quarta-feira, 24 de agosto de 2011

Guiné 63/74 - P8703: Blogoterapia (187): Devaneios literários? (José Marcelino Martins)

1. Em mensagem do dia 22 de Agosto de 2011, o nosso camarada José Marcelino Martins* (ex-Fur Mil Trms da CCAÇ 5, Gatos Pretos, Canjadude, 1968/70), enviou-nos este texto humorado, muito próprio para a época que atravessamos. Saibamos, já agora, ler as entrelinhas;

Meu caro Carlos VI (nhal)
Desculpa ter levado tanto tempo a "arranjar" esta promoção, porque 6 é + que 5.

Segue um devaneio literário ou "textos cruzados" em vez de "palavras cruzadas".
Se tiver algum interesse, publica. Se não tiver, não vale a pena arquivar ou devolver.

Com um grande abraço para todos,
José Martins


DEVANEIOS LITERÁRIOS?

O Signatário, cidadão português, no uso das suas faculdades cívicas e, nomeada e objectivamente mentais, profere e regista, o seguinte depoimento, para conhecimento da EVA (esta é a sigla da entidade que trata da recolha de órgãos), e tem por base, filosófica, um escrito de Tzu Yeh, que diz: “Mede cada minuto do teu tempo. Os dias voam. Em breve, tu também envelhecerás.”

Assim, com o avançar da idade, há que acautelar certas situações, evitando a outros um trabalho que acabaria por redundar em nada.

No aspecto financeiro está tudo já previsto: os parcos bens pessoais são propriedade conjunta com o cônjuge. Tenho um casamento com “comunhão geral de bens”, pelo que não posso dispor deles livremente, dado ser apenas co-proprietário.

No aspecto físico, determina a lei, que o Estado pode dispor do meu corpo, nomeadamente para a “recolha de órgãos”, susceptíveis de serem transplantados (Lei nº 22/2007., de 29 de Junho).


Comecemos pelos cinco sentidos:


Paladar
Não é um sentido muito representativo, representando, apenas, uma taxa de rentabilidade de 1%, mas não deixa de ser interessante como é que se pode saber como está o sabor? Essa é a questão: saber! Não foram devaneios gastronómicos que levaram a esta situação, se bem que os houve, lá isso é verdade. Mas o estado geral da saúde, levou à adopção de dietas extremas, que ao saber tirou sabor, pelo que está “fora de combate”.

Olfacto
Com uma rentabilidade, um pouco maior apesar de um “aumento de 3,5 vezes em relação ao anterior, está desvirtuado pelo intenso uso que lhe foi imposto. As situações a que foi sujeito, fê-lo orientar-se para situações específicas. Os cheiros, muitos e variados e com mudanças tão repentinas, que agora parece que lhe cheira sempre ao mesmo – esturro!

Audição
Este é outro dos sentidos que foi muito afectado, apesar de representar 11% da rentabilidade total dos sentidos. Por vezes muito barulho, outras vezes, um silêncio ensurdecedor. Muitas promessas sonantes, de encher o ouvido, mas esvaziadas de sentido ou possibilidade de o terem. Enquanto aumenta o nível dos decibéis, baixa o nível do rendimento auditivo, quase ao “zero”.

Visão
Aqui está o que maior rentabilidade devia apresentar, 83%, mas neste caso está com a produtividade baixa! Muito perscrutou ao longo dos anos. Como os olhos não estavam, nem estão, adestrados para cada um olhar em direcção diversa, na ambição de tudo captar parecem uns cata-ventos, tentando reter imagens para, mais tarde, as classificar e memorizar. Já só com ajuda de óculos, ou “bengala óptica”consegue “enxergar”.

Tacto
Representando a modesta posição de penúltimo na escala e com uma rentabilidade de 1,5 %, este é o tal, sentido, que cada vez é mais necessário, não apenas a mim, mas a toda a gente, Parece, “pelo andar da carruagem”, que é um produto que vai rareando cada vez mais. Aí está a minha preocupação: que o Estado saiba que o meu vai refinando e aperfeiçoando (para vencer é preciso, cada vez mais, tacto), pelo que tudo invisto nele, não só para que não falte, mas para que a cotação suba, o que não é despiciente. Mas este “sentido” não vai vivendo, vai “sobrevivendo”.

Analisados os sentidos, passemos aos membros:


Cabeça
É neste pedaço do corpo, na imagem desprovido de “embalagem”, muito esférico de forma, onde se alojam 80% dos meus sentidos. Não quer dizer que, pelo sitio onde se aloja uma percentagem tão grande dos sentidos, e ser tão minúsculo em relação ao tamanho total do corpo, esteja a “pressionar e/ou comprimir” os sentidos que me pertencem. É pequena e com muito uso, Mas pelo que vejo à minha volta, pelo que passou e está passando, ainda está muito bem “arrumada”.

Membros
Os inferiores, por pertencerem a um andarilho inveterado, parecem usados e que já deram a volta, ao conta-quilómetros, várias vezes. Estão fracos e cansados. Porém, não têm enxertos e/ou reforços metálicos para lhe aumentarem a dureza. Estão como “vieram da fábrica” e as mossas que possam apresentar, são resultado do regular desgaste de utilização. Não, apesar do desgaste, ainda não estão a preço de saldo, mas que estão fraquinhos, estão! Tão fracos se apresentam, às vezes, que têm necessidade de enviarem um SMS aos vizinhos de cima, os superiores, para darem uma “ajudinha” no equilíbrio e colaborarem no suporte do corpo, esse sim, talvez muito diferente do que era na origem. Porém vão servindo, não desprezando, contudo, que algum Doutor, em futuro próximo ou não, recomende a “terceiro apoio”, na forma de bengala ou “canadiana” (ainda hei-de descobrir por que raio lhe chamam este nome, em vez da “muleta”, que tanto dava para toureiros como para coxos).

Os superiores, por se chamarem assim, têm ares de mais importantes. É no seu extremo que se encontra a mão, que, em condições normais, terá os cinco “dedos da ordem”. É curioso notar que têm uma linguagem própria e muito identificativa. É usada por “toda a gente”. A gente “malcriada” usa essa “linguagem” descaradamente, enquanto a outra, uma pequena percentagem que é “educada”, usa a mesmíssima linguagem, mas com as “mãos nos bolsos ou atrás das costas”. É uma questão de estilo ou estatuto. É aqui, nas mãos, mais concretamente na ponta dos dedos, que se concentra um dos sentidos mais importantes, apesar de lhe atribuírem pouca importância: o TACTO. Dizem os cientistas que há “algo ainda não explicado” que liga a ponta dos dedos à ponta da língua, pelo que, quando “falta o tacto” há “bronca pela certa”. Vamos lá saber porquê.


Tronco
Por ser a maior parte, ficou, o tronco, para o fim deste tema sobre o corpo. É, digamos, como que o “sótão da avozinha”, onde há de tudo, até ratos, metaforicamente falando, porque se ouve com frequência dizer que “tenho um ratinho no estômago. Onde é que fica o estômago? No tronco do corpo, necessariamente. Neste “armazém” como também pode ser designado, é onde se “arruma tudo” o que é necessário para que o corpo viva.

Para que não se torne fastidioso, referiremos alguns órgãos, mas sem grande ênfase técnica. Isto porque qualquer pessoa, da minha idade, aprendeu na Escola Primária, nas lições de ciências e com direito a reguadas ou ponteiradas se, na descrição junto ao “mapa” dependurado na ardósia, havia esquecimentos e/ou erros. Os alunos da actualidade se não sabem, foi porque o ministério resolveu “facilitar-lhes a vida” e deixar estas questões para quem queira ser médico. Se alguém se esqueceu, não será grave, porque se esqueceu ou não tem ou não precisa de saber.

A faringe e a laringe são órgãos para serem tocados e tratados pelos otorrinolaringologistas, que têm que ser excelentes alunos. Sei que a primeira lição é dada com bastante calma, para que aprendam, na perfeição, a especialidade que estão a tirar e o possam transmitir à família e aos amigos. O apêndice não tem importância nenhuma, pois que é um órgão que é retirado com frequência e os “amputados”, que antes se sentiam incomodados, passam a sentir alívio. Para abreviar, o estômago, o fígado, o rim e os intestinos, são como que os operários de uma fábrica, com “linha montagem modelar”, onde cada um vai tratando do que tem a fazer e no fim “manda expedir o produto”. Falta falar do pulmão que é, grosso modo, como que o produtor do “ar forçado” no sistema interno, ventilando e produzindo o oxigénio.

Ora aqui está, pensa o subscritor, uma viagem “utilíssima” através do corpo humano e, especialmente ao seu interior. Não é exaustiva, porque o cansaço também não permite devaneios e muito menos correrias, para poupar tempo.
Ah! - Faltou falar de qualquer coisa. É sempre assim. Fala-se de tudo e todos, menos de quem trabalha. E o coração? Não tem cabimento nesta síntese para poupar trabalho aos especialistas, não falar deste órgão, aliás o órgão preferido dos cardiologistas.

