terça-feira, 17 de dezembro de 2013

Guiné 63/74 - P12466: Boas Festas (2013/14) (8): Tony Borié, Rui Silva, Ricardo Figueiredo, José Colaço, Jorge Picado e Torcato Mendonça

1. Mensagem natalícia do nosso camarada Tony Borié, ex-1.º Cabo Operador Cripto do Cmd Agru 16, Mansoa, 1964/66:



Como me chamo já não importa, pois nunca esqueço que fui combatente.
Depois da escola, na minha inocência, esperei pela guerra com ar sorridente.
Era o Tó d’Agar, era aldeão, era feliz, pastoreava as ovelhas, sempre contente.
Depois era o “Cifra”, um nome de guerra, havia tiros, havia luta, na África ardente.

No século passado, nos anos sessenta, tal como vocês, fui mobilizado.
Passei dois “Natais”, sempre com medo, de arame farpado estava cercado.
Era um jovem, nos melhores anos, mas já não era um camponês, andava fardado.
Andei por bolanhas, vi terra vermelha, mosquitos ferozes, desesperado.

Sujo de sangue, pó, lama, água da bolanha, suor do calor, quente e abafado.
Todos o usavam, o Curvas Refilão, o Setúbal, o Trinta e Seis, ou o Marafado.
Servia de manto, onde enrolavam um companheiro de balas crivado.
Roto, sem mangas, já não era amarelo, verde ou castanho, aquele camuflado.

Havia algum álcool, cigarros feitos à mão, arroz da bolanha e muitos tormentos.
Agora é Natal, ano de 2013, esquecemos a guerra por alguns momentos.
Vamos festejar, eu sei que há guerra, mas ainda virão alguns melhores tempos.
Estamos vivos, uns com saúde, outros vivendo com os seus sofrimentos.

Os anos passaram, Portugal está longe, a minha bandeira, por quem combati
Não vos esqueço, meus companheiros, heróis combatentes, com quem convivi.
Neste Natal, época festiva, de amizade e com alegria, que jamais esqueci.
Sorriam, sejam felizes, vão ter saúde, olha o Pai Natal, que eu acredito, mas nunca vi!

Vamos abraçar, os familiares, os amigos, trocar prendas, “fugir daquele canto”.
Comer bolo-rei, esperar mais um ano, ver aquelas fotos a preto e branco.
Ouvir música, dançar, rir, beber um bom vinho, seja tinto ou branco.
Andar por aí, apanhar sol, nem que às vezes, tenha que ser, sentado num banco.

O vosso companheiro, que está feliz, por ter chegado ao Natal de 2013, que vos deseja o mais Feliz Natal do mundo e que o Ano de 2014 vos traga muita saúde e tudo o que mais desejarem.

Tony Borie, 2013

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2. Mensagem de Natal do nosso camarada Rui Silva (ex-Fur Mil da CCAÇ 816, Bissorã, Olossato, Mansoa, 1965/67):

Todo o sempre com os camarigos no coração, esta quadra é um bom pretexto para os contatar e assim poder desejar-lhes umas Boas Festas, na melhor da saúde e felicidade.

Bem hajam e tenham um Natal 365 dias por ano!

Um abraço para todos.
Rui Silva

PS: No “postal”, que junto, pendurei a vista aérea do Olossato, prestando (ou querendo prestar), uma simples homenagem aquele sacrificado povo a que natureza só lhes deu bom coração, nada mais, nada mais…
Boas festas Guineenses.


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3. Mensagem do nosso camarada Ricardo Figueiredo (ex-Fur Mil da 2.ª CART/BART 6523, Cabuca, 1973/74):

Aos meus Bons Amigos e Familia
Desejo um SANTO NATAL e que o novo Ano de 2014 que se avizinha, seja mensageiro de muita PAZ, SAÚDE e AMOR.

São os votos sinceros do
Ricardo Figueiredo e Família



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Monte Real, 2012 - VII Encontro da Tertúlia
Foto: Juvenal Amado


4. Mensagem do nosso camarada José Colaço (ex-Soldado Trms da CCAÇ 557, Cachil, Bissau e Bafatá, 1963/65)

Desejo a todos os camarigos aqui presentes e ausentes, uns por motivos imponderáveis, outros por opção, um Santo Natal e um bom ano novo 2014.

