1. Excerto reproduzido, com a devida vénia do livro Pequena viagem através de África, de Artur Augusto da Silva (1912-1983), pp. 18-21 (Originalmente, uma "conferência pronunciaad em 1963 no Salão Nobre da Associação Comercial da Guiné, no 46º aniversário da sua fundação", publicado em Bissau, 2009; ed lit, Henrique Schwarz, João Schwarz e Carlos Schawarz).
(…) Para que se possa fazer uma ideia aproximada de como vivem os africanos, em sistema tribal, tomaremos por exemplo um homem e segui-lo-emos desde o nascimento até a morte. Como variantes mais ou menos acentuadas, conforme a tribo, é a seguinte a sua história.
Nascimento
Nasceu a criança: torna-se necessário afastar do seu caminho os espíritos maus e evitar que eles a venham buscar, agarrando-a pelos cabelos. A primeira cerimónia que se realiza é a do corte dos cabelos. Os maometanos costumam rapar quase toda a cabeça, deixando uma mecha pequena pela qual Alá possa agarrar o recém-nascido e levá-lo para o céu, na hipótese de uma doença fatal.
Amamentação
Até aos dois anos e meio, três anos, as crianças são amamentadas pelas mães, pois a dificuldade de encontrar alimentação adequada obriga a prolongar o período de lactação. Até esse período a criança vive quase todo o tempo escarranchada nas costas maternas segura por um pano amarrado na frente. Aí dorme e aí é amamentada, pois as mães, repuxando os seios, passam-nos por baixo das axilas, de forma a atingir a boca da criança. Só à noite, quando a mãe vai dormir, é que a tira da posição em que estava, para a deitar a seu lado.
Outros alimentos
Com a criança escarranchada, a mãe cozinha, lava a roupa, tece, lavra os campos, colhe os frutos, dança, caminha longas jornadas, come e conversa.
Cerca dos dois anos, já a crianças começa comendo do que os adultos comem: arroz ou milho, inhame, batata-doce, frutos silvestres, amendoim torrado ou pilado, folhas de certas árvores, peixe verde ou seco, carne e leite azedo, acompanhado de óleo de palma ou outro qualquer molho.
Mezinhas
A comida é mal preparada e demasiadamente indigesta para estômagos fracos: a criança adoece e, então, experimentam-se as mezinhas dadas pelo curandeiro ou as que a prática aconselha. Se piora, intervém o feiticeiro com os seus sortilégios.
A mortalidade infantil é enorme, mas a nossa criança escapou. Passou o primeiro grau de selecção e já oferece certas garantias de vitalidade. Cedo a criança começa a embrenhar-se no mato com os seus companheiros, a subir às árvores e a ajudar os pais na lavoura ou na guarda do gado.
Nascimento
Nasceu a criança: torna-se necessário afastar do seu caminho os espíritos maus e evitar que eles a venham buscar, agarrando-a pelos cabelos. A primeira cerimónia que se realiza é a do corte dos cabelos. Os maometanos costumam rapar quase toda a cabeça, deixando uma mecha pequena pela qual Alá possa agarrar o recém-nascido e levá-lo para o céu, na hipótese de uma doença fatal.
Amamentação
Até aos dois anos e meio, três anos, as crianças são amamentadas pelas mães, pois a dificuldade de encontrar alimentação adequada obriga a prolongar o período de lactação. Até esse período a criança vive quase todo o tempo escarranchada nas costas maternas segura por um pano amarrado na frente. Aí dorme e aí é amamentada, pois as mães, repuxando os seios, passam-nos por baixo das axilas, de forma a atingir a boca da criança. Só à noite, quando a mãe vai dormir, é que a tira da posição em que estava, para a deitar a seu lado.
Outros alimentos
Com a criança escarranchada, a mãe cozinha, lava a roupa, tece, lavra os campos, colhe os frutos, dança, caminha longas jornadas, come e conversa.
Cerca dos dois anos, já a crianças começa comendo do que os adultos comem: arroz ou milho, inhame, batata-doce, frutos silvestres, amendoim torrado ou pilado, folhas de certas árvores, peixe verde ou seco, carne e leite azedo, acompanhado de óleo de palma ou outro qualquer molho.
Mezinhas
A comida é mal preparada e demasiadamente indigesta para estômagos fracos: a criança adoece e, então, experimentam-se as mezinhas dadas pelo curandeiro ou as que a prática aconselha. Se piora, intervém o feiticeiro com os seus sortilégios.
A mortalidade infantil é enorme, mas a nossa criança escapou. Passou o primeiro grau de selecção e já oferece certas garantias de vitalidade. Cedo a criança começa a embrenhar-se no mato com os seus companheiros, a subir às árvores e a ajudar os pais na lavoura ou na guarda do gado.
Fanado, ritual de passagem
Até à circuncisão [, fanado,] é considerado "menino"; não conversa com os homens nem pode casar-se ou ter relações sexuais. Depois dessa cerimónia já se integra no grupo das pessoas sérias. Se é balanta, por exemplo, deixa de furtar.
Debaixo do poilão
À tarde, nas horas de maior calor, costumam reunir as pessoas de respeito à sombra de uma grande árvore, a maior árvore da povoação ou suas imediações [, em geral, um poilão]; aí conversam sobre todos os assuntos: colheitas, chuvas, gados, casamentos, notícias palpitantes, contribuições, serviços nas estradas, etc., etc…
Casamento
Só depois do nosso homem ter ido à circuncisão pode tomar parte nessas conversas. Está na idade de procuar ganhar dinheiro suficiente para se casar. Ou a família o ajuda, se tem posses e o pai vê que pode dispensar aquele trabalhador, ou ele terá de ir ganhar a vida em qualquer ofício.
