sábado, 5 de maio de 2012

Guiné 63/74 - P9857: Memórias da minha comissão (João Martins, ex-alf mil art, BAC 1, Bissum, Piche, Bedanda e Guileje, 1967/69): Parte III - BIssau e férias em São Martinho do Porto, em agosto de 1968



Guiné > Bissau > Quartel-General > O velho forte da Amura > Entrada principal > Foto nº  17/199 do álbum Guiné, disponível na página do Facebook, do João Martins.





Guiné > Bissau > BAC 1 [, Bateria de Artilharia de Campanha] > Obuses 8.8 e viaturas, de fabrico alemão, do tempo da II Guerra Mundial. Foto nº  30/199 do álbum Guiné, disponível na página do João Martins no Facebook.





Guiné > Bissau < Junho de 1968 > Piscina do Quartel General. Foto nº 7/199.





Guiné > Bissau < Junho de 1968 > Capela do Hospital Militar 241 > Foto nº 9/199.






Guiné > Bissau < 10 Junho de 1968 > Desfile militar > Início do 'consulado' do brig e depois gen António Spínola, governador-geral e comandante-chefe do CTIG (1968-1973) . Foto nº 44/199.




Fotos (e legendas): © João José Alves Martins (2012) / Blogue Luís Graça & Camaradas da Guiné. Todos os direitos reservados. (Fotos editadas e parcialmente legendadas por L.G.) 





Memórias da minha comissão na Província Ultramarina da Guiné - Parte III (*)

por João Martins (ex-Alf Mil Art, BAC1, Bissum, Piche, Bedanda e Guileje, 1967/69)


6 – Regresso a Bissau para gozar férias na Metrópole (Julho de 1968)



As férias aproximavam-se e regressei a Bissau a tempo de assistir às comemorações do 10 de Junho, de dar uns mergulhos na Piscina do Quartel-General (QG), de conhecer Mansoa, de ir até Nhacra, de passar por Quinhamel, e de tomar banho num local rodeado por uma paliçada, que, a certa altura, quando eu estava agarrado a ela e sem pé, tremeu toda, não cheguei a perceber se tinha sido por efeito de algum jacaré que teria dado pela minha presença e que ao ir ter comigo com ela teria chocado, mas é possível. 

Como não era um sítio propriamente agradável para se estar, e queríamos estar mais perto do mar, continuámos para oeste até ao fim da picada, a Ponta Biombo. Descemos até à praia e constatámos que, à nossa frente, havia uma duna de areia a uns cem metros, e que só a partir dela é que se via bem o mar.

A maré estava baixa e o chão, de lodo ressequido pelo efeito do calor, permitia-nos caminhar sem qualquer dificuldade. Passada cerca de uma hora, percebemos que a maré estava a encher e que a água nos rodeava completamente. Achámos conveniente regressar à praia, e assim fizemos. O problema é que o terreno ressequido por onde tínhamos passado já tinha cerca de meio metro de água, o que não dava para andar porque nos enterrávamos até ao joelho ferindo-nos nas conchas que estavam enterradas no lodo, e, também não dava para nadar porque a altura da água não era suficiente; só havia uma alternativa, era rastejar, e assim fizemos com o receio de algum de nós ser apanhado por algum jacaré. 

Com a maré mais cheia tomámos uma rica banhoca com a vantagem de termos por perto algumas “sereias” de tez bem clarinha, com muito bom aspeto, e que dava gosto ver depois de termos passado por tanta “escuridão”…

Finalmente, chegou o dia da partida para Lisboa para gozar umas mais que merecidas férias. A viagem correu da melhor maneira, mas, no aeroporto, à passagem pelo controlo de passageiros, algo de anormal se passou porque fui abordado por um senhor que me mostrou uma identificação. Concluí que devia ser da PIDE/DGS, pois “pediu-me” que o acompanhasse, enquanto eu ouvia uns comentários, estilo “aquele já vai preso”, é claro que não dei grande atenção aos comentários porque não tinha nada a recear, nunca tinha feito nada que justificasse aquela receção, a não ser dizer sempre tudo o que penso, e prontifiquei-me a acompanhar o tal senhor que me conduziu a uma sala.

Ao fim de algum tempo, que me pareceu exagerado, resolvi sair, ele estava cá fora e informou-me que não tinha autorização para sair porque eu estava detido.
 
Bem, nunca me tinha acontecido tal coisa de modo que resolvi aguardar pacientemente a evolução dos acontecimentos. Chegou então o meu pai que vinha atrasado contra o seu costume e que me vinha receber e levar até ao Ministério da Defesa Nacional [MDN], onde estava colocado na altura. É claro que o meu “guarda” temporário percebeu o ridículo da situação e se desfez em desculpas.

Chegados ao MDN, compreendi que pretendiam conhecer as minhas impressões sobre a evolução do TO da Guiné. Como estava de mau humor depois daquela detenção inesperada como receção, quando esperava recompor-me do “stress” acumulado em horas de combate, resolvi desabafar.







Quadrante 1 (Norte,  Noroeste): Principais localidades: Bissau (capital),  São Domingos, Farim, Bissorã, Mansoa, Teixeira Pinto e Fulacunda  (sedes de concelho ou circunscrição). Outras localidades que eram postos administrativos: Sedengal, Bigene, Olossato, Bula, Calequisse, Caió. Binar, Safim, Injante, Quinhamel, Prabis, Encheia,  Olossato, Mansabá, Porto Gole, Tite...






Quadrante 2 (Sudoeste): Principais localidades: Bolama, Bubaque, Catió  (sedes de concelho ou circunscrição)... Localidades que eram postos administrativos, excluindo os Bijagós: São João, Empada, Bedanda, Tombali, Cabedu, Cauane, Cacine...


Quadrante 3 (norte e noroeste): Principais localidades: Bafatá, Nova Lamego  (sedes de concelho ou circunscrição)... Postos administrativos: Bambadinca, Xitole, Darsalame (pertencia a Fulacunda), Galomaro, Bengacia, Beli, Piche, Pirada, Sonaco, Contuboel, Colina do Norte, Gã Mamudo..




 Quadrante 4  (sudeste): Principais localidades:  Nenhuma sedes de concelho ou circunscrição:  Apenas 2 localidades fronteiras, com a categoria de posto administrativo: Quebo, Guilege (com g)...

 
Mapa da Guiné que foi oferecido  ao João Martins, por seu pai, oficial da Marinha, quando esteve estava destacado no Ministério da Defesa Nacional (MDN), e o filho foi mobilizado para o TO da Guiné... Não tem data, escala, nem legendas, não se podendo perceber, por exemplo, o significado nem das cores nem das linhas a vermelho que delimitam porções do território. O mapa é claramente anterior à guerra, seguramente dos anos 40/50.


 Recortámo-lo em quatro partes para simbolizar a ideia de "puzzle"... Ontem como hoje, a Guiné é um "puzzle", uma quebra-cabeças... pensando na conversa (algo surreal) que o João Martins teve no MDN, à chegada a Lisboa, na sua viagem de férias, e que tenta reconstituir - mais de 40 anos depois - neste texto das suas memórias... (LG).
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E fui dizendo que estávamos numa guerra em que os nossos responsáveis políticos e militares não estavam à altura das circunstâncias, e que o desconhecimento do sentir das populações e a falta de competência das chefias para enfrentarmos aquela guerra era mais do que evidente, que uma guerra de guerrilhas apadrinhada, implementada, promovida e incentivada pelas grandes potências que eram de facto o nosso principal adversário, não devia ser conduzida com tanta incompreensão do que se passava no TO e dos sentimentos profundos das populações.


Transmiti a minha convicção de que aquela guerra tinha a sua origem num cariz político e que só podia ser ganha se tudo se fizesse para melhorar o nível de vida das pessoas, incentivando e apoiando o desenvolvimento económico e social, e que era fundamental, para o efeito, que se organizasse todo o apoio possível à produção e se limitassem as margens de comercialização.

Afirmei que era de primordial importância que se criassem postos de trabalho que contribuiriam para uma vida melhor e uma felicidade a que todo o ser humano tem direito. Expliquei que era imprescindível dar emprego a toda a gente e atender à satisfação das necessidades básicas que são a alimentação e a habitação, e que para isso era necessário desenvolver a agricultura, as pescas e a agropecuária, e era necessário cultivar produtos passíveis de exportação tais como o arroz, a manga, o abacaxi e o amendoim, para equilibrar a balança de pagamentos.