Na imagem não está realçado, mas é um órgão que se encontra permanentemente na prisão. Está alojado no troco, na parte superior, pelo que as costelas o envolvem, não sei se para o proteger se para o aprisionar. O coração está sempre “preso” a qualquer coisa. Começa no berço, instintivamente, com o amor que nos “prende” a nosso pais e, de tal forma intensa que é para toda a vida e, mesmo para além da morte: é o amor filial. Depois, alguns anos mais tarde, vem o amor, juntamente com a atracão física que, na maior parte das vezes, leva ao casamento ou à nova “forma actual” do mesmo. Descambará, mais ano menos ano, para o amor paternal, que, num misto de orgulho e preocupação, vai crescendo e transformando tudo à nossa volta, e reproduzindo-se em “novos filhos” que são os “filhos dos filhos”.

É por isso que, umas vezes “trabalha nas calmas” e outras acelera e “cavalga no nosso peito” sendo quase impossível ser domado, sem o recurso “químicos”. Tudo isto é o resultado do amor. Os especialistas sabem as causas destas metamorfoses e, na medida do possível, vão conseguindo manter estas “máquinas em perfeito estado de funcionamento”, recorrendo, se tal for necessário, à substituição de peças.

Mas cuidado, meus senhores.

Quando vos cair nas mãos o coração de um “velho soldado”, tratem-no com cuidado. É que é mais frágil, está mais cansado, e está muito mais carregado de amor.

Tem um “grande amor pela Pátria e pelos camaradas/companheiros”, que é um sentimento que, dentro de pouco tempo, nem no “sótão da avozinha” se conseguirá encontrar. É “um bem” em vias de extinção.

Tudo o que aqui foi descrito é só para evitar que, com “carcaças velhas”, se perca tempo. São exactamente isso “carcaças velhas”, pelo que não têm qualquer valia. Mas nessa carcaça, se bate ou bateu o coração dum soldado, tratem-no com carinho. Não precisam de incensa-lo. Não precisam de o mergulhar em conservantes.

Dissecai-o. Auscultai-o. Estudai-o e mantenham-no vivo, se poderem.

Mostrai-o aos vossos alunos, mostrai-o aos vindouros, hoje, amanhã e sempre.

Provavelmente, nós já não estaremos, e é necessário transmitir, ao futuro, o que é o Amor pela Pátria.

Assino, por mim e, se me é permitido, por todos e cada um de todos os Combatentes!

José Marcelino Martins
22 de Agosto de 2011

©Fotos “gentilmente cedidas” pela Wikipédia.
____________

Notas de CV:

(*) Vd. poste de 17 de Agosto de 2011 > Guiné 63/74 - P8683: Efemérides (55): Dia da Infantaria em 14 de Agosto de 1961 (José Martins)

Vd. último poste da série de 23 de Agosto de 2011 > Guiné 63/74 - P8697: Blogoterapia (186): Imagens que nunca se apagarão (José Carlos Gabriel)

Guiné 63/74 - P8702: Notas de leitura (268): A Guerra de África 1961 - 1964 - IV Volume, por José Freire Antunes (Mário Beja Santos)

1. Mensagem de Mário Beja Santos (ex-Alf Mil, Comandante do Pel Caç Nat 52, Missirá e Bambadinca, 1968/70), com data de 26 de Julho de 2011:

Queridos amigos,
Acaba aqui a digressão pelos 4 volumes desta reedição da obra coordenada por José Freire Antunes.
Continuo a pensar que devíamos assumir a iniciativa de empreendimento ao nível das nossas posses e de colaboração com uma equipa que pudesse trabalhar com uma comissão científica aprovada pelos editores do blogue, naturalmente circunscrita aos acontecimentos da Guiné e como estes foram projectados ou se projectaram na política de Lisboa. Nos últimos 15 anos a investigação deu passos decisivos, a visão de conjunto está muitíssimo menos desfocada, uma geração de jovens investigadores, como se tem visto, apresenta trabalhos surpreendentes sobre a Guiné, basta pensar em Julião Soares Sousa e António Tomás.

Um abraço do
Mário


A Guerra de África, por José Freire Antunes, 4.º volume

Beja Santos

Projecto ambicioso desenvolvido por um investigador de história contemporânea, Círculo de Leitores reeditou o empreendimento que deu à estampa em 1995, um acervo bastante representativo de testemunhos alusivos aos três teatros de operações, ainda hoje sem competidor na largueza de vistas e representatividade de opiniões: “A Guerra de África, 1961-1974”, por José Freire Antunes, Círculo de Leitores, 2011*.

Este quarto e último volume, à semelhança dos anteriores, inclui depoimentos de muitíssimo interesse no que toca à Guiné. Logo na abertura, o general Tomé Pinto, que combateu na Guiné entre 1964 e 1965 depõe sobre a sua experiência: “Fomos metidos num barco, entrámos no rio Cache, e fomos despejados em Binta, entre Farim e Bigene. Era o corredor que vinha do Senegal e que depois entrava no coração da guerrilha, que era o Oio, onde a tropa que estava em Bigene não avançava e a tropa que estava em Farim também não avançava. Eu vim pelo rio e deixaram-me no meio. As distâncias na Guiné eram diferentes das de Angola: em Angola 100 ou 200 quilómetros não eram nada; na Guiné, da minha zona para Farim era só 16 quilómetros, mas se eu conseguisse circular em toda ela já não era mau. Os indivíduos do PAIGC chamavam-me o “capitão do quadrado”. Como sou um apaixonado pela nossa história e pelos nossos feitos, usei a táctica do quadrado. Pensei que para sobreviver no meio daquilo tudo era o melhor. Tive casos em que eles atacavam por trás ou pelo lado, mas encontravam sempre resistência. Gastámos muito mais botas e muito mais calças a atravessar o mato porque não íamos nas estradas, mas fugíamos das minas e éramos nós que comandávamos o local onde estávamos. Só queria trazer os meus soldados vivos”. Tomé Pinto descreve as relações afectuosas que estabeleceu com os seus subordinados, os códigos de linguagem, a sua participação mesmo em pequenas patrulhas, porque sem o exemplo nada feito. Recorda Mamadu, um dos irmãos do régulo do Oio, ele seguia sempre a seu lado nas operações, a seu lado morreu como um bravo. É um depoimento singular, não há ali uma réstia de bazófia: “Eu tinha na minha Companhia à volta de 30 analfabetos. E fizeram a 4ª classe. Lembro-me que um dos soldados mostrou-me uma carta que alguém escrevera pelos pais dele, que não acreditavam que a carta que ele mandara fosse escrita por ele. Quando os soldados vinham das patrulhas, tinham sempre qualquer coisa a fazer. Primeiro aprenderam a ler, os que não sabiam, e criámos um aldeamento”. Tira partido da provação, vê-se que é um proactivo por excelência: “Na Guiné fui ferido em combate, com uma granada de morteiro que rebentou por cima da árvore, debaixo da qual eu estava. E vejo o alferes Santos a pôr a mão em cima daquilo, a querer parar o esguicho, com a mão toda suja de terra. Houve uma emboscada a seguir e meteram-me num jipe de onde eu ia dando ordens. Foi um momento excepcional do meu pessoal.

Hélio Felgas testemunha sobre as duas comissões na Guiné, o recurso são missivas que dirigiu Marcelo Caetano, em 1963 e 1969. Tem especial importância o que ele diz a propósito do Leste, em 1969. Falando da região Xime-Bambadinca, ele observa: “É o cordão umbilical de todo o Leste. É só pelo estreito rio Xaianga (Geba) que se faz todo o reabastecimento do Leste e se processam todas as evacuações. Se eles afundam um barco entre Xime e Bambadinca e conseguem cortar a estrada Xime-Bambadinca colocam-nos numa situação desesperada. Nesta região de Bambadinca o inimigo tem talvez mais de 500 combatentes (e nós cerca de 300). As populações fulas começam a fugir no Leste e apesar de todo o pulso que tenho nelas são capazes de me fugirem aqui na região de Bambadinca-Bafatá. Tenho tomado as medidas que posso, dispressando as poucas tropas que disponho, de modo a dar às populações e aos pelotões de milícia alguma sensação de segurança. Mas contra centenas de bandoleiros excelentemente armados, que podem fazer estes pequenos efectivos? Morrer, é claro (…) Sinceramente desejo que não se repita na Guiné o caso de Goa”.

