1. Quadragésimo sétimo episódio da série "Do Ninho de D'Águia até África", de autoria do nosso camarada Tony Borié (ex-1.º Cabo Operador Cripto do Cmd Agru 16, Mansoa, 1964/66), iniciada no Poste P10177, chegado até nós em mensagem do dia 22 de Janeiro de 2013:
DO NINHO D'ÁGUIA ATÉ ÁFRICA (47)
O Iafane era um africano com uma certa estatura física,
era de etnia “Balanta”, jogava futebol, vivia na tal aldeia com
casas cobertas de colmo, próximo do aquartelamento, fumava
cigarros como fosse um
europeu, não falava muito
bem português, mas
compreendia-se, tinha a
sua “morança”, e algumas
mulheres. A sua
profissão era barqueiro. Sim barqueiro,
compreenderam bem, era
barqueiro.
Tinha umas tantas
canoas, ancoradas, às
vezes na lama, junto à
ponte do rio Mansoa,
outras em terra, onde as
construía, pois estava sempre na construção duma, e fazia
viagens pelas aldeias ribeirinhas, trazendo o pessoal que queria
vender os seus produtos no mercado da vila ou na sucursal da
Casa Ultramarina. Na altura da maré cheia, lá ia com uma ou duas
canoas, rebocadas pela sua, onde a poder de um enorme remo, a
fazia mover na direcção que entendesse.
Transportava pessoas e bens, cobrava o que entendia,
consoante o transporte, e esses mesmos passageiros o auxiliavam,
remando, no regresso à ponte,
junto da vila. Tinha uma
pequena barraca, coberta de
colmo junto à ponte, foto em
cima, onde guardava os remos e
demais utensílios, onde o
Cifra passava horas,
abrigando-se do sol e ouvindo
as suas histórias de mulheres
novas que trazia das aldeias
ribeirinhas que visitava, umas
para serem suas esposas, outras
para outros “homens grandes”,
e onde apreciava as possíveis
raparigas que tivessem algum
poder de se tornarem em
esposas, algumas fugiam depois, pois não queriam viver com ele
na vila. Também contava histórias de pescarias depois de
intensos tornados, em que o peixe andava ”maluco” e saltava
para dentro da canoa, ou até das vezes em que tinha sido contactado
por um emissário dos guerrilheiros para parar com o seu
negócio, pois os produtos e as raparigas que trazia para a vila,
eram propriedade do
movimento de libertação.
Já o tinham avisado e
mostrava um certo receio
ao dizer isto. Ele
contava tudo isto porque confiava no Cifra
e o tratava por irmão, e
sabia do envolvimento
que o Cifra teve com as
raparigas, que afinal
eram guerrilheiras e
que às vezes o ouvia por
horas, enquanto com um
pequeno machado nas
mãos, construía uma nova canoa.
Tinha os seus truques na condução da canoa, colocava um saco
de terra na ré onde se sentava e dizia que deste
modo a proa levantava e dava mais velocidade, com menos
esforço.
Pois não é que uns tempos depois o Cifra, deixando de o
ver, assim como às suas canoas, soube que “foi no mato”, que na
linguagem de guerra era transferir-se para os guerrilheiros,
fazendo parte do movimento de libertação, e que estava
estudando num País estrangeiro. Talvez até já fosse
guerrilheiro na altura em que era barqueiro, e do modo como a
guerra se estava intensificando, o Iafane, sabendo os hábitos
do pessoal na vila, concerteza que ia dar que falar no futuro.
Entretanto o Cifra veio embora, com a sua comissão cumprida.
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Nota de CV:
Vd. último poste da série de 22 DE JANEIRO DE 2013 > Guiné 63/74 - P10984: Do Ninho D'Águia até África (46): A menina Teresa não sai de cima de mim (Tony Borié)
Blogue coletivo, criado por Luís Graça. Objetivo: ajudar os antigos combatentes a reconstituir o "puzzle" da memória da guerra colonial/guerra do ultramar (e da Guiné, em particular). Iniciado em 2004, é a maior rede social na Net, em português, centrada na experiência pessoal de uma guerra. Como camaradas que são, tratam-se por tu, e gostam de dizer: "O Mundo é Pequeno e a nossa Tabanca... é Grande". Coeditores: C. Vinhal, E. Magalhães Ribeiro, V. Briote, J. Araújo.
sábado, 26 de janeiro de 2013
Guiné 63/74 - P11006: Memória dos lugares (207): Ponte Malã Dalassi, ou melhor Ponte Caium, e outras imagens do leste, Piche e Buruntuma (Alberto Nascimento, ex-sold cond auto, CCAÇ 84, 1961/63)
Foto nº 1 > Ponte do rio Caium... Grupo de trabalhdores que se deslocavam a pé para a colheita da mancarra
Foto nº 2 > Ponte Caium: três militares, da direita para a esquerda, eu , o enfermeiro Lomelino e um cabo
Foto nº 3- Piche: matança do porco
Foto nº 4- Piche: Posto de observação
Foto nº 5 - Buruntuma: mercado
Foto nº 6 - Buruntuma: ouvindo rádio
Foto nº 7- O Mané em Lisboa
1. Mensagem, com data de ontem, de Alberto Nascimento, ex-Sold Cond Auto, CCAÇ 83 (que passou por diferentes sítios da Guiné, incluindo Piche e Buruntuma, o últimos quais Bambadinca, 1961/63) (*)
Caro Camarada Luis Graça:
Como sou talvez o único velho que participa no Blog, do tempo do capitão Jorge Freire, vou esclarecer não só a dúvida sobre a ponte, como prestar outros esclarecimentos.
A ponte é efectivamente a do rio Caium, conforme podes comparar com as fotos que envio e estas foram legendadas na altura em que foram tiradas.
O macaco é o Mané e acompanhou-nos para Bambadinca e depois para Lisboa.
O oficial com chapéu colonial é o alferes João Lamas, que comandava na altura o destacamento de Piche.
A estrada Nova Lamego-Buruntuma era realmente boa e onde na época das chuvas nunca fiquei atascado, muito diferente da estrada Piche-Canquelifá onde o atascanço era quase contínuo.
Um Grande Abraço
Alberto Nascimento (**)
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(*) Vd. poste de 11 de Junho de 2008 > Guiné 63/74 - P2930: Bambadinca, 1963: Terror em Samba Silate e Poindom (Alberto Nascimento, ex-Sold Cond Auto, CCAÇ 84, 1961/63
(...) " a CCAÇ 84, três meses depois de aterrar no aeroporto de Bissalanca, foi literalmente fragmentada e enviada para os mais diversos pontos do território, tendo o meu pelotão tido como último destacamento, entre Novembro de 1962 e 7 ou 8 de Abril de 1963, Bambadinca, sob o Comando de Bafatá.
"O primeiro destacamento, ainda em Julho de 1961, foi para Farim, após os primeiros e ainda pouco violentos ataques a Bigene e Guidaje. Seguiu-se o destacamento de Nova Lamego, conforme é dito no seu blogue (P 1292 - Contributos) onde o pelotão foi dividido por Buruntuma, Piche e Canquelifá.
"Só estou a mencionar o 1º pelotão da Companhia, porque à grande maioria dos camaradas dos outros pelotões só voltei a ver nos dias que antecederam o embarque para a Metrópole.
"Como a memória se perde no tempo por indocumentação, ou porque a essa memória se teve medo de atribuir qualquer importância (existiam e ainda existem muitos complexos sobre a guerra colonial), resolvi dar o meu contributo para esclarecer uma dúvida colocada no seu blogue, sobre quem teria participado nos massacres de Samba Silate e Poindom, no início de 63.
"Sem conseguir precisar o mês, um dia soubemos que a PIDE estava em Bambadinca para deter o padre António Grillo, italiano da Ordem Franciscana, acusado - não sabíamos se por denúncia, se por investigação - de colaborar, proteger, e fornecer alimentos a elementos do PAIGC, a partir de Samba Silate" (...).
Último poste da série > 19 de janeiro de 2013 > Guiné 63/74 - P10964: Memória dos lugares (206): Olossato, anos 60, no princípio era assim (2) (José Augusto Ribeiro)
sexta-feira, 25 de janeiro de 2013
Guin é 63/74 - P11005: Efemérides (119): A morte do comandante Vitorino Costa, um revés para o partido de Amílcar Cabral, em 1962, ainda antes do início oficial da guerra
(1962), Sem Título, CasaComum.org, Fundação Mário Soares, Disponível HTTP: http://www.casacomum.org/cc/visualizador?pasta=04604.039.127 (2013-1-25)
Pasta: 04604.039.127
Remetente: Gil Fernandes
Já aqui falámos de Vi(c)torino Costa, Victorino Domingos Costa, irmão de Manuel Saturnino da Costa (, futuro primeiro ministro da República da Guiné-Bissau), que foi morto, numa emboscada em 1962, antes do início oficial da guerra, por um grupo da CCAÇ 153, comandado pelo Cap Inf José Curto, na região de Quínara, nas proximidades de Darsalame.
Sobre esta época, de 1962, em que o PAIGC começou a fazer trabalho de formação político-militar, sobretudo nas regiões de Quínara e de Tombali, sabemos ainda muito pouco. Faltam os testemunhos, orais e escritos. Faltam os relatórios. Faltam as fotos. De resto, era ainda escassa a presença do exército português. Por tudo isso, é um período que se presta à especulação. O filme do George Freire ainda mostra uma Guiné relativamente idílica, calma, tranquila, onde se pode viver e viajar tranquilamente, em segurança, nomeadamente no leste, no chão fula. Mas por quanto tempo ? Quando deixa Nova Lamego e é colocado em Bedanda, em novembro de 1962, com a sua 4ª CCAÇ, o cap Jorge Freire ainda leva consigo a esposa. Mas em dezembro ela é obrigada a regressar a Portugal, por razões de segurança. O que se terá passado ?
Tudo indica que o comandante Vitorino Costa terá morrido na sequência de uma "acção punitiva" do nosso exército, depois de um conhecido comerciante de Empada ter sido assassinado barbaramente na estrada, no regresso de Darsalame para Empada.
Da leitura da carta que acima reproduzimos, dá para entender que Vitorino Costa era um homem muito próximo de Amílcar Cabral e que a sua morte foi sentida como um sério revés para a guerrilha, em preparação. Também Bobo Keita se refere ao seu nome, na sua biografia "De campo em campo", escrita por Norberto Tavares de Carvalho, ed. autor, 2011 É um dos seus vinte camaradas que morreram de morte violenta, e que ele evoca, no final do seu livro (p. 237):
(...) "Victorino Costa era responsável pela mobilização da zona de Quínara, Fulacunda, Tite, S. João. Em plena campanha de recrutamento, foi pernoitar numa tabanca cujo chefe colaborava com os portugueses. (...) foi denunciado. (...)"
Destinatário: Amílcar [Cabral]
Assunto: Morte de Vitorino Costa. Curso de "Liberal Arts". Actividades de alguns traidores em Boston.
Data: Sábado, 1 de Dezembro de 1962
Observações: Doc. Incluído no dossier intitulado Correspondência 1962 (interna PAIGC, MPLA, FRELIMO, UGEAN, CONCP).Fundo:
DAC - Documentos Amílcar Cabral
DAC - Documentos Amílcar Cabral
Tipo Documental: Correspondencia
(Reprodução com a devida vénia...Sublinhados, a vermelho, da nossa responsabilidade)
1. Carta do futuro diplomata do PAIGC e da República da Guiné-Bissau, Gil Fernandes, a estudar em Boston, datada de 1/12/1962, dirigida a Amílcar Cabral. Começa nestes termos:
(Reprodução com a devida vénia...Sublinhados, a vermelho, da nossa responsabilidade)
1. Carta do futuro diplomata do PAIGC e da República da Guiné-Bissau, Gil Fernandes, a estudar em Boston, datada de 1/12/1962, dirigida a Amílcar Cabral. Começa nestes termos:
"Caro Amílcar: Foi com grande consternação que recebi a sua última carta relatando a morte de Vitorino Costa. Eu e ele fomos grandes amigos e fui por algum tempo seu explicador. A sensação de choque que se recebe perante acontecimentos desta natureza é absolutamente indescritível, este é mais um crime que mais tarde os portugueses terão que dar conta. Imagino em que estado é que o Amílcar se deve encontrar, mas confio inteiramente na sua perseverança, agora é que é preciso mais coragem" .(...)
Sobre esta época, de 1962, em que o PAIGC começou a fazer trabalho de formação político-militar, sobretudo nas regiões de Quínara e de Tombali, sabemos ainda muito pouco. Faltam os testemunhos, orais e escritos. Faltam os relatórios. Faltam as fotos. De resto, era ainda escassa a presença do exército português. Por tudo isso, é um período que se presta à especulação. O filme do George Freire ainda mostra uma Guiné relativamente idílica, calma, tranquila, onde se pode viver e viajar tranquilamente, em segurança, nomeadamente no leste, no chão fula. Mas por quanto tempo ? Quando deixa Nova Lamego e é colocado em Bedanda, em novembro de 1962, com a sua 4ª CCAÇ, o cap Jorge Freire ainda leva consigo a esposa. Mas em dezembro ela é obrigada a regressar a Portugal, por razões de segurança. O que se terá passado ?
Tudo indica que o comandante Vitorino Costa terá morrido na sequência de uma "acção punitiva" do nosso exército, depois de um conhecido comerciante de Empada ter sido assassinado barbaramente na estrada, no regresso de Darsalame para Empada.
Vitorino e Manuel Saturnino são dois dos históricos militantes enviados para a China para receber treino político-militar, juntamente com João Bernardo Vieira (Nino), Francisco Mendes, Constantino Teixeira, Pedro Ramos, Domingos Ramos, Rui Djassi, Osvaldo Vieira e Hilário Gomes, tendo sido recebidos pelo "grande timoneiro", Mao Zedong, em 1961.
(...) "Victorino Costa era responsável pela mobilização da zona de Quínara, Fulacunda, Tite, S. João. Em plena campanha de recrutamento, foi pernoitar numa tabanca cujo chefe colaborava com os portugueses. (...) foi denunciado. (...)"
Não encontrei fotos de Vitorino Costa no Arquivo Amilcar Cabral que, em boa hora, passou a estar disponível, para consulta, a partir de 20 de janeiro de 2013.
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Nota do editor:
Nota do editor:
Último poste da série > 25 de junho de 2013> Guiné 63/74 - P11003: Efemérides (118): Data da Operação Irã (José Martins)
Guiné 63/74 – P11004: Páginas Negras com Salpicos Cor-de-Rosa (Rui Silva) (23): As emboscadas
1. Mensagem do nosso camarada Rui Silva (ex-Fur Mil da CCAÇ 816, Bissorã, Olossato, Mansoa, 1965/67), com data de 23 de Janeiro de 2013:
Caros e prezados amigos Luís, Vinhal e M. Ribeiro:
Recebam o abração de sempre.
Em anexo, uma história tirada do meu caderno de memórias.
Passem bem.
Rui Silva
Como sempre as minhas primeiras palavras são de saudação para todos os camaradas ex-Combatentes da Guiné, mais ainda para aqueles que de algum modo ainda sofrem de sequelas daquela maldita guerra.
