, "Guineense, Comando Português", (pág. 246 e 247), Ed. Associação de Comandos, Col. Mama
Sume, Lisboa, Março de 2010.
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Notas de CV:

Vd. poste de 27 de Fevereiro de 2011 > Guiné 63/74 - P7874: Em busca de... (157): Camaradas da CART 3567 (António J. Pereira da Costa)

Vd. último poste da série de 18 de Junho de 2010 > Guiné 63/74 - P6614: A minha guerra a petróleo (ex-Cap Art Pereira da Costa) (3): Gente de Cacoca e outros

Guiné 63/74 - P7879: In Memoriam (72): Jaime Maria Nunes Estêvão, sold da CART 1690 / BART 1914, natural de Ourém, morto em 24/7/1968, num ataque ao destacamento de Banjara (A. Marques Lopes)



Guiné > Zona Leste > Sector L2 (Geba) > CART 1690 (1967/69) < Destacamento de Banjara >  Foto do  Jaime Estêvão, morto em  por um estilhaço de morteiro,  no ataque ao destacamento, em 24/7/1968...





Guiné > Zona Leste > Sector L2 (Geba) > CART 1690 (1967/69) < Destacamento de Banjara >  O Sold Jaime Estêvão, natural de Ourém, à esquerda....



Guiné > Zona Leste > Sector L2 (Geba) > CART 1690 (1967/69) < Destacamento de Banjara >  Uma terceira foto  do malogrado Sold Jaime Estêvão,  lançando-se para a "piscina" à pai Adão...




Fotos: © Alfredo Reis / A. Marques Lopes (2007) / Blogue Luís Graça & Camaradas da Guiné. Todos os direitos reservados



Guiné > Zona Leste > Sector L2 > Geba > CART 1690 / BART 1914 > Destacamentos e aquartelamentos > 1968 > A CART 1690, com sede em Geba, tinha vários destacamentos: Banjara, Cantacunda, Sare Banda, Sare Ganá... Os destacamentos não tinham luz eléctrica, as condições de segurança eram precárias e o reabastecimento irregular. O IN tinha duas importantes bases em Sinchã Jobel e Samba Culo.  A CART 1690 pertencia ao BART 1914 (Tite, 1967/69), que tem página Net.

Infogravura: © A. Marques Lopes (2005). Todos os direitos reservados






1. Mensagem do A. Marques Lopes, com data de 18 do corrente:

Amigo, vê em baixo o mail que me mandou esta mulher.



Tenho tentado apanhar no blogue as fotografias de Banjara, sei que o Estêvão está em algumas delas, mas não consigo ir aos sítios. Tenho informações sobre o homem, como era, como morreu... Gostava de dizer à mulher e enviar-lhe as fotografias. Já as tive mas acho que as apaguei, porque não as encontro. Se puderes indicar-me os locais onde estão...

Abraço e obrigado

A. Marques Lopes

2. Mensagem, enviada com ao A. Marques Lopes, por Maria da G. V. (não identificamos a pessoa, por que não pedimos a sua autorização expressa, por escrito), com data de 18 do corrente:



Assunto: Jaime Estevão

Boa tarde.

Interesso-me bastante por toda esta questão da guerra colonial. Marcou muita a minha infância, com partidas de amigos e familiares. Um amigo, um familiar e um meu conhecido não voltaram da Guiné. Lembro-me de ouvir falar de outros mortes na zona. Consegui situar a morte de alguns, um deles na operação Nó Górdio, em Moçambique.



Eu tinha 10 anos quando morreu o Jaime Nunes Estevão. No seu relato diz que houve um morto em Baranja no dia 18 de Maio de 68. Ele era da CART 1690 [, do BART 1914]. Foi a vítima que refere?


Há vários fotos mas sem estarem identificadas Como posso obter mais informações da vida e morte dele na Guiné e identificá-lo nas fotos?


Nunca o consegui esquecer. Ainda hoje recordo nitidamente o dia do seu funeral, as salvas de tiros, as conversas com os irmãos que eram meus colegas de escola . 