Cumprimentos
Colaço


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5. Mensagem do nosso camarada Jorge Picado (ex-Cap Mil na CCAÇ 2589/BCAÇ 2885, Mansoa, na CART 2732, Mansabá e no CAOP 1, Teixeira Pinto, 1970/72):

Caríssimo Amigo Carlos
A poucos dias de entrarmos em mais um inverno das nossas vidas e próximo da chegada do Natal, aqui vai o meu sinal de que continuo "agarrado", ainda que não pareça, ao Blogue.

Para toda a Grande Família desta Tabanca, onde incluio os que possam não estar na "Grande", mas participam nas "Tabancas Adjacentes", envio os votos de um Bom Natal com muita saúde e alegria, bem como o desejo de que 2014 seja tão cheio, tão cheio de melhorias como este moliceiro tão carregado de moliço da Ria de Aveiro, nos tempos de outrora.

Grande Abraço
Jorge Picado


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6. Mensagem do nosso camarada Torcato Mendonça, ex-Alf Mil da CART 2339, Mansambo, 1968/69:

Natal de 1968
Foi o único que passei na Guiné – embarquei, para lá, em Janeiro de 68 e regressei em meados de Dezembro de 69.
Quarenta e cinco anos já passaram em tempo rápido, demasiado apressado e encurtando, cada vez mais, a distância à meta.
Ainda recordo aquele Natal por ter deixado marca certamente e, sempre que acontece Natal, vou até lá um pouco.

Agora, neste ano, quarenta e cinco depois, fui ler o “Historial da Companhia” para ver o mês de Dezembro de 68, lá estava uma Operação no dia 23,duração de dois dias, juntamente com militares de outra Companhia à zona do Galoiel e Biro. Tivemos fraco contacto com o IN que, talvez por gentileza devido à data que se aproximava, bateu em retirada apressada. Deixou uma prenda que foi desativada. Tudo bons rapazes e ainda hoje temos exemplos.
Nessa Operação participou o Ten-Coronel Pimentel Bastos, Comandante do BCaç 2852 de Bambadinca. Creio mesmo, a memória não me atraiçoa, que nesse dia fez 51 anos.

Regressamos a Mansambo a tempo das festividades Natalícias. Talvez tenhamos comido melhor, talvez tenhamos tentado dar um pouco de “Espirito de Natal”, talvez. De certeza, que o mais presente foram os olhares para o céu, um céu diferente nas estrelas mas, para a maioria daqueles homens, gentes do Norte e com forte religiosidade, conseguiram certamente trazer para ali o céu de seu País e sentiram-se assim mais perto de suas famílias. Muitos já eram casados e tinham filhos. A maioria não entendia porque ali estava metida em oito abrigos, semienterrados e aprisionados naquele hectare, de forma quadrada, na mata desbravada, com fiadas de arame farpado e garrafas de cerveja dependuradas, sem luz, duvidosa água potável e comida desenxabida.

Nesse Natal tentavam comer, beber e abrir sorrisos de encomenda, sorrisos que eram mais esgares em rostos habituados a estarem fechados. Mas era Natal e certamente lá longe as famílias enviavam pensamentos para eles… talvez se encontrassem no caminho.
Natal diferente este de sessenta e oito como fora o de sessenta e sete e seria o de sessenta e nove. Um, onde fortemente se sentia a partida próxima, outro lá onde a amizade e a camaradagem marcaram forte presença e o outro, já cá, depois do regresso com a família, as recordações do outro e dos camaradas e sentirem-se um pouco perdidos em pensamentos de confusão na habituação à vida civil.

Quarenta e cinco anos depois as recordações ainda aparecem, algumas fortes e a recordarem tempos de afetos no sentir Natal.
Diferente hoje, já Século XXI, onde a força do marketing e do consumismo nos presenteiam com Natais de desembrulha e deita fora. Certamente deixam brevíssimas recordações.
Pessimista? Talvez!

PARA TODOS UM SANTO NATAL, COM O VELHO ESPÍRITO NATALÍCIO.
UM ÓPTIMO 2014 COM SAÚDE E RESPEITO PELO HOMEM.