Do meu livro de memórias “Páginas Negras com Salpicos cor-de-rosa”
23 - As emboscadas
A operacionalidade da Companhia de Caçadores 816, certamente semelhante a muitas outras, no terreno, passava principalmente pelas seguintes ações:
Principalmente (e ligadas diretamente à guerra):
- Golpes-de-mão a refúgios do inimigo (as então chamadas “casas-de-mato”) dentro da quadrícula distribuída à Companhia.
- Defesa dos ataques ao aquartelamento
- Saídas para montagem de emboscadas ao inimigo.
Outras (que se relacionavam de algum modo com a guerra, mas não diretamente):
- Patrulhamento (batida ao terreno) na área da periferia adstrita ao aquartelamento.
- Recolha de nativos (operação “psico”) em moranças ou pequenas tabancas “clandestinas” algures no mato e controladas pelo inimigo
- Operações “Vaca” (no Olossato era bife XL todos os dias)
- Idas à lenha e/ou à água.
- Proteção aos nativos nas capinagens, apanha de mancarra, recolha de xabéu, etc..
Falando do 3.º item: EMBOSCADAS
Era das coisas não menos importantes neste tipo de guerra, mas que raramente surtiam qualquer efeito. Era muito difícil intercetar o inimigo no terreno, que ele conhecia muito bem, como as suas próprias mãos. Assim era certo que eles evitavam os carreiros, trilhos e principalmente as estradas, pondo-se assim a coberto de qualquer cilada da nossa parte.
Quando optavam utilizar os trilhos usavam muito a tática de enviar 1 ou 2 homens à frente, desarmados, tipo batedores, e denotando pacíficos caminhantes. Após alguns minutos então vinha o “grosso” da coluna: homens armados, pelo menos alguns, então transportando armas, víveres (normalmente arroz), caixas e cunhetes de munições diversas, livros, prospetos, isto é, diverso material bélico e também didático ou propagandístico.
A maior parte das vezes, no entanto, eles não davam qualquer sinal de vida; conhecedores do terreno como ninguém e sabendo a movimentação da tropa, esta controlada muitas vezes por carteiro adiantado.
Assim, a tropa normalmente regressava de uma emboscada, e, como se costuma dizer, de mãos a abanar. Houve uma altura que a Companhia, no efetivo de um pelotão, fez sucessivas emboscadas em Colissaré baseadas em informações de que o inimigo fazia por ali um corredor para (ou de) Morés. Nada, nada resultou. Eles conheciam bem o chão que pisavam e assim evitavam-nos, ao passo que a tropa via-se normalmente forçada a deslocar-se através dos carreiros e trilhos que havia, senão queria perder-se, ou mesmo por estrada, aqui necessariamente quando auto-transportada. Quero com isto dizer que assim éramos muito mais vítimas de emboscadas montadas por eles, do que algozes das nossas. Podia então bem dizer-se que o mato era deles e as povoações eram nossas. No entanto pode dizer-se que quando havia refrega, mesmo no mato, a vantagem e qualquer que fosse o sítio do recontro, era invariável e nitidamente nossa, pelo menos na zona do nosso domínio e parecia que quase em toda a Guiné. Isto em 1965-67. Em quase dois anos luta da 816 na Guiné pode-se dizer que as emboscadas - e foram largas dezenas - que eles nos montavam normalmente acabavam por debandada deles face ao nosso poderio quer em homens quer na qualidade do armamento e porque não dizer à nossa audácia. Ao cair da nossa primeira morteirada normalmente acabava com a emboscada. Normalmente eles usavam a tática do bate-e-foge. Ressalve-se no entanto e por paradoxal que pareça, que os nossos dois mortos foram-no em emboscadas e em alturas diferentes e feitas em retaliação a nossa “provocação” (leia-se: ataques nossos) e uma delas bastante forte. Foi feita inicialmente à base de arremesso de granadas de mão. Saraivada delas.
Tínhamos já ouvido falar deste tipo de emboscadas. Provaríamos mais tarde deste veneno. Um Furriel miliciano morto e vários feridos foi a consequência desta audácia inimiga.
Dizia-se que os lançadores das granadas que se posicionavam natural e necessariamente muito próximo da picada eram elementos que faziam isso por castigo - castigo por qualquer traiçãozinha na tribo.
Eles também eram duros na sua disciplina, sabia-se. O castigo muitas vezes era pô-los a atuarem como lançadores de granadas em emboscadas às nossas tropas.
A probabilidade de serem atingidos, e foram, era grande, daí uma missão para castigados,… ou drogados (também se ouvia isto).
Verdade se diga, que à medida que os meses passavam eles também ofereciam cada vez mais resistência, pois para além de irem obtendo armamento mais sofisticado, iam sendo mais bem organizados. E depois os cubanos e outros mercenários - O pequeno partido (?) que eles tiravam, então, das suas emboscadas, na altura, talvez fosse mais psicológico, como que a demonstrar a sua força (…), o querer dizer nós estamos aqui e não vos queremos cá, para além de nos fazer gastar munições. Lembro-me que em resposta a uma simples rajada da “costureirinha” (isto nos primeiros tempos), nós despejávamos os carregadores (periquitices). Com o tempo aquela rajada do inimigo, se isolada, não tinha resposta. Ao fim de alguns meses conhecíamos o tipo de tiro ao sair do cano. Aí já não era um sexto sentido mas um sétimo talvez. Era impressionante aí já o feeling da malta com o boom do tiro.
Vou contar, em primeiro lugar, (o assunto é “emboscadas”) o que se passou com uma das emboscadas feitas pelo meu Grupo de Combate, feita não muito longe muito da “casa-de-mato” de Iracunda, mais concretamente em Cudana, e que teve o seu quê de insólito.
( Insólita era a guerra também).
Estávamos então a 26 de Fevereiro de 1966.
O meu Grupo de Combate foi então incumbido de fazer uma emboscada em certo ponto de um carreiro, em plena zona de Cudana, onde e pelos vistos, presumia-se (informações que chegavam) que passavam por lá elementos terroristas com alguma regularidade. Com o meu Grupo de Combate foram alguns dos nativos voluntários do Olossato que sempre se prontificavam a ir a qualquer espécie de operação, pois isso sempre lhes rendia alguns “Pesos”. Chegados ao carreiro pré-identificado e depois de escolhermos um lugar que nos oferecesse boas condições de êxito, instalamo-nos o melhor possível e eu, fiquei, ou melhor procurei ficar, junto de dois pretos veteranos, os tais que esgravatavam pesos. Perto de mim estava também o “bazookeiro do meu GComb, o “Doutor”.
Eu gostava de estar junto de um ou mais indígenas, daqueles calejados (alguns já andariam há pelo menos dois anos naquilo) e veteranos, pois estes além de silenciosos eram muito atentos, até parecia que nem pestanejavam; pressentiam o inimigo ainda bem longe e até ainda que oculto. Parecia que tinha um “faro” para descobrir pessoas e denunciar ou prever as oscilações climatéricas, isto é, o tempo que ia fazer dali a pouco, ou dali a muito.
Estávamos ali emboscados havia já algumas horas, quando um dos pretos que estavam ao pé de mim me tocou e sussurrou:
- Furriel, vêm aí dois pessoais bandido.
Então, sem me agitar muito, procurei vislumbrá-los entre a folhagem que nos encobria o que com dificuldade consegui, pois vinham ainda muito longe e mal se distinguiam no emaranhado do mato, e então aqui a ideia que eu fazia de que os pretos, pelo menos os mais experimentados e que nos acompanhavam operacionalmente, eram dotados de um sexto sentido incomum, saiu reforçada, pois fiquei deveras impressionado como eles toparam os dois “turras” a tão longa e sinuosa distância. Tomei o devido cuidado pois eles podiam muito bem vir armados, segurei a arma em posição adequada. O silêncio que era quase absoluto até aí, passou a sê-lo mesmo pois então e pelos vistos, entretanto, toda a malta já estava prevenida da aproximação dos dois indivíduos.
Eles vieram pelo carreiro onde nós estávamos emboscados e no seu andar normal. Então e aqui é que tem o seu quê de piadético, qual não é a nossa surpresa, eis que eles, precisamente à nossa frente, numa pequena poça de água, que se calhar ninguém tinha reparado da sua existência, resolvem despir o seu reduzido e rudimentar trajo e aprestam-se para aquilo que seria uma banhoca. Julgo que a poça de água ali foi uma coincidência.
Detrás de uma pequena sebe saltam logo o “Fafe” (mais tarde com grande condecoração e já falecido há algum tempo, já depois do regresso - paz à sua alma), que era sempre o primeiro nestas coisas, outro soldado que não reconheci, mais o Sargento Tavares, que em jeito de far west, de armas sobre a anca e apontadas aos tipos, ordenam-lhes que se rendam. Um então, que era um verdadeiro atleta, tenta logo fugir, mas uma rajada, que lhe esfacelou um braço, faz-lhe gorar os intentos e então deixa-se dominar. O outro, que tremia de alto a baixo, nada tentou e… também nunca mais deixou de tremer. Bom, de qualquer forma, armados ou não, eles seriam sempre apanhados, mas, na circunstância, não havia armas em seu poder. A piada da história está então no raro azar que eles tiveram em lembrarem-se de se refrescarem logo naquele sítio mesmo em frente da tropa emboscada. Trouxemo-los para o Olossato. O ferimento provocado pela rajada não foi de modo a que ele não pudesse prosseguir pelo seu pé, mas, de vez em quando, fazia-se desfalecer e atirava-se declaradamente para o chão. Claro que isto provocava atraso no regresso da coluna e então logo nos apercebemos que a intenção dele era precisamente essa: retardar o mais possível a nossa marcha para que os seus colegas de uma base ali perto, que seria provavelmente a de Iracunda, uma vez alertados com a nossa rajada feita momentos antes, tivessem tempo de vir ao nosso encontro e fazerem-nos uma emboscada. Mas não, nada houve.
Mas, a emboscada de maior êxito, a emboscada que resultou no aprisionamento de mais de 10.000 (!) cartuchos de diversos calibres e no infligir de 4 confirmadas baixas e mais 2 feridos - ficaram aos olhos de toda a malta - foi uma levada a cabo pelo 2.º Grupo de Combate da 816 e que por si só justifica este “Post” . Adiante também o extrato do relatório que regista o acontecimento.
Este Grupo instalou-se num ponto estratégico do trilho que ligava Bissajar a Maqué e intercetou um grupo de 6 terroristas que transportavam à cabeça sacos cheios de munições, na circunstância cartuchos e mais cartuchos.
Foi nesta emboscada que se constatou que eles tinham a tática de mandar uns minutos antes alguém à frente e desarmado. O homem nem sonhou que tinha passado pouco antes por dezenas de G3 apontadas.
Foi uma caçada em grande, que teve o seu quê de insólito, pois tal êxito era de todo em todo inesperado.
Aquela quantidade de cartuchos e cujo destino provável era a base de Maqué, dava para um ataque a um quartel durante uma noite inteira, calculamos nós. Como o quartel mais próximo era o nosso, logo deduzimos que provavelmente aquilo estava reservado para um ataque a Olossato. A 566 (que nós fomos substituir no Olossato), que diga do ataque que lhes fizeram na véspera de deixarem a guerra.
Esta foi então uma emboscada que resultou de uma forma bastante positiva (captura de armamento e baixas ao inimigo) pois, como já disse, na grande maioria das vezes eles nem sequer davam sinais de si a não ser às vezes um ou outro que aparecia, que muitas das vezes nem “turra” era, embora fosse tomado como tal e consoante a zona em que era intercetado.
Na foto acima um dos dois Obuses no Olossato ao tempo (1965/66). Duas secções de Artilharia superiormente comandadas pelo meu grande amigo Alf. Miliciano M. Brandão que quando o inimigo, para atacar o aquartelamento, se instalava preferencialmente no outro lado da pista das aeronaves e precisamente de frente para os Obuses, dado aquele julgar, erradamente, que eles só batiam zonas distantes, mas aconteceu ser necessário fazer tiro direto, inclusive para junto do arame farpado (trilho entre os Obuses e a pista das aeronaves)
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Nota de CV:
Vd. último poste da série de 20 DE NOVEMBRO DE 2012 > Guiné 63/74 – P10701: Páginas Negras com Salpicos Cor-de-Rosa (Rui Silva) (22): O Boby
Caros e prezados amigos Luís, Vinhal e M. Ribeiro:
Recebam o abração de sempre.
Em anexo, uma história tirada do meu caderno de memórias.
Passem bem.
Rui Silva
Como sempre as minhas primeiras palavras são de saudação para todos os camaradas ex-Combatentes da Guiné, mais ainda para aqueles que de algum modo ainda sofrem de sequelas daquela maldita guerra.
Do meu livro de memórias “Páginas Negras com Salpicos cor-de-rosa”
23 - As emboscadas
A operacionalidade da Companhia de Caçadores 816, certamente semelhante a muitas outras, no terreno, passava principalmente pelas seguintes ações:
Principalmente (e ligadas diretamente à guerra):
- Golpes-de-mão a refúgios do inimigo (as então chamadas “casas-de-mato”) dentro da quadrícula distribuída à Companhia.
- Defesa dos ataques ao aquartelamento
- Saídas para montagem de emboscadas ao inimigo.
Outras (que se relacionavam de algum modo com a guerra, mas não diretamente):
- Patrulhamento (batida ao terreno) na área da periferia adstrita ao aquartelamento.
- Recolha de nativos (operação “psico”) em moranças ou pequenas tabancas “clandestinas” algures no mato e controladas pelo inimigo
- Operações “Vaca” (no Olossato era bife XL todos os dias)
- Idas à lenha e/ou à água.
- Proteção aos nativos nas capinagens, apanha de mancarra, recolha de xabéu, etc..
Falando do 3.º item: EMBOSCADAS
Era das coisas não menos importantes neste tipo de guerra, mas que raramente surtiam qualquer efeito. Era muito difícil intercetar o inimigo no terreno, que ele conhecia muito bem, como as suas próprias mãos. Assim era certo que eles evitavam os carreiros, trilhos e principalmente as estradas, pondo-se assim a coberto de qualquer cilada da nossa parte.
Quando optavam utilizar os trilhos usavam muito a tática de enviar 1 ou 2 homens à frente, desarmados, tipo batedores, e denotando pacíficos caminhantes. Após alguns minutos então vinha o “grosso” da coluna: homens armados, pelo menos alguns, então transportando armas, víveres (normalmente arroz), caixas e cunhetes de munições diversas, livros, prospetos, isto é, diverso material bélico e também didático ou propagandístico.
A maior parte das vezes, no entanto, eles não davam qualquer sinal de vida; conhecedores do terreno como ninguém e sabendo a movimentação da tropa, esta controlada muitas vezes por carteiro adiantado.