Também era óbvio que o sector energético e o dos transportes deveriam ter pessoas competentes a geri-los, entendendo-se por gestores competentes aqueles que, não endividando as empresas, colocavam no mercado os seus serviços e os seus produtos a preços de venda realmente baixos, contribuindo desse modo para o acréscimo da viabilidade financeira das empresas suas clientes, aliviando a necessidade de recorrerem ao crédito, permitindo o aumento dos vencimentos e do poder de compra das populações, o que traria o fortalecimento da atividade económica, e, em consequência, o aumento da cobrança dos impostos, fundamental para atender às necessidades básicas dos mais desprotegidos, nomeadamente em termos de saúde, e também, e finalmente, para contribuir para o financiamento do esforço de guerra.

Também expliquei que os portugueses, tanto os da Metrópole como os do Ultramar, o que pretendiam era uma vida melhor, mais digna, com desemprego nunca superior a 3%, limite que, quando ultrapassado, deve levar qualquer regime político a ser substituído por um mais competente que evite a saída para o estrangeiro de portugueses, quer dos menos qualificados quer dos mais qualificados e que a emigração que se verificava em Portugal era uma verdadeira vergonha nacional que revelava a grande incompetência dos responsáveis políticos, e a possível falência do regime a curto prazo.

Continuei dizendo que a dívida externa nunca deveria ultrapassar os 30% do Produto Interno Bruto, porque se isso se verificasse, os juros da dívida representariam um custo adicional dificilmente suportável, e que era pois premente promover a produção de modo a evitar as importações e a consequente saída de divisas que poderiam pôr em causa o equilíbrio financeiro da balança de transações correntes.

E acrescentei que, para apoiar devidamente aqueles setores da economia era absolutamente necessário que o governo controlasse a taxa de juro dos empréstimos. Por outro lado, considerava que era completamente errada a política de baixos salários da maioria dos portugueses, na medida em que é o poder de compra que permite o desenvolvimento das trocas comerciais, da atividade económica e a arrecadação por parte do Estado do imposto de transações que lhe permitiria fazer face aos seus compromissos, e, para isso, tornava-se necessário que o dinheiro fosse gasto na aquisição de bens e serviços produzidos no país a começar por aqueles que se destinam à satisfação das necessidades básicas. 

Por outro lado, devia-se evitar salários e ordenados demasiado elevados, muitas vezes não merecidos, mas que se justificavam apenas pela sua natureza “política” (afilhados) ou de “grupos de interesse ou de pressão”. E precisei que estes rendimentos são na maioria das vezes canalizados para paraísos fiscais, ou, na aquisição de bens de luxo e de importação como sejam os automóveis de elevada cilindrada e as viagens ao estrangeiro. Portanto, era fundamental, para bem do país, diminuir a diferença de rendimentos entre ricos e pobres, promover o crescimento económico, aumentando o poder de compra das populações, diminuir o desemprego, a dependência energética e os custos de exploração das empresas.

Acrescentei que felizmente havia a preocupação de manter a moeda forte e a inflação baixa, pelo que se justificava poupar e investir, porquanto, se tal não ocorresse, por exemplo, se a inflação fosse da ordem dos 30%, quem tivesse poupanças no valor de 100$00, ao fim de um ano valeriam 70$00, e ao fim de dois anos valeriam 49$00, isto é, bastariam dois anos para valerem menos de metade, o que é uma maneira de tornar as pessoas mais pobres retirando poder de compra a quem consegue “poupar” e é um nítido convite ao consumo em detrimento da poupança que possibilita o investimento, e em consequência, a criação de postos de trabalho.

Para quebrarem este meu discurso que já ia longo, perguntaram-me o que é que eu pensava do Amílcar Cabral.

 Resolvi responder que em minha opinião era um herói nacional, porque, pelos comunicados do PAIGC, na rádio, afirmava a sua condição de português e o que pretendia não era propriamente a independência, mas sim, uma vida melhor para o povo da Guiné, o que era próprio de qualquer português bem-intencionado, e que a independência que advogava só se justificava como reação ao regime político em que nos encontrávamos que não se esforçava por obter um futuro melhor para as populações.

E acrescentei que era essa a razão que levava muitos africanos a acreditarem na propaganda de que eram alvo e a passarem-se para o IN. Não terão gostado muito de ouvir estas minhas considerações sobre política económica, possivelmente concluíram que eu era um comunista ao serviço do KGB e dos interesses imperialistas de Moscovo, ou, o que ainda seria pior, socialista ao serviço da CIA e do imperialismo norte-americano, porque me disseram que, depois de terem ouvido o que eu disse, tinham que me deter. É claro que não estava à espera de uma reacção destas, e pensei como é que havia de sair daquela embrulhada.

Foi então que respondi: 
- Ainda bem, fico muito satisfeito, porque se estiver preso já não terei que ir combater e ficar sujeito a levar um tiro ou apanhar com um estilhaço de alguma granada. 

Tal como imaginei, face a esta resposta, o oficial que me interrogou lá pensou duas vezes e disse: 
- Realmente é melhor ir combater mas não transmita essas suas ideias a ninguém. 

É claro que aceitei a sua recomendação, e fui finalmente de férias, procurando esquecer o que tinha passado na Guiné.

Em férias, foi-me apresentado alguém que, sabendo que eu andava por terras da Guiné,  me foi dizendo o que sabia sobre aquela realidade. Fiquei atónito com o que ouvia, como era possível aquela “suposta autoridade” dizer tantos disparates. Mas dando mais atenção ao que dizia cheguei à conclusão de que fazia algum sentido, e, depois de o ouvir comentei transmitindo-lhe as minhas conclusões sobre as suas opiniões, disse-lhe que “era óbvio que nunca tinha estado em África e muito menos na Guiné, que tinha estado em Paris, na Sorbonne, onde lhe teriam feito uma lavagem ao cérebro, e que era evidente que se limitava a reproduzir a propaganda comunista”. É claro que eu tinha acertado em cheio.









Portugal > Alcobaça > São Martinho do Porto > Um lugar mágico...  A baía de São Martinho do Porto onde o João Martins passa férias há dezenas de anos... Na foto, Graça Martins, a sua esposa. Foto (nº 83/88) do álbum São Martinho do Porto, de João Martins, disponível na sua página do Facebook...


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Passei o Agosto em S. Martinho, como de costume, e regressei a Bissau num avião da TAP. Nova aventura, estávamos a sobrevoar Sesimbra quando o avião ficou como se os motores tivessem deixado de funcionar, o avião perdeu altura muito rapidamente, afocinhando na direção do mar. Uma hospedeira, convencida de que íamos todos entrar em pânico, apareceu vinda da cabina do comandante com um ar muito desesperado e apostada em nos sossegar. Olhou para mim, porque eu ia num dos bancos da frente, e ficou espantada com a nossa reação, sorri-lhe, e comentou: 
- Vê-se mesmo que são militares e andam na guerra.

E voltou para a cabina do comandante. Tivemos que aterrar nas Canárias e depois em Cabo-Verde onde vi um avião com uma frente que me lembrou os olhos de um gafanhoto e que, segundo o que comentavam, operava na guerra do Biafra.

Chegado a Bissau, novo pelotão e novo destino me esperavam, em Piche [, em setembro de 1968] .

(Continua)






Guiné > Ilha de Bissau > Agosto ou setembro de 1968 > Regresso a Bissau, em avião da TAP >   Foto aérea da região de Bissau > Foto (nº 3/199 do álbum Guiné, de João Martins, disponível na sua página do Facebook...