Carlos Antunes e Isabel do Carmo, fundadores do PRP-BR, dão-nos a saber que tinham agentes em Bissau: “Pouco antes do 25 de Abril tínhamos aberto uma outra frente de batalha: acções no próprio teatro de guerra. Foi assim que sabotámos o quartel-general das tropas portuguesas em Bissau. Depois de Amílcar Cabral ser assassinado sucedeu-lhe Aristides Pereira que declarou que ou o governo de Marcello Caetano aceitava negociar a independência da Guiné ou o PAIGC considerava-se no direito de vir fazer acções a Portugal. Nós, que estávamos seriamente empenhados nesse combate, ficámos ofendidos por não termos sido informados previamente. Decidimos chamar um camarada, oficial miliciano dentro do quartel-general de Bissau. Ensinámo-lo a fazer uma bomba e ele partiu com vários queijos da serra que não eram mais do que a casca do queijo da serra que levava dentro plástico de densidade semelhante. Levou os detonadores noutro sítio, em maços de cigarros, e levou pilhas. O foi assim que ele fez saltar o quartel-general de Bissau sem matar ninguém. Houve dois generais feridos. O PAIGC fez um comunicado onde disse que tinha destruído o quartel-general. Horas depois nós dissemos em Lisboa que tínhamos sido nós a destruir o quartel. Eram contradições do movimento anticolonial”.

O nosso confrade Miguel Pessoa conta detalhadamente como em 25 de Março de 1973 um míssil Strella abateu o Fiat que ele conduzia, acontecimentos largamente descritos no blogue.

Temos por fim as polémicas declarações de Rui Patrício, o último ministro dos Negócios Estrangeiros de Caetano: “Fui defensor das negociações secretas com o PAIGC, que decorreram em Londres, já em 1974, na fase final. A ideia de negociar com o PAIGC partiu da Embaixada inglesa em Lisboa, que fez a ligação com eles. Eu nunca fui partidário de que a derrota militar seria o melhor. Quando se está com o canhão e a espingarda diante de nós, chama-se a isso estado de necessidade. É evidente que queria a negociação. Depois procuraríamos explicar os princípios, procuraríamos dizer que a Guiné vivia numa situação diferente. Qualquer explicação era possível porque qualquer coisa era melhor do que a derrota militar. O que foi proposto foi: “Vamo-nos sentar com o PAIGC, vamos negociar”. Era uma negociação para discutir o futuro político da Guiné, para ouvir o que é que eles queriam: o que o PAIGC tinha a dizer e o que eles queriam fazer. Nós dissemos que, como condição, tinha de ser assim. Não sabíamos como é que se iria desenrolar”.

Resta esclarecer que esta prática da história oral, a recolha de depoimentos sem tratamento, sem qualquer tipo de articulação, deixando ao livre alvedrio do leitor as conclusões, entrou em desuso, não obstante se reconhecer possuir os seus próprios méritos. Muitos dos documentos transcritos pela equipa de José Freire Antunes aparecem truncados, designadamente a correspondência enviada por Spínola a Caetano. Ora a correspondência é uma das situações comunicacionais que tem que atender, na investigação histórica, às relações entre o espaço e o tempo, tem que ser alvo de um tratamento documentado. A história oral em bruto é manifestamente ineficaz, são peças fragmentadas desprovidas de uma visão de conjunto.
____________

Notas de CV:

(*) Vd. poste de 12 de Agosto de 2011 > Guiné 63/74 - P8664: Notas de leitura (264): A Guerra de África 1961 - 1964 - III Volume, por José Freire Antunes (Mário Beja Santos)

Vd. último poste da série de 21 de Agosto de 2011 > Guiné 63/74 - P8691: Notas de leitura (267): O Fazedor de Utopias, Uma biografia de Amílcar Cabral, por António Tomás (3) (Mário Beja Santos)

Guiné 63/74 - P8701: Parabéns a você (306): António Fernando Marques, ex-Fur Mil da CCAÇ 12 (Contuboel, 1969/71)

Com um abraço do camarada Miguel Pessoa, restante tertúlia e editores
____________

Notas de CV:

- António Fernando R. Marques foi Fur Mil na CCAÇ 12 e esteve em Contuboel e Bambadinca nos anos de 1969 a 1971

Vd. último poste da série de 22 de Agosto de 2011 > Guiné 63/74 - P8693: Parabéns a você (305): Carlos Cordeiro, ex-Fur Mil At Inf CIC, Angola, 1969/71

terça-feira, 23 de agosto de 2011

Guiné 63/74 - P8700: Convite (10): Os ex-combatentes, as alcunhas e as suas origens, no Programa da Manhã da TVI, dia 25 de Agosto de 2011

1. No seguimento da publicação do poste Guiné 63/74 – P8684: Páginas Negras com Salpicos Cor-de-Rosa (Rui Silva) (13): Como se apanha uma alcunha logo no primeiro dia de Guiné, a jornalista da TVI, Inês Morgado, deixou este comentário:

Bom dia Rui e respectivos responsáveis por este blog,
sou jornalista da TVI e estou interessada nesta história e em outras que contem como se "ganhavam" as famosas alcunhas e as histórias por detrás delas. No programa Você na TV iremos falar deste tema na próxima semana e gostavamos de ter a participação de combatentes da guerra colonial que tenham estas histórias para contar.

Caro Rui e quem esteja interessado, queiram contactar-me para inesfmorgado@gmail.com.
Muito obrigada!


2. Entretanto o nosso Tigre de Missirá, camarada Mário Beja Santos, mostrou-se interessado em participar no programa, pelo que fiz seguir a sua mensagem à senhora jornalista.


3. Hoje recebi esta mensagem do nosso camarada Mário Beja Santos, que já fiz circular pela tertúlia, mas que fica aqui para conhecimento dos nossos leitores, e como convite a quem quiser participar no programa da manhã da TVI da próxima quinta-feira:

De: (DGC) Beja Santos
Data: 23 de Agosto de 2011 11:45


Assunto: Programa Você na TV

Queridos Amigos, 

Acaba de me telefonar esta senhora se eu contactava antigos combatentes que estivessem dispostos na 5ª feira a ir falar sobre alcunhas na guerra. Vejam, por favor, se podem dar colaboração a esta emissão .

Um abraço, 
Mário Beja Santos

************
 

De: Inês Morgado [inesfmorgado@gmail.com]
Enviada: terça-feira, 23 de Agosto de 2011 11:34
Para: (DGC) Beja Santos
Assunto: Programa Você na TV

Bom dia,
muito obrigada uma vez mais pela sua disponibilidade.

O tema do programa será então acerca das alcunhas que os combatentes tinham durante a guerra colonial e as respectivas histórias por detrás das mesmas. O intuito é, portanto, ter em estúdio alguns ex-combatentes que nos venham contar as histórias das suas alcunhas e as de outros colegas se assim entenderem.

O programa é nesta quinta-feira nos nossos estúdios em Queluz de Baixo.

Relativamente à sua participação, eu precisava apenas que me desse algumas informações suas para transmitir ao Manuel Luís Goucha como fazemos sempre para os convidados que serão entrevistados.

1- Nome completo;
2- Idade;
3- Naturalidade;
4- Morada (para dar à produção);
5- Anos em que esteve na guerra colonial e onde;
6- O que fazia na altura em que teve de ir para a guerra;
7- Abreviadamente mencionar algumas das histórias que irá contar;
8- Qual era a sua alcunha e porque é que lhe foi dada a mesma;
9- Qual a sua profissão actualmente?

Muito obrigada.
Com os melhores cumprimentos,
Inês Morgado
____________

Nota de CV:

Vd. último poste da série de 21 de Abril de 2011 > Guiné 63/74 - P8148: Convite (9): Amigo Frade junta-te a nós para partilhares, lembrares e reviveres histórias por que passamos naquela saudosa terra (José Barros)

Guiné 63/74 - P8699: Tabanca Grande (299): António Agreira, ex-Fur Mil TRMS da CCAÇ 4544/73 (Cafal, 1973/74)

1. Mensagem do nosso camarada António Agreira* (ex-Fur Mil TRMS da CCAÇ 4544/73, Cafal, 1973/74), com data de 20 de Agosto de 2011:

Camaradas um grande ALFA BRAVO a todos.
No seguimento da minha mensagem de Agosto, seguem em anexo as fotos prometidas.
Embora não tenha uma grande colecção, poderei enviar mais algumas.

Então o Manuel Maia esteve em Cafal Balanta.
Os dias que passei em Cafal não teriam sido muito diferentes. Para além das rotinas diárias, surgiam as visitas nada desejadas, que causavam sempre grande confusão. O período de maior agitação foi no NATAL de 1973 com a reconstrução da estrada entre Cadique e Jemberem, mas isso fica para depois.

Em Cafine estava uma força de Fuzileiros Especiais. Nós passávamos por lá uma vez por dia porque o nosso porto estava minado e com tal inoperacional.