Assim, a tropa normalmente regressava de uma emboscada, e, como se costuma dizer, de mãos a abanar. Houve uma altura que a Companhia, no efetivo de um pelotão, fez sucessivas emboscadas em Colissaré baseadas em informações de que o inimigo fazia por ali um corredor para (ou de) Morés. Nada, nada resultou. Eles conheciam bem o chão que pisavam e assim evitavam-nos, ao passo que a tropa via-se normalmente forçada a deslocar-se através dos carreiros e trilhos que havia, senão queria perder-se, ou mesmo por estrada, aqui necessariamente quando auto-transportada. Quero com isto dizer que assim éramos muito mais vítimas de emboscadas montadas por eles, do que algozes das nossas. Podia então bem dizer-se que o mato era deles e as povoações eram nossas. No entanto pode dizer-se que quando havia refrega, mesmo no mato, a vantagem e qualquer que fosse o sítio do recontro, era invariável e nitidamente nossa, pelo menos na zona do nosso domínio e parecia que quase em toda a Guiné. Isto em 1965-67. Em quase dois anos luta da 816 na Guiné pode-se dizer que as emboscadas - e foram largas dezenas - que eles nos montavam normalmente acabavam por debandada deles face ao nosso poderio quer em homens quer na qualidade do armamento e porque não dizer à nossa audácia. Ao cair da nossa primeira morteirada normalmente acabava com a emboscada. Normalmente eles usavam a tática do bate-e-foge. Ressalve-se no entanto e por paradoxal que pareça, que os nossos dois mortos foram-no em emboscadas e em alturas diferentes e feitas em retaliação a nossa “provocação” (leia-se: ataques nossos) e uma delas bastante forte. Foi feita inicialmente à base de arremesso de granadas de mão. Saraivada delas.
Tínhamos já ouvido falar deste tipo de emboscadas. Provaríamos mais tarde deste veneno. Um Furriel miliciano morto e vários feridos foi a consequência desta audácia inimiga.
Dizia-se que os lançadores das granadas que se posicionavam natural e necessariamente muito próximo da picada eram elementos que faziam isso por castigo - castigo por qualquer traiçãozinha na tribo.
Eles também eram duros na sua disciplina, sabia-se. O castigo muitas vezes era pô-los a atuarem como lançadores de granadas em emboscadas às nossas tropas.
A probabilidade de serem atingidos, e foram, era grande, daí uma missão para castigados,… ou drogados (também se ouvia isto).
Verdade se diga, que à medida que os meses passavam eles também ofereciam cada vez mais resistência, pois para além de irem obtendo armamento mais sofisticado, iam sendo mais bem organizados. E depois os cubanos e outros mercenários - O pequeno partido (?) que eles tiravam, então, das suas emboscadas, na altura, talvez fosse mais psicológico, como que a demonstrar a sua força (…), o querer dizer nós estamos aqui e não vos queremos cá, para além de nos fazer gastar munições. Lembro-me que em resposta a uma simples rajada da “costureirinha” (isto nos primeiros tempos), nós despejávamos os carregadores (periquitices). Com o tempo aquela rajada do inimigo, se isolada, não tinha resposta. Ao fim de alguns meses conhecíamos o tipo de tiro ao sair do cano. Aí já não era um sexto sentido mas um sétimo talvez. Era impressionante aí já o feeling da malta com o boom do tiro.
Vou contar, em primeiro lugar, (o assunto é “emboscadas”) o que se passou com uma das emboscadas feitas pelo meu Grupo de Combate, feita não muito longe muito da “casa-de-mato” de Iracunda, mais concretamente em Cudana, e que teve o seu quê de insólito.
( Insólita era a guerra também).
Estávamos então a 26 de Fevereiro de 1966.
O meu Grupo de Combate foi então incumbido de fazer uma emboscada em certo ponto de um carreiro, em plena zona de Cudana, onde e pelos vistos, presumia-se (informações que chegavam) que passavam por lá elementos terroristas com alguma regularidade. Com o meu Grupo de Combate foram alguns dos nativos voluntários do Olossato que sempre se prontificavam a ir a qualquer espécie de operação, pois isso sempre lhes rendia alguns “Pesos”. Chegados ao carreiro pré-identificado e depois de escolhermos um lugar que nos oferecesse boas condições de êxito, instalamo-nos o melhor possível e eu, fiquei, ou melhor procurei ficar, junto de dois pretos veteranos, os tais que esgravatavam pesos. Perto de mim estava também o “bazookeiro do meu GComb, o “Doutor”.
Eu gostava de estar junto de um ou mais indígenas, daqueles calejados (alguns já andariam há pelo menos dois anos naquilo) e veteranos, pois estes além de silenciosos eram muito atentos, até parecia que nem pestanejavam; pressentiam o inimigo ainda bem longe e até ainda que oculto. Parecia que tinha um “faro” para descobrir pessoas e denunciar ou prever as oscilações climatéricas, isto é, o tempo que ia fazer dali a pouco, ou dali a muito.
Estávamos ali emboscados havia já algumas horas, quando um dos pretos que estavam ao pé de mim me tocou e sussurrou:
- Furriel, vêm aí dois pessoais bandido.
Então, sem me agitar muito, procurei vislumbrá-los entre a folhagem que nos encobria o que com dificuldade consegui, pois vinham ainda muito longe e mal se distinguiam no emaranhado do mato, e então aqui a ideia que eu fazia de que os pretos, pelo menos os mais experimentados e que nos acompanhavam operacionalmente, eram dotados de um sexto sentido incomum, saiu reforçada, pois fiquei deveras impressionado como eles toparam os dois “turras” a tão longa e sinuosa distância. Tomei o devido cuidado pois eles podiam muito bem vir armados, segurei a arma em posição adequada. O silêncio que era quase absoluto até aí, passou a sê-lo mesmo pois então e pelos vistos, entretanto, toda a malta já estava prevenida da aproximação dos dois indivíduos.
Eles vieram pelo carreiro onde nós estávamos emboscados e no seu andar normal. Então e aqui é que tem o seu quê de piadético, qual não é a nossa surpresa, eis que eles, precisamente à nossa frente, numa pequena poça de água, que se calhar ninguém tinha reparado da sua existência, resolvem despir o seu reduzido e rudimentar trajo e aprestam-se para aquilo que seria uma banhoca. Julgo que a poça de água ali foi uma coincidência.
Detrás de uma pequena sebe saltam logo o “Fafe” (mais tarde com grande condecoração e já falecido há algum tempo, já depois do regresso - paz à sua alma), que era sempre o primeiro nestas coisas, outro soldado que não reconheci, mais o Sargento Tavares, que em jeito de far west, de armas sobre a anca e apontadas aos tipos, ordenam-lhes que se rendam. Um então, que era um verdadeiro atleta, tenta logo fugir, mas uma rajada, que lhe esfacelou um braço, faz-lhe gorar os intentos e então deixa-se dominar. O outro, que tremia de alto a baixo, nada tentou e… também nunca mais deixou de tremer. Bom, de qualquer forma, armados ou não, eles seriam sempre apanhados, mas, na circunstância, não havia armas em seu poder. A piada da história está então no raro azar que eles tiveram em lembrarem-se de se refrescarem logo naquele sítio mesmo em frente da tropa emboscada. Trouxemo-los para o Olossato. O ferimento provocado pela rajada não foi de modo a que ele não pudesse prosseguir pelo seu pé, mas, de vez em quando, fazia-se desfalecer e atirava-se declaradamente para o chão. Claro que isto provocava atraso no regresso da coluna e então logo nos apercebemos que a intenção dele era precisamente essa: retardar o mais possível a nossa marcha para que os seus colegas de uma base ali perto, que seria provavelmente a de Iracunda, uma vez alertados com a nossa rajada feita momentos antes, tivessem tempo de vir ao nosso encontro e fazerem-nos uma emboscada. Mas não, nada houve.
Mas, a emboscada de maior êxito, a emboscada que resultou no aprisionamento de mais de 10.000 (!) cartuchos de diversos calibres e no infligir de 4 confirmadas baixas e mais 2 feridos - ficaram aos olhos de toda a malta - foi uma levada a cabo pelo 2.º Grupo de Combate da 816 e que por si só justifica este “Post” . Adiante também o extrato do relatório que regista o acontecimento.
Este Grupo instalou-se num ponto estratégico do trilho que ligava Bissajar a Maqué e intercetou um grupo de 6 terroristas que transportavam à cabeça sacos cheios de munições, na circunstância cartuchos e mais cartuchos.
Foi nesta emboscada que se constatou que eles tinham a tática de mandar uns minutos antes alguém à frente e desarmado. O homem nem sonhou que tinha passado pouco antes por dezenas de G3 apontadas.
Foi uma caçada em grande, que teve o seu quê de insólito, pois tal êxito era de todo em todo inesperado.
Aquela quantidade de cartuchos e cujo destino provável era a base de Maqué, dava para um ataque a um quartel durante uma noite inteira, calculamos nós. Como o quartel mais próximo era o nosso, logo deduzimos que provavelmente aquilo estava reservado para um ataque a Olossato. A 566 (que nós fomos substituir no Olossato), que diga do ataque que lhes fizeram na véspera de deixarem a guerra.
Esta foi então uma emboscada que resultou de uma forma bastante positiva (captura de armamento e baixas ao inimigo) pois, como já disse, na grande maioria das vezes eles nem sequer davam sinais de si a não ser às vezes um ou outro que aparecia, que muitas das vezes nem “turra” era, embora fosse tomado como tal e consoante a zona em que era intercetado.
Um Obus no Olossato, calibre 8.8 (granadas de 11,54 Kg; alcance de 11800 jardas)
Na foto acima um dos dois Obuses no Olossato ao tempo (1965/66). Duas secções de Artilharia superiormente comandadas pelo meu grande amigo Alf. Miliciano M. Brandão que quando o inimigo, para atacar o aquartelamento, se instalava preferencialmente no outro lado da pista das aeronaves e precisamente de frente para os Obuses, dado aquele julgar, erradamente, que eles só batiam zonas distantes, mas aconteceu ser necessário fazer tiro direto, inclusive para junto do arame farpado (trilho entre os Obuses e a pista das aeronaves)
____________
Nota de CV:
Vd. último poste da série de 20 DE NOVEMBRO DE 2012 > Guiné 63/74 – P10701: Páginas Negras com Salpicos Cor-de-Rosa (Rui Silva) (22): O Boby
Guiné 63/74 - P11003: Efemérides (118): Data da Operação Irã (José Martins)
1. Mensagem do nosso camarada José Marcelino Martins (ex-Fur Mil Trms da CCAÇ 5, Gatos Pretos, Canjadude, 1968/70), com data de 23 de Janeiro de 2013:
Boa Noite
Em resposta à questão colocada como comentário ao post 10990*, em anexo remeto o que consegui apurar.
Por cruzamento de dados, o que faço normalmente por deformação profissional - sou contabilista - o facto deve ter ocorrido em 1965, já porque as unidades que participaram na operação só chegaram à Guiné em data posterior a mesma data do ano de 1964.
Um grande abraço
José Martins
DATA DA OPERAÇÃO IRÃ
► ► Suponho que a questão que se coloca, é a referência que consta nas páginas 30 e 31, mapa, no que concerne ao nº 3
“1965 – Maio – Operação Irã – Tropas portuguesas atacam guerrilheiros na zona do Morés, controlada pelo PAIGC”
(In Correio da Manhã – Revista Domingo – separata da edição nº 12.277).
► ► Na obra “GUERRA COLONIAL (Angola – Guiné – Moçambique)" de Aniceto Afonso e Carlos de Matos Gomes - Edição do Diário de Noticias - Fascículos publicados entre 21/9/97 e 13/9/98”, refere:
Na “Fita do tempo” ou “Cronologia” refere com data de 1965.05 (Maio de 1965):
Acção das forças portuguesas na região do Morés, Guiné, com captura de diversos material de guerra, incluindo metralhadoras Borsig, Bren e M52, minas A/C TM-46, granadas-foguete, granadas de mão, etc.
► ► No caderno nº 2 da colecção “As Grandes Operações da Guerra Colonial”, edição de 10 livros publicados entre 8 de Julho e 9 de Setembro de 2010, refere, na página 4, como “abertura de texto”:
“Golpe de Mão no Morés Em 3 de Maio de 1965, uma segunda-feira, duas companhias de Artilharia lançam um ataque a posições da guerrilha numa das mais difíceis zonas de guerra da Guiné – o Mores, por onde as tropas portuguesas nunca se tinham aventurado. A acção militar – com o nome de código de Operação Irã – foi um êxito relativo. Conseguiu-se a captura de cerca de uma tonelada de material de guerra – mas o PAIGC continuou a controlar a zona. Ao longo do conflito, de resto, as tropas portugueses só muito pontualmente penetravam no Morés.”
No desenvolvimento do texto refere que as Companhias de Artilharia são as 566 e 730. [É mencionada a CArt 556, mas não existe na Guiné. Deve ler-se “566”].
► ► Nos cadernos “Os anos da Guerra Colonial” de Carlos Matos Gomes e Aniceto Afonso, composto por 16 cadernos, editado por QuidNovi em 2009, no nº 6, relativo ao ano de 1963, na página 32, refere:
“Maio, 3 Operação IRÃ – Acção das forças portuguesas na região do Mores, Guiné, com captura de diverso material de guerra. Esta operação foi realizada pelo Batalhão de Artilharia 733 (Companhias de Artilharia 566, 730 e 732) que alcançaram arrecadações de material com metralhadoras Borsig, Bren e M52, minas A/C TM-46, granadas foguete e granadas de mão. Ao descolar com o material capturado um helicóptero foi atingido. O Morés era já uma área controlada pelo PAIGC e, como sucederia ao longo da guerra, as forças portuguesas só pontualmente ai penetravam.”
► ► Do 7º Volume - Fichas das Unidades – da Comissão para o Estudo das Campanhas de África (1961-1974)
► Breve historial do Comando de Agrupamento nº 16
Mobilizado pelo Regimento de Infantaria nº 1, na Amadora, foi comandado pelo Tenente-coronel José Augusto Henriques Monteiro Fortes Pinto Soares, tendo como Chefe do Estado Maior o Major de Infantaria António Coelho da Silva e, posteriormente, o Major de Artilharia Raul Pereira Baptista.
Tinha como divisa: “Juntos Venceremos”
Embarca em 23 de Maio de 1964 e desembarca em Bissau em 30 de Maio de 1964.
O regresso foi em 14 de Maio de 1966.
Em 15 de Junho de 1964, ainda instalado em Bissau, assume a responsabilidade da zona Oeste, que incluiu Bula, Farim e Mansoa.
A partir de 31 de Julho de 1964 instala-se em Mansoa.
Foi rendido pelo Comando de Agrupamento nº 1976 em 13 de Maio de 1966.
► Breve historial do Batalhão de Artilharia nº 733
Mobilizado no Regimento de Artilharia Ligeira nº 1, em Lisboa, e comandado pelo Tenente-coronel José da Glória Alves e, posteriormente, pelo Tenente-coronel Orlando Rodrigues da Costa e tinha como divisa “Valorosos, Audazes, Corajosos”.
Tinha como unidades orgânicas além da CCS, as Companhias de Artilharia nºs 730, 731 e 732.
Embarcaram em 8 de Outubro de 1964 e chegaram a Bissau a 14 de Outubro de 1966.
Regressaram em 7 de Agosto de 1966 (A CArt 730 regressou em 14 de Agosto de 1966).
► Breve historial da Companhia de Artilharia nº 566
Mobilizada no Regimento de Artilharia Pesada nº 2, em Vila Nova de Gaia, comandada pelo Capitão de Artilharia Adriano de Albuquerque Nogueira, tendo por divisa “Bravos e Sempre Leais”.