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Nota do editor

Último poste da série de 15 DE DEZEMBRO DE 2013 > Guiné 63/74 - P12454: Boas Festas (2013/14) (7): Alberto Sousa e Silva, Manuel Maia, Jorge Teixeira, Giselda e Miguel Pessoa, Felismina Costa, Hilário Peixeiro, Manuel Lema Santos e Joaquim Cardoso

Guiné 63/74 - P12465: O que é que a malta lia, nas horas vagas (19): Tínhamos uma biblioteca de 80/100 livros, herança da CART 2340 (Luís Nascimento, ex-1º cabo cripto, CCAÇ 2533, Canjambari e Farim, 1969/71)


Guiné > Região do Oio > Canjambari > CCAÇ 2533 (1969/71) > "O Luís Nascimento, municiador e apontador do morteiro 81, a meias com o Borges,  cantineiro, prontos para o combate que acabava na cantina com umas bazucadas"...




Guiné > Região do Oio > Canjambari > CCAÇ 2533 (1969/71) > "O cripto treinando vólei com uma equipa da companhia do Carlos Silva, de Jumbembem".


Fotos (e legendas) : © Luís Nascimento (2013). Todos os direitos reservados. [Edição: L.G.]


1. Questões postas pelo nosso editor Luís Graça ao Luís Nascimento [ex-1º cabo cripto, CCAÇ 2533, Canjambari e Farim, 1969/71], em comentário ao poste P12385 (*):


Já agora vou pôr ao camarada Luís Nascimento, na sua qualidade de "bibliotecário" de Canjambari, algumas questões:

(i) quantos livros tinha a biblioteca ?

(ii) onde é que estava instalada ?

(iii) quem fornecia os livros ? Movimento Nacional Feminino ?

(iv) que tipo de livros ? ficção, história, poesia, viagens, policial, divulgação científica, filosofia, religião, etc. ?

(iv) era muito procurada ? por quem ?

(v) havia "empréstimo domiciliário" ? a malta podia levar para a caserna, o abrigo, o destacamento, o mato ?

... Abraço grande. Beijinho para a tua neta. LG

2. Resposta do nosso camaradada, através da sua neta, Jéssica Nascimento, em  5/12/2013:



Boa noite,  caro amigo Luis Graça,

Quanto à resposta,  a biblioteca já existia em Canjambari, foi herança da companhia de artilharia, a CART  2340, que fomos render.

Tinha cerca de 80 a 100 livros e revistas e estava instalada na cantina que servia de messe de oficiais e sargentos nas horas das refeições. Era mais praças que procuravam, tanto para o abrigo como para o mato.

O Sr. Capitão Sidónio deu logo que fazer aos sornas,  ou seja aos dois criptos: ao João Ferreira Duarte incumbiu-o de dar aulas aos miúdos para isso mandou-o para Bissau reciclar-se durante um mês;  ao boémio [, Luís Nascimento,]  deu-lhe a responsabilidade da biblioteca, municiador do morteiro 81 (a meias com o Borges cantineiro), desmanchar as vacas que tinham mais osso do que carne, que se iam buscar ali para os lados de Cuntima e, vejam lá, treinador da equipa de vólei da 33, por ter sido jogador da modalidade na Escola Técnica Nuno Gonçalves, na Alves Roçadas e na Escola Industrial Marquês de Pombal, em Belém, antigo campo das Saléssias (Belenenses) .

Abraço Camarada,

Sir Assassan

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Notas do editor:

(*) Vd. poste de 4 de dezembro de 2013 > Guiné 63/74 - P12385: O que é que a malta lia, nas horas vagas (4): a revista "Flama", o jornal "A Bola"... e o livro de contos e narrativas do Armor Pires Mota, "Guiné, Sol e Sangue" (Braga, Pax ed., 1968) que havia na biblioteca... (Luís Nascimento, ex-1º cabo cripto, CCAÇ 2533, Canjambari e Farim, 1969/71)

Guiné 63/74 - P12464: Conto de Natal (14): Recordações de 1964, de um Alentejo longe de África, onde os jovens de então matavam e morriam (Felismina Costa)

1. Mensagem da nossa Grã-Tabanqueira e Amiga Felismina Costa com algumas recordações do Natal de 1964:


Paisagem no Alentejo (foto: Digitalsignal / wikimedia), com a devida vénia


É Natal!