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Nota do editor: 

Guiné 63/74 - P9856: Parabéns a você (416): Joaquim Gomes Soares, ex-1.º Cabo da CCAÇ 2317/BCAÇ 2835 (Guiné, 1968/69)

Para aceder aos postes do nosso camarada Joaquim Soares, clicar aqui
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Nota de CV:

Vd. último poste da série de 4 de Maio de 2012 > Guiné 63/74 - P9849: Parabéns a você (415): José Martins Rodrigues, ex-1.º Cabo Aux. Enf.ª da CART 2716/BART 2917 (Guiné, 1970/72)

sexta-feira, 4 de maio de 2012

Guiné 63/74 - P9855: Ser solidário (126): Da mesma maneira que muitos dos ex-combatentes sentem aquela pulsão de regressar, eu também a sinto (Tiago Teixeira)

1. O nosso camarada José Teixeira (ex-1.º Cabo Enf.º da CCAÇ 2381, Buba, Quebo, Mampatá e Empada, 1968/70) reencaminhou-nos esta mensagem do seu filho Tiago, médico, que está na Guiné-Bissau em missão humanitária a trabalhar no Hospital de Cumura:

"Eras meu camarada, que é uma palavra que só quem esteve na guerra compreende inteiramente o sentido: não é bem irmão, não é bem amigo, não é bem companheiro, não é bem cúmplice, é uma mistura de tudo isto com raiva e esperança e desespero e medo e alegria e revolta e coragem e indignação e espanto, é uma mistura de tudo isto com lágrimas escondidas"

in “Quarto Livro de Crónicas” de António Lobo Antunes


Hoje de tarde fui ao cemitério de Bissau, onde estão sepultados camaradas de armas do meu pai, do tempo da guerra colonial...

Da mesma maneira que muitos dos ex-combatentes sentem aquela pulsão de regressar, eu também a sinto. E talvez seja por isso que vim. Cresci a ouvir falar de tabancas, bajudas, fulas, balantas, bolanhas, bijagós, cajus, poilões, febres quartãs...

Sabia onde era Bissau, Empada, Mampatá, Bolama, Aldeia Formosa. Desde pequenino que sei distinguir um papel de um manjaco. Conheço todas as histórias das granadas que rebentaram com a vida daqueles jovens, e dos estilhaços que ainda hoje continuam nos seus corações... tudo isto a preto e branco, num álbum de memorias que em família desfolhávamos amiúde...

Não sei bem explicar porque sinto que isto é um regresso... Na verdade, nunca cá estive. Acho que é um regresso em nome do meu pai, da sua fidelidade a esta terra e a esta gente, que o marcaram para a vida, que me marcaram para a vida... Como se um linha filial marcasse estes quarenta anos de tempo, e que o meu regresso fosse o cumprir de uma tal promessa de fidelidade...

O cemitério de Bissau é triste como qualquer outro cemitério, mas é sujo, descuidado, com cabras a comer as flores apodrecidas... A campas dos militares portugueses estão ao abandono. No fundo, uma metáfora sobre a forma como o país cuida daqueles que por cá ou por lá, continuam perdidos no capim.

Tiago Teixeira








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Nota de CV:

Vd. último poste da série de 27 de Abril de 2012 > Guiné 63/74 - P9818: Ser solidário (125): Jardim Infantil de Ingoré - Flor de Arroz - inaugurado no passado dia 6 de Abril (José Teixeira)

Guiné 63/74 – P9854: Convívios (424): Encontro do pessoal da CART 2412, dia 19 de Maio de 2012 em Vizela (Jorge Teixeira)

1. Mensagem de Jorge Teixeira (ex-Fur Mil Art, CART 2412, Bigene - Guidage, Barro, 1968/70), com data de 1 de Maio de 2012:

Caro Carlos Vinhal
Um pedido para te dar trabalho, ou hoje não fosse o teu dia, o do trabalhador.

Com um abraço (para dar graxa!) apelo à tua complacência para a possibilidade de ser publicado no blogue da Tabanca alguma coisa que se aproveite daquilo que abaixo se diz e está publicado no blogue da CART 2412.

Obrigado pela atenção e consideração
Um abraço
cumprim/jteix


Encontro/convívio da CART 2412

 Dia 19 de Maio de 2012, em Vizela

  "SEMPRE DIFERENTES"


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Nota de CV:

Vd. último poste da série de 1 de Maio de 2012 > Guiné 63/74 – P9839: Convívios (344): 18º Encontro do Pessoal de Bambadinca, 1968/71, em 26 de Maio na cidade do Porto (Manuel Monteiro Valente, ex-1º Cabo At Inf, CCAÇ 12, 1969/71)

Guiné 63/74 – P9853: Breve historial da CCAÇ 2464 / BCAÇ 2861 que esteve em Biambe, Encheia, Buba, Nhala e Binar (António Nobre)

1. Trabalho do nosso camarada António Nobre* (ex-Fur Mil da CCAÇ 2464/BCAÇ 2861, Buba, Nhala e Binar, 1969/70), historiando resumidamente a actividade operacional da sua Companhia na Guiné.


COMPANHIA CAÇADORES 2464

BATALHÃO DE CAÇADORES 2861 

GUINÉ - FEV69 / DEZ70

Embarcámos em 05 de Fevereiro de 1969 no paquete UIGE, com chegada a Bissau a 11 do mesmo mês, e colocação temporária nos Adidos.

Toda a viagem decorreu com perfeita normalidade. Passados 4 dias foi superiormente decidido a nossa partida para zonas operacionais, concretamente: Metade da Companhia foi colocada no Biambe sob o comando do Capitão Prata - A outra metade, sob o comando do Alferes Miliciano António Vale, administrativamente com destino idêntico, mas alocada fisicamente em Encheia.

Após o normal período de adaptação, ocorreram as primeiras operações em 23 de Março do mesmo ano, com três pelotões e uma primeira emboscada que resultou em 2 prisioneiros inimigos e não registando quaisquer feridos nas nossas Tropas. Nesta mesma noite, provavelmente por represália à nossa intervenção, ocorreu o primeiro ataque (flagelação) ao nosso aquartelamento que resultou no primeiro ferido ligeiro. Dada a intensidade deste ataque, fomos forçados a socorrermo-nos de apoio aéreo que resultou plenamente.

Posteriormente, concretamente a 23 de Março, desenvolveu-se uma operação denominada “ FOGO RASANTE”, concretizada a nível de Batalhão com a participação de tropas de 3 Companhias, tendo a minha - CCAÇ 2464 - participado com 2 pelotões (O 1.º sob o comando do Alferes Lázaro e o 4.º sob o comando do Alferes Vale) Operação que chegou ao fim após nove horas, e fomos alvo de uma emboscada após contacto com o IN, sem consequências muito graves (um ferido ligeiro) tendo em conta uma intervenção rápida da força aérea que nos acompanhou no regresso ao aquartelamento.

O pior viria nos dias seguintes, designadamente em 07 de Abril de 1969 com a saída para o TAMA de 2 pelotões (3.º sob o comando do Alferes Viamonte e o 4.º sob o comando do Alferes Vale), tendo no inicio da operação, após termos percorrido cerca de 1,5 quilómetros. Sofrida uma intensíssima emboscada, resultando que em pleno teatro de operações o Soldado Radiotelegrafista Claro pisasse uma mina anti-pessoal, tendo ficado sem uma perna, mais ferimentos graves no Fur. Mil.º Mendes e um Milícia os quais, após os primeiros socorros, foram posteriormente evacuados para o Hospital Militar em Bissau.

Ainda durante os meses de Abril e Maio desenvolveram-se diversas operações, grande parte delas com contactos com o IN, particularizando-se uma bala na mão do Soldado Loureiro e uma bala nas costas do Soldado Sousa e ainda diversos feridos graves em soldados de uma Companhia de açorianos que connosco participaram nestas operações.

Após estas operações, mais concretamente a 23 de Maio de 1969, o 4.º Pelotão parte para Encheia para reforçar aquele aquartelamento onde já se encontrava o 2.º Pelotão e um de açorianos Com a nossa tropa (4.º Pelotão) segue igualmente o Capitão Prata, Comandante da Companhia, acompanhado com a sua comitiva de excelência, o Furriel Cascais, o Domingos (técnico), o chefe da milícia local, o “Quinze” e o Fur. Mil.º Alves.

O Capitão Prata, segundo ele, com esta comitiva iria dinamizar a actividade operacional do destacamento em Encheia que estaria muito pouco activa.

Durante a permanência em Encheia, houve incompatibilidades com a Companhia açoriana que se terá negado a intervir conjuntamente com a nossa Companhia. Deste facto resultou que o Comandante-Chefe, sua Excelência General António de Spínola tenha visitado Encheia para resolver o diferendo sem resultados.

Com efeito, naquele destacamento e durante a sua visita, a população, via Chefe de Posto, fez muitas queixas, designadamente sevícias, violações sexuais, tendo-se retirado com promessas de que iria mandar averiguar. Para ultimar a averiguação, foi deslocado para o aquartelamento um Oficial do Batalhão, concretamente o Senhor Major Lima.