Foi mobilizada para Cabo Verde onde esteve até 28 de Julho de 1964, mas foi deslocada para a Guiné, trocando com a Companhia de Caçadores nº 414.
Inicialmente em Bissau foi, em 4 de Setembro de 1964, para Bissorã em reforço da guarnição local, tendo um pelotão no Olossato, no dispositivo de manobra do Batalhão de Artilharia nº 645.
Fez operações no Morés, Iracunda, Cansambo, Maqué, entre outras.
A 9 de Dezembro de 1964 a companhia é deslocada para o Olossato, com a responsabilidade do subsector criado na zona de acção do BArt 645.
A 25 de Setembro de 1965 regressa a Bissorã e em 24 de Outubro de 1965, recolhe a Mansoa e posteriormente a Bissau.
► Breve historial da Companhia de Artilharia nº 730
Além do referido no BArt 733, era comandado pelo Capitão de Artilharia Amaro Rodrigues Garcia.
Após o desembarque foi para Bironque, em reforço da Batalhão de Cavalaria nº 705, de 13 de Outubro a 23 de Novembro de 1964, instalou-se em Bissorã.
Para actuar nas região de Morés e Tiligi, esteve na área do BArt 645 e em reforço deste, desde 14 de Dezembro de 1964 até 4 de Junho de 1965.
Em 7 de Junho de 1965 assumiu a responsabilidade do subsector de Jumbembém, destacando um pelotão para Canjambari, até 20 de Julho de 1965 altura em que se desloca para Farim, até 8 de Agosto de 1966, data em que regressa a Bissau para embarque para a metrópole, pelo que não regressou com o Batalhão.
OBS: - Emblemas da colecção do nosso camarada Carlos Coutinho.
____________
Notas do editor:
(*) Vd. poste de 23 DE JANEIRO DE 2013 > Guiné 63/74 - P10990: Efemérides (116): 50 anos anos da guerra colonial no CTIG ? 23 de janeiro de 1963, o fim do princípio ou o princípio do fim (José Martins / Carlos Silva)
Vd. último poste da série de 24 de Janeiro de 2013 > Guiné 63/74 - P10996: Efemérides (117): O início da guerra no CTIG há 50 anos: Nova Lamego, Bissau, Bedanda... O paraíso... perdido (set 62/mai 63): filme de George Freire, ex-cap inf QP, a viver nos EUA há meio século (Virgínio Briote / Luís Graça)
Boa Noite
Em resposta à questão colocada como comentário ao post 10990*, em anexo remeto o que consegui apurar.
Por cruzamento de dados, o que faço normalmente por deformação profissional - sou contabilista - o facto deve ter ocorrido em 1965, já porque as unidades que participaram na operação só chegaram à Guiné em data posterior a mesma data do ano de 1964.
Um grande abraço
José Martins
DATA DA OPERAÇÃO IRÃ
► ► Suponho que a questão que se coloca, é a referência que consta nas páginas 30 e 31, mapa, no que concerne ao nº 3
“1965 – Maio – Operação Irã – Tropas portuguesas atacam guerrilheiros na zona do Morés, controlada pelo PAIGC”
(In Correio da Manhã – Revista Domingo – separata da edição nº 12.277).
► ► Na obra “GUERRA COLONIAL (Angola – Guiné – Moçambique)" de Aniceto Afonso e Carlos de Matos Gomes - Edição do Diário de Noticias - Fascículos publicados entre 21/9/97 e 13/9/98”, refere:
Na “Fita do tempo” ou “Cronologia” refere com data de 1965.05 (Maio de 1965):
Acção das forças portuguesas na região do Morés, Guiné, com captura de diversos material de guerra, incluindo metralhadoras Borsig, Bren e M52, minas A/C TM-46, granadas-foguete, granadas de mão, etc.
► ► No caderno nº 2 da colecção “As Grandes Operações da Guerra Colonial”, edição de 10 livros publicados entre 8 de Julho e 9 de Setembro de 2010, refere, na página 4, como “abertura de texto”:
“Golpe de Mão no Morés Em 3 de Maio de 1965, uma segunda-feira, duas companhias de Artilharia lançam um ataque a posições da guerrilha numa das mais difíceis zonas de guerra da Guiné – o Mores, por onde as tropas portuguesas nunca se tinham aventurado. A acção militar – com o nome de código de Operação Irã – foi um êxito relativo. Conseguiu-se a captura de cerca de uma tonelada de material de guerra – mas o PAIGC continuou a controlar a zona. Ao longo do conflito, de resto, as tropas portugueses só muito pontualmente penetravam no Morés.”
No desenvolvimento do texto refere que as Companhias de Artilharia são as 566 e 730. [É mencionada a CArt 556, mas não existe na Guiné. Deve ler-se “566”].
► ► Nos cadernos “Os anos da Guerra Colonial” de Carlos Matos Gomes e Aniceto Afonso, composto por 16 cadernos, editado por QuidNovi em 2009, no nº 6, relativo ao ano de 1963, na página 32, refere:
“Maio, 3 Operação IRÃ – Acção das forças portuguesas na região do Mores, Guiné, com captura de diverso material de guerra. Esta operação foi realizada pelo Batalhão de Artilharia 733 (Companhias de Artilharia 566, 730 e 732) que alcançaram arrecadações de material com metralhadoras Borsig, Bren e M52, minas A/C TM-46, granadas foguete e granadas de mão. Ao descolar com o material capturado um helicóptero foi atingido. O Morés era já uma área controlada pelo PAIGC e, como sucederia ao longo da guerra, as forças portuguesas só pontualmente ai penetravam.”
► ► Do 7º Volume - Fichas das Unidades – da Comissão para o Estudo das Campanhas de África (1961-1974)
► Breve historial do Comando de Agrupamento nº 16
Mobilizado pelo Regimento de Infantaria nº 1, na Amadora, foi comandado pelo Tenente-coronel José Augusto Henriques Monteiro Fortes Pinto Soares, tendo como Chefe do Estado Maior o Major de Infantaria António Coelho da Silva e, posteriormente, o Major de Artilharia Raul Pereira Baptista.
Tinha como divisa: “Juntos Venceremos”
Embarca em 23 de Maio de 1964 e desembarca em Bissau em 30 de Maio de 1964.
O regresso foi em 14 de Maio de 1966.
Em 15 de Junho de 1964, ainda instalado em Bissau, assume a responsabilidade da zona Oeste, que incluiu Bula, Farim e Mansoa.
A partir de 31 de Julho de 1964 instala-se em Mansoa.
Foi rendido pelo Comando de Agrupamento nº 1976 em 13 de Maio de 1966.
► Breve historial do Batalhão de Artilharia nº 733
Mobilizado no Regimento de Artilharia Ligeira nº 1, em Lisboa, e comandado pelo Tenente-coronel José da Glória Alves e, posteriormente, pelo Tenente-coronel Orlando Rodrigues da Costa e tinha como divisa “Valorosos, Audazes, Corajosos”.
Tinha como unidades orgânicas além da CCS, as Companhias de Artilharia nºs 730, 731 e 732.
Embarcaram em 8 de Outubro de 1964 e chegaram a Bissau a 14 de Outubro de 1966.
Regressaram em 7 de Agosto de 1966 (A CArt 730 regressou em 14 de Agosto de 1966).
► Breve historial da Companhia de Artilharia nº 566
Mobilizada no Regimento de Artilharia Pesada nº 2, em Vila Nova de Gaia, comandada pelo Capitão de Artilharia Adriano de Albuquerque Nogueira, tendo por divisa “Bravos e Sempre Leais”.
Foi mobilizada para Cabo Verde onde esteve até 28 de Julho de 1964, mas foi deslocada para a Guiné, trocando com a Companhia de Caçadores nº 414.
Inicialmente em Bissau foi, em 4 de Setembro de 1964, para Bissorã em reforço da guarnição local, tendo um pelotão no Olossato, no dispositivo de manobra do Batalhão de Artilharia nº 645.
Fez operações no Morés, Iracunda, Cansambo, Maqué, entre outras.
A 9 de Dezembro de 1964 a companhia é deslocada para o Olossato, com a responsabilidade do subsector criado na zona de acção do BArt 645.
A 25 de Setembro de 1965 regressa a Bissorã e em 24 de Outubro de 1965, recolhe a Mansoa e posteriormente a Bissau.
► Breve historial da Companhia de Artilharia nº 730
Além do referido no BArt 733, era comandado pelo Capitão de Artilharia Amaro Rodrigues Garcia.
Após o desembarque foi para Bironque, em reforço da Batalhão de Cavalaria nº 705, de 13 de Outubro a 23 de Novembro de 1964, instalou-se em Bissorã.
Para actuar nas região de Morés e Tiligi, esteve na área do BArt 645 e em reforço deste, desde 14 de Dezembro de 1964 até 4 de Junho de 1965.
Em 7 de Junho de 1965 assumiu a responsabilidade do subsector de Jumbembém, destacando um pelotão para Canjambari, até 20 de Julho de 1965 altura em que se desloca para Farim, até 8 de Agosto de 1966, data em que regressa a Bissau para embarque para a metrópole, pelo que não regressou com o Batalhão.
OBS: - Emblemas da colecção do nosso camarada Carlos Coutinho.
____________
Notas do editor:
(*) Vd. poste de 23 DE JANEIRO DE 2013 > Guiné 63/74 - P10990: Efemérides (116): 50 anos anos da guerra colonial no CTIG ? 23 de janeiro de 1963, o fim do princípio ou o princípio do fim (José Martins / Carlos Silva)
Vd. último poste da série de 24 de Janeiro de 2013 > Guiné 63/74 - P10996: Efemérides (117): O início da guerra no CTIG há 50 anos: Nova Lamego, Bissau, Bedanda... O paraíso... perdido (set 62/mai 63): filme de George Freire, ex-cap inf QP, a viver nos EUA há meio século (Virgínio Briote / Luís Graça)
Guiné 63/74 - P11002: História da CCAÇ 2679 (61): A vingança serve-se fria (José Manuel Matos Dinis)
1. Mensagem do nosso camarada José Manuel Matos Dinis (ex-Fur Mil da CCAÇ 2679, Bajocunda, 1970/71), com data de 23 de Janeiro de 2013:
Ora viva Carlos,
Depois da pompa e circunstância de apresentação do Cândido Morais, quiçá a personagem mais importante de Perre desde que integrou o blogue, hoje apresento-te uma página negra da estória daquele furriel miliciano.
Está ali tudo, tim-tim-por-tim-tim. Que o traste seja julgado na praça pública, e se não houver galés, que seja condenado a presentear-me com outro salsichão de que ele herdou a mestria da composição.
E ainda tem que dar o vinho.
Que comigo não há imunidade, nem prescrição.
Se repararem, na fotografia da tela sobre o Morais, não faltam os acepipes, nem o vinho, entre outras coisas. Espero que se divirtam com uma estória verdadeira.
Para ti e para a Tabanca vai aquele abraço
JD
A VINGANÇA SERVE-SE FRIA
Tinha saído com os primeiros alvores para uma patrulha pela fronteira, com emboscada num imaginado trilho de penetração. O dia fora igual a tantos outros: palmilhámos uns quilómetros pela mata, abancámos junto a um trilho à espera de ninguém, prolongámos o passeio ao longo da fronteira por mais algum tempo, comemos meia ração, e bebemos a água do cantil, que naqueles azimutes parecia uma bebida fina. A meio da tarde, quando andava próximo da ZA de Pirada, decidi regressar à base. Tínhamos ainda tempo diurno para o que fosse necessário.
Despedimo-nos à entrada do arame, e cada um tomou o rumo do alojamento. Encostei a arma no lugar do costume, junto à cama onde dormia. Abri o armário do bacalhau, e remexi à procura de uma camisa ou camisola (na época ainda não se usava o termo t'shirt) sem pó, despi-me, enfiei os chinelos, peguei na saboneteira, e dirigi-me para a "sala das orgias". Ali, convenientemente nuzinho, abri a torneira da espécie de duche, e recebi a água morna numa torrente de muito agrado. Lembrei-me do que um gajo qualquer me contou à chegada: que naquele dia o Morais tinha recebido uma encomenda com vários salpicões que o pai lhe mandara. E rematou com uma superlativa apreciação à qualidade dos enchidos. Enquanto passava a toalha pelo corpo, afiava o dente para atacar um bocado da maravilha.
A "sala das orgias" deve a designação a uma inspiração pictórica da minha parte.
O segundo painel representa uma pintura abstracta, como abstractos seriam a maior parte dos pensamentos dos utilizadores da cagadeira.
O painel que segue, representa um penico estilizado, indicador da função atribuída ao local.
O último dos painéis homenageia os aflitos, ali representados pelo cãozinho que só tinha 3 patas, e um dia, muito aflito para chichizar, levantou uma pata e caiu
Saí daquela sala, e ouvi vozes na messe, logo ali à frente. Para lá me dirigi pois tinha distinguido o Morais entre os palrantes.
- Então Morais, hoje houve salpicãozinho de Perre? - Perguntei, mas com uma sonoridade afirmativa.
- Eh pá, o meu pai mandou-me uns salpicões de categoria, - afirmou visivelmente agradado o nosso tropa.
- Porreiro pá, arranja aí um bocadinho, que eu venho com uma fome do diabo.
- Oh pá, já não há nada, estes gajos são uns brutos a comer. Estava a ver que nem chegava para mim, - retorquiu tranquilo.
- O quê? Então não tiveste a lembrança de guardar um bocadinho para mim? - Interroguei-o acusadora e ofendidamente.
- Eh pá, que é que queres? Para já não eram muitos, e depois estes gajos atacaram neles que nem selvagens.
E para acentuar a sua inocência, virou-se para os outros e perguntou-lhes:
- Oh rapazes, eram bons ou não?
Os rapazes, apalermados, responderam quase ensaiadamente que sim, que o pai dele devia mandar mais e mais vezes.
- Foda-se pá!!! - Reagi com indignação. - Quando recebo uma encomenda tenho sempre a preocupação de me lembrar de ti, e agora pregas-me a partida,- respondi com desagrado.
Virei costas e fui para o quarto, por uma camisa e calções, que a hora do jantar aproximava-se. Dirigi-me ao armário para qualquer coisa, para colocar umas gotas de Old Spice para me preservar do cheiro a catinga, ou por outra razão, e deparei com alguns aerogramas ali amontoados na desorganização arrumativa que me caracteriza. Tan-Tan!!! fez-se-me uma luz.
Tirei um dos aerogramas, peguei na esferográfica, sentei-me na cama, e com um livro a fazer de base escrevinhadora, endossei o correio para o Exmo. Senhor Manuel Luís Morais, Perre, Viana do Castelo, Metrópole.
Depois escrevi-lhe a dar boas notícias do filho, da amizade que todos nutríamos por ele, e expus a razão da minha comunicação. Estava-se mesmo a ver, claro, que os salpicões não tinham chegado para mim, e que o filho cometera a enorme falha de não me guardar um bocadinho para prova. Como sabia que o senhor era inexcedível nas relações familiares, e sendo eu um amigo indefectível do Cândido, imaginava quanta alegria lhe iria proporcionar, por poder enviar-me uma pequenina encomenda com um salpicão.
Não veio um. Vieram quatro ou cinco, numa embalagem destinada ao Fur Mil José Dinis.