Recordo também a partida do meu tio 2 ou 3 meses depois. O barco, as lágrimas da minha mãe, avós e tias e a despedida dele do irmão mais velho, com 36 anos de idade,  em fase terminal de leucemia (morreu 6 meses depois), que lhe disse:
- Nunca mais nos veremos e, aliada à preocupação de deixar as minhas filhas [três] e a minha mulher desamparadas, ainda vou passar o resto dos meus dias a ter medo que partas antes de mim porque não sei qual de nós vai primeiro, se eu com esta maldita doença ou tu com uma bomba no meio do mato.



Ainda hoje o meu tio não gosta de falar da Guiné e não esquece a mágoa de, em vez de acompanhar o irmão e sobrinhas nos seus últimos meses de vida, ainda contribuiu para os tornar mais pesados.


Também me marcou muito a imagem da mãe do Jaime, viúva com 4 ou 5 filhos, sendo ele o mais velho. Dizia que a guerra lhe tinha levado o filho e o sustento dos irmãos mais novos, todos menores. Lembro-me de consolar o irmão Afonso, de 16 /17 anos, e dizer-lhe que ele não seria morto como o irmão porque já não seria obrigado a ir para a Guerra. 


Não me recordo de outro familiar, morreu em 1965, eu tinha 7 anos. Mas recordo vivamente a pena que tinha do meu primo, 3 anos mais novo e sem pai.  Agradeço-lhe antecipadamente qualquer informação que me possa prestar. Estou a tentar descobrir o mais possível sobre as curtas vidas destes jovens (só no concelho de Ourém, cerca de 40) que foram obrigados a partir e deram as suas vidas.


Também tomei contacto com a primeira [guerra] através do meu avô paterno que foi gaseado em França e ficou sempre com problemas de saúde. Morreram lá cerca de 14 ourienses, alguns amigos do meu avô. O meu avô materno partiu para França em 1920, com 19 anos, para fazer parte da reconstrução pós-guerra, onde ficou quase 10 anos. Cresci com as histórias de um e outro sobre a França.


Com os meus cumprimentos

Maria da G.V.



3. Mensagem de L.G., enviada em 18 do corrente ao A. Marques Lopes:

Querido António: Vê lá se encontras aqui alguma foto do Estêvão, neste dossiê de 2007... Estas são fotos do Alfredo Reis, não sei se alguma é tua... Mas julgo que tenho mais, de Banjara... Vou procurar... Estás melhor ?... Vou fazer uma referência ao teu blogue... Fica bem. Luís



4. Resposta do A. Marques na volta do correio:


Há aqui duas [fotos] onde ele está. É o que se está a mandar tudo nu para dentro de água e o que tem o javali. Era um tipo muito forte e trabalhador, amigo e companheiro. Um morteiro caiu em cima de uma árvore onde ele estava perto e um estilhaço furou-lhe o peito mesmo em cima da aorta. Caiu num charco de lama e esvaiu-se em sangue. Era o [Alf Mil Alfredo] Reis que lá estava e diz que o esteve a lavar. Eu não tenho fotografias de lá. Se arranjares mais algumas agradeço. (...)


Obrigado. Abraço


5. Comentário (final) de L.G.:

 Segundo informação constante da lista dos mortos do Ultramar,  naturais do concelho de Ourém, coligida e divulgada pelo  portal Ultramar Terraweb (laboriosa e superiormente criado e mantido pelo nosso camarigo António Pires e a sua equipa),  o nosso malogrado camarada Estêvão, Jaime Maria Nunes Estêvão, de seu nome completo, natural do Regato, Ourém, morreu 24/7/1968 (**), e está sepultado no cemitério da sede do concelho.

Gostaríamos de poder aqui, no nosso blogue e nesta série, recordar um a um todos os nossos camaradas que perderam a vida no TO da Guiné. Agradeço à Maria da G.V. a oportunidade de evocar a memória do seu amigo e nosso camarada de armas Jaime Estêvão, para cuja família e amigos de Ourém mandamos um abraço solidário.