Para evitar quaisquer diferendos futuros e dentro daquela politica da “PSICO” a nossa Companhia foi mandada apresentar-se em Bissau - Aquartelamento de Brá, onde pernoitámos e saímos em 09 de Junho para o aquartelamento de Buba, numa LDG, tendo chegado ao entardecer para integrarmos um contingente operacional de apoio ao CAOP e COP 5, cuja intervenção conjunta se destinava a reabertura da estrada BUBA / ALDEIA FORMOSA, com 750 capinadores, em conjunto com uma Companhia de Comandos, o COP comandados pelo nosso bem conhecido, na altura Major Fabião, e um Esquadrão de Panhards comandados pelo então Major Monge. Toda a companhia permaneceu durante algum tempo em Buba, tendo posteriormente sido alocada num aquartalemento (?) próximo, concretamente em NHALA.

Permanecemos naquele aquartelamento durante algum tempo, mas dadas as precárias condições de alojamento (foram as piores instalações de toda a nossa Comissão, onde o nosso banho pessoal era efectuado na Bolanha e na “fonte”, vejam bem).

Passados largos meses e para compensar a nossa péssima estadia em NHALA, fomos transferidos para Binar- Sector de Bula - onde permanecemos “principescamente” até ao final da Comissão, tendo embarcado para a Metrópole em DEZEMBRO de 1970.

Em resumo, não tivemos mortes, pese a existência de vários feridos, alguns deles com muita gravidade.

Esta é a história da “minha guerra”.

Para a completar esta informação, junta-se algumas fotos evocativas.

FOTO 1 - Biambe - Abril de 1969 - Quelha, Quinze, Nobre, Sena e Humberto

FOTO 2 - Tabanca do Biambe - Abril (Páscoa de 1969) - Prata, Viamonte, Nobre, Quinze e Humberto

FOTO 3 - Biambe - Junho de 1969 - Branco, Teixeira, Mesquita, Nobre, Silva e Sena

FOTO 4 - Nhala - Agosto de 1969 - Equipa da Formação que venceu o Torneio relâmpago - De pé: Nobre, Óscar, Lázaro, Gomes e Ventura. Em primeiro plano: Setúbal, Daniel, Djacta e Henrique

FOTO 5 - Chaves - Fevereiro de 2009 - Em Almoço de comemoração do 40.º aniversário do embarque
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Nota de CV:

(*) Vd. poste de 10 de Abril de 2012 > Guiné 63/74 – P9724: Convívios (331): Encontro do pessoal da CCAÇ 2464, dia 28 de Abril de 2012 em Aveiro (António Nobre)

Guiné 63/74 - P9852: Lições de artilharia para os infantes (4): O que era uma bateria (ou bataria)... (C. Martins, Cmdt do Pel Art, Gadamael, 1973/74)





Vendas Novas > Escolha Prática de Artilharia (EPA) >  Museu > 1998  > A peça 11.4 e o obus 14, ambos usados no TO da Guiné, durante a guerra colonial. Segundo o coro art ref Nuno Rubim, grande especialista de história da artilharia em Portugal e nosso grã-tabanqueiro (de quem não temos sabido notícias há meses), "continua a haver grande confusão sobre o material de artilharia (português ) que esteve em Guileje. Fala-se indistintamente da Peça de 11, 4 cm e do Obús de 14 cm. (...) Eram parecidos (mesmo reparo) só que o 11, 4 cm era de menor calibre e com o tubo mais comprido ( ver imagem acima)".

Foto: © Nuno Rubim (2007). Todos os direitos reservados




Extrato da pag 3 do Anexo B à Ata da reunião de Comando, realizada no QG, Bissau, em 15 de maio de 1973, assinada pelo chefe da repartição de operações, ten-cor CEM Mário Pinto de Almeida:





1. Comentário (*) do nosso leitor e camarada, C. Martins, antigo comandante do Pel Art de Gadamael (1973/74) - aliás, o último artilheiro de Gadamael - , e hoje médico (que foi aos nossos dois últimos encontros, em Monte Real, mas que nos tem pedido reserva de imagem, por razões de deontologia profissional):


Francamente, devo ser mesmo burro. É que não entendo nada, refiro-me só à artilharia. Com o respeito que me merece um oficial superior... ou devia merecer... quando refere comandantes de bateria (**)… 


Para quê ? Seria que os comandantes dos Pelarts eram incompetentes, não sabiam por em posição uma bateria e calcular os elementos de tiro ? 

É certo que um capitão tinha mais conhecimentos em termos administrativos, não ponho em causa, mas para manobrar não faziam falta… Não percebi se era para reforçar com mais obuses ou se era meramente uma questão de comando. 

No sul existiam PelArt  de obuses de 14 cm em Cacine, Gadamael, Cufar e um de 10,5 em Jemberem, que cobriam toda a área envolvente. Mais afastado e para o interior Bedanda também com 14. O dispositivo dos aquartelamentos estava errado no meu ponto de vista, mas a dotação de *elarts com obuses 14, não. 

Uma bateria (companhia, na infantaria) era constituída por 6 obuses com 3 PelArt a 2 obuses cada.

Se os PelArt  passaram a ser a 3 obuses ou peças... porque é que não passaram a ser comandadas por um capitão ? Pois é, que estes foram comandar Carts...se houvesse aumento de obuses já tinha que ser um capitão. pela lógica e escola militar tinha que ser assim... Raciocínio de militar profissional. 

Lembro que aquilo que era aprendido cá, nomeadamente a forma como devia funcionar a serventia de um obus, se fosse aplicada na prática, isto é,  em combate, estávamos "feitos".

Há uns anos atrás visitei a EPA [, Escola Prática de Artilharia, em Vendas Novas], fui recebido por um major que foi muito simpático, na parada davam instrução do 15,5. Abriam e fechavam a culatra com mil cuidados. Pedi-lhe se podia fechar a culatra, como fazíamos lá... no duro, debaixo de fogo... Peguei na ponta do manípulo e ao mesmo tempo deslizei a mão ao longo deste para destravar e simultaneamente empurrei com toque seco largando a mão... A culatra fechou-se com grande estrondo, perante o espanto geral e de admiração. 

Conto isto para pura e simplesmente explicar como é bem diferente a teoria e prática de "parada" ou de "escola" e a adaptação que se tem que fazer no terreno, como certamente quase todos nós sabemos.

Isto vem a propósito de oficiais superiores, altos estudos militares, QG, estratégias... sem desprimor para muitos que sabiam adaptar-se... mas outros, enfim.


2. Novo comentário  (***) do C. Martins:

Caro camarada artilheiro J.Martins (**)

Com que então na apresentação no Bac 1 [, em 1967/69], no meu tempo GA 7 [, em 1973/74], os senhores alferes escolhiam para onde queriam ir consoante as suas conveniências... Mas que "ganda sortudos" !...

Olha, no meu tempo foi assim: tivemos um briefing com um capitão e depois com um sargento "mecânico", que nos ensinou os rudimentos de mecânica dos obuses, e a cada duas frases de índole técnico-mecânica, repetia:
- Tomem atenção, senhores alferes, que lá no mato vão ter que se desenrascar, não têm lá "mecânicos"...OUVIRAM ?
 - Sim, nosso primeiro... OOUUUUVIMMMOOOSSS!
- Amanhã é vos comunicado o vosso destino.
 - Então, oh pira, pra onde vais ?
 - Vou para...
 - Eh pá, tás f... Isso é o maior buraco da Guiné!...

E assim sucessivamente...

Outros tempos, meu caro.

Um alfa bravo e que viva Santa Bárbara.

C. Martins (****)



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Notas do editor:

(*) Vd. poste de 3 d maio de 2012 > Guiné 63/74 - P9845: Análise da situação do inimigo - Acta da reunião de Comandos, realizada em 15 de Maio de 1973 - Parte IV (Luís Vaz Gonçalves)


(**) O mesmo que bataria (segundo os dicionários de língua portuguesa)


(***) Vd. poste de 3 de maio de 2012 > Guiné 63/74 - P9844: Memórias da minha comissão (João Martins, ex-alf mil art, BAC 1, Bissum, Piche, Bedanda e Guileje, 1967/69): Parte II_ Batismo de fogo em Bissum-Naga até às férias...