Ao jantar ainda gozaram comigo, uns sacanas ordinários, que não só realçavam a qualidade dos aromatizados enchidos, como me tratavam por lorpa, como se tivesse ido voluntariamente para o mato, para mais, calculem, com meia ração de combate. Alinhei naquilo, e a rapaziada divertia-se à minha custa.
Poucos dias depois, antes do almoço, tirei um salpicão, abarbatei-me a uma cervejola e a um naco de pão, e sentei-me à mesa quando o pessoal se dispunha para almoçar.
- Que é isso pá? - Alguém questionou.
- Não tens óculos? Vai buscá-los que logo vês, já que pelo cheirinho não distingues uma salsicha de uma bota da tropa. - E ferrei a naifa na carne apetitosa.
- Eh pá, dá-me um bocadinho, - pediu outro.
- Não posso! - Respondi seco, enquanto mastigava uma fatia do gostoso salpicão.
Não demorou nada para que se iniciasse o burburinho. Eles pediam, tratavam-me de merdoso egoísta, ameaçavam roubar-me o salpicão, e eu respondia que não podia dar, que da última vez também não me deram nada, e que fodia com tiros o primeiro que ousasse roubar-me.
Afastei-me da mesa e apercebi-me de como aceitaram o argumento. Daquela multidão indignada, acerco-se o Morais, muito cuidadosamente, a referir-me que o salpicão era mesmo parecido com os salpicões do pai dele. Respondi-lhe que os salpicões são todos parecidos. Pediu-me para provar, mas lembrei-lhe que não senhor, ele ainda há poucos dias não tivera o misericordioso acto de me guardar uma fatia quando o pai lhe enviara éne salpicões.
De repente o Morais transforma-se em provocador perigoso, e dizia que o salpicão, de certeza, era de casa do pai, e questionava-me onde é fui arranjar aquilo. Desfeiteei-o mais uma vez, e insinuei que fosse ao Vítor pedir um vallium para acalmar. Mas o Morais estava a perder a cabeça, e insistia que sabia muito bem que o salpicão era da sua casa. Onde é que eu arranjara aquilo?
O pessoal, entre o divertido e o indignado, se não fazia apostas, já se mostrava tenso com o desenvolvimento da contenda. O Morais estava mais que desconsolado, estava irritado e ameaçador.
Arrumei o salpicão na folha de papel, e, provocadoramente, prometi oferecer a alguns depois do jantar. Mas só a alguns, sublinhei. Com o serviço da bianda (ou seria esparguete?) o pessoal amainou.
No fim da refeição disse a um para ir ao meu armário buscar a encomenda, que eu estava mais generoso. Quando veio a encomenda o Morais foi logo identificar a letra do pai, e quase perdia a cabeça.
- Eu sabia! Eu sabia que o salpicão era da casa do meu pai.
- Pois sabias, - confirmei eu, - o que tu não sabias, e parece que não queres saber, é que os salpicões são meus, e foram oferecidos pelo teu pai, um gajo porreiro, aliás, que não tem comparação com o merdoso do filho que está na Guiné.
Desatámos a rir, a trinchar e a comer os milagrosos salpicões que, de facto, revelavam grande saber na composição e manifestavam uma tão grande satisfação ao palato
Acabou em festa, e os outros sacanas nunca mais pensaram em ressarcir-me daquele inopinado extra.
JMMD
2. Comentário de CV:
Ainda sobre esta saborosa (literalmente) estória, que só podia ter sido urdida por "um José Manuel Matos Dinis", cabe aqui e agora um aditamento por parte do visado, o nosso recente camarada Morais:
Meus caros
Eu tinha medo que esta história viesse a lume... na verdade, eu lembro-me desse episódio, mas infelizmente só na parte da minha zanga com o Dinis.
Eu recebia realmente várias encomendas de Perre e lembro-me que gozava de boa saúde porque pegava no presunto e no chouriço que sobrava para mim, dirigia-me à padaria e pedia lá um casqueiro dos grandes, que enchia com alho e cebola, que depois cobria com presunto ou chouriço, conforme a circunstância. Eu creio que isso ajudou a preservar, e muito, a minha saúde física e mental.
O motivo da minha zanga, não estava relacionado com o facto dos amigos se alambazarem com o conteúdo das minhas encomendas, pois eu acabava por distribuir por eles quase tudo, mesmo até aqueles frascos de uvas engarrafadas com aguardente, que tantas angústias me suavizaram, ou as latas de conserva que o meu pai esvaziava em casa, para encher com rojões de porco da última matança caseira, envoltos na sua própria banha (uma delícia!).
Eu zanguei-me porque estava persuadido que o Dinis violara uma coisa que para mim era sagrada, que era a encomenda do meu pai, vinda da minha terra, que todos os dias lembrava com saudade. Eu creio que ele até é benevolente comigo quando agora fala na minha zanga, porque eu penso que passei para além do que ele relata (se não sabeis, sou do signo Touro, afeiçoado à terra, parece que meigo e paciente, mas violento...).
Mas, se o Dinis diz que escreveu para o meu pai, também sei que o meu pai não teria hesitado em corresponder a esse apelo, e por isso acredito no que ele diz. Aliás, foi o meu pai que quis ter o prazer e a honra de ser o primeiro dos progenitores a receber os meus amigos (aquela cambada...) na nossa casa depois do regresso da Guiné.
Só desejo que o Dinis me perdoe o ar irado dessa altura, embora eu pense ter, logo a partir do dia seguinte, abrandado a pressão e continuado a cimentar a grande amizade que preservamos.
Um abraço.
Cândido Morais
__________
Nota de CV:
Vd. último poste da série de 21 DE JANEIRO DE 2013 > Guiné 63/74 - P10979: História da CCAÇ 2679 (60): Ir ou não ir para a vala... eis a questão (Cândido Morais)
Ora viva Carlos,
Depois da pompa e circunstância de apresentação do Cândido Morais, quiçá a personagem mais importante de Perre desde que integrou o blogue, hoje apresento-te uma página negra da estória daquele furriel miliciano.
Está ali tudo, tim-tim-por-tim-tim. Que o traste seja julgado na praça pública, e se não houver galés, que seja condenado a presentear-me com outro salsichão de que ele herdou a mestria da composição.
E ainda tem que dar o vinho.
Que comigo não há imunidade, nem prescrição.
Se repararem, na fotografia da tela sobre o Morais, não faltam os acepipes, nem o vinho, entre outras coisas. Espero que se divirtam com uma estória verdadeira.
Para ti e para a Tabanca vai aquele abraço
JD
A VINGANÇA SERVE-SE FRIA
Tinha saído com os primeiros alvores para uma patrulha pela fronteira, com emboscada num imaginado trilho de penetração. O dia fora igual a tantos outros: palmilhámos uns quilómetros pela mata, abancámos junto a um trilho à espera de ninguém, prolongámos o passeio ao longo da fronteira por mais algum tempo, comemos meia ração, e bebemos a água do cantil, que naqueles azimutes parecia uma bebida fina. A meio da tarde, quando andava próximo da ZA de Pirada, decidi regressar à base. Tínhamos ainda tempo diurno para o que fosse necessário.
Despedimo-nos à entrada do arame, e cada um tomou o rumo do alojamento. Encostei a arma no lugar do costume, junto à cama onde dormia. Abri o armário do bacalhau, e remexi à procura de uma camisa ou camisola (na época ainda não se usava o termo t'shirt) sem pó, despi-me, enfiei os chinelos, peguei na saboneteira, e dirigi-me para a "sala das orgias". Ali, convenientemente nuzinho, abri a torneira da espécie de duche, e recebi a água morna numa torrente de muito agrado. Lembrei-me do que um gajo qualquer me contou à chegada: que naquele dia o Morais tinha recebido uma encomenda com vários salpicões que o pai lhe mandara. E rematou com uma superlativa apreciação à qualidade dos enchidos. Enquanto passava a toalha pelo corpo, afiava o dente para atacar um bocado da maravilha.
A "sala das orgias" deve a designação a uma inspiração pictórica da minha parte.
O segundo painel representa uma pintura abstracta, como abstractos seriam a maior parte dos pensamentos dos utilizadores da cagadeira.
O painel que segue, representa um penico estilizado, indicador da função atribuída ao local.
O último dos painéis homenageia os aflitos, ali representados pelo cãozinho que só tinha 3 patas, e um dia, muito aflito para chichizar, levantou uma pata e caiu
Saí daquela sala, e ouvi vozes na messe, logo ali à frente. Para lá me dirigi pois tinha distinguido o Morais entre os palrantes.
- Então Morais, hoje houve salpicãozinho de Perre? - Perguntei, mas com uma sonoridade afirmativa.
- Eh pá, o meu pai mandou-me uns salpicões de categoria, - afirmou visivelmente agradado o nosso tropa.
- Porreiro pá, arranja aí um bocadinho, que eu venho com uma fome do diabo.
- Oh pá, já não há nada, estes gajos são uns brutos a comer. Estava a ver que nem chegava para mim, - retorquiu tranquilo.
- O quê? Então não tiveste a lembrança de guardar um bocadinho para mim? - Interroguei-o acusadora e ofendidamente.
- Eh pá, que é que queres? Para já não eram muitos, e depois estes gajos atacaram neles que nem selvagens.
E para acentuar a sua inocência, virou-se para os outros e perguntou-lhes:
- Oh rapazes, eram bons ou não?
Os rapazes, apalermados, responderam quase ensaiadamente que sim, que o pai dele devia mandar mais e mais vezes.
- Foda-se pá!!! - Reagi com indignação. - Quando recebo uma encomenda tenho sempre a preocupação de me lembrar de ti, e agora pregas-me a partida,- respondi com desagrado.
Virei costas e fui para o quarto, por uma camisa e calções, que a hora do jantar aproximava-se. Dirigi-me ao armário para qualquer coisa, para colocar umas gotas de Old Spice para me preservar do cheiro a catinga, ou por outra razão, e deparei com alguns aerogramas ali amontoados na desorganização arrumativa que me caracteriza. Tan-Tan!!! fez-se-me uma luz.
Tirei um dos aerogramas, peguei na esferográfica, sentei-me na cama, e com um livro a fazer de base escrevinhadora, endossei o correio para o Exmo. Senhor Manuel Luís Morais, Perre, Viana do Castelo, Metrópole.
Depois escrevi-lhe a dar boas notícias do filho, da amizade que todos nutríamos por ele, e expus a razão da minha comunicação. Estava-se mesmo a ver, claro, que os salpicões não tinham chegado para mim, e que o filho cometera a enorme falha de não me guardar um bocadinho para prova. Como sabia que o senhor era inexcedível nas relações familiares, e sendo eu um amigo indefectível do Cândido, imaginava quanta alegria lhe iria proporcionar, por poder enviar-me uma pequenina encomenda com um salpicão.
Não veio um. Vieram quatro ou cinco, numa embalagem destinada ao Fur Mil José Dinis.
Ao jantar ainda gozaram comigo, uns sacanas ordinários, que não só realçavam a qualidade dos aromatizados enchidos, como me tratavam por lorpa, como se tivesse ido voluntariamente para o mato, para mais, calculem, com meia ração de combate. Alinhei naquilo, e a rapaziada divertia-se à minha custa.
Poucos dias depois, antes do almoço, tirei um salpicão, abarbatei-me a uma cervejola e a um naco de pão, e sentei-me à mesa quando o pessoal se dispunha para almoçar.
- Que é isso pá? - Alguém questionou.
- Não tens óculos? Vai buscá-los que logo vês, já que pelo cheirinho não distingues uma salsicha de uma bota da tropa. - E ferrei a naifa na carne apetitosa.
- Eh pá, dá-me um bocadinho, - pediu outro.
- Não posso! - Respondi seco, enquanto mastigava uma fatia do gostoso salpicão.
Não demorou nada para que se iniciasse o burburinho. Eles pediam, tratavam-me de merdoso egoísta, ameaçavam roubar-me o salpicão, e eu respondia que não podia dar, que da última vez também não me deram nada, e que fodia com tiros o primeiro que ousasse roubar-me.
Afastei-me da mesa e apercebi-me de como aceitaram o argumento. Daquela multidão indignada, acerco-se o Morais, muito cuidadosamente, a referir-me que o salpicão era mesmo parecido com os salpicões do pai dele. Respondi-lhe que os salpicões são todos parecidos. Pediu-me para provar, mas lembrei-lhe que não senhor, ele ainda há poucos dias não tivera o misericordioso acto de me guardar uma fatia quando o pai lhe enviara éne salpicões.
De repente o Morais transforma-se em provocador perigoso, e dizia que o salpicão, de certeza, era de casa do pai, e questionava-me onde é fui arranjar aquilo. Desfeiteei-o mais uma vez, e insinuei que fosse ao Vítor pedir um vallium para acalmar. Mas o Morais estava a perder a cabeça, e insistia que sabia muito bem que o salpicão era da sua casa. Onde é que eu arranjara aquilo?
O pessoal, entre o divertido e o indignado, se não fazia apostas, já se mostrava tenso com o desenvolvimento da contenda. O Morais estava mais que desconsolado, estava irritado e ameaçador.
Arrumei o salpicão na folha de papel, e, provocadoramente, prometi oferecer a alguns depois do jantar. Mas só a alguns, sublinhei. Com o serviço da bianda (ou seria esparguete?) o pessoal amainou.
No fim da refeição disse a um para ir ao meu armário buscar a encomenda, que eu estava mais generoso. Quando veio a encomenda o Morais foi logo identificar a letra do pai, e quase perdia a cabeça.
- Eu sabia! Eu sabia que o salpicão era da casa do meu pai.
- Pois sabias, - confirmei eu, - o que tu não sabias, e parece que não queres saber, é que os salpicões são meus, e foram oferecidos pelo teu pai, um gajo porreiro, aliás, que não tem comparação com o merdoso do filho que está na Guiné.
Desatámos a rir, a trinchar e a comer os milagrosos salpicões que, de facto, revelavam grande saber na composição e manifestavam uma tão grande satisfação ao palato
Acabou em festa, e os outros sacanas nunca mais pensaram em ressarcir-me daquele inopinado extra.
JMMD
2. Comentário de CV:
Ainda sobre esta saborosa (literalmente) estória, que só podia ter sido urdida por "um José Manuel Matos Dinis", cabe aqui e agora um aditamento por parte do visado, o nosso recente camarada Morais:
Meus caros
Eu tinha medo que esta história viesse a lume... na verdade, eu lembro-me desse episódio, mas infelizmente só na parte da minha zanga com o Dinis.
Eu recebia realmente várias encomendas de Perre e lembro-me que gozava de boa saúde porque pegava no presunto e no chouriço que sobrava para mim, dirigia-me à padaria e pedia lá um casqueiro dos grandes, que enchia com alho e cebola, que depois cobria com presunto ou chouriço, conforme a circunstância. Eu creio que isso ajudou a preservar, e muito, a minha saúde física e mental.
O motivo da minha zanga, não estava relacionado com o facto dos amigos se alambazarem com o conteúdo das minhas encomendas, pois eu acabava por distribuir por eles quase tudo, mesmo até aqueles frascos de uvas engarrafadas com aguardente, que tantas angústias me suavizaram, ou as latas de conserva que o meu pai esvaziava em casa, para encher com rojões de porco da última matança caseira, envoltos na sua própria banha (uma delícia!).