Sob um céu de chumbo, tão baixo, que parecia tocar a minha cabeça, o dia manteve-se igual do princípio ao fim. Nasceu e morreu igual a si mesmo, único, pois que não recordo outro assim…
Gelado!
Ninguém na rua podia estar parado!
Na lareira grande, onde cabíamos todos, ardia o madeiro de Natal!

Encostada às brasas, a panela de ferro, mantinha quente a água, qual esquentador do passado. Uma cafeteira de barro, onde a mãe fazia o café, passava lá os anos. De manhã, o seu cheiro aquecia e confortava, e o leite de cabra, directamente da produtora, promovia os nossos pequenos-almoços, que tinham à mistura, os sorrisos e as belas palavras dos nossos pais. Às vezes, um cheiro a migas ou a fatias de ovos, vinha ao nosso encontro e preparavam-nos para mais um dia de trabalho duro, mas gostoso. O vento livre, assobiava por entre as árvores e o canavial.

O frio, só se sentia lá fora. Ali, reinava o calor humano, a compreensão, o amor e o carinho. Na ampla e bela cozinha, uma janela, que se abria a nascente, enchia-a de luz. Às vezes, debruçava-me nela para olhar o sabugueiro que permanecia ali ao lado e o topo da cerca, que partilhava o muro já velho e em derrocada em vários pontos, com a cerca do ”Ti Zé das Corgas Fundas”, partilhávamos igualmente as ameixeiras, que ignorando divisões infiltraram as suas raízes por debaixo do muro, oferecendo aos dois proprietários os seus frutos temporãos.

A poente, uma fila de oliveiras fazia o traçado da quinta, antecedendo a figueira que se situava já perto do tanque, onde um cardo leiteiro, morria e renascia, todos os anos.

Sentado sobre o tanque, vejo com frequência, uma personagem que marcou os dias da minha juventude, na sua voz característica, no seu perfil incomparável, na sua convicção, no seu querer. O poço, donde tirava a água com um caldeirão, estava ali ao lado, deixando apenas uma entrada para a quinta, entre os dois.

Aonde vais coração?
Isso, já foi há muito tempo! Meio século atrás! Mas, não sei como estão tão presentes esses dias!

Era 1964!
25 de Dezembro de 1964!
Esse dia de Natal gelado e cinzento, cor de chumbo, aliava-se ao espírito dos portugueses da época!

Lá longe, os jovens de então, matavam e morriam, e ali, chorava-se a saudade, o medo da perda, o desespero de nada se saber ao certo, pois as notícias nunca eram do dia, e, as que chegavam mais rápidas, ninguém as queria.

Felismina Mealha
Em cada dia deste espaço de tempo.
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Nota do editor

Último poste da série de 15 DE DEZEMBRO DE 2013 > Guiné 63/74 - P12452: Conto de Natal (13): Um Menino Jesus antecipado na família Brian (Tony Borié)

Guiné 63/74 - P12463: Convívios (555): Em memória do Tony Teixeira (1948-2013): almoço, guineense, de Natal dos bedandenses do Sul, 5ª feira, dia 19, no Restaurante O Gomes, às Portas de Benfica (Hugo Moura Ferreira)


Hugo Moura Ferreira
1. O Hugo Moura Ferreira [, foto atual à esquerda], em memória do nosso Tony Teixeira (1948-2013) [, foto direita em baixo],   vai dar forma a uma iniciativa que aquele nosso saudoso amigo e camarada tinha em mente, e que a sua morte repentina não deixou concretizar: juntar os bedandenses do sul, aqui em Lisboa ou arredores, no dia 19 do corrente, num almoço de Natal,  depois de fazer o mesmo com a malta do norte (que, essa, já se reuniu, no  “Milho Rei”, em Matosinhos, no dia 11 do corrente).

Amigo do seu amigo, camarada do seu camarada, voluntarioso como poucos, o Hugo "fez-se ao caminho", dando continuidade ao desejo do Tony - porque "o desejo de um General é uma ordem! - , e desta feita já tem mesa marcada para vinte e tal bedandenses cá do sul. (Até ontem à noite havia exatamente 21 inscrições, incluindo 4 senhoras, companheiras de bedandenses).