(****) Último poste da série > 16 de fevereiro de 2012 > Guiné 63/74 - P9496: Lições de artilharia para os infantes (3): Fazer a rotação, de 180º, do obus 14, para apoiar Jemberém (C. Martins, CMDT do Pel Art, Gadamael, 1973/74) 

Guiné 63/74 - P9851: Notas de leitura (357): As grandes Operações da Guerra Colonial (2), edição do "Correio da Manhã" (Mário Beja Santos)

1. Mensagem de Mário Beja Santos (ex-Alf Mil, Comandante do Pel Caç Nat 52, Missirá e Bambadinca, 1968/70) com data de 26 de Março de 2012:

Queridos amigos,
Era de exigir mais e melhor a estes textos apresentados como “As Grandes Operações da Guerra Colonial”.
Há dados que não batem certo, há topónimos ilegíveis, há explicações bem duvidosas para factos naturalmente complexos. E teme-se mesmo que o leitor se sinta desorientado com a informação avulsa que acompanha algumas destas brochuras.
Um abraço do
Mário


As grandes operações da guerra colonial (2), edição do Correio da Manhã

Beja Santos

Da série “As grandes operações da guerra colonial”, com textos de Manuel Catarino, foram publicadas 16 brochuras que eram distribuídas num encarte com os diferentes volumes de “Os Anos da Guerra”, de Aniceto Afonso e Carlos de Matos Gomes, edição do Correio da Manhã. A maior parte das brochuras tem a ver com a Guiné. Em texto anterior, aqui se referiu a operação “Tridente”, as operações “Grifo” e “Ciclone II” em que os Paraquedistas passaram por Guileje com infortúnios e também colhendo sucesso; depois aparecem os Paraquedistas na operação “Vulcano” em que não conseguiram progredir na zona de Cassebeche sem o apoio do fogo aéreo; referiu-se a captura do capitão Peralta numa operação conduzida pelos Paraquedistas da Companhia 122, a operação “Jove”. Ainda desta 4ª brochura importa agora referir a operação “Grande Empresa”, um esforço de fixar no Cantanhez tropas, a partir dos finais de 1972.

Tudo começaria pela destruição de importantes posições da guerrilha, conquistando a população que seria retirada do controlo do PAIGC. Escreve Manuel Catarino: “A gigantesca operação foi desencadeada por duas companhias operacionais do Batalhão de Caçadores Paraquedistas 12, então comandado pelo Tenente-Coronel Sílvio Araújo e Sá, e pelo Destacamento de Fuzileiros Especiais 1 – que, numa primeira fase, ocuparam pontos estratégicos do Cantanhez, na margem sul do rio Cumbijã, e permitiram o desembarque e a instalação em segurança da CCAÇ 4541, da CCAÇ 4540 e da CCAV 8352. A ambiciosa ação militar, cujo planeamento foi atribuído à Secção de Informações e Operações do Batalhão de Caçadores Paraquedistas 12, chefiada pelo Major Moura Calheiros, teve início no dia 12 de Dezembro”.

A primeira posição inimiga que se pretendeu neutralizar situava-se entre Guileje e Bedanda, era imperioso destruir esta base de guerrilha. Na manhã de 12 de Dezembro, os Páras da Companhia 122 atacam a base, ataque que foi precedido de bombardeamento aéreo. A primeira tentativa de assalto foi rechaçada. A força atacante ensaia um segundo assalto, novo insucesso. Então, o Comando da operação envia de Cufar mais 5 helicópteros. O Capitão Valente dos Santos, ferido, tem um comportamento heroico, apesar da gravidade do ferimento não quis ser transportado para a base. É agora o Capitão Terras Marques quem comanda a operação, encaminham-se para o objetivo apoiados por mais bombardeamentos aéreos. No termo da manhã, a base caiu finalmente. A “Grande Empresa” conheceu a segunda fase com a ocupação de Caboxanque, Cadique e Cafine, na margem sul do rio Cumbijã, por Paraquedistas e Fuzileiros Especiais. Dezenas de Paraquedistas ocupam Caboxanque, outros tantos tomam posição em Cadique e duas lanchas sobem o rio Cumbijã com o Destacamento de Fuzileiros Especiais 1, que ocupa as bolanhas de Cafine. Ocupadas as posições na margem do rio as Companhias de Infantaria e Cavalaria sobem o Cumbijã em lanchas da Armada. Depois de algumas peripécias (o desembarque da CCAÇ 4540, em Cadique atrasou-se, houve camiões que ficaram atolados).

Seguiu-se o esforço de conquistar a população. E o inimigo reagiu, passou a flagelar os aquartelamentos que começavam a erguer-se em Caboxanque, Cadique e Cafine. A população do Cantanhez começou a colaborar com a tropa portuguesa: “Dirigentes locais do PAIGC, chefes das milícias e guerrilheiros foram presos ou abatidos. As informações recolhidas em tabancas permitiram cercar o comissário político do PAIGC na região: morreu em 29 de Dezembro, de arma na mão. O comandante militar da guerrilha no Cantanhez foi feito prisioneiro e o guerrilheiro que o substituiu foi morto em combate (…) Mas, menos de um ano depois, com a retirada dos Paraquedistas que tiveram de ir acudir a Guileje e a Guidage, a região deixou outra vez de ser nossa”.

A undécima brochura refere-se ao ataque a Conacri, a operação “Mar Verde”.
O seu conteúdo é sobejamente conhecido de todos. Já foi anteriormente referido que a organização dos textos é de uma disciplina duvidosa, neste, totalmente a despropósito, fala-se do acidente em que perderam vida três deputados, em Julho de 1970. Igualmente as conclusões do autor sobre a operação “Mar Verde” são muito duvidosas: a PIDE é o bode expiatório. Diz-se que: “As forças de assalto desembarcaram em Conacri – mas não encontraram nesses locais aquilo que a PIDE lhes garantira que iriam encontrar. As informações não eram exatas”. Como se sabe, muitas coisas correram ao contrário, muito do que falhou nada teve a ver com as informações da PIDE.

Quanto à 13ª brochura, o conteúdo prende-se com a viagem secreta de Spínola ao Senegal.
O texto começa com o encontro de Salazar com Spínola, em Abril de 1968 e a sua indigitação para governador, à mistura fala-se de Portugal e o Futuro, aflora-se a atividade inicial de Spínola, fala-se a seguir das operações no Chão Manjaco para negociar a incorporação de forças de PAIGC no Exército Português, é sabido como tudo redundou em bárbaro massacre. O autor dá a seguinte explicação: “O assassínio dos negociadores portugueses só se explica por uma ordem vinda da direção do PAIGC, já então minada por desconfianças entre fações. A cúpula política do partido, na altura instalada na cidade senegalesa de Dakar, soube da traição em marcha – e, perante o risco da rendição vir a ser seguida por outros chefes da guerrilha, agiu com brutalidade. Dirigentes intermédios do partido, como M´Bana Cabra e Júlio Biague, foram enviados ao Chão Manjaco e confrontaram os comandantes locais – que acabaram por colaborar na chacina dos negociadores portugueses e dos seus guias para se limparem da traição. André Gomes, o interlocutor privilegiado dos Majores, continuou comandante do Chão Manjaco. Após os massacres, a guerrilha continuou adormecido no Noroeste da Guiné”. Permanece o mistério sobre as razões efetivas desde bárbaro massacre, como se sabe.

É conhecido o teor das conversações entre Senghor e Spínola e o veto de Marcelo Caetano à continuação de novos encontros, é-lhe indiferente um cessar-fogo por um período de transição de 10 anos e um sufrágio no território para se saber se a população quer a independência total ou a integração numa federação. E vem aí o argumento de que era preferível uma derrota militar com honra a um acordo negociado com terroristas.