Eu zanguei-me porque estava persuadido que o Dinis violara uma coisa que para mim era sagrada, que era a encomenda do meu pai, vinda da minha terra, que todos os dias lembrava com saudade. Eu creio que ele até é benevolente comigo quando agora fala na minha zanga, porque eu penso que passei para além do que ele relata (se não sabeis, sou do signo Touro, afeiçoado à terra, parece que meigo e paciente, mas violento...).
Mas, se o Dinis diz que escreveu para o meu pai, também sei que o meu pai não teria hesitado em corresponder a esse apelo, e por isso acredito no que ele diz. Aliás, foi o meu pai que quis ter o prazer e a honra de ser o primeiro dos progenitores a receber os meus amigos (aquela cambada...) na nossa casa depois do regresso da Guiné.
Só desejo que o Dinis me perdoe o ar irado dessa altura, embora eu pense ter, logo a partir do dia seguinte, abrandado a pressão e continuado a cimentar a grande amizade que preservamos.
Um abraço.
Cândido Morais
__________
Nota de CV:
Vd. último poste da série de 21 DE JANEIRO DE 2013 > Guiné 63/74 - P10979: História da CCAÇ 2679 (60): Ir ou não ir para a vala... eis a questão (Cândido Morais)
Guiné 63/74 - P11001: Notas de leitura (452): Fernando Baginha e o assassinato de Amílcar Cabral (Mário Beja Santos)
1. Mensagem do nosso camarada Mário Beja Santos (ex-Alf Mil, CMDT do Pel Caç Nat 52, Missirá e Bambadinca, 1968/70), com data de 21 de Janeiro de 2013:
Queridos amigos,
Os artigos de Fernando Baginha são necessários como peças do incomensurável puzzle das motivações profundas sobre o assassinato de Cabral. 40 anos depois, a penumbra continua densa, apesar da muita especulação gratuita em que sem provas se continua a apontar o dedo para a PIDE em Bissau, Rafael Barbosa, Spínola.
Ninguém acredita que numa conspiração em que estiveram envolvidas centenas de pessoas não se encontrasse um só documento, um conjunto de depoimentos articulados da ligação dos executores de Cabral com Spínola. Há uma carta nos arquivos da PIDE em que Fragoso Allas, diretor da delegação de Bissau, dá uma versão para Lisboa em que é impensável que estivesse a fingir nada saber ou a haver conivência com os altos dirigentes guineenses.
Deve doer muito ter que reconhecer que os guineenses não queriam ser dirigidos por cabo-verdianos.
Um abraço do
Mário
Fernando Baginha e o assassinato de Amílcar Cabral
Beja Santos
Fernando Baginha viveu na Suécia, onde trabalhou, durante alguns anos, com o PAIGC. Em 1972 e 1973, foi professor da Escola-Piloto do Partido, na República da Guiné-Conacri, de que chegou a ser diretor. Foi, também, o autor e responsável pelos programas de propaganda dirigidos aos militares portugueses, através das emissões da Rádio Libertação do PAIGC.
Em 4 e 18 de Dezembro de 1980, Baginha escreve no jornal O Ponto acerca do assassinato de Cabral e as repercussões que este teatro teve na vida do PAIGC, na Guiné-Bissau e em Cabo Verde. Diz ter assistido à morte de Cabral e a todo o processo que lhe seguiu, resolveu então tornar públicos factos que calou durante aqueles anos. Em 19 de Janeiro de 1973, os serviços de segurança checos em Conacri avisaram Cabral de que teriam sido detetados indícios de conspiração dentro do PAIGC. Cabral avisou o então responsável pela sua segurança para que tomasse precauções. Tratava-se de Mamadu N’Djai, herói nacional, comandante da frente Norte, três vezes ferido em combate e naquele momento em Conacri em convalescença do seu último ferimento. N’Djai teria feito saber diretamente aos outros conspiradores que o golpe era conhecido. Assim, tudo foi antecipado e a ação decorreu em plena visita oficial a Conacri de Samora Machel e a Joaquim Chissano.
Nessa noite, decorria na Escola Piloto do PAIGC, em Retoma, arredores de Conacri, uma reunião de informações sobre o desenrolar da guerra em Moçambique, presidia Chissano. Cabral e Machel estavam ausentes. À hora em que terminou a reunião, cerca das 23 horas, Cabral já estava morto. O grupo de viaturas que voltava para Conacri ou para outros campos do PAIGC, foi intercetado pelo grupo de revoltosos, sendo presos todos os elementos cabo-verdianos ou com ele conotados. Pela meia-noite, toda a direção política do PAIGC, de momento em Conacri, estava presa. Segue-se a reviravolta, o exército de Sékou Touré intervém em força e prende todos os elementos do PAIGC, revoltosos e vítimas, o golpe parou.
O que se passara, entretanto? O grupo diretamente encarregue de prender Cabral, comandado por Inocêncio Kani, acaba por abater o líder do PAIGC enquanto outro grupo, comandado por Mamadu N’Djai, prende e rapta Aristides Pereira que é levado para um barco de guerra do PAIGC, fortemente amarrado e com ele é levado Buscardini, um dos carrascos dos comandos africanos e morto em 14 de Novembro de 1980.
O grupo que abatera Cabral apresentou-se no Palácio de Sékou Touré, informando que acabara de matar o secretário-geral do PAIGC. Sékou Touré dá-lhes ordem de prisão. Para Baginha, o envolvimento da Guiné-Conacri na tentativa de afastamento da direção cabo-verdiana era por de mais evidente: toda a conspiração ocorreu em Conacri e foi detetada pela segurança checa que obviamente terá avisado Sékou Touré; os executores de Cabral, cumprida a sua nefanda missão, dirigiram-se ao palácio da Presidência para que houvesse reconhecimento do golpe; os revoltosos atravessaram toda a Conacri e saíram do porto, apesar das rigorosas medidas de segurança que existiam. Numa reunião que teve lugar no palácio da Presidência, Sékou Touré informou todos os quadros do PAIGC dos resultados provisórios do inquérito à morte de Cabral: no momento da morte de Cabral encontravam-se em Conacri 429 elementos do PAIGC e 336 estavam a par da conspiração.
Baginha refere os desentendimentos profundos entre Cabral e Osvaldo Vieira, prendiam-se sobretudo com a condução militar das operações. Cabral permitia-se, por vezes depois de longas ausências no estrangeiro alterar completamente planos já estabelecidos. Para mais, Cabral já não entrava nas zonas libertadas da Guiné havia cerca de 3 anos. No dia do assassinato, Osvaldo Vieira estava em Conacri, a tudo assistiu, todos o viram, ele viu tudo e não teve um gesto para evitar o que se passou (recorde-se o que Bobo Keitá escreve no seu livro, já aqui referenciado: foi visto Osvaldo Vieira durante todo o dia na companhia de Inocêncio Kani). Continua Baginha a referir que tendo ficado preso na companhia de guineenses, estes não disfarçavam a sua preocupação e falavam abertamente: Osvaldo era o nome mais citado. Nos interrogatórios perguntaram a todos os inquiridos se teriam ouvido algo sobre o envolvimento de Osvaldo Vieira e em consequência dos inquéritos ele foi suspenso de todas as funções diretivas no partido. Osvaldo Vieira foi conduzido para a zona de Madina de Boé sob prisão. Depois disse-se que teria morrido de doença do estômago. Mas Baginha não tem dúvidas, ele foi executado. No primeiro dia de execuções, foram executados nas três frentes de guerra 69 homens. Sékou Turé não autorizou fuzilamentos em território da República da Guiné. E Baginha diz sem rebuço que o golpe de 14 de Novembro de 1980 não é mais do que a continuação do golpe de 20 de Janeiro de 1973. Com este golpe não restava qualquer dúvida: pretendia-se levar Nino Vieira ao poder.
No segundo artigo, Baginha volta-se para Rafael Barbosa, uma das figuras mais assombrosas e enigmáticas de todo o processo: peça fundamental da subversão dos anos 50 até 1962, foi preso, foi visto como um herói durante uma boa parte da luta armada, classificado como traidor depois da sua confissão pública ao lado de Spínola, preso com a independência, condenado à morte, pena comutada, libertado, de novo herói e logo desmentido. Cabral sempre o considerou o pilar da primeira fase da luta de libertação, tratou-o, até à sua confissão pública, como o presidente do PAIGC. Para Baginha, é com a libertação de Rafael Barbosa, autorizada por Spínola, que irá começar a clivagem entre guineenses e cabo-verdianos. Segundo Baginha a direção política do PAIGC não insistiu muito na condenação de Barbosa devido a dois factos importantes: primeiro, a adesão de cabo-verdianos ao PAIGC ter estagnado; segundo as adesões cresciam exponencialmente a partir de fugas da Guiné, quem chegava a Conacri não escondia a sua admiração por Rafael Barbosa.
Baginha nunca acreditou nas implicações da PIDE no assassinato de Cabral, diz saber que a PIDE não tinha, diretamente, nada a ver com o assassinato, considera que Spínola terá jogado na agudização da contradição que ele sabia existir: quantos mais guineenses do PAIGC e mais rápida seria a desagregação do partido. Spínola, com a sua “Guiné melhor”, conseguiu insinuar a ideia, ao nível dos quadros de guerra, de que sem a unidade Guiné-Cabo Verde algo seria possível. E inúmera alguns “atrasos de percurso” até à chegada definitiva de Nino ao poder: o falhanço do golpe de 1973; o 25 de Abril, que obrigou todos os intervenientes a estarem de acordo; a confirmação do poder de Luís Cabral, beneficiando do processo de descolonização e do apoio dos outros países saídos das ex-colónias; o apoio que Luís Cabral sempre teve de Francisco Mendes (Chico Té) primeiro-ministro até ao acidente que o vitimou.
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Nota de CV:
Vd. último poste da série de 21 DE JANEIRO DE 2013 > Guiné 63/74 - P10977: Notas de leitura (451): Guiné-Bissau: A Destruição de um País, por Julião Soares da Silva (1) (Mário Beja Santos)
Queridos amigos,
Os artigos de Fernando Baginha são necessários como peças do incomensurável puzzle das motivações profundas sobre o assassinato de Cabral. 40 anos depois, a penumbra continua densa, apesar da muita especulação gratuita em que sem provas se continua a apontar o dedo para a PIDE em Bissau, Rafael Barbosa, Spínola.
Ninguém acredita que numa conspiração em que estiveram envolvidas centenas de pessoas não se encontrasse um só documento, um conjunto de depoimentos articulados da ligação dos executores de Cabral com Spínola. Há uma carta nos arquivos da PIDE em que Fragoso Allas, diretor da delegação de Bissau, dá uma versão para Lisboa em que é impensável que estivesse a fingir nada saber ou a haver conivência com os altos dirigentes guineenses.
Deve doer muito ter que reconhecer que os guineenses não queriam ser dirigidos por cabo-verdianos.
Um abraço do
Mário
Fernando Baginha e o assassinato de Amílcar Cabral
Beja Santos
Fernando Baginha viveu na Suécia, onde trabalhou, durante alguns anos, com o PAIGC. Em 1972 e 1973, foi professor da Escola-Piloto do Partido, na República da Guiné-Conacri, de que chegou a ser diretor. Foi, também, o autor e responsável pelos programas de propaganda dirigidos aos militares portugueses, através das emissões da Rádio Libertação do PAIGC.
Em 4 e 18 de Dezembro de 1980, Baginha escreve no jornal O Ponto acerca do assassinato de Cabral e as repercussões que este teatro teve na vida do PAIGC, na Guiné-Bissau e em Cabo Verde. Diz ter assistido à morte de Cabral e a todo o processo que lhe seguiu, resolveu então tornar públicos factos que calou durante aqueles anos. Em 19 de Janeiro de 1973, os serviços de segurança checos em Conacri avisaram Cabral de que teriam sido detetados indícios de conspiração dentro do PAIGC. Cabral avisou o então responsável pela sua segurança para que tomasse precauções. Tratava-se de Mamadu N’Djai, herói nacional, comandante da frente Norte, três vezes ferido em combate e naquele momento em Conacri em convalescença do seu último ferimento. N’Djai teria feito saber diretamente aos outros conspiradores que o golpe era conhecido. Assim, tudo foi antecipado e a ação decorreu em plena visita oficial a Conacri de Samora Machel e a Joaquim Chissano.
Nessa noite, decorria na Escola Piloto do PAIGC, em Retoma, arredores de Conacri, uma reunião de informações sobre o desenrolar da guerra em Moçambique, presidia Chissano. Cabral e Machel estavam ausentes. À hora em que terminou a reunião, cerca das 23 horas, Cabral já estava morto. O grupo de viaturas que voltava para Conacri ou para outros campos do PAIGC, foi intercetado pelo grupo de revoltosos, sendo presos todos os elementos cabo-verdianos ou com ele conotados. Pela meia-noite, toda a direção política do PAIGC, de momento em Conacri, estava presa. Segue-se a reviravolta, o exército de Sékou Touré intervém em força e prende todos os elementos do PAIGC, revoltosos e vítimas, o golpe parou.
O que se passara, entretanto? O grupo diretamente encarregue de prender Cabral, comandado por Inocêncio Kani, acaba por abater o líder do PAIGC enquanto outro grupo, comandado por Mamadu N’Djai, prende e rapta Aristides Pereira que é levado para um barco de guerra do PAIGC, fortemente amarrado e com ele é levado Buscardini, um dos carrascos dos comandos africanos e morto em 14 de Novembro de 1980.
O grupo que abatera Cabral apresentou-se no Palácio de Sékou Touré, informando que acabara de matar o secretário-geral do PAIGC. Sékou Touré dá-lhes ordem de prisão. Para Baginha, o envolvimento da Guiné-Conacri na tentativa de afastamento da direção cabo-verdiana era por de mais evidente: toda a conspiração ocorreu em Conacri e foi detetada pela segurança checa que obviamente terá avisado Sékou Touré; os executores de Cabral, cumprida a sua nefanda missão, dirigiram-se ao palácio da Presidência para que houvesse reconhecimento do golpe; os revoltosos atravessaram toda a Conacri e saíram do porto, apesar das rigorosas medidas de segurança que existiam. Numa reunião que teve lugar no palácio da Presidência, Sékou Touré informou todos os quadros do PAIGC dos resultados provisórios do inquérito à morte de Cabral: no momento da morte de Cabral encontravam-se em Conacri 429 elementos do PAIGC e 336 estavam a par da conspiração.