Camaradas por hoje é tudo! Forte ALFA BRAVO



2. Comentário de CV:

Estás formalmente apresentado à tertúlia, pelo que a partir de agora poderás contribuir com as tuas fotos e histórias para o espólio do nosso Blogue.

Foste um dos sortudos que assistiram ao fim da guerra, embora regressasses ainda antes da independência, segundo os registos da tua Companhia.
Queremos que nos dês a tua perspectiva quanto ao relacionamento com os elementos do PAIGC que entretanto começaram a contactar convosco. Havia alguma tensão? Desconfiança?
Ficamos à espera das tuas impressões.

Recebe um abraço de boas-vindas em nome da tertúlia dos editores
O teu camarada
Carlos Vinhal
____________

Notas de CV:

(*) Vd. poste de 15 de Agosto de 2011 > Guiné 63/74 - P8672: O Nosso Livro de Visitas (115): António Agreira (ex-Fur Mil Trms, CCAÇ 4544, Cafal Balanta, 1973/74)

Vd. último poste da série de 20 de Agosto de 2011 > Guiné 63/74 - P8689: Tabanca Grande (298): Manuel Carmelita, ex-Fur Mil Mec Radiomontador, CCS/BCAÇ 3852 (Aldeia Formosa, 1971/73)

Guiné 63/74 - P8698: Fotos à procura de... uma legenda (7): O Doutor por Coimbra Mamadu Jau, hoje director do INEP (Bissau), antigo aluno do Manuel Carmelita (Aldeia Formosa, 1971/73)


Guiné > Região de Tombali > Aldeia Formosa (hoje, Quebo) > 1972 ou 1973 > O mestre escola (da parte da tarde) Manuel Carmelita (Fur Mil Mecânico Radiomontador da CCS/BCAÇ 3852, Aldeia Formosa, 1971/73), entre os seus alunos (3 e 4ª classes do ensino primário)... Entre eles, o Mamadu Jao, assinalado com um seta a vermelho... e que parece querer dizer "Um dia serei antropólogo, doutor por Coimbra e director do INEP"... como, na realidade, veio a acontecer. E, mais, o Carmelita e o Jau ficaram amigos o resto da vida...


Foto: © Manuel Carmelita (2011). Todos os direitos reservados. 


1. Em 4 de Março de 2010, atraves do poste P363, editado pelo A. Marques Lopes, o blogue da Tabanca de Matosinhos dava a seguinte notícia: 

"Mamadu Jao, Director-Geral do INEP (Instituto Nacional de Estudos e Pesquisa) da Guiné-Bissau, nosso amigo guineense e já visitante da nossa Tabanca Pequena de Matosinhos, defendeu a sua tese de doutoramento em Antropologia na Universidade de Coimbra e foi considerado 'Doutor com distinção'.

"É o culminar da sua aplicação desde os bancos da escola primária e o seu professor de então, o camarada Manuel Carmelita, não consegue dar vazão à sua satisfação! E todos nós também sentimos imensa alegria por um filho daquele povo amigo ser um ilustre e prestigiado estudioso e investigador".


"Esta fotografia foi tirada na altura em que nos visitou no Milho Rei, há tempos atrás. Está lá com os seus amigos Lobo e Manuel Carmelita, o professor do então menino Mamadu.


  

2. Dois meses antes, em 19 de Janeiro de 2010, em poste (P320), o José Teixeira dava-nos a triste notícia da morte prematura da esposa do Mamadu Jau, Maria Eduarda, mãe de 4 filhos:

"Tive o prazer de conhecer o Dr. Mamadu Jao, a esposa Maria Eduarda e a filha em Fevereiro de 2008, quando tiveram a amabilidade de me receber, a mim e ao Silvério Lobo, na sua casa em Bissau. Desde logo a sua forma de ser e estar me cativou, criando-se entre nós, laços de afecto mútuo.
 

"O Jao, amigo do [Silvério] Lobo e do [Manuel] Carmelita desde os tempos em que,  sendo ele miúdo a rondar a 'tropa branco' e o Carmelita professor 'à força', com o maior dos prazeres, em Aldeia Formosa, se cruzou com o professor  [, Carmelita,] e o mecânico [, Lobo] (...).

"Se os mestres eram bons, o aluno não lhe ficou atrás. Com eles fez caminho, descobriu capacidades e forma de as pôr a render. Os ventos da mudança política abriram-lhe novas portas que ele bem soube aproveitar. Como tantos outros, procurou novos rumos, pondo a render os seus talentos.Conseguiu meios para se licenciar em Antropologia. Trabalhou alguns anos para a ONU, organização a que ainda está ligado. Actualmente é procurado para fazer colóquios e desenvolver temas da sua especialidade, mas a sua aposta está no INEP – Instituto Nacional de Estudos e Pesquisa, sediado em Bissau, sob os auspícios das Nações Unidas, e cujos objectivos são promover estudos e pesquisas no domínio das ciências sociais e naturais, [com ênfase nos] problemas de desenvolvimento do seu país.  e contribuir para a valorização dos recursos locais".


"Casou com a Maria Eduarda há 29 anos. Do casamento têm quatro filhos, a Djyba, a Cadi. o Ivanildo e o Ivandro. Deu-nos o prazer de almoçar connosco quando esteve no Porto em meados de 2009, tornando-se membro da nossa Tabanca.

"Há tempos recebemos a triste noticia que a Maria Eduarda estava muito doente. Foi evacuada para Portugal em 14 de Novembro de 2009 na esperança de que aqui encontraria melhores condições e meios que lhe permitissem uma 'finta' à grave doença que a consumia. Infelizmente a doença venceu esta vida, que eu conheci, cheia de vida e alegria. A Maria Eduarda faleceu a 5 de Dezembro.



"À Maria Eduarda que descanse em paz. Ao querido amigo Jao, membro da nossa Tabanca de Matosinhos, os nosso profundos sentimentos de dor e solidariedade. (...)

3.  O domingo passado tive a oportunidade de conhecer melhor o Manuel Carmelita e a sua bonita e simpatiquíssima esposa, Joaquina, vilacondense (e outros casais da Tabanca de Matosinhos) num agradável, alegre e fraterno convívio da Tabanca de Guilhomil (ou melhor, Guilamilo), na freguesia de Polvoreira, Guimarães, sob os auspícios dos senhores Joaquim e Margarida Peixoto, um casal maravilhoso de professores do ensino básico, com residência em Penafiel... (Convívio de que falaremos, com mais detalhe, em próximo poste).

O Carmelita que era furriel mecânico radiomontador da CCS/BCAÇ 3852 (Aldeia Formosa, 1971/73) foi também incumbido de dar aulas aos putos de Aldeia Formosa... Missão (nobre) que ele levou, com êxito, competência e empenhamento, até ao fim da sua comissão...E de entre os seus alunos que se destacaram depois na independência, está justamente o Doutor Mamadu Jao...


4. Neste passatempo de verão (a que demos o título Fotos à procura de... uma legenda), fica aqui mais um desafio aos leitores do nosso blogue....  A foto deste poste merece uma legenda a preceito... Já demos algumas pistas... O Carmelita também pode ajudar, falando-nos um pouco mais sobre a exaltante e nobre missão de professor "ad hoc" em Aldeia Formosa... Sei que ele tem múltiplos talentos, é inclusive uma excelente fotógrafo, mas também mostra relutância  em escrever em público, razão por que chegou tarde à Tabanca Grande. (Julgo mesmo que foi "encostado à parede" pelo Carlos Vinhal, outro vilacondense.)

Amigos, camaradas, leitores: Legendas, aceitam-se... Não se dão alvíssaras... Prometemos tão apenas publicar as melhores legendas (com as respectivas fotos) com honras de caixa alta. As 10 melhores...

Os nossos leitores poderão também comentar (ou escrever pequenas histórias sobre) os postes desta nova série  dentro das regras que estão estabelecidas no nosso blogue: por exemplo, os comentários não podem ser anónimos... (LG) 

_____________

Guiné 63/74 - P8697: Histórias da guerra (José Carlos Gabriel) (1): Imagens que nunca se apagarão

1. Mensagem do nosso camarada José Carlos Ramos dos Santos Gabriel* (ex-1.º Cabo Op Cripto da 2.ª CCAÇ/BCAÇ 4513, Nhala, 1973/74), com data de 18 de Agosto de 2011:

Todos os camaradas ainda terão na memória situações que esta guerra nos levou a passar e a ter que superar.
Lembro-me com alguma frequência de uma situação da qual tenho a certeza que muitos mais camaradas por ela também passaram.
Aconteceu por volta do dia 12 de Maio de 1973.


HISTÓRIAS DA GUERRA - I 

IMAGENS QUE NUNCA SE APAGARÃO

Ainda em casa comecei por me despedir dos meus familiares pois iria embarcar para a Guiné para uma guerra onde só tinha a certeza de partir mas não de regressar.