Nunca mais as relações se irão recompor. Recorde-se que Luís Cabral em “Crónica da Libertação” desmente categoricamente que Amílcar Cabral alguma vez tenha sustentado as teses de Leopoldo Senghor ou lhe tenha pedido para ser intermediário em negociações. A ser verdade, as expetativas postas nestas conversações foram muito mais voláteis do que consta nas exposições de Spínola a Caetano.
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Nota de CV:

Vd. último poste da série de 30 de Abril de 2012 > Guiné 63/74 - P9835: Notas de leitura (356): As grandes Operações da Guerra Colonial, edição do "Correio da Manhã" (Mário Beja Santos)

Guiné 63/74 - P9850: Viagem à volta das minhas memórias (Luís Faria) (52): Bula - A guerra das minas (2) - Os "eleitos"

1. Mensagem do nosso camarada Luís Faria (ex-Fur Mil Inf MA da CCAÇ 2791, Bula e Teixeira Pinto, 1970/72), com data de 28 de Abril de 2012:

Olá amigo Carlos Vinhal,
Bom, acho que já te chega de folgas e comesainas, ao que parece bem animadas por sinal, nesse belo pedaço do ainda nosso Portugal.
É hora de trabalho para ti, que és um ”Mouro do mesmo” e de que estou certo, por norma gostas.
Como tal, cá vai mais um lanço de “Viagem…”que, já sabes, varres para a valeta se assim considerares.

Um abraço para ti e um outro para a”Juventude de outrora” e de agora que nos vai seguindo
Luís Faria


Viagem à volta das minhas memórias (52)

Bula – guerra das minas ( 2 ) Os “ Eleitos ”

Apeados dos Unimog, após a segurança estar montada e percorrida a pouca distancia até à zona de trabalho estabelecida no campo minado, os ”eleitos” munidos do equipamento preparavam-se para umas horas de trabalho de alto desgaste, onde a atenção e tensão seriam quase constantes, intervaladas por momentos de descanso e descompressão individuais e subjectivos na escolha do momento e duração, que só o próprio poderia e saberia determinar e quantificar.

Mentalização feita, azimutes tirados, zona de actuação definida e localização primária conseguida, era chegada a altura de a atenção não se dispersar. Depois e em seguimento do “lançamento” da “vara-medida” que deveria localizar o engenho ou a sua proximidade, a pica ligeira de verga de aço começava a funcionar com sensibilidade e moderação de força - de modo a não provocar inadvertidamente um eventual rebentamento caso acertasse em espoleta mais sensível (como veio a acontecer) - explorando a faixa de terreno que íamos pisar no curto trajecto até consumar a localização do engenho, dando então lugar à actuação da faca.

Com a atenção no máximo e tensão controlada em função da menor ou maior dificuldade do que se nos parecia apresentar, começava o manuseamento da faca (a minha tinha-a comprado na “Casa Barral”- Porto), uma espécie de “arte” que deveria ser executado com respeito e desapaixonadamente, com sensibilidade, sem facilidades e aplicando os saberes adquiridos, “desbagando” os cachos em quadrado com “AUPS” nos vértices e uma portuguesa ao centro, enfileirados e sequenciais.

Disposição das minas e dos cachos 
(parece-me ser o posicionamento dos cachos)

Sendo que grande parte das minas estava localizada nos locais previstos ou na proximidade, muitas havia no entanto em situação para todos os gostos: umas afastadas e completamente a descoberto, outras com camadas de terra encimada e difíceis de detectar, outras desviadas q.b., outras enterrados de viés (bem perigosas por sinal) muitas enraizadas em tufos e arbustos, outras incorporadas em formigueiros … enfim, tornando-se variadíssimas vezes um trabalho “cú de boi” encontrá-las, desactiva-las e levantá-las.

Os intervalos de descanso para esticar o corpo e aliviar as costas, falo por mim, faziam-se quando se achasse mas eram por norma de pouca duração, tempo de uma golada de água e uma cigarrada enquanto o pensamento esvoaçava por outras bandas. O trabalho tinha que ser feito.

Quando um desses “cú de boi” aparecia, bom aí podia acontecer que a paciência se começava a esgotar, os suores davam para alagar, os palavrões sucediam-se, a atenção começava a querer dispersar-se, o desânimo ameaçava rondar, o facilitismo começava espreitar. Era chegado o momento de espairecer, de descomprimir e travar tendências negativas para aquela função onde o perigo estava sempre à espreita. Demorasse o tempo que demorasse, só nós próprios é que podíamos sentir e saber o momento de recomeçar a labuta, não podendo haver lugar a pressões e muito menos a imposições. Éramos, continuo a falar por mim, os decisores em causa própria e não devia nem podia ser de outra maneira, sob pena de acontecimento grave.

Nos ”cú de boi” era bom tomarem-se estas precauções preventivas, eu tomava-as,  pois uma das coisas passíveis de acontecer e que não queria, seria por exemplo, exasperado pelo esforço e ao mesmo tempo contente por ter conseguido encontra-la e levanta-la, agarrar na mina e “fungá-la” no chão ou no caixote de recolha acompanhada talvez dum “cabrona f.d.p.” ainda por cima sem antes a neutralizar, ou pinchar em cima dela a chamar-lhe nomes feios, dar-lhe uma biqueirada à guarda-redes… exagero o que digo?… pois será, mas aconteceu!

Devíamos dar o nosso melhor contributo para a nossa própria segurança e para isso também era, sempre o soube e pratiquei, indispensável manter o equilíbrio físico e mental em todos os momentos, na tentativa de minimizar os riscos de um trabalho extenuante por ser em contínuo, num campo de minas com aquela dimensão e densidade. Daí e a meu ver, a importância dos descansos autónomos.


Deitados, acocorados ou de joelho no chão conforme as situações, os “mineiros encartados” iam avançando com e ao seu ritmo, “lavrando” os seus terrenos com minúcia e destreza por norma consciente, descobrindo e colhendo uma a uma as sementes de mutilação, neutralizando-as de imediato, ao que me parece recordar apondo-lhes as protecções de segurança, tampas nas plásticas, cavilhas nas metálicas portuguesas retirando-lhes depois o sistema de detonação e acomodando-as de seguida e separadamente em recipientes de recolha próprios .

Esta espécie de rotina, que não deveria ser rotineira, sucedia-se mina a mina, cacho a cacho durante horas a fio até final da jorna, altura em que se regressava às viaturas que nos levariam de regresso ao quartel onde a tarde e a noite eram nossas, pois tínhamo-las ganho e bem ganho. Era chegada a hora dum belo “banho à Nharro”(sem ofensa), duns bons canecos, talvez do dedilhar na viola, de escrever um “bate-estradas”, duma bela sorna com leitura à mistura e à fresca do ar movimentado pela ventoinha… pois na manhã seguinte teríamos que estar recuperados e frescos para mais do mesmo, tendo sido esta a nossa vida durante dias e mais dias nos finais de uma comissão que já não tinha sido fácil.

Faca de mato em acção e mais uma "AUPS" recuperada

© Foto de Carlos Vinhal

No dia a dia renovava-se a esperança de que não houvesse qualquer acidente, o que nem sempre aconteceu. Logo nos primeiros dias do início, inadvertidamente o primeiro desastre aconteceu e infelizmente mais se seguiriam ao longa daquela ”caminhada” não ocorrendo outros por… sabe-se lá porquê!

Sorte, destino? Cá por mim acredito que por Graça Divina.
Luís Faria
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Nota de CV:

Vd. último poste da série de 1 de Abril de 2012 > Guiné 63/74 - P9690: Viagem à volta das minhas memórias (Luís Faria) (51): Bula - A guerra das minas

Guiné 63/74 - P9849: Parabéns a você (415): José Martins Rodrigues, ex-1.º Cabo Aux. Enf.º da CART 2716/BART 2917 (Guiné, 1970/72)

Para aceder aos postes do camarada José Rodrigues, clicar aqui
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Nota de CV:

Vd. último poste da série de 3 de Maio de 2012 > Guiné 63/74 - P9843: Parabéns a você (414): Delfim Rodrigues, ex-1.º Cabo Aux. Enf.º da CCAV 3366/BCAV 3846 (Guiné, 1971/73)

quinta-feira, 3 de maio de 2012

Guiné 63/74 - P9848: Cartas do meu avô (1): Primeira: No Cachil (J.L. Mendes Gomes, ex-Alf Mil, CCAÇ 728, Como, Cachil e Catió, 1964/66)

 A. Mensagem, datada de 25 de abril último, do nosso camarigo Joaquim Luís Mendes Gomes, membro do nosso blogue, jurista, reformado da Caixa Geral de Depósitos, ex-Alf Mil da CCAÇ 728, Os Palmeirins de Catió, que esteve na região de Tombali (Como, Cachil e Catió) nos anos de 1964/66 e que, agora, com todo o tempo do mundo, passa a vida entre Algés, Aveiro, Ovar e Berlim...