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Notas de L.G.:

(*) Último poste da série > 27 de Fevereiro de 2011 > Guiné 63/74 - P7873: In Memoriam (71): Fur Mil Av Frederico Manuel Machado Vidal (1943-1964), piloto de T-6, abatido em 24/2 /1964


(**) Vd. Blogue Luís Graça & Camaradas da Guiné, I Série > 25 Maio 2005
Guiné 69/71 - XXIV: O ataque ao destacamento de Banjara (1968) (A. Marques Lopes)



(...) Vou-vos falar sobre Banjara. Não havia população civil e estava cercado por mata. Estava só um pelotão, 30 efectivos. A um quilómetro havia uma fonte onde, alternadamente, os nossos e o PAIGC se iam fornecer de água. Às vezes, encontravam-se… Mas havia uma fuga concertada dos dois lados, sem tiroteio. Ficava a 45 kms da sede da companhia (a CART 1690, em Geba).

Como podem ver pelo mapa [do sector de]Geba que já vos enviei, tinha do lado esquerdo a base de Samba Culo do PAIGC e do lado direito a base de Sinchã Jobel. Os abastecimentos eram feitos por terra, com grandes dificuldades. Às vezes demoravam muito tempo, pelo que era necessário recorrer aos "produtos" da natureza, isto é, apanhar algum bicho para comer (javalis, pássaros, macacos e, até, cobras). Neste ataque de que vos dou o relatório, tentaram fazer o mesmo que em Cantacunda, mas sem sucesso.

(...) Ataque a Banjara:  24 de Julho de 1968.

"Desenrolar da acção: No passado dia 24, pelas 18H00, o destacamento de Banjara foi atacado por numeroso grupo IN, estimado em cerca de 80 elementos (Bigrupo reforçado) com o seguinte armamento:

-Morteiro 82
-Morteiro 60
-Bazooka
-Lança-Rockets
-Metralhadoras pesadas
-Armas ligeiras


"O ataque terminou às 19H15. Verificou-se que, durante o ataque, as NT sofreram 1 morto [, Sold Jaime Maria Nunesa Estêvão] 
e 2 feridos, tendo sido atingido por uma granada de morteiro a caserna e por uma granada do lança-rocketes o depósito de géneros.

"O ataque foi efectuado no sentido Norte-Sul tendo o IN instalado alguns elementos do lado Sul. Verificou-se que mal o IN abriu fogo com os morteiros 82 e 60, alguns elementos correram imediatamente para a rede de arame farpado, cortando o arame nalguns sítios, procurando penetrar no aquartelamento. No entanto, devido à pronta reacção das NT, não o conseguiram, tendo sido obrigados a retirar, após o que continuaram a flagelar o aquartelamento sem, contudo, causarem mais baixas às NT.

"Diversos: A hora a que o ataque se realizou quase que coincidiu com a hora da terceira refeição. Verificou-se que a maioria dos soldados se encontravam a tomar banho, pois tinham acabado de jogar uma partida de futebol.

"O impacto inicial do ataque foi sustido principalmente pelo soldado Manuel da Costa que, mal se iniciou o ataque, correu para a metralhadora pesada Breda e, sem ser apontador da mesma, pô-la imediatamente [em acção] e manteve-se sempre nesse posto, e pelo soldado José Manuel Moreira da Sila Marques que, sozinho, em virtude dos outros dois camaradas que constituíam a esquadra do morteiro 81, terem sido feridos, funcionou com o mesmo, tendo a presença de espírito para, a certa altura, e após ter verificado que algumas das granadas estavam sujas de terra, despir os calções para limpar as mesmas e poder assim continuar a bater o IN com um fogo bastante certeiro.

"A coluna de socorro, constituída por 1 PEL REC do EREC [Esquadrão de Reconhecimento] 2350, 1 GR COMB da CART 1690 e pelo PEL CAÇ NAT 64, saiu de Saré Banda às 07H30 do dia 25 (e tal deveu-se a ter sido necessário recolher as forças que executavam a Operação Iluminado) e atingiu Banjara às 15H00, pois foi necessário picar toda a estrada até ao destacamento de Banjara.

"Quando a coluna lá chegou ordenei que um Gr Coimb batesse toda a região, tendo o mesmo detectado várias manchas de sangue e pedaços de camuflado IN, e munições de armas ligeiras.

"Devido às baixas, deixei uma secção a reforçar o destacamento de Banjara, tendo em seguida regressado a Geba.