O encontro, aberto a bedandenses e não bedandenses, vai ser no dia próximo 19, às 13 horas, no Restaurante O Gomes, sito na  Rua Gonçalves Crespo, 16, Venda Nova,  Amadora, ali às Portas de Benfica.

Diz o Hugo Moura Ferreira:"
Tony Teixeira (1948-2013)

"É um Restaurante de uma família cabo verdiana com condições de qualidade/preço, simpatia e boas instalações para este tipo de reuniões, nomeadamente com estruturas informáticas para apresentações video e som. Quem pretender mostrar algo apenas terá que ser portador de uma pen ou de um CD ou DVD, pois terá possibilidade de mostar os seus videos, fotos, mapas ou outro material. Tal como mostro no mapa da localização também não se deverão apresentar grandes dificuldades de estacionamento. A 30 metros, no final da Rua existe um parque de estacionamento grátis com muitos lugares!


"Temos apenas uma condicionante. A sala que será reservada para este almoço apenas comporta, até 40 pessoas. Fazem habitualmente comida de Cabo Verde e Angola, mas estão capacitados para fazer comida tipica Guineense".


2. A ementa será a seguinte:

Entrada - Couvert tradicional e uns pastelinhos típicos feitos com farinha de milho e recheio de atum e outros;
Segundo - Chabéu de galinha, acompanhado de arroz ou de Fuba de Mandioca, para quem preferir;
Sobremesa - Mousse de Cabaceira ou Salada de Fruta;
Pão, Vinho da casa, e Refrigerante para quem pretender; café e um digestivo.
Preço: Quinze patacões, limpos, por boca, incluindo a gorjeta.
A reunião será às 13h00, na morada acima indicada.

3. Ainda se aceitam,  até logo à noite, inscrições de última hora:

A pedido da Tabanca Grande, o Hugo ainda aceita inscrições de última hora.   A sala, reservada para este almoço,  apenas comporta até 40 pessoas. Ele acha que mais quatro ou cinco inscrições de última hora, desde que comunicadas até logo à noite, não causam grandes transtornos á organização. O nosso editor Luís Graça irá também comparecer.

O Hugo Moura Ferreira disponibilizou os seus constactos "apenas  para este fim". Eventuais inscrições de última hora têm que ser comunicadas até ao fim do dia.

Endereço de email: hugomouraferreira@gmail.com

Telemóvel: 969922669 (Podem mandar “sms”)

"E se alguém do Norte quiser aparecer… Está claro que é bem aparecido!!! Tal como seria o Tony!!!!" (HMF).

Guiné 63/74 - P12462: Memória dos lugares (260): A estrada Mansambo-Bambadinca, no tempo das chuvas: fotos falantes II, de Torcato Mendonça (ex-alf mil, CART 2339, 1968/69)












Guiné > Região Leste > Estrada Mansambo - Bambadinca > CART 2339 (1968/69), Os Viriatos > Fotos Falantes II >  Nos idos de 61/74, do século passado, havia muitos troços de estrada, lá nessa terra verde-rubra,  que a gente nunca mais irá esquecer, por esta ou aquela razão, boa ou má: minas,  fornilhos, emboscadas, operações,  colunas logísticas, atascanços, avarias, acidentes, mortos, feridos, sorte, azar...

Quem nunca andou, no tempo das chuvas, a fazer  (ou a montar segurança a) colunas logísticas, nas picadas do leste da Guiné (e especial a sul de Bambadinca), nunca saberá dar valor a uma estrada alcatroada... Estas fotos falantes II do Torcato Mendonça não precisam de legenda:  era a estrada (?) Bambadinca - Mansambo - Xitole, na época das chuvas (que ia de maio a outubro)... Um inferno para viaturas civis e militares... Sim, porque se faziam comboios de dezenas de viaturas para se levar os comes & bebes e as munições par Mansambo, Xitole e Saltinho....Às vezes levavam-se dois dias para fazer 30 km...

Mansambo, Xitole e Saltinho e todas as tabancas dos respetivos subsetores só podiam ser abastecidos por terra, a partir de Xime e Bambadinca... O troço Mansambo-Xitole esteve inclusive interdito, por razões de segurança, durante largos meses, sendo reaberto com as Op Belo Dia I e II, em agosto e setembro de 1969.

Fotos: © Torcato Mendonça (2006). Todos os direitos reservados. [Edição e legendagem: L.G.]