Pedi a todos os presentes para me deixarem sozinho porque pretendia me despedir do último elemento da família que se encontrava deitada na minha cama, qual boneca, de 8 meses, cabelos louros e olhos azuis muito abertos, sem perceber que os meus abraços muito fortes e as minhas lágrimas eram de um enorme medo de nunca mais vir a ter aqueles gestos.

Lavado em lágrimas (porque um homem também chora) tive que me ir embora que a nossa tropa não dava para ter atrasos.

A partir daqui não consigo saber o que me aconteceu porque saí numa calma para a qual ainda hoje não consigo ter uma explicação.

Passados 6 meses regresso de férias e ao chegar ao aeroporto da Portela lá estavam os meus familiares mais chegados e claro a minha boneca que já tinha 14 meses, e já andava e falava.

Se a emoção da chegada já seria muito forte, uma grande angústia se apoderou de mim naquela altura porque a minha boneca chorava desalmadamente fugindo do meu colo, não me permitindo dar aqueles beijos e abraços que só um pai sabe dar.

Em todo o caminho para a margem sul, mal olhava para mim, desatava a chorar agarrada à mãe que embora lhe dissesse que era o pai Zé de nada servia.

Horas passadas vim a saber que embora lhe tenham sempre sido mostradas fotografias minhas, as mesmas não reflectiam a pessoa que estava na frente dela, pois eu estava bem mais magro, mais queimado e de bigode.

Dou graças a Deus por me ter sido permitido passar por tudo isto, pois camaradas houve que foram privados deste “sofrimento” e que deixaram um grande vazio a todos os seus amigos e familiares.

Para todos os camaradas um grande e forte abraço.
José Carlos Gabriel

Nhala, AGO73 > A roupa que mais gostava de usar

Nhala, JUL73 > As saudades

Nhala, JUN73 > Desempenho de funções

Nhala, JUN73 > A escrever para a família
____________

Notas de CV:

(*) Vd. poste de 16 de Agosto de 2011 > Guiné 63/74 - P8680: Tabanca Grande (297): José Carlos Ramos dos Santos Gabriel, ex-1.º Cabo Op Cripto da 2.ª CCAÇ/BCAÇ 4513 (Nhala, 1973/74)

Guiné 63/74 - P8696: O Regresso dos Heróis (Domingos Gonçalves) (6): O desembarque


O Regresso dos Heróis*

Por

Domingos Gonçalves
(Ex-Alf Mil da CCAÇ 1546/BCAÇ 1887)


DEDICATÓRIA
A todos os colegas da CCAÇ 1546 do BCaç 1887



VI - O DESEMBARQUE

Dia 2
Vinte e duas horas e quinze minutos... Lisboa à vista... Ao longe, quase no limiar do horizonte, vislumbram-se já as luzes da cidade, talvez as da zona mais alta. Vista de longe e do mar, a cidade mais parece uma cascata enorme, suspensa no horizonte distante. Hoje, ao longe, a bela cascata aparece diluída por entre uma ténue neblina que transmite às luzes uma beleza especial.

O jantar foi melhorado e houve discursos na sala. Discursos! Esta gente gosta muito de discursos... De abrir a boca... Falar... Falar... E não dizer, em rigor, praticamente nada... Mas isto faz parte da praxe. Uma viagem destas não pode terminar sem que os maiorais botem faladura.

O desembarque será pelas oito horas de amanhã.

Está previsto haver desfile às dez horas. A farda a usar durante o desfile já determinaram que será a seguinte:
- Camisa com manga arregaçada, desabotoada no pescoço, calça verde e botas pretas.

Estes parvos esqueceram-se que estamos no Inverno e que vai fazer muito frio. O tórrido calor da Guiné faz já parte de outro mundo e de outra realidade e o ar condicionado do barco não se pode levar para as margens do Tejo... Mas esta tropa pensa apenas na cerimónia que, se não se fizesse, ninguém se lembraria dela. Eles querem por certo mostrar aos jornalistas o regresso dos heróis... Mas os heróis preferiam que os deixassem em paz, poupando-os pelo menos ao incómodo de os exporem ao frio e à humidade de uma manhã de Fevereiro, aqui nas margens sagradas do Tejo. Continuam a ser burros até ao fim... Isto é incrível!

Vista nocturna da Ponte 25 de Abril, à época, Ponte Salazar
Foto: © Jaime Machado (2008) / Blogue Luís Graça & Camaradas da Guiné. Todos os direitos reservados

Dia 3
A alvorada está perto. O barco desliza lentamente Tejo acima... Passou já sob a ponte e prepara-se para atracar.

Os marinheiros efectuaram já as últimas manobras... O barco já se encostou ao cais.

Em terra, uma grande multidão de pessoas aguarda a nossa chegada. Há emoção dentro e fora do barco. É um momento grande e indizível... Todo este ambiente, que aquece um pouco esta manhã fria, tem qualquer coisa de épico! São uns minutos longos estes que antecedem a ordem para desembarcar. Mas são também momentos feitos de grandeza... De tudo isto ninguém se poderá jamais esquecer. Os heróis vão ter uma recepção à altura dos feitos que praticaram...

No edifício da Alfândega agitam-se muitas bandeiras coloridas. Há, também, levantados no ar, cartazes, bastantes cartazes, com o nome das pessoas que estão para desembarcar. Há, também, uma multidão de pessoas que agitam no ar muitos lenços brancos. Dentro e fora do barco, há uma onda de alegria, uma onda enorme, que varre toda a margem do rio. Há uma grande multidão à nossa espera. Somos os heróis que muita gente quer ver chegar. Finalmente somos alguém... Alguém que merece aplausos... Palmas, muitas palmas...

No barco, a tropa está toda nos tombadilhos, do lado do cais. O Quanza está mesmo inclinado para o lado da margem do rio. A rapaziada dá gritos de alegria, de entusiasmo e de paz. Por entre esta neblina matinal, húmida e leve, vai crescendo uma onda de delírio e de festa. O ambiente é mesmo impressionante... Grande... Indizível... É um ambiente festivo, de alegria a transbordar dos corações de toda esta gente, quer dentro, quer fora do barco. Uma grande algazarra ecoa por toda esta zona, não deixando ninguém indiferente.

Já é dia. Nenhuma distância nos separa da muralha do cais.

Porto de Lisboa > Estação Marítima de Alcântara > Momento da atracação do navio

Porto de Lisboa > Placa da Estação Marítima de Alcântara > Multidão aguardando a chegada de Militares, em fundo a Ponte Salazar (hoje 25 de Abril)

Porto de Lisboa > Placa da Estação Marítima de Alcântara > Multidão aguardando a chegada de Militares.
Fotos: © Américo Estorninho (2010). Direitos reservados

Chegou a ordem para abandonar o barco. As bagagens também estão a ser descarregadas.

Finalmente estamos todos em terra.

Em mangas de camisa o pessoal formou para o desfile. Todos tremem de frio... Esta primeira manhã de contacto com o céu do meu país, é uma manhã gélida, repassada de humidade. Mas, que importa? É o último dia do martírio a que fomos submetidos. O último sacrifício que bem podia ser evitado... Para que uns militares de alta patente, dos que enxameiam o Estado Maior, ou os quartéis de Lisboa, ou talvez algum ministro mais madrugador, possam assistir a um desfile, corremos nós o risco de apanhar uma gripe, para a qual a tropa já se está lixando. Mas, para esta gente de cá, o desfile deve ser uma coisa muito importante.

Estes políticos adoram estas cerimónias, o barulho destas fanfarras, todo este aparato, que tem, queira-se ou não, um sabor a nobreza, algo de grande e impressionante. E esta população de Lisboa habituou-se já a estes passa tempos, sem os quais já se não habitua a viver.
Foi sempre assim aqui em Lisboa. São barcos que partem para longe... E são barcos que chegam, também de longe... E é uma população de curiosos para ver quem chega... E de “Velhos do Restelo,” para ver quem parte...

Este frio que estamos a suportar é para eles motivo de prazer... Talvez mesmo de êxtase...
O último sacrifício dos heróis enche-lhes a alma. Quanto maior é o sacrifício de uns, maior é o prazer de outros. Eles olham este desfile quase com delírio.

E tudo acabou...

O pessoal entrou nas viaturas militares e está a caminho da Amadora, onde vai ser desmobilizado. Já passa do meio da tarde... O espólio está feito. Todos entregaram os reles farrapos que já eram as fardas que lhes tinham sido distribuídas, faz já muito tempo, e que o muito uso há muito inutilizou. Mas na tropa ainda se controlam farrapos que não servem para mais nada.

...E cada um para a sua terra, os soldados lá foram partindo... Uns, no meio do afã da entrega do material, nem tiveram tempo para despedidas... Outros, até viajaram no mesmo comboio, para o mesmo destino...