"Resultados obtidos: 

"Baixas sofridas pelo IN: dois mortos confirmados; várias baixas prováveis; material capturado: munições de armas ligeiras e uma granada de morteiro 82". (...)

Guiné 63/74 - P7878: Convívios (295): XXII CONVÍVIO DO BCAÇ 2884, em 28 de Maio na Régua (José Firmino)


1. O nosso Camarada José Firmino (ex-Soldado Atirador da CCAÇ 2585/BCAÇ 2884, Jolmete, 1969/71), enviou-nos hoje, com pedido de publicação, uma mensagem com o programa da festa do seu batalhão:
XXII CONVÍVIO DO BCAÇ 2884
José Rodrigues Firmino ex. Sol. Atirador da CCAÇ 2585 do BCAÇ 2884 - Guiné, Jolmete 1969/71, informa que o XXII almoço convívio do BCAÇ 2884 (MAIS ALTO) composto pelas CCS, CCAÇ 2584, CCAÇ 2585 e CCAÇ 2586, terá lugar no dia 28 de Maio de 2011 na cidade da RÉGUA (Património Mundial da Humanidade)

- 10h00: Concentração de todos participantes, familiares e amigos no adro da Igreja de Nossa Senhora do Socorro;
- 10h30: Missa em honra de todos ex-Combatentes falecidos, no final da missa seguirá em caravana em direcção ao restaurante "TORRÃO" onde será servido um requintado almoço.
Para qualquer informação ou marcação contactar:
José Rodrigues Firmino josefirminoslb@gmail.com, ou
Pinto da Costa da CCAÇ 2584, telem. 919227959.

Restaurante:
Torrão-Peso da Régua
5050 PESO DA RÉGUA
Tl.: 254 313 850 e 254 322 823
http://www.pai.pt/restaurantes/restaurante-torrão/y:pt_2570904_1__1.html
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Nota de M.R.:

Guiné 63/74 - P7877: O Alenquer retoma o contacto (4): Depois de Guileje, seguiu-se Ganturé (Armando Fonseca)

1. Em mensagem de 24 de Fevereiro de 2011, Armando Fonseca (ex-Soldado Condutor do Pel Rec Fox 42, Guileje e Aldeia Formosa, 1962/64), volta com mais uma das suas memórias.


O Alenquer retoma o contacto (4)

Depois de Guileje seguiu-se Ganturé

Durante a permanência do meu pelotão em Guileje, enquanto ia avançando a construção do aquartelamento, nós deslocávamo-nos com frequência a Aldeia Formosa, Buba, Bedanda, etc.

Nessas deslocações sofríamos algumas emboscadas e como reagíamos de imediato, porque tínhamos um forte poder de fogo, depressa eram aniquiladas.

Lembro-me de uma das vezes em que fomos a Bedanda, termos sofrido uma emboscada e na sequência desse ataque, em certa altura ver um arame a ir pelo ar, saindo debaixo da minha auto-metralhadora. Esse arame não era nada mais nada menos do que o comando de uma mina que depois de levantada tinha o bonito peso de sete quilos.

Pelo que se deduziu, o arame foi puxado no exacto momento em que uma das rodas o pisava e por isso se partiu e a mina não explodiu. Depois de bem examinado o local, ainda havia mais outra mina idêntica uns metros mais à frente, mas que devido à nossa rápida reacção, o IN partiu em debandada e não houve tempo de a fazer explodir.

Depois do aquartelamento de Guileje ter condições de alguma segurança para defesa do pelotão que aí se instalou, nós rumamos para outras paragens.

Em Gadamael Porto encontrava-se uma Companhia que se encontrava totalmente isolada por estrada, devido às dezenas de árvores que ocupavam as estradas que comunicavam com essa localidade vindas de Norte. Ali só se chegava de barco ou de helicóptero.

Essa Companhia era constantemente flagelada pelos ataques do IN e toda aquela gente vivia em frequente sobressalto, até que foi posta em marcha a Operação “Furão” que tinha por fim pôr transitável a estrada entre Guileje e Gadamael.