Baginha refere os desentendimentos profundos entre Cabral e Osvaldo Vieira, prendiam-se sobretudo com a condução militar das operações. Cabral permitia-se, por vezes depois de longas ausências no estrangeiro alterar completamente planos já estabelecidos. Para mais, Cabral já não entrava nas zonas libertadas da Guiné havia cerca de 3 anos. No dia do assassinato, Osvaldo Vieira estava em Conacri, a tudo assistiu, todos o viram, ele viu tudo e não teve um gesto para evitar o que se passou (recorde-se o que Bobo Keitá escreve no seu livro, já aqui referenciado: foi visto Osvaldo Vieira durante todo o dia na companhia de Inocêncio Kani). Continua Baginha a referir que tendo ficado preso na companhia de guineenses, estes não disfarçavam a sua preocupação e falavam abertamente: Osvaldo era o nome mais citado. Nos interrogatórios perguntaram a todos os inquiridos se teriam ouvido algo sobre o envolvimento de Osvaldo Vieira e em consequência dos inquéritos ele foi suspenso de todas as funções diretivas no partido. Osvaldo Vieira foi conduzido para a zona de Madina de Boé sob prisão. Depois disse-se que teria morrido de doença do estômago. Mas Baginha não tem dúvidas, ele foi executado. No primeiro dia de execuções, foram executados nas três frentes de guerra 69 homens. Sékou Turé não autorizou fuzilamentos em território da República da Guiné. E Baginha diz sem rebuço que o golpe de 14 de Novembro de 1980 não é mais do que a continuação do golpe de 20 de Janeiro de 1973. Com este golpe não restava qualquer dúvida: pretendia-se levar Nino Vieira ao poder.
No segundo artigo, Baginha volta-se para Rafael Barbosa, uma das figuras mais assombrosas e enigmáticas de todo o processo: peça fundamental da subversão dos anos 50 até 1962, foi preso, foi visto como um herói durante uma boa parte da luta armada, classificado como traidor depois da sua confissão pública ao lado de Spínola, preso com a independência, condenado à morte, pena comutada, libertado, de novo herói e logo desmentido. Cabral sempre o considerou o pilar da primeira fase da luta de libertação, tratou-o, até à sua confissão pública, como o presidente do PAIGC. Para Baginha, é com a libertação de Rafael Barbosa, autorizada por Spínola, que irá começar a clivagem entre guineenses e cabo-verdianos. Segundo Baginha a direção política do PAIGC não insistiu muito na condenação de Barbosa devido a dois factos importantes: primeiro, a adesão de cabo-verdianos ao PAIGC ter estagnado; segundo as adesões cresciam exponencialmente a partir de fugas da Guiné, quem chegava a Conacri não escondia a sua admiração por Rafael Barbosa.
Baginha nunca acreditou nas implicações da PIDE no assassinato de Cabral, diz saber que a PIDE não tinha, diretamente, nada a ver com o assassinato, considera que Spínola terá jogado na agudização da contradição que ele sabia existir: quantos mais guineenses do PAIGC e mais rápida seria a desagregação do partido. Spínola, com a sua “Guiné melhor”, conseguiu insinuar a ideia, ao nível dos quadros de guerra, de que sem a unidade Guiné-Cabo Verde algo seria possível. E inúmera alguns “atrasos de percurso” até à chegada definitiva de Nino ao poder: o falhanço do golpe de 1973; o 25 de Abril, que obrigou todos os intervenientes a estarem de acordo; a confirmação do poder de Luís Cabral, beneficiando do processo de descolonização e do apoio dos outros países saídos das ex-colónias; o apoio que Luís Cabral sempre teve de Francisco Mendes (Chico Té) primeiro-ministro até ao acidente que o vitimou.
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Nota de CV:
Vd. último poste da série de 21 DE JANEIRO DE 2013 > Guiné 63/74 - P10977: Notas de leitura (451): Guiné-Bissau: A Destruição de um País, por Julião Soares da Silva (1) (Mário Beja Santos)
Guiné 63/74 - P11000: Excertos do Diário de António Graça de Abreu (CAOP1, Canchungo, Mansoa e Cufar, 1972/74) (21): A morte de Amílcar Cabral e a mudança do CAOP1 para Mansoa
1. No seu Diário da Guiné, o António Graça de Abreu (AGA) mostra que eram um homem atento ao que se passava à sua volta. Dois dias depois relatava a notícia da morte do Amílcar Cabral. Poucos militares, e nomeadamente os operacionais, tinham acesso às emissões diárias de rádio ... .. Aqui se reproduz três excertos do Diário do AGA, com a devida vénia, referentes aos dias 22, 23 e 25 de janeiro de 1973...
O AGA [, foto à direita, em baixo, Cufar, 1973,] escrevendo a quente, em cima dos acontecimentos, não acertou no nome do homem que veio substituir o líder assassinado; e, por outro lado, safou-se a tempo, por escassos dias, de apanhar com o 25 de abril na Guiné ... ("Têm um novo secretário-geral, Vítor Monteiro de seu nome, formado em Economia por Lisboa. Os caminhos de tudo isto dependem da evolução da própria África, do auxílio que outros países darão ao PAIGC, a resolução final do conflito já não será para os meus dias de Guiné, é um processo longo que passa também por Portugal"). (LG):
__________________
Canchungo, 22 de Janeiro de 1973
Mataram o Amílcar Cabral.
Ontem, às sete da noite, andava a sintonizar diferentes postos na rádio e ouvi, em mau francês, algumas palavras contra o colonialismo português. Vinham do Senegal. Logo de seguida era Leopold Senghor, o presidente do Senegal que fazia o elogio do Amílcar Cabral, morto.
Ouvi depois mais postos, Conacry e os comunicados do PAIGC em português, francês e inglês, ouvi a BBC. Mas ainda não cheguei à conclusão sobre quem matou Amílcar Cabral e como se deu o assassínio. Os homens de Conacry falam de traidores ao serviço do imperialismo português e mundial. Dizem que têm os assassinos já presos e entregues ao PAIGC que fará justiça. A versão do governo português será diferente, com certeza, falar-se-á de lutas intestinas no partido do chefe morto, da imaginação delirante do Sékou Touré, tal como aconteceu quando da operação “Mar Verde”, a invasão portuguesa de Conacry, em Novembro de 1970.[1]
Verdade é que o Amílcar Cabral está morto e se interessa saber quem o matou e porquê, importa mais ainda saber, ou pelo menos prever, o que será o PAIGC sem ele, aqui na guerra em que estou comprometido.
O pessoal vai dizendo que a Guiné aquecerá em grande, tentarão tirar vingança nos portugueses. Muito sinceramente, duvido. Os guerrilheiros têm pouca força militar de conjunto, em dez anos de guerra não conseguiram tomar sequer um aquartelamento português.
_______________
[1] Sobre os meandros sinuosos que levaram à morte de Amílcar Cabral, com interessantes descrições do quotidiano dos guerrilheiros no interior da Guiné-Bissau, ver Oleg Ygnatiev, Três Tiros da PIDE, quem, porquê e como mataram Amílcar Cabral, Lisboa, Prelo Ed., 1975. Mais rigoroso, o notável trabalho de investigação levado a cabo por José Pedro Castanheira, intitulado “Quem mandou matar Amílcar Cabral” no jornal Expresso, Revista, 16.01.1993, depois editado em livro, sob o mesmo título, Lisboa, Ed. Relógio de Água, 1995.
Canchungo, 23 de Janeiro de 1973
Sete meses de Guiné, cumprido um terço do martírio comprido.
Agora os dias têm de galopar. Dizem-me que até aos catorze meses de comissão é um pulo. Depois, para o fim, é outra vez a angústia, o sofrimento, pensar que a ordália militar está a terminar e nunca mais acaba.
Canchungo, 25 de Janeiro de 1973
A morte do Amílcar Cabral [, foto à direita,] do Arquivo Amílcar Cabral / Fundação Mário Soares,] talvez não vá alterar o rumo da guerra, não se têm registado mais ataques e flagelações, existirá uma certa confusão dentro do PAIGC, parece que têm um novo secretário-geral, Vítor Monteiro de seu nome, formado em Economia por Lisboa. Os caminhos de tudo isto dependem da evolução da própria África, do auxílio que outros países darão ao PAIGC, a resolução final do conflito já não será para os meus dias de Guiné, é um processo longo que passa também por Portugal.
Entretanto, já estava prevista antes da morte do Cabral a mudança de lugar do nosso CAOP 1. O coronel chegou ontem de Bissau e trouxe a bomba. Dentro de dez dias vamos mudar de poiso, juntamos os trapinhos com a 38ª. Companhia de Comandos e o nosso destino será Bula ou Bissorã ou Mansoa. Para melhor, para pior? Só Deus sabe.
Estávamos preparados para a possibilidade de mudança. Se o quartel onde nos instalarmos estiver sujeito a frequentes flagelações e ataques, haveremos de arranjar uns buraquinhos onde nos meter.
Terminam as aulas do Ciclo, a experiência rica de conhecer estes rapazes guinéus, acaba-se o dinheiro do meu labor como professor. A única solução é conformar-me com as reviravoltas do acaso. Os alunos hoje ficaram tristes quando souberam que íamos embora, disseram que nunca mais terão tão bons professores. Fiz pouco por eles, só agora os começava a conhecer, necessitava aí de mais um ano, e noutras condições, para verdadeiramente fazer o que tanto gosto, ensinar e ver o resultado do meu labor.
Foi bom ter dado aulas, esforcei-me por falar com clareza, objectividade e simplicidade. Acho que consegui.
Vou ter imenso trabalho com a mudança do CAOP. Conferir o material, cadeiras, secretárias, dossiers, lâmpadas, ventoinhas, frigoríficos, camas, lençóis, as armas, e embalar tudo. Devo fazer uma relação dos materiais que levamos, das vassouras ao copiador. O Peres, o furriel que trabalhava comigo foi-se embora, acabou a comissão. O meu novo subordinado é o furriel H., “periquito”, não conhece os cantos à casa mas já me disse que se estava cagando de alto e de repuxo para a guerra. Tem todo o direito, a questão é que deve trabalhar, as coisas têm de ser feitas, eu sou o responsável por todo o pessoal menor, não quero chatices com os bigs, os majores e o coronel. O furriel não ajuda, para defender a minha pele vou ter de usar o pequeno galão de alferes. Com o tempo tudo se resolverá. (...)
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Nota do editor:
O AGA [, foto à direita, em baixo, Cufar, 1973,] escrevendo a quente, em cima dos acontecimentos, não acertou no nome do homem que veio substituir o líder assassinado; e, por outro lado, safou-se a tempo, por escassos dias, de apanhar com o 25 de abril na Guiné ... ("Têm um novo secretário-geral, Vítor Monteiro de seu nome, formado em Economia por Lisboa. Os caminhos de tudo isto dependem da evolução da própria África, do auxílio que outros países darão ao PAIGC, a resolução final do conflito já não será para os meus dias de Guiné, é um processo longo que passa também por Portugal"). (LG):
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Canchungo, 22 de Janeiro de 1973
Mataram o Amílcar Cabral.
Ontem, às sete da noite, andava a sintonizar diferentes postos na rádio e ouvi, em mau francês, algumas palavras contra o colonialismo português. Vinham do Senegal. Logo de seguida era Leopold Senghor, o presidente do Senegal que fazia o elogio do Amílcar Cabral, morto.
Ouvi depois mais postos, Conacry e os comunicados do PAIGC em português, francês e inglês, ouvi a BBC. Mas ainda não cheguei à conclusão sobre quem matou Amílcar Cabral e como se deu o assassínio. Os homens de Conacry falam de traidores ao serviço do imperialismo português e mundial. Dizem que têm os assassinos já presos e entregues ao PAIGC que fará justiça. A versão do governo português será diferente, com certeza, falar-se-á de lutas intestinas no partido do chefe morto, da imaginação delirante do Sékou Touré, tal como aconteceu quando da operação “Mar Verde”, a invasão portuguesa de Conacry, em Novembro de 1970.[1]
Verdade é que o Amílcar Cabral está morto e se interessa saber quem o matou e porquê, importa mais ainda saber, ou pelo menos prever, o que será o PAIGC sem ele, aqui na guerra em que estou comprometido.
O pessoal vai dizendo que a Guiné aquecerá em grande, tentarão tirar vingança nos portugueses. Muito sinceramente, duvido. Os guerrilheiros têm pouca força militar de conjunto, em dez anos de guerra não conseguiram tomar sequer um aquartelamento português.
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[1] Sobre os meandros sinuosos que levaram à morte de Amílcar Cabral, com interessantes descrições do quotidiano dos guerrilheiros no interior da Guiné-Bissau, ver Oleg Ygnatiev, Três Tiros da PIDE, quem, porquê e como mataram Amílcar Cabral, Lisboa, Prelo Ed., 1975. Mais rigoroso, o notável trabalho de investigação levado a cabo por José Pedro Castanheira, intitulado “Quem mandou matar Amílcar Cabral” no jornal Expresso, Revista, 16.01.1993, depois editado em livro, sob o mesmo título, Lisboa, Ed. Relógio de Água, 1995.
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Canchungo, 23 de Janeiro de 1973
Sete meses de Guiné, cumprido um terço do martírio comprido.
Agora os dias têm de galopar. Dizem-me que até aos catorze meses de comissão é um pulo. Depois, para o fim, é outra vez a angústia, o sofrimento, pensar que a ordália militar está a terminar e nunca mais acaba.
Canchungo, 25 de Janeiro de 1973
A morte do Amílcar Cabral [, foto à direita,] do Arquivo Amílcar Cabral / Fundação Mário Soares,] talvez não vá alterar o rumo da guerra, não se têm registado mais ataques e flagelações, existirá uma certa confusão dentro do PAIGC, parece que têm um novo secretário-geral, Vítor Monteiro de seu nome, formado em Economia por Lisboa. Os caminhos de tudo isto dependem da evolução da própria África, do auxílio que outros países darão ao PAIGC, a resolução final do conflito já não será para os meus dias de Guiné, é um processo longo que passa também por Portugal.
Entretanto, já estava prevista antes da morte do Cabral a mudança de lugar do nosso CAOP 1. O coronel chegou ontem de Bissau e trouxe a bomba. Dentro de dez dias vamos mudar de poiso, juntamos os trapinhos com a 38ª. Companhia de Comandos e o nosso destino será Bula ou Bissorã ou Mansoa. Para melhor, para pior? Só Deus sabe.
Estávamos preparados para a possibilidade de mudança. Se o quartel onde nos instalarmos estiver sujeito a frequentes flagelações e ataques, haveremos de arranjar uns buraquinhos onde nos meter.
Terminam as aulas do Ciclo, a experiência rica de conhecer estes rapazes guinéus, acaba-se o dinheiro do meu labor como professor. A única solução é conformar-me com as reviravoltas do acaso. Os alunos hoje ficaram tristes quando souberam que íamos embora, disseram que nunca mais terão tão bons professores. Fiz pouco por eles, só agora os começava a conhecer, necessitava aí de mais um ano, e noutras condições, para verdadeiramente fazer o que tanto gosto, ensinar e ver o resultado do meu labor.
Foi bom ter dado aulas, esforcei-me por falar com clareza, objectividade e simplicidade. Acho que consegui.
Vou ter imenso trabalho com a mudança do CAOP. Conferir o material, cadeiras, secretárias, dossiers, lâmpadas, ventoinhas, frigoríficos, camas, lençóis, as armas, e embalar tudo. Devo fazer uma relação dos materiais que levamos, das vassouras ao copiador. O Peres, o furriel que trabalhava comigo foi-se embora, acabou a comissão. O meu novo subordinado é o furriel H., “periquito”, não conhece os cantos à casa mas já me disse que se estava cagando de alto e de repuxo para a guerra. Tem todo o direito, a questão é que deve trabalhar, as coisas têm de ser feitas, eu sou o responsável por todo o pessoal menor, não quero chatices com os bigs, os majores e o coronel. O furriel não ajuda, para defender a minha pele vou ter de usar o pequeno galão de alferes. Com o tempo tudo se resolverá. (...)