E tudo terminou...

Depois do nosso desembarque vai ter lugar a descarga de tudo quanto é transportado nos porões do navio. Muitas coisas, por certo. E entre tudo o que é transportado como mercadoria devem chegar, ao que se diz, muitas urnas com os restos mortais de soldados mortos, que depois são enviadas para as localidades donde eram naturais, e onde se devem realizar as cerimónias fúnebres. Tudo deve decorrer sem dar nas vistas, como acontece com a generalidade das mercadorias transportadas. Para esses não vai haver a euforia, nem a consagração, nem as ovações a que os vivos tiveram direito. Eles vão fazer a última caminhada em direcção ao esquecimento final. É que para os mortos nada mais pode haver do que o esquecimento... Sim... porque os vivos raras vezes temos memória... E às vezes é mesmo conveniente que a memória não exista...
Quantos não desejarão, enfim, que a memória se apague! (1)

São muitos, pelas aldeias do país, os funerais quase incógnitos e despercebidos, que se vão realizando, em cerimónias simples, com o único ruído causado pelos tiros de pólvora seca, as salvas de tiros que precedem o repouso eterno dos seu restos mortais.
Soldados desconhecidos, heróis de um império agonizante, quem será capaz, amanhã, de os recordar?

Aos mortos da Companhia de Caçadores n.º 1546, que tombaram em condições diversas, por terras da Guiné, fica em homenagem ao seu sacrifício, esta modesta página de um livro, que eles também ajudaram a escrever.
Que tenha Deus em sua glória as suas almas!

E, a partir do Quartel da Amadora, a tribo muito unida que fomos espalhou-se rapidamente, em todas as direcções, num adeus de saudade.
Que não seja uma separação para sempre. De qualquer forma estes momentos foram o fim de uma longa e difícil caminhada que ninguém estará interessado em repetir, mas que também, por certo, ninguém jamais irá esquecer.

E guerra nunca mais. E que reste em nós apenas a memória de tudo quanto foi bom e de tudo quanto foi mau, porque tudo foi vida.

Que fique apenas a amizade construída na alegria e na dor de tantos longos dias que a tornam profunda e inesquecível.
Que ninguém mais esqueça o camarada que caiu a seu lado!
Que ninguém mais esqueça o amigo de todos os dias, junto de quem sofreu e lutou!
Que ninguém mais se esqueça, apesar de terrível, pelas suas lembranças, de uma terra chamada Guiné.

Sim... Porque foi por causa da Guiné que existiu um dia um grupo de homens, a que deram o nome de Companhia de Caçadores n.º 1546!

Se não fosse a Guiné, e a guerra, enquanto conjunto de homens, nunca chegaríamos a existir...
... E sem nós... Sim... Sem nós, Portugal e a própria humanidade, teriam menos história e seriam muito mais pobres! E até as nossas vidas teriam sido outras... Quem sabe... Até mais curtas e penosas...

(1) - Joaquim Vieira, na obra, “Portugal Século XXl,” Crónica Em Imagens, 1960-1970, Ed. Círculo dos Leitores, Pag. 52 e seguintes, num pequeno texto ilustrado com uma série de imagens, refere-se, de forma elucidativa, a este tema.

(FIM)


E não admito haja qualquer musa,
Feita mesmo de Whisky ou de bagaço,
Venha com sua voz de intrusa,
Cantar feitos de quem só foi palhaço.
É isto que em Guidage, agora, se usa,
Pois mais ninguém, aqui, já foi “bibaço.”
Fuzilarei as musas engenhosas,
Que apregoem feitos de outrem, mentirosas.
E vós, bebidas finas, desejadas,
Do meu verso fiéis inspiradoras;
Vós, bebidas santas, abençoadas,
Do patacão desta gente roubadoras,
Hoje, infelizmente, quase esgotadas,
E por quem choramos, belas senhoras.
As mãos possantes daqueles que vos bebem
Na guerra de medo nunca tremem.
E vós, ó bem firmada confiança, (2)
De Guidage perfeita liberdade,
Destruição do turra e sua esperança,
Etérea protecção desta cidade,
E do meu reino feliz segurança,
Grande maravilha desta idade,
Rogai a Deus que nos deixe cá ficar,
Até de todo o Whisky se esgotar.
E vós, ó capitão indesejado,
Das tropas lá de Binta comandante,
Muito temido, sim, mas não amado,
Que desejamos ver sempre distante
Do reino de Guidage tão sagrado.
Ficai por aí, alegre e radiante,
De tantas azelhices praticadas,
E deixai deste reino sossegadas
As tropas e as gentes generosas.
Se não vierdes cá nos chatear,
Com artimanhas tolas e maldosas,
Que sois tão hábil, sempre, a inventar,
As tropas de Guidage, volorosas,
Sempre de vós, senhor, se vão lembrar.
Ficai, senhor, em Binta sossegado,
P’ra serdes neste reino bem lembrado.


(2) Os Pernas D’aço, 3.º Pelotão da Companhia de Caçadores N.º 1546.

Guidage, em Agosto de 1966
____________

Notas de CV:

(*) O Regresso dos Heróis é um livro do nosso camarada Domingos Gonçalves (ex-Alf Mil da CCAÇ 1546/BCAÇ 1887, Nova Lamego, Fá Mandinga e Binta, 1966/68), edição de autor.

Vd. postes da série de:

8 de Agosto de 2011 > Guiné 63/74 - P8648: O Regresso dos Heróis (Domingos Gonçalves) (1): Muitos anos depois

10 de Agosto de 2011 > Guiné 63/74 - P8657: O Regresso dos Heróis (Domingos Gonçalves) (2): Guiné, 1968

13 de Agosto de 2011 > Guiné 63/74 - P8666: O Regresso dos Heróis (Domingos Gonçalves) (3): O último susto

16 de Agosto de 2011 > Guiné 63/74 - P8679: O Regresso dos Heróis (Domingos Gonçalves) (4): O último azar
e
20 de Agosto de 2011 > Guiné 63/74 - P8688: O Regresso dos Heróis (Domingos Gonçalves) (5): A viagem

segunda-feira, 22 de agosto de 2011

Guiné 63/74 - P8695: Louvores e condecorações (8): José Lima da Silva, ex-Soldado da CCAÇ 1496/BCAÇ 1876, condecorado com a Cruz de Guerra no dia 10 de Junho de 1968 na, então, Praça do Município, Porto

Porto, dia 16 de Junho de 1968 > O Soldado José Lima da Silva da CCAÇ 1496/BCAÇ 1876, condecorado com uma Cruz de Guerra.


1. Mensagem do nosso camarada José Lima da Silva*, ex-Soldado da CCAÇ 1496/BCAÇ 1876, Bissum, Pirada e Bula, 1966/67, com data de 17 de Agosto de 2011:

Camaradas
Li o mail que me enviaram, está tudo bem e passo a responder a algumas questões que me colocaram àcerca da minha passagem pela Guiné.

A condecoração foi proposta pelo Comandante do Pelotão Diamantino Pereira Monteiro, porque ao estarmos praticamente cercados pelo inimigo e sendo eu o municiador da bazuca, não estava a ser municiado pelo resto Secção que se dispersou, tendo eu próprio que me deslocar até junto de cada um, para me abastecer e servir o apontador.

Passou-se mais ou menos assim, quando que seriam e, deviam os camaradas na minha retaguarda, de mão em mão, fazerem-me chegar as granadas.

Bom mas isso já passou, apenas fica para História.

A cerimónia de condecoração aconteceu no dia 10 de Junho de 1968, na praça Almeida Garrett (Avenida dos Aliados, Porto).

Como já havia passado à disponibilidade, o fardamento para a cerimónia, recebi de véspera no antigo quartel da CICA 1 no Porto, onde tive que pernoitar e ter ordem unida, hoje não faria isso, mas como não era apenas eu que lá estava para o mesmo efeito...

Para aquele efeito, o fardamento não tinha armas, era simples.

Desculpem, mas não vos vou falar muito da minha passagem pela Guiné, e quanto a fotografias, não tenho, porque vivi numa casa com alguma humidade, e pensando que as tinha muito bem protegidas, não tinha, porque depois de mudar de casa, fui arrumar tudo e estavam irreconhecíveis, não havendo forma de as recuperar.

Tenho outra condecoração, mais ligeira e, sem o mesmo valor (pelo menos para mim), condecoração essa que aconteceu no dia 28 de Maio de 1969 em Braga, no antigo Estádio 28 Maio. Nessa cerimónia também houve desfile militar, mas eu e outros, que também lá estavam para o mesmo efeito, vestíamos à civil, afinal era para nos dar a Medalha de Expedição e Campanha da Tropa Portuguesa, o porquê não sei porque não ouvi o discurso, nem estou muito interessado agora em saber.