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Nota do editor:

Último poste da série > 11 de dezembro de 2013 > Guiné 63/74 - P12429: Memória dos lugares (259): Ainda a Ilha das Galinhas e a sua "colónia penal e agrícola", criada em 1934 (José António Viegas, ex-Fur Mil do Pel Caç Nat 54, 1966/68)

segunda-feira, 16 de dezembro de 2013

Guiné 63/74 - P12461: O que é que a malta lia, nas horas vagas (18): Entre outras leituras, a Gabriela de Jorge Amado enquanto espreitava pela seteira do abrigo (Manuel Carvalho)

1. Mensagem do nosso camarada Manuel Carvalho (ex-Fur Mil Armas Pesadas Inf, CCAÇ 2366/BCAÇ 2845, Jolmete, 1968/70), com data de 14 de Dezembro de 2013:

Caro Vinhal
Embora não fosse muito dado a leituras (mesmo fora da guerra) como tínhamos algum tempo livre era necessário ocupá-lo e tal como a maioria de nós eram livros, revistas, jornais e tudo o que aparecesse.
Tenho muitas fotografias mas quase todas no quartel ou muito perto e em operações não tenho e só conheço uma ou duas de outros camaradas.

Durante muitos anos tive tudo guardado e sem ver e há uns anos talvez depois que vi o Blogue é raro o dia que não veja algumas.

E voltava a ler mais umas palavras e a pensar noutra coisa qualquer e julgo que nunca tirei grandes conclusões das minhas leituras.


Esta em que estou a ler o livro Gabriela Cravo e Canela (a ler como quem diz a passar os olhos pelas palavras) porque naquele momento a minha cabeça estava em muitos outros lados.
Como podem ver a minha cabeça está mesmo no enfiamento da seteira e por motivos que agora não me lembro a cama não podia sair dali e então eu pensava não estará agora um Turra sem ofensa (como então dizíamos) a tirar-me as medidas à mioleira?


Outro passatempo era a copofonia e este sim bem mais agradável e também com outras consequências.

Quer numa fotografia quer noutra, já se nota que as instalações são novas e também já não íamos estar em Jolmete muito tempo e ainda bem.

Um abraço para todos e viva o nosso Blogue
Manuel Carvalho
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Nota do editor

Último poste da série de 14 DE DEZEMBRO DE 2013 > Guiné 63/74 - P12449: O que é que a malta lia, nas horas vagas (17): Jornais, revistas, ordens de serviço, circulares, autos, correspondência, etc (Carlos Vinhal, ex-Fur Mil Art MA da CART 2732, Mansabá, 1970/72)

Guiné 63/74 - P12460: O Mundo é Pequeno e a nossa Tabanca... é Grande (78): a festinha do João e da Vilma Crisóstomo... De Nova Iorque a caminho da Eslovénia onde o casal vai passar as festas do Natal e Ano Novo


Associação de Desenvolvimento de Paradas, Paradas, A dos Cunhados, Torres Vedras > 15 de outubro de 2013 > Convívio do casal João & Vilma Crisóstomo com os parentes das famílias Crisóstomo & Crispim, bem com com os camaradas da Guiné > Foto nº 1 > Um casal feliz, "just married"... de passagem por Portugal (3 dias), a caminho da França (de 3ª feira, 17,  a sábado, dia 19)... Destino final a Estónia, pátria da Vilma, onde os dois passarão o Natal e o Ano Novo.


Associação de Desenvolvimento de Paradas, Paradas, A dos Cunhados, Torres Vedras > 15 de outubro de 2013 > Convívio do casal João & Vilma Crisóstomo com os parentes das famílias Crisóstomo & Crispim, bem com com os camaradas da Guiné > Foto nº 2 > Desta vez não foram os 300 convivas de há 3 ou 4 anos, mas mesmo assim o João (e a Vilma) conseguiu juntar uns cento e muitos de parentes e amigos. (Este ano ele limitou-se a pôr um anúncio no jornal regionalista Badaladas).