Casado, constrói uma casa [, morança], sendo agora raro que vá viver para casa do pai. Realizado o casamento, temos o nosso homem armado em chefe de família, não completamente independente porque tem para com o pai obrigações que se prolongam até à morte deste.
Economia familiar
Cultiva o campo para sua subsistência e para vender os produtos. Compra gado, primeiro caprino e suíno, depois vacum. Cria galinhas ou patos para comer mas, mais frequentemente, para vender.
Homem grande
Vai envelhecendo e, com o avançar da idade, recebe maiores provas de respeito e consideração por parte de todos. Envelheceu, é um "homem grande", de autoridade e conselho, ouvido com respeito em todos os assuntos que se prendem com a tribo ou com a sua tabanca. Rodeado de filhos e mulheres. Tem agora muito gado e algum dinheiro metido numa lata ou garrafão, para evitar a destruição pelos bichos.
A morte e o morrer: o choro
Porém um dia adoece o nosso homem: são convocados os feiticeiros e os curandeiros (normalmente estas duas profissões liberais andam associadas) e estes decretam: está velho, vai morrer.
São chamados os parentes, os filhos que vivem longe e, rodeado por todos, morre como qualquer mortal. Inicia-se a cerimónia do choro que se prolonga por muitos dias, numa orgia infernal. Abatem-se dezenas e às vezes centenas de cabeças de gado das manadas do defunto.
Os não maometanos bebem quantidades enormes de vinho [de palma] ou aguardente [de cana]; o celeiro do defunto, onde está arrecadado o arroz ou o milho, é esvaziado para alimentar centenas de bocas. Dança-se e canta-se e ninguém descansa um minuto sequer enquanto o choro decorre.
O nosso homem baixou à terra; puseram-lhe pedras ou paus em cima. Cobriram-no de terra, enquanto o seu espírito se libertou do corpo, aquele espírito que eles vêm em sonhos e os aconselha ou repreende, os protege ou persegue.
Viveu!! (...)
Até à circuncisão [, fanado,] é considerado "menino"; não conversa com os homens nem pode casar-se ou ter relações sexuais. Depois dessa cerimónia já se integra no grupo das pessoas sérias. Se é balanta, por exemplo, deixa de furtar.
Debaixo do poilão
À tarde, nas horas de maior calor, costumam reunir as pessoas de respeito à sombra de uma grande árvore, a maior árvore da povoação ou suas imediações [, em geral, um poilão]; aí conversam sobre todos os assuntos: colheitas, chuvas, gados, casamentos, notícias palpitantes, contribuições, serviços nas estradas, etc., etc…
Casamento
Só depois do nosso homem ter ido à circuncisão pode tomar parte nessas conversas. Está na idade de procuar ganhar dinheiro suficiente para se casar. Ou a família o ajuda, se tem posses e o pai vê que pode dispensar aquele trabalhador, ou ele terá de ir ganhar a vida em qualquer ofício.
Casado, constrói uma casa [, morança], sendo agora raro que vá viver para casa do pai. Realizado o casamento, temos o nosso homem armado em chefe de família, não completamente independente porque tem para com o pai obrigações que se prolongam até à morte deste.
Economia familiar
Cultiva o campo para sua subsistência e para vender os produtos. Compra gado, primeiro caprino e suíno, depois vacum. Cria galinhas ou patos para comer mas, mais frequentemente, para vender.
Homem grande
Vai envelhecendo e, com o avançar da idade, recebe maiores provas de respeito e consideração por parte de todos. Envelheceu, é um "homem grande", de autoridade e conselho, ouvido com respeito em todos os assuntos que se prendem com a tribo ou com a sua tabanca. Rodeado de filhos e mulheres. Tem agora muito gado e algum dinheiro metido numa lata ou garrafão, para evitar a destruição pelos bichos.
A morte e o morrer: o choro
Porém um dia adoece o nosso homem: são convocados os feiticeiros e os curandeiros (normalmente estas duas profissões liberais andam associadas) e estes decretam: está velho, vai morrer.
São chamados os parentes, os filhos que vivem longe e, rodeado por todos, morre como qualquer mortal. Inicia-se a cerimónia do choro que se prolonga por muitos dias, numa orgia infernal. Abatem-se dezenas e às vezes centenas de cabeças de gado das manadas do defunto.
Os não maometanos bebem quantidades enormes de vinho [de palma] ou aguardente [de cana]; o celeiro do defunto, onde está arrecadado o arroz ou o milho, é esvaziado para alimentar centenas de bocas. Dança-se e canta-se e ninguém descansa um minuto sequer enquanto o choro decorre.
O nosso homem baixou à terra; puseram-lhe pedras ou paus em cima. Cobriram-no de terra, enquanto o seu espírito se libertou do corpo, aquele espírito que eles vêm em sonhos e os aconselha ou repreende, os protege ou persegue.
Viveu!! (...)
Artur Augusto da Silva
[ Revisão / fixação de texto / título e subtítulos: L.G. ]
Nota do editor:
Último poste da série > 16 de Maio de 2011 > Guiné 63/74 - P8283: (In)citações (33): Humberto, é hora de sofreres, uma vez mais, mas é hora também de olhares em frente e pensares que a tua Teresa há-de gostar, no além, se existe, que não esmoreças (Paulo Salgado)
