OBS:- Se por acaso vier ter alguns momentos bons que me façam lembrar correctamente alguns episódios passados na Guiné, contar-vos-ei.

Saudações de amizade e consideração por todos.
JLS
____________

Notas de CV:

(*) Vd. poste de 16 de Agosto de 2011 > Guiné 63/74 - P8678: Tabanca Grande (296): José Lima da Silva, ex-Soldado da CCAÇ 1496/BCAÇ 1876 (Bissum, Pirada e Bula, 1966/67)

Vd. último poste da série de 29 de Abril de 2009 > Guiné 63/74 - P4266: Louvores e condecorações (7):O 10 de Junho de 1973 - Um louvor, uma estrada e suas gentes: Cadique/Jemberém (António Manuel da Conceição Santos)

- Em tempo:
Por que foram suscitadas dúvidas quanto à designação do local onde o nosso camarada José Lima da Silva recebeu a sua condecoração em 1968, esclarece-se que a então Praça do Município, na cidade do Porto, se passou a designar como Praça Gen Humberto Delgado a partir do dia 30 de Janeiro de 1975.

Carlos Vinhal
23AGO2011

Guiné 63/74 - P8694: O Mundo é Pequeno e a nossa Tabanca... é Grande (45): O António Teixeira (ex-Alf Mil, CCAÇ 6, Bedanda, 1972/73) por terras da Lourinhã...

 
Lourinhã > Ribamar > Praia do Porto Dinheiro > Tasca da Ti Maria Augusta > 18 de Agosto de 2011 > Eu e o António Teixeira, no dia em que a Alice fez anos e fomos comer uma caldeirada com um grupo de amigos da Lourinhã... Por felicidade, nessa semana o António e a esposa estavam em casa de verão do Pinto de Carvalho, a passar uns dias. E como amigo traz amigo... Recorde-se que o António é professor de educação física, aposentado, e vive em Espinho, e que na outra vida foi Alf Mil na CCAÇ 3459/BCAÇ 3863 (Teixeira Pinto) e na CCAÇ 6 (Bedanda) durante os anos de 1971 a 1973. Foi um excelente fotógrafo das gentes da Guiné e é membro recente da nossa Tabanca Grande. (Já o meu amigo Pinto Carvalho ainda não formalizou a sua entrada...).


Óbidos > 16 de Agosto de 2011 > Passeio de charrete e visita guiada à jóia do património arquitectónico do oeste estremenho, a vila histórica de Óbidos, com um grupo de amigos da Lourinhã... Em primeiro plano, de costas, o Antonio Teixeira, e em segundo plano, à direita, de perfil, o Pinto de Carvalho.

Óbidos > 16 de Agosto de 2011 > Igreja de São Pedro > Visita de um grupo de amigos da Lourinhã, guiada pelo historiador e provedor da misericórdia local, Dr. Carlos Orlando (na foto, de costas; à sua direita, em segundo plano, o António Teixeira e a esposa; de óculos escuros, o Pinto de Carvalho).

Óbidos > 16 de Agosto de 2011 > Vista parcial da vila de Óbidos, que outrora pertenceu à Casa das Rainhas e hoje ostenta um notável património arquitectónico e artístico, digno de uma demorada e atenta visita... Só igrejas, basílicas e capelas são 11...

Óbidos > 16 de Agosto de 2011 > O António Teixeira e o Pinto Carvalho, uma grande amizade que vem já da Guiné, e mais concretamente de Bedanda... Graças também ao nosso blogue, os bedandenses vão fazer um primeiro encontro, alargado, muito proximamente...


Lourinhã > Moledo > 16 de Agosto de 2011 > O Pinto Carvalho e a esposa, Zé, em terras de Pedro e Inês... 


Lourinhã > Abelheira > 17 de Agosto de 2011 > Sardinhada em casa do nosso comum amigo Dr. Laurentino Marteleira, juíz reformado... O Pinto Carvalho atacando uma bela sardinha de Peniche... pescada no mar do Serro, a sul das Berlengas (em frente à Lourinhã)...  Dos amigos presentes, só o dono da casa não tinha feito tropa nem ido ao ultramar... Cinco tinham estado na Guiné (Luís Graça, Pinto Carvalho, António Teixeira, Lino Reis e Arcílio Marteleira, irmão do dono da casa...), dois tinham estado em Angola (Rogério Ferreira e Jaime Bonifácio Marques da Silva)...


Lourinhã > Abelheira > 17 de Agosto de 2011 > O meu querido amigo (e primo) Rogério Ferreira, engenheiro agrónomo reformado... Os nossos bisavós maternos (nascidos na década de 60 do Séc. XIX, em Ribamar) eram irmãos. Pertencemos ambos ao clã Maçarico, de Ribamar da Lourinhã... O Rogério foi Alferes Miliciano em Angola, por volta do início dos anos 70... Como quase todos os meus amigos de infância e adolescência, também ele não escapou à tropa e à guerra...

Lourinhã > Abelheira > 17 de Agosto de 2011 > A esposa do António Teixeira, que é natural de Chaves... O casal vive em  Espinho.

Lourinhã > Abelheira > 17 de Agosto de 2011 > O Pinto Carvalho e o Jaime Bonifácio Marques da Silva, natural do Seixal-Lourinhã, professor de educação física, residente em Fafe (onde é casado com a Dina e de cujo município foi em tempos vereador da cultura)... Foi, tambémj, na outra vida,  Alf Mil Pára-quedista, no BCP 21 (Angola, 1970/72). Foi camarada do Salvador Nogueira, leitor do nosso blogue... Tem-se interessado particularmente com as histórias de vida dos mais de 40 seixalenses que fizeram a guerra do ultramar (1961/74).

Fotos (e legendas) © Luis Graça (200). Todos os direitos reservados
____________________________

Nota do editor:

Último poste da série > 22 de Julho de 2011 >Guiné 63/74 - P8587: O Mundo é Pequeno e o nosso Blogue... é Grande (44): Aqui e ali, prossegue a recuperação da memória.... (Hélder Sousa)

Guiné 63/74 - P8693: Parabéns a você (305): Carlos Cordeiro, ex-Fur Mil At Inf CIC, Angola, 1969/71

____________

Notas de CV:

- Carlos Cordeiro foi Fur Mil At Inf CIC em Angola, nos anos de 1969 a 1971 e é actualmente Professor na Universidade dos Açores em Ponta Delgada.

Vd. último poste da série de 22 de Agosto de 2011 > Guiné 63/74 - P8692: Parabéns a você (304): José Luís Vacas de Carvalho, ex-Alf Mil, CMDT do Pel Rec Daimler 2206, Bambadinca, 1970/72

Guiné 63/74 - P8692: Parabéns a você (304): José Luís Vacas de Carvalho, ex-Alf Mil, CMDT do Pel Rec Daimler 2206, Bambadinca, 1970/72

Com um abraço do camarada Miguel Pessoa, tertúlia e editores
____________

Notas de CV:

- José Luís Vacas de Carvalho foi Alf Mil Cav e Comandante do Pel Rec Daimler 2206 que esteve em Bambadinca nos anos de 1970 a 1972

Vd. último poste da série de 21 de Agosto de 2011 > Guiné 63/74 - P8690: Parabéns a você (303): Vasco Santos, ex-1.º Cabo Op Cripto na CCAÇ 6 nos anos de 1972 e 1973

domingo, 21 de agosto de 2011

Guiné 63/74 - P8691: Notas de leitura (267): O Fazedor de Utopias, Uma biografia de Amílcar Cabral, por António Tomás (3) (Mário Beja Santos)

1. Mensagem de Mário Beja Santos (ex-Alf Mil, Comandante do Pel Caç Nat 52, Missirá e Bambadinca, 1968/70), com data de 26 de Julho de 2011:

Queridos amigos,
Este livro do António Tomás representa um outro olhar sobre a vida do PAIGC naquilo em que esta se confunde com a história de África, a partir de finais de 1950, o surto das independências e a construção do pensamento político de Cabral. Este pensamento, comprovadamente, foi um dos mais originais na acepção do sucesso da guerrilha a partir da fusão entre combatentes e populações civis apoiantes, do manejo estratégico da diplomacia a tal ponto que se criou um reconhecimento da República da Guiné-Bissau sem esta dispor do controlo físico de uma parte do território, tal a credibilidade que o PAIGC passou a granjear devido à sua luta armada e ao prestígio do líder fundador.