Nesta foto, vê-se um pormenor da foto de grupo. Das 15h da tarde até às 18h passou muito gente pelo recinto de festas da Associação de Desenvolvimento de Paradas, uma terra da freguesia de A dos Cunhados onde há trabalho, emprego, bem-estar, fé e confiança no futuro. O antigo Casal das Paradas é o lugar das Paradas onde os sinais de desenvolvimento, ligados ao "boom" da  horticultura forçada (estufas), são por demais evidentes...


Associação de Desenvolvimento de Paradas, Paradas, A dos Cunhados, Torres Vedras > 15 de outubro de 2013 > Convívio do casal João & Vilma Crisóstomo com os parentes das famílias Crisóstomo & Crispim, bem com com os camaradas da Guiné > Foto nº 3 > Aqui sabe-se receber... à boa maneira portuguesa do oeste estremenho.


Associação de Desenvolvimento de Paradas, Paradas, A dos Cunhados, Torres Vedras > 15 de outubro de 2013 > Convívio do casal João & Vilma Crisóstomo com os parentes das famílias Crisóstomo & Crispim, bem com com os camaradas da Guiné > Foto nº 4 > O camarada de armas do João Crisóstomo, que veio do norte com a esposa para lhe dar um abraço de parabéns... Há quase 50 anos que não se viam...  Trata-se do Júlio Martins Pereira, soldado de transmissões da CCAÇ 1439 (Enxalé, Porto Gole e Missirá, 1965/67), que entrou ontem,  pela porta grande, para o nosso blogue...


Associação de Desenvolvimento de Paradas, Paradas, A dos Cunhados, Torres Vedras > 15 de outubro de 2013 > Convívio do casal João & Vilma Crisóstomo com os parentes das famílias Crisóstomo & Crispim, bem com com os camaradas da Guiné > Foto nº 5 > Uma família, ou melhor duas, que deu à Igreja Católica, 5 padres e 8 freiras... É obra!... Na foto, o João Crisóstomo com o padre Crispim, de 80 anos, ainda hoje a exercer funções como capelão de um lar de terceira idade em Torres Vedras. Franciscano, o padre Crispim fez questão de dizer que "um padre nunca se reforma"... [Foi colega e é amigo do nosso camarada Horácio Fernandes, ex-capelão militar (em Catió e Bambadinca, 1967/69), nascido em Ribamar, no concelho vizinho da Lourinhã].


Associação de Desenvolvimento de Paradas, Paradas, A dos Cunhados, Torres Vedras > 15 de outubro de 2013 > Convívio do casal João & Vilma Crisóstomo com os parentes das famílias Crisóstomo & Crispim, bem com com os camaradas da Guiné > Foto nº 6 > O casal João e Vilma Crisóstomo com alguns dos "amigos do Oeste" que fizeram questão de comparecer à sua festinha (que será badalada no jornal da região, "O Badaladas"): da esquerda para a direita, Luís Graça, Alice, João, Dina Silva, Jaime Silva, São (esposa do Eduardo, o primeiro da fila de trás, a contar da esquerda)...


Associação de Desenvolvimento de Paradas, Paradas, A dos Cunhados, Torres Vedras > 15 de outubro de 2013 > Convívio do casal João & Vilma Crisóstomo com os parentes das famílias Crisóstomo & Crispim, bem com com os camaradas da Guiné > Foto nº 7 > Em primeiro plano, o Eduardo Jorge Ferreira, assinando os "versinhos" acabados de dizer aos amigos João e Vilma pelo Luís Graça, em nome dos "amigos do Oeste"... De pé, de perfil, a Alice.


Associação de Desenvolvimento de Paradas, Paradas, A dos Cunhados, Torres Vedras > 15 de outubro de 2013 > Convívio do casal João & Vilma Crisóstomo com os parentes das famílias Crisóstomo & Crispim, bem com com os camaradas da Guiné > Foto nº 8 > "Dois amigos do Oeste", o Joaquim Pinto de Carvalho (que veio também acompanhado da esposa, a Céu) e o Eduardo (que é vizinho da família do João, em A-dos-Cunhados, mas que faz questão de me relembrar que é tão lourinhanense como eu, tendo nascido no Vimeiro...).