Caros Co-Editores: 


Com um grande abraço e , mais uma vez,  a confissão da minha admiração pelo vosso esplendoroso trabalho, aqui vos trago a continuação das minhas Cartas (*) que, em tempos, aqui foram partilhadas... se assim o entenderdes fazer. Joaquim Luís Mendes Gomes.


B. Nova série, dando seguimento à anterior,  Cartas, para os netos, de um futuro Palmeirim de Catió (*).  



CARTAS DO MEU AVÔ
por J.L. Mendes Gomes [Berlim, Alemanha]
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Índice

PRIMEIRA - Tempos da Guerra 

I - No Cachil II - Em Catió III - Em Bissau 


SEGUNDA - Regresso ao Continente 
I - Chegada II - Primeiro Emprego e Casamento III - Universidade IV - Quadro Técnico 

TERCEIRA - Em Aveiro 

I - Azurva II - Quintãs 


QUARTA – De novo para Lisboa 
I – A Frustração do CEJ II - O Calvário do Contencioso III – A Aposentação 


QUINTA - Como Saltimbancos entre… 
I - Algés  II - Aveiro III -Ovar IV - Berlim 


 SEXTA – O pior estava para vir… 
I – Clínica de Coimbra II – O neto Tomás 


13 Março 2012, 3ª Feira 
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Lichtenrade, em Berlim – 5 de Março de 2012- terça-feira



PRIMEIRA  - NO CACHIL, ILHA DO COMO

1. Fazia nesse dia exactamente um mês que a companhia [, a CCAÇ 728,] se instalara no Cachil [, na ilha do Como]. Em rendição da CCaç [ 557] que restou da grande e histórica operação Tridente. Esta fora a empresa suprema das altas chefias militares de então para extirpar de vez o cancro da autopropagandeada independência que os turras da Guiné estavam a espalhar por toda a parte. Com todos os meios militares disponíveis, dizia-se. Mas foi empresa falhada. Pois que o que se conseguiu foi, apenas, implantar, no fim, uma companhia, naquele ilhéu do sul, a marcar presença. Como quem diz:
 - Quem manda aqui… somos nós.- Nada mais. 


Extenuada pelas duras refregas que sofrera, durante os três meses que durou aquela operação, as forças que sobraram aos homens da 557, deram só para erguer o tosco quartel, murado de troncos de palmeiras justapostos, em quadrilátero com uns 150 m de lado, e umas escassas casernas e barracos, dentro, feitas com o mesmo, mais as chapas de bidões, como cobertura. 
 - Mais um pouco e teríamos de ser todos evacuados de exaustão - exclamava-me, de olhos esbugalhados, quando ali chegámos, o jovem e esquálido médico, que os assistira desde o início. 


 Nós tínhamos arribado uns três meses atrás à Guiné. Fizéramos a ambientação à guerra, ao terreno e ao clima, com emboscadas e golpes de mão semi-fictícios,( tudo podia acontecer…) de dia e de noite, ali à volta de Bissau. Uma zona calma, entre Nhacra e Mansoa. Em Bissau, não se ouvia falar doutra coisa, senão do terror do Sul, para as bandas de Catió. Mal sabíamos que essa seria a prenda que nos estava reservada. A muito breve trecho. 


 2 - Prenda de Natal,  24 de Dezembro de 1964 


Era a hora do jantar. Os soldados já tinham ido à cozinha com suas marmitas buscar o jantar e tinham-se espalhado por onde dava jeito, pelas casernas e outros recantos, a comê-lo. Meia dúzia de batatas cozidas, com bacalhau, azeite e feijão frade, um casqueiro e um caneco de vinho tinto do barril. 


Era a véspera de Natal. Estava escuro como breu. Ouvia-se, apenas, o ronronar surdo do gerador de gasóleo que não parava, não podia parar, noite e dia. Essencial, sobretudo, durante a noite. Para lá duns 300 metros, ficava a orla das sinistras matas densas que convinha ter bem à vista das três sentinelas de serviço. Era o serviço mais rigoroso e responsável que havia no quartel. No alto das suas guaritas, o melhor reforçadas possível. Sobretudo daquele lado. Porque dos outros, era muito improvável qualquer aproximação que nos pusesse em risco. Eram o lado das bolanhas e do emaranhado de ramos afluentes do rio Cacine (?).  A essa hora, era hora de maré-cheia. Dava para que a lancha pudesse atracar ao cais tosco, lá ao fundo, a uns 1000 metros mais ou menos. No quartel não havia água que se pudesse beber ou cozinhar. Vinha toda em barris de Catió. E tinha chegado mesmo, porque, de repente, fez-se o silêncio geral no quartel. 


 Toda a gente saiu das casernas e veio pespegar-se, sofregamente, à volta da tenda do nosso Primeiro, onde era habitual fazer-se a chamada para o correio. O nosso, vieram trazê-lo à mesa comprida, de 6 ou 7 longas tábuas corridas, debaixo dum toldo, onde ficava a sala de jantar dos oficiais e sargentos. Ali, debaixo dum embondeiro gigantesco. Eram cinco oficiais e uns vinte e tal sargentos. 


Eu também fui prendado com uma carta de avião. Um envelope comprido de papel fino e leve, debruado com as cores da bandeira nacional. Vinha de uma tal A.T. De Lisboa. Fiz as minhas contas, de imediato. Nada esperava, e, daquelas bandas, de Lisboa, com aquele nome, nada constava na minha memória. A letra era redondinha e elegante. Os iis tinham todos uma bolinha redonda em cima, em vez da pintinha, simples. Um toque que me pareceu simpático, bem como o nome que ela tinha. Fez-me lembrar alguém da minha infância, a cobiçada Doroteia, filha mais nova duma simpática família afidalgada, ao pé da minha casa. Abri com cuidado, sem rasgar nem amachucar, o envelope. Era o instinto de 
conservação, para mais tarde recordar… que despontava. 


Li a correr a única folha muito bem dobradinha. Escrevia muito bem. Quem a mandara era uma moça que ia a meio do curso de biologia em Lisboa; gostava de ler, escrever, ouvir música e de ir com os pais para a praia, no tempo dela; era a sua única companhia - tinha um só irmão no colégio militar. E passava muito tempo na catequese da sua igreja. 


Fez-se luz na minha cabeça. Tinha esquecido que, em tempos, ainda em Bissau, havia pedido uma madrinha de guerra ao movimento nacionalfeminino…com duas condições:  que fosse culta e com sólida formação moral. Exigência altamente redutora. Vieram alguns aerogramas. Nenhum me seduziu. Por isso, esqueci. Fosse lá porque fosse, ou porque estivéssemos nós na véspera de Natal, ou porque já me estivesse a custar muito manter contacto com a moça do Funchal, devido sobretudo, à extrema pobreza das suas cartas…apeteceu-me responder-lhe. Ficaria para depois. 


 2 – Naqueles primeiros tempos de Cachil, havia muito trabalho para fazer no quartel. As reuniões dos quatro oficiais e sargentos, com o comandante de companhia eram frequentes e demoradas. Na tenda-bivaque em pano, onde ele tinha o gabinete de comando. Havia que delinear a melhor forma de ali passarmos o tempo que nos fosse determinado a partir das altas chefias de Bissau. 


O capitão não se cansava de frisar que a segurança e a boa ordem dentro do quartel eram a base de sucesso. Acima de tudo, era preciso manter a rapaziada sempre activa e bemdisposta. Melhorar os aposentos e os abrigos; sobretudo os do material de guerra, granadas, minas e munições; abrir latrinas que chegassem e postos de balneário, para cada pelotão; a cozinha, um refeitório e um bar seriam objectivos de execução imediata. Depois viria a reconstrução das instalações em cimento, se Bissau nos mandasse os necessários tijolos. 