Um abraço do
Mário


O fazedor de utopias, uma biografia de Amílcar Cabral (3)

Beja Santos

Por diferentes razões e títulos, 1970 é um ano de viragem na lógica da guerra, ambos os contendores são forçados a refrescar a comunicação, a ver o “outro” com outras lentes. É esta a análise que nos sugere António Tomás em “O Fazedor de Utopias – Uma biografia de Amílcar Cabral” (Tinta da China, 2ª edição, 2008). Falha o diálogo e o aliciamento no chão manjaco, falham objectivos fulcrais na operação Mar Verde. Escreve o autor: “A invasão de Conacri foi a última punhalada no prestígio internacional de Portugal, ainda que a princípio não fosse claro o grau de envolvimento das suas forças armadas. Embora a rádio oficial de Conacri falasse nas forças de Spínola, acusando-as de ter inclusive usado a aviação, a suspeita de que Portugal estivera por detrás dos ataques só começaria a ganhar forma quando, a 27 de Novembro, Francisco Gomes Nanque, um soldado da Companhia de Comandos Africanos, deu ao mar da Libéria e foi recolhido pelo navio inglês Sotriats of Bali. Desembarcado em Monróvia, revelou que a sua companhia tinha participado no ataque a Conacri. Fragilizado pelo fracasso da operação Mar Verde e com o prestígio ferido, Spínola continuou a procurar uma saída airosa para a guerra da Guiné”. A 18 de Maio de 1972, Spínola reunir-se-á com Senghor e este propõe um cessar-fogo de modo a permitir a constituição de uma administração mista e a aprovação de um estatuto de autonomia para 10 anos. Caetano manda suspender as conversações. Spínola responde-lhe: “Não desejo esconder as minhas apreensões ao persentir que perdemos talvez a última hipótese do governador da Guiné dialogar com Amílcar Cabral em situação de manifesta superioridade”.

De igual modo, Cabral, consciente que o esforço puramente militar era insuficiente para decidir a guerra, lança uma ofensiva diplomática, volta às Nações Unidas, aceita fazer conferências nos EUA onde será severamente inquirido pelos senadores e congressistas, espalham-se comités de apoios em vários países da NATO e até o Conselho Mundial das Igrejas presta ajuda humanitária. Um breve encontro na Sala dos Paramentos, no Vaticano, com Paulo VI, irá desencadear troca azeda de argumentos entre o governo de Caetano e a Cúria Romana. Só em 1972 Amílcar Cabral viaja para 31 destinos diferentes, percorre a China, a Coreia do Norte e o Japão, a Suécia, é recebido pelo presidente da Assembleia Geral das Nações Unidas e na União Soviética recebe a promessa do envio dos mísseis Strella e da preparação de pilotos para os aviões MIG. A missão da ONU, em Fevereiro de 1972, permitiu aos diferentes diplomatas que nela participaram a elaboração de um relatório que provocou um grande impacto nas instâncias internacionais. Desde 1971, a nível interno que se encetara a eleição da primeira Assembleia Nacional Popular das chamadas zonas libertadas. Era um processo que iria culminar com a declaração de independência. A PIDE, através dos seus informadores, tem conhecimento deste processo eleitoral e informa Lisboa.

É neste afã que tem lugar a organização de um complô que irá levar ao assassínio de Cabral. Este, que já revelara uma grande falta de ortodoxia quanto aos métodos de desenvolver a guerrilha, desvalorizou a sua própria vida. Dirá mesmo numa entrevista em Outubro de 1971: “Se eu morrer amanhã, nada mudará na evolução inelutável da luta do meu povo e na sua vitória”. Vários estudiosos, com uma manifesta falta de precisão, referem vários atentados. Por exemplo, Luís Cabral fala numa tentativa de assassínio em 1967, aqui António Tomás informa que um tribunal sentenciou à pena de morte por fuzilamento os dois acusados, Honório Sanches Vaz e Miguel Embaná. “Em 1969 fora encontrado no secretariado do partido um militante chamado Jonjon que trazia uma granada com a qual pretendia tirar a vida ao líder”. Sabe-se que a PIDE esteve envolvida em planos para matar Cabral, tudo sem sucesso.

Em Março de 1972, Cabral elaborou um documento denunciando que haveria uma tentativa em que criminosos portugueses estariam infiltrados no PAIGC para matar o dirigente principal e outros dirigentes. Lido à distância, pode ser tomado como um alerta para as manobras divisionistas a uma chamada de atenção para a desunião entre guineenses e cabo-verdianos. Sempre se acusou a PIDE e com base em confissões dos conspiradores, sabendo-se que estes foram barbaramente torturados e que no essencial revelaram haver um envolvimento só de guineenses. Todas as narrativas sobre o assassínio pecam por omissões. Há quem pretenda encontrar uma ligação inequívoca entre a libertação de militantes que estiveram no Tarrafal e um plano da PIDE. Porém, a grande maioria dos conspiradores declaradamente nunca foi contactada pela PIDE, caso de Inocêncio Cani, um dos autores materiais do assassínio. António Tomás deixa bem claro que todos os guineenses, mesmo os que não tomaram parte activa na conspiração sabiam mais ou menos o que se andava a tramar. Sékou Touré aproveitou-se do assassínio de Cabral para um espectacular ajuste de contas interno. De igual modo foram interrogados 465 militantes do PAIGC dos quais 51 foram acusados de estar ocorrente do complô. Ainda hoje não se sabe o número exacto de fuzilados.

A luta não produziu vários “Cabrais”, ao contrário do vaticinado. Veio a aperceber-se que se tinha entrado no repúdio da unidade. E daí a observação de António Tomás: “Amílcar Cabral fundara o PAIGC à sua imagem e semelhança. Daí a razão de a unidade fazer mais sentido para si, por ter nascido na Guiné de pais cabo-verdianos. Em todos os outros aspectos da vida do partido, a sua influência era determinante. Ele produziu toda a ideologia do partido e formou os homens que, no princípio da guerra anticolonial conduziram o processo de mobilização. Era o rosto da diplomacia, o porta-voz e praticamente a única pessoa autorizada a dar extensas entrevistas aos jornalistas estrangeiros. Todo este poder que Cabral detinha não parecia criar grandes conflitos dentro do PAIGC”. Mas com a morte de Cabral, o PAIGC perdeu a bússola, as convicções e a imagem internacional. Nunca mais teve um pensador, nem na Guiné nem em Cabo Verde. Possuía um talento consumado para as medidas de antecipação: foi ele que previu pra o desfecho da situação colonial uma vitória política e diplomática, o que não passava necessariamente por esmagar o exército inimigo. Não assistiu às consequências da independência nem à desintegração a que o regime de Lisboa foi sujeito pelo rolo compressor dos acontecimentos de 1973 para 1974. Inclusivamente, não se apercebeu que a guerra iria mudar de rumo, a partir do momento em que o PAIGC possuía armamento que lhes permitia praticar uma guerra um pouco convencional, ditando as regras da ofensiva.

O resto é por todos sabido, a partir do 25 de Abril perderam-se todas as possibilidades de continuar a guerra, há documentação segura que inúmeras guarnições e sobretudo os seus comandos se recusaram a combater. Enquanto o PAIGC usou da moderação em Cabo Verde, na Guiné avançou-se delirantemente na construção de um socialismo africano, sonhou-se com a aceleração industrial forçada e a mecanização, tudo em detrimento do desenvolvimento agrícola, a base da economia guineense. Os dois países afastaram-se, Cabral e a sua clique política, exasperados com os insucessos, redobraram as medidas centralizadoras. E assim se chegou ao golpe de Estado que afastou os cabo-verdianos da direcção política na Guiné. É esta a última viagem que António Tomás faz, percorre um país fantasmático onde a tutela militar é um mau presságio do futuro. Entrevista as irmãs de Cabral, duas mulheres tristes cheias de recordações, percebendo que Cabral já nada representa para as novas gerações, é um ícone, uma fotografia despojada de qualquer relação entre o presente e o futuro.

Leitura de muitíssimo interesse e que permite completar as teses de Julião Soares Sousa.
____________

Nota de CV:

Vd. postes anteriores de:

16 de Agosto de 2011 > Guiné 63/74 - P8677: Notas de leitura (265): O Fazedor de Utopias, Uma biografia de Amílcar Cabral, por António Tomás (1) (Mário Beja Santos)
e
19 de Agosto de 2011 > Guiné 63/74 - P8686: Notas de leitura (266): O Fazedor de Utopias, Uma biografia de Amílcar Cabral, por António Tomás (2) (Mário Beja Santos)

Guiné 63/74 - P8690: Parabéns a você (303): Vasco Santos, ex-1.º Cabo Op Cripto na CCAÇ 6 nos anos de 1972 e 1973

____________

Notas de CV:

Vasco Santos foi 1.º Cabo Op Cripto na CCAÇ 6 e esteve em Bedanda nos anos de 1972 e 1973

Vd. último poste da série de 20 de Agosto de 2011 > Guiné 63/74 - P8687: Parabéns a você (302): Manuel Amaro, ex-Fur Mil da CCAÇ 2615/BCAÇ 2892