Nota do editor:
quinta-feira, 24 de janeiro de 2013
Guiné 63/74 - P10999: Ainda as visitas da Cilinha pelas Unidades Militares estacionadas no mato (Manuel Carvalho)
1. Mensagem do nosso camarada Manuel Carvalho (ex-Fur Mil Armas Pesadas Inf, CCAÇ 2366/BCAÇ 2845, Jolmete, 1968/70), com data de 24 de Janeiro de 2013:
Caros Luís e Vinhal
Ao ver o poste sobre a visita ao Olossato das Senhoras do MNF* lembrei-me que devia ter fotos, e tenho 5, não sei se são todas da mesma visita, porque duas tem indicação de meados de Maio de 1969 e as outras não tem data.
Da comitiva fazem parte o Sr. General Spínola e o então cap. Almeida Bruno que na altura o acompanhava sempre e numa foto na messe julgo que está de camuflado o Maj. Passos Ramos, que cerca de um ano mais tarde viria a ser cruelmente assassinado pelo PAIGC naquela zona.
Está também a esposa do Sr. General Spínola e uma Senhora do MNF que não sei identificar.
Para além desta visita a Jolmete penso que houve uma outra em fins de 68 ou princípio de 69 mas não tenho a certeza. Como sempre foram distribuídos uns maços de cigarros uns isqueiros e umas palavrinhas para atenuar a crise.
Na messe. À esquerda julgo que é o falecido Sr. Maj. Passos Ramos, depois, sentada, uma Senhora do MNF que não sei identificar. A seguir, de pé, o nosso cap. Barbeitos a falar com a esposa do General Spínola e depois, sentada, está a Cilinha Supico Pinto, como era conhecida e tratada naqueles tempos.
Se algum camarada com melhor memória que eu se lembrar de alguma coisa que me tenha escapado, faça o favor de corrigir.
Se virem algum interesse neste material podem usar, se não cesto com ele.
Um grande abraço
Manuel Carvalho
_____________
Nota de CV:
(*) Vd. poste de 23 DE JANEIRO DE 2013 > Guiné 63/74 - P10993: Álbum fotográfico do ex- fur mil José Carlos Lopes, amanuense do conselho administrativo da CCS/BCAÇ 2852 (Bambadinca, 1968/70) (7): Há festa no quartel: visita da Cilinha e do conjunto musical das Forças Armadas, em abril ou maio de 1969
Caros Luís e Vinhal
Ao ver o poste sobre a visita ao Olossato das Senhoras do MNF* lembrei-me que devia ter fotos, e tenho 5, não sei se são todas da mesma visita, porque duas tem indicação de meados de Maio de 1969 e as outras não tem data.
Da comitiva fazem parte o Sr. General Spínola e o então cap. Almeida Bruno que na altura o acompanhava sempre e numa foto na messe julgo que está de camuflado o Maj. Passos Ramos, que cerca de um ano mais tarde viria a ser cruelmente assassinado pelo PAIGC naquela zona.
Está também a esposa do Sr. General Spínola e uma Senhora do MNF que não sei identificar.
Para além desta visita a Jolmete penso que houve uma outra em fins de 68 ou princípio de 69 mas não tenho a certeza. Como sempre foram distribuídos uns maços de cigarros uns isqueiros e umas palavrinhas para atenuar a crise.
O Gen Spínola falando à tropa
Senhora Supico Pinto também a falar ao pessoal no refeitório
Senhora Supico Pinto também a falar ao pessoal no refeitório
O Gen Spínola falando à tropa
Na messe. À esquerda julgo que é o falecido Sr. Maj. Passos Ramos, depois, sentada, uma Senhora do MNF que não sei identificar. A seguir, de pé, o nosso cap. Barbeitos a falar com a esposa do General Spínola e depois, sentada, está a Cilinha Supico Pinto, como era conhecida e tratada naqueles tempos.
Se algum camarada com melhor memória que eu se lembrar de alguma coisa que me tenha escapado, faça o favor de corrigir.
Se virem algum interesse neste material podem usar, se não cesto com ele.
Um grande abraço
Manuel Carvalho
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Nota de CV:
(*) Vd. poste de 23 DE JANEIRO DE 2013 > Guiné 63/74 - P10993: Álbum fotográfico do ex- fur mil José Carlos Lopes, amanuense do conselho administrativo da CCS/BCAÇ 2852 (Bambadinca, 1968/70) (7): Há festa no quartel: visita da Cilinha e do conjunto musical das Forças Armadas, em abril ou maio de 1969
Guiné 63/74 - P10998: Agenda cultural (251): Últimos dias da exposição no Padrão dos Descobrimentos, Álbum de Memórias: Índia Portuguesa 1954.1962: A não perder!!! Encerra a 27, domingo... Já foi visitada por mais de 46 mil pessoas (EGEAC)
1. Mensagem da EGEAC, com data de hoje
Assunto: Padrão dos Descobrimentos apresenta... ÁLBUM DE MEMÓRIAS|ÍNDIA PORTUGUESA 1954.1962 - A Não Perder!!! Útimos Dias!!! A exposição já foi visitada por mais de 46.000 pessoas
Últimos dias para visitar a exposição
ÁLBUM DE MEMÓRIAS – ÍNDIA PORTUGUESA / A SCRAPBOOK OF MEMORIES – PORTUGUESE INDIA 1954.1962
Padrão dos Descobrimentos
Diariamente, só até dia 27 de Janeiro
das 10h00 às 18h00 - última entrada 17.30
Resultado das memórias de alguns dos militares destacados na Índia, no momento da invasão do Estado Português da Índia, a exposição patente no Padrão dos Descobrimentos - EGEAC, E. E. M., e que já foi vista por mais de 46.000 mil visitantes, é acompanhada de textos de cientistas políticos que a explicam de uma forma objectiva, possibilitando o reavivar da discussão de um tema transversal a toda a sociedade, e ainda muito doloroso – uma vez que a maioria dos portugueses conhece alguém que, de uma forma ou outra, esteve implicado nos eventos políticos e militares desta época.
Álbum de Memórias. Índia Portuguesa 1954-62, foi criada a partir de fotografias, documentação e recordações dos militares portugueses, espólio recolhido por Fernanda Paraíso, com o apoio da Associação Nacional de Prisioneiros de Guerra (ANPG), e retrata a vida dos militares, prisioneiros de guerra na sequência da ocupação dos territórios portugueses na Índia, em Dezembro de 1961, até ao momento do seu repatriamento. A presente exposição assinala os 50 anos do regresso do último contingente militar da Índia Portuguesa.
Graças ao desenho de António Viana, encontra-se exposta uma questão difícil para toda a sociedade portuguesa, suscitando a discussão, ao mesmo tempo que é dada a oportunidade ao público estrangeiro de contactar com um dado novo sobre o país que visitam.
Uma visita a não perder!
Maria Cecília Cameira
Comunicação
Av. Brasília, 1400-038 Lisboa
T 213 031 950
Nota do editor:
Último poste da série > 20 de janeiro de 2013 > Guiné 63/74 - P10973: Agenda cultural (250): Lançamento do livro "Rosa no País das Flores da Luta", de Maria do Céu Mascarenhas, dia 26 de Janeiro de 2013 pelas 16h00 no Auditório da Biblioteca Municipal Orlando Ribeiro, Lisboa
Fausto Brito e Abreu e Jorge Oliveira e Carmo, Comandantes das Lanchas
Fiscalização Antares e Vega, Clube Naval, Caranzalem, Goa, Setembro, 1961
Últimos dias para visitar a exposição
ÁLBUM DE MEMÓRIAS – ÍNDIA PORTUGUESA / A SCRAPBOOK OF MEMORIES – PORTUGUESE INDIA 1954.1962
Padrão dos Descobrimentos
Diariamente, só até dia 27 de Janeiro
das 10h00 às 18h00 - última entrada 17.30
Resultado das memórias de alguns dos militares destacados na Índia, no momento da invasão do Estado Português da Índia, a exposição patente no Padrão dos Descobrimentos - EGEAC, E. E. M., e que já foi vista por mais de 46.000 mil visitantes, é acompanhada de textos de cientistas políticos que a explicam de uma forma objectiva, possibilitando o reavivar da discussão de um tema transversal a toda a sociedade, e ainda muito doloroso – uma vez que a maioria dos portugueses conhece alguém que, de uma forma ou outra, esteve implicado nos eventos políticos e militares desta época.
Álbum de Memórias. Índia Portuguesa 1954-62, foi criada a partir de fotografias, documentação e recordações dos militares portugueses, espólio recolhido por Fernanda Paraíso, com o apoio da Associação Nacional de Prisioneiros de Guerra (ANPG), e retrata a vida dos militares, prisioneiros de guerra na sequência da ocupação dos territórios portugueses na Índia, em Dezembro de 1961, até ao momento do seu repatriamento. A presente exposição assinala os 50 anos do regresso do último contingente militar da Índia Portuguesa.
Graças ao desenho de António Viana, encontra-se exposta uma questão difícil para toda a sociedade portuguesa, suscitando a discussão, ao mesmo tempo que é dada a oportunidade ao público estrangeiro de contactar com um dado novo sobre o país que visitam.
Uma visita a não perder!
Maria Cecília Cameira
Comunicação
Av. Brasília, 1400-038 Lisboa
T 213 031 950
Último poste da série > 20 de janeiro de 2013 > Guiné 63/74 - P10973: Agenda cultural (250): Lançamento do livro "Rosa no País das Flores da Luta", de Maria do Céu Mascarenhas, dia 26 de Janeiro de 2013 pelas 16h00 no Auditório da Biblioteca Municipal Orlando Ribeiro, Lisboa
Guiné 63/74 - 10997: Blogpoesia (319): Sou nada (Ernesto Duarte)
1. Mensagem do nosso camarada Ernesto Duarte (ex-Fur Mil da CCAÇ 1421/BCAÇ 1857, Mansabá, 1965/67), com data de 24 de Janeiro de 2013:
Camarada Carlos Vinhal
Os meus fraternais cumprimentos.
Tenho aparecido pouco, os últimos 2 anos e tal foram muito duros para mim. Os ossos, as tenssões, as faltas de vitaminas, os vírus, as bactérias. Mas quase todos dias vou ao blogue.
Eu fiquei, ontem como hoje, amando e odiando aquela terra. Acho maravilhoso fulanos serem amigos 50 anos depois, como se fossem miúdos. E contra factos não há argumentos.
O blogue tem sido o grande aglutinador, o veio de transmissão dessas amizades. Claro o blogue não funcionam sozinho. Só funciona graças a esses corações maiores que o peito, a quem eu ficarei sempre grato.
Carlos, mando-te umas linhas, passam a ser tuas, do blogue. Se acharem que tem algum valor para publicar, reafirmo são vossas.
Um muito Grande Abraço
Ernesto Duarte
Furriel miliciano
CCAÇ 1421/BCAÇ 1857
1965 a 1967
Mansabá, Oio, Mores
Sou nada
Eles estão ali
Esfarrapados
Mutilados
Aos pedaços
Cheios de sangue
Cheios de lama, feita com sangue e de
Uma terra que não era a sua
Amada
Odiada
Gritando de desespero
Gritando de dor
Gritando pela mãe
Gritando pela mulher
Gritando pela namorada
Gritando pelos filhos
Vão sucumbindo na frente da nossa impotência e raiva
Agarram-se a nós como se agarrassem a vida
Para ela não lhes fugir
Já sem forças
Ainda murmuram
Amei- vos Muito e Muito
Já não se ouvem, só já mexem os lábios
E nós ficamos vociferando
Gritando de raiva até hoje
Com aqueles que passaram
O resto da sua vida chorando e dizendo
Amei-te muito meu filho
Amei-te muito meu homem
Amei-te muito pai , mesmo sem te conhecer
A guerra dizem que é para homens
Amaldiçoada maneira de dizer que sou homem.
______
Nota do editor:
Ao nosso camarada Ernesto Duarte uma palavra de agradecimento pelas palavras que nos são dirigidas e de encorajamento para enfrentar o tempo que leva a recuperação das maleitas que nos vão chegando com a idade. Somos já um grande grupo de dinossauros que, como sabemos, foi sempre uma espécie ameaçada.
Caro Ernesto para ti um abraço solidário e a certeza de que vais ultrapassar este momento menos bom.
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Nota de CV:
Vd. último poste da série de 19 DE JANEIRO DE 2013 > Guiné 63/74 - 10962: Blogpoesia (318): Dizem-nos que estamos a envelhecer ( Luís Graça)
Camarada Carlos Vinhal
Os meus fraternais cumprimentos.
Tenho aparecido pouco, os últimos 2 anos e tal foram muito duros para mim. Os ossos, as tenssões, as faltas de vitaminas, os vírus, as bactérias. Mas quase todos dias vou ao blogue.
Eu fiquei, ontem como hoje, amando e odiando aquela terra. Acho maravilhoso fulanos serem amigos 50 anos depois, como se fossem miúdos. E contra factos não há argumentos.
O blogue tem sido o grande aglutinador, o veio de transmissão dessas amizades. Claro o blogue não funcionam sozinho. Só funciona graças a esses corações maiores que o peito, a quem eu ficarei sempre grato.
Carlos, mando-te umas linhas, passam a ser tuas, do blogue. Se acharem que tem algum valor para publicar, reafirmo são vossas.
Um muito Grande Abraço
Ernesto Duarte
Furriel miliciano
CCAÇ 1421/BCAÇ 1857
1965 a 1967
Mansabá, Oio, Mores
Sou nada
Eles estão ali
Esfarrapados
Mutilados
Aos pedaços
Cheios de sangue
Cheios de lama, feita com sangue e de
Uma terra que não era a sua
Amada
Odiada
Gritando de desespero
Gritando de dor
Gritando pela mãe
Gritando pela mulher
Gritando pela namorada
Gritando pelos filhos
Vão sucumbindo na frente da nossa impotência e raiva
Agarram-se a nós como se agarrassem a vida
Para ela não lhes fugir
Já sem forças
Ainda murmuram
Amei- vos Muito e Muito
Já não se ouvem, só já mexem os lábios
E nós ficamos vociferando
Gritando de raiva até hoje
Com aqueles que passaram
O resto da sua vida chorando e dizendo
Amei-te muito meu filho
Amei-te muito meu homem
Amei-te muito pai , mesmo sem te conhecer
A guerra dizem que é para homens
Amaldiçoada maneira de dizer que sou homem.
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Nota do editor:
Ao nosso camarada Ernesto Duarte uma palavra de agradecimento pelas palavras que nos são dirigidas e de encorajamento para enfrentar o tempo que leva a recuperação das maleitas que nos vão chegando com a idade. Somos já um grande grupo de dinossauros que, como sabemos, foi sempre uma espécie ameaçada.
Caro Ernesto para ti um abraço solidário e a certeza de que vais ultrapassar este momento menos bom.
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Nota de CV:
Vd. último poste da série de 19 DE JANEIRO DE 2013 > Guiné 63/74 - 10962: Blogpoesia (318): Dizem-nos que estamos a envelhecer ( Luís Graça)
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