Vídeo (2' 23''). Alojado no You Tube > Nhabijoes

Associação de Desenvolvimento de Paradas, Paradas, A dos Cunhados, Torres Vedras. 15out2013. Tarde de convívios dos parentes das famílias Crisóstomo e Crispim e dos amigos e camaradas do João Crisóstomo, recém casado com a eslovena Vilma Kracun. O casal vive em Nova Iorque, e passou pela terra natal do João, a caminho da Eslovénia onde vai passar as festas do Natal e Ano Novo.. Intervenção  de Luís Graça, quwe disse uns versos (8 quadras populares), de homenagem ao casal... em nome dos  "amigos do Oeste".

Letra: Luís Graça

1
João Crisóstomo, eh pá!,
E Vilma Kracun, oh priga!...
Uma de lá, outro de cá,
Um rapaz e uma rapariga.

2
Formam os dois um belo par,
Esloveno-português,
Acabaram de casar,
Ela, doce, ele, cortês.

3
Dois mundos a separá-los,
Ela no velho [Europa], ele no no novo [América],
Vem agora abençoá-los,
Com amor, o nosso povo.

4
É o João um senhor,
Que faz o culto da amizade,
E amanhã comendador
Da Ordem da Liberdade.

5
Mordomo de profissão,
Portugal nunca esquece,
No verde e rubro coração
Onde a Pátria não esmorece.

6
Fez a guerra, coisa má
Lá nas terras da Guiné,
Finete e Missirá, 
Porto Gole e Enxalé,

7
Animador libertário,
Foi de causas defensor,
Do Cônsul Humanitário [Aristides Sousa Mendes]
A Foz Côa e a Timor.

8
P’ra um casal, lindo como este,
P’rá Vilma e p’ró João,
Dos amigos do Oeste
Vai um grande… xicoração!

Paradas, A-dos-Cunhados, 
15/12/2013

Os amigos do Oeste…Luís Graça & Alice, Eduardo Jorge Ferreira & São, Jaime Silva & Dina, Joaquim Pinto Carvalho & Céu… a que se associaram o Júlio Martins Pereira & esposa (Recarei, Paredes) e demais presentes, amigos e parentes das famílias Crisóstomo & Crispim.

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Nota do editor:

Último poste da série > 15 de novembro de 2013 > Guiné 63/74 - P12297: O Mundo é Pequeno e a nossa Tabanca... é Grande (77): Dois antigos camaradas da mesma unidade (CCAÇ 12), mas de épocas diferentes, sem grande tempo para se encontrarem em Lisboa, partem sábado, no mesmo avião, para Luanda, onde vão em trabalho...

Guiné 63/74 - P12459: (In)citações (58): Estradas da região de Tombali, Guiné-Bissau, 40 anos depois da independência: o espelho da Nação (AD - Acção para o Desenvolvimento)


Guiné-Bissau > Região de Tombali > 2013 > Estradas ? Picadas... 40 anos depois da independência

Foto: © AD - Acção para o Desenvolvimento  2009). Todos os direitos reservados.


1. Comentário inserido em 26/9/2013 na página do Facebook da AD - Acção para o Desenvolvimento

Já lá vão 40 anos de independência e as estradas do sul, das zonas da Luta de Libertação, das primeiras zonas libertadas, lá onde nasceu a nação guineense, continuam abandonadas sem nunca terem sido melhoradas.

Reflete bem as lideranças politicas que se foram sucedendo e que se esqueceram com uma enorme rapidez das suas bases de guerrilha, lá onde eles viveram, lutaram e muitos deles casaram.

Renderam-se aos encantos de Bissau e nem mesmo a memória os ajuda a reconhecer os antigos camaradas de primeira hora. — em Guiledje, Tombali, Guiné-Bissau.

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Nota do editor:

Último poste da série > 22 de novembro de 2013 > Guiné 63/74 - P12327: (In)citações (57): O meu próximo livro pode responder a questões relacionadas com o pós independência da Guiné-Bissau (Mário Serra de Oliveira)

Guiné 63/74 - P12458: Últimas Memórias da Guiné (Armor Pires Mota) (10): Crónicas (ausentes) de "Tarrafo" (1): Bandeira branca, O Vicente e Palhota sem luz

Passamos hoje a publicar o penúltimo poste da série "Últimas Memórias da Guiné", com o primeiro grupo de 3, de 6 Crónicas (ausentes) de "Tarrafo"
Diz o autor desconhecer como estas (6) histórias não saíram na edição daquele livro. Lembremos que o "Tarrafo" é