Então, a 2 de Fevereiro de 1964, lá vamos nós a escoltar os Caçadores e a Engenharia a fim de desobstruir a estrada. Assim: depois de quase um dia, e de várias dezenas de árvores cortadas e retiradas para as bermas da estrada, chegámos a Gantoré que se situa a cerca de três quilómetros de Gadamael Porto.

Ao chegarmos, foram detectados vários vestígios da presença do IN que aí se tinha instalado, porque as tropas que estavam em Gadamael não conseguiam vir até aí sem que sofressem grandes emboscadas que as obrigavam a voltar para trás.

Depois de instalado em Ganturé um perímetro de segurança, o Pelotão de Cavalaria deslocou-se a Gadamael onde foi recebido com pompa e circunstância; havia um grande lanche à nossa espera com comida e bebida à descrição.

Nesse dia eu que nem sou de muitas bebidas, apanhei o maior pifo da minha vida, que nem sei como regressei a Gantoré, nem por onde o carro passou, só sei que acordei no outro dia de manhã debaixo do carro, deitado em cima de um pouco de capim seco que alguma alma caridosa se encarregou de lá colocar.

Durante os próximos dias seguiram-se a montagem do arame farpado à volta do aquartelamento, a escavação de abrigos, a melhoria de habitabilidade das palhotas ali existentes, que eram agora as nossas habitações, e escoltas aos arredores a fim de serem minados os possíveis acessos do IN.

O meu Pelotão deslocava-se a Gadamael várias vezes por dia visto que era lá que funcionava a cozinha e as messes de Sargentos e de Oficiais. Por vezes também nos deslocávamos a Guileje.

Nessas deslocações, nos locais que se julgavam perigosos, fazia-se fogo de reconhecimento e numa dessas vezes aconteceu um caso pouco vulgar:

Ao serem feitas algumas rajadas para reconhecimento, no cruzamento entre Gantoré, Gadamael Porto e Gadamael Fronteira, senti uma leve comichão no pescoço e um liquido viscoso a correr-me pelo peito. Qual não foi o meu espanto ao verificar que já existia uma quantidade de sangue dentro da camisa.

Coloquei um penso e ao chegar a Gadamael o médico verificou que havia um corte provocado por um objecto metálico. Como não tínhamos ouvido nenhum tiro por parte do IN isso criou-nos alguma admiração. No regresso fomos averiguar no local se havia alguns vestígios de algum atirador isolado, mas o que se encontrou foi uma lasca de ferro tirada de um poste dos fios telefónicos que era de ferro, o que nos levou a supor que foi o nosso próprio fogo que me provocou esse ferimento.

Quem havia de dizer que aquela lasca arrancada pelo fogo das nossas metralhadoras vinha entrar pela janela de visão do condutor, que é muito limitada em tamanho, cerca de 40X15cm.

Cerca de um mês depois, quando nos deslocávamos ao encontro de uma coluna que se destinava ao abastecimento do aquartelamento de Guileje vinda de Aldeia Formosa, pois como anteriormente citei, nunca os dois Pelotões de Cavalaria se encontravam do mesmo lado do rio Balana, por causa da possível destruição da ponte, sofremos uma emboscada em que de novo voltei a ser ferido por uma rajada, que batendo na frente da auto metralhadora junto da janela, cujos estilhaços das balas juntamente com tinta se vieram espetar na minha cara. Fiquei com quatro ou cinco ferimentos ligeiros, e o resto eram pedaços de tinta espetados por toda a cara. O Alferes ao ver a minha cara ficou estupefacto, ainda ficou mais preocupado do que eu.

Até esta altura, Março de 1964, já com 22 messes de comissão, nunca tínhamos tido ninguém ferido, mas aqui o nosso bom anjo parecia ter-nos abandonado.

Permanecemos em Ganturé até 20 de Maio. No dia seguinte fomos para Sangonhá, mas ficará para uma próxima edição, que por agora não me vou alongar mais.

Um grande abraço para toda a tabanca, em especial para os seus editores
Armando Fonseca
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Nota de CV:

Vd. último poste da série de 7 de Fevereiro de 2011 > Guiné 63/74 - P7736: O Alenquer retoma o contacto (3): Actividades do Pel Rec Fox 42 em Janeiro e Fevereiro de 1963 (Armando Fonseca)