O breve contacto que tivemos no início, com a soldadesca esgrouviada da 557, muito cansada, tirou ao duro comandante qualquer veleidade de manter a desmesurada militarice que fora seu apanágio, desde Évora. Nada de fardamento a condizer ou a reluzir. Com bivaque ou sem bivaque. De camisa ou peito nu. Sempre em calções. Com barba ou bigode. Nada de cabelos compridos nem brinquinhos na orelha. Tudo estava bem. A G3, de cada um, essa, deveria estar sempre funcional, à mão e segura. Era o pára-raios do quartel. Mas, o respeito pela hierarquia, também deveria ser bem trabalhado e fomentado. Sem imposições fúteis ou desnecessárias. Disciplina, sim. Haveria que fomentá-la e conservá-la. Cada comandante de pelotão deveria puxar pela sua criatividade para executar essas directivas inquestionáveis. Para bem de todos.Quando as coisas estivessem bem arrumadas, então, pensar-se-ia noutros tipos de acção que propiciassem bem-estar à rapaziada. Com torneios de cartas ou dominó, pingue-pongue, aulas de escolaridade etc. 


Não foi preciso muito tempo. Quem, de antes, ao cabo de um mês, revisitasse o Cachil, ficaria de olhos arregalados com o que ali se fez. Com tão poucos recursos. Quando se quer e se está empenhado, as maravilhas não se fazem rogadas. 


3 – Eu herdei e fiz questão de ficar com um quarto, incrustado na paliçada, que o habilidoso corneteiro da companhia anterior erguera para si. Um cubículo com certo conforto. Não fosse ele carpinteiro de profissão. Com as tábuas dos barris de vinho, engendrou uma estante com mesa e tudo. Onde pude pôr os meus fiéis e inseparáveis companheiros. Umas dezenas de livros de estudo, dicionário e até um gravador estereofónico… Sony. Ultramoderno. Sobretudo, estaria sozinho, como gostava. Livre das arruaças e devaneios habituais dos meus jovens camaradas. Era o meu feitio. Excessivamente reservado e limitado. O que já conheciam e, de alguma forma, toleravam. 


É preciso notar que não foram em vão os quase dez longos anos passados no seminário. Numa altura em que a árvore cresce e se ramifica.Tanta poeira e cinza sobre seus ramos se me poisou. E quão difícil para sacudi-las… Ainda hoje, por aqui andam a atrapalhar-me. Também nem tudo foi mau. O gosto pelo estudo e uma vontade irreprimível de crescer e ser alguém ilustrado que me incutiram e, porque escondê-lo, ilustre, se possível, ficou bem gravado, até à obsessão. 


 Com todos os retrocessos provocados pelo jogo da complicada correspondência de estudos entre seminário e o ensino oficial, cozinhada e imposta pela dupla – cardeal Cerejeira e Salazar,- eu ainda não tinha garantido o acesso à universidade. Era oficial miliciano, graças ao grau que retinha do curso de teologia. 


 Se a sorte me brindasse com um feliz regresso, o que eu queria era entrar numa faculdade. Que curso? Uma incógnita. Muito espinhosa. Teria muita facilidade e um notável avanço, se escolhesse as “clássicas” : Linguística, latim e grego. Mas, ser professor de liceu… seria o que me esperava. Não agradava. Teria de andar de malas às costas por esse país fora… e, sobretudo, estava farto de ouvir falar de gregos e romanos. Sentia, porém, uma vontade de sentir outros ventos. Que me arejassem a cabeça. Num curso que me desse sucesso financeiro e social. Psicologia aplicada. Estava a nascer. Gostava. Só em Lovaina, como meus ex-colegas fizeram. Cá não havia tal curso. Direito? Até dava jeito. Só que não percebia nada desse mundo das leis. Nem eram do meu agrado. E, advocacia, nem pensar. Medicina? Sim. Mas, as matemáticas eram como galgar a pé, os Alpes ou os Pirinéus… Bom. Depois, se veria. 


 Foi aqui que a carta de Lisboa apareceu. Muito certeira e oportuna. Duma estudante de Biologia, a meio do curso. Dava certo. Calhava mesmo bem. Além do mais, facilitar-me-ia o ingresso no mundo académico. Vamos a isso. Quando chegou a hora, no silêncio do meu casebre, com electricidade e tudo, pus-me a escrever-lhe o meu primeiro aerograma dos que eram fornecidos grátis, na secretaria do Primeiro-sargento. 


4 – Fim dum Pesadelo


O pior estava para vir. Nos quatro meses que passei no BI 19 do Funchal (*), deu para me amarrar a uma donzela nativa… Sem eu dar conta, mas sempre com meu acordo, me erigiram seu noivo, com festa e apresentação à família e tudo. Antes de regressar ao “continente”. E, uma vez regressado em Évora, deslocou-se ela com a mãe a Lisboa, onde permaneceu umas semanas, para nos vermos aos fins de semana. E, na mesma linha, desloquei-me eu lá no paquete Funchal, nas curtas férias, antes de partir para guerra…Tudo estava muito bem soldadinho e apertado. Um dia que regressasse era só casar…Emprego, reservado na empresa de automóveis do sogro… 


No fundo, não me importei porque sabia que tudo poderia desfazer-se. Como me enganei. Que grande carga de trabalhos me esperava. Aconteceu que cada aerograma que me chegava, depois do primeiro, era um balde de insatisfação intelectual. Este aspecto era-me muito importante. O afastamento físico dava para discernir melhor se aquela seria a tal… companheira para uma vida inteira. Cada vez se me afigurava mais claro que não. Tudo tinha sido um entusiasmo de muito sonho e muita ilusão. Fora o primeiro contacto tête-a-tête com os perfumes de mulher, para quem renunciara, há bem pouco tempo, às sendas eclesiáticas. À medida que choviam regulares os aerogramas da nova desconhecida, de Lisboa desvanecia-se mais e mais a possibilidade de continuar com a do Funchal. 


Que turbilhão de ondas se ergueu no oceano da minha cabeça… me iam naufragando. Choros e ameaças lancinantes, dela, insistentes cartas pungentes suas, da mãe e de familiares, aqueles que apenas me viram no dia de apresentação à família, queriam, a todo o custo, repor as coisas no mesmo ponto. Tão confuso e atormentado me sentia que não havia estrondo ou ameaça de ataque inimigo, por maior que fossem, que se lhe sobrepusesse… Um duelo sangrento de forças antagónicas disputava constantemente todos os recantos e poros da minha cabeça. Noite e dia. Já me sentia um desgraçado. No princípio da vida adulta. Pensava que não seria mais capaz de voltar para trás. De tal forma que a preocupação com o risco de morrer na guerra quase se esvaiu…tanto valia. 


Mergulhado na guerra, eu pedia mais a Deus que me ajudasse a sair daquela encruzilhada do que a sair-me vivo dela. E Ele ouviu-me. Assim pensei. Veio a primeira grande operação. Iria acontecer o nosso baptismo de fogo a sério. A minha companhia fora destacada para montar segurança, algures na estrada de Catió-Cufar, uma função de rectaguarda, enquanto se desencadearia uma grande operação, com tropas veteranas, da força aérea, da marinha e do temível e lendário obus de Bedanda. 


Foi então, que, nos intervalos da guerra, pude conhecer o famoso e inesquecível capelão militar que sempre acompanhava as suas tropas, no terreno, totalmente desarmado. A sua arma era só uma discreta cruz na lapela. Que exemplo de coragem! Que arrimo para o moral da companhia!... 


Não demorou que lhe estivesse a expor o meu dilema terrível. Ponto por ponto. Eu sabia e acreditava que estas pessoas, quaisquer que sejam as suas imperfeições, têm poderes que os transcendem…são um instrumento nas mãos de quem tudo pode. 
- Olhe, lá!... Você ficou a dever-lhe alguma coisa?
- Não. Tudo intacto como encontrei...- respondi. - Mas…
- Mas, nada!...Não tem a mais pequena obrigação de continuar… Esta é a minha opinião…Você, agora é que sabe… 


Que alívio!... Fez-se luz. E veio-me a força para seguir em frente. Estava traçado o caminho. Iria acabar todos os contactos com ela. Abençoado capelão militar. 


J.L. Mendes Gomes


(Continua)


Fotos (do Cachil): © José Colaço (2011) / Blogue Luís Graça & Camaradas da Guiné. Todos os direitos reservados.
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Nota do editor

(*) Vd. último poste da série > 18 de novembro de 2010 > Guiné 63/74 - P7302: Cartas, aos netos, de um futuro Palmeirim de Catió (J. L. Mendes Gomes) (7): Funchal, 1964: quando o amor não resiste à dura realidade da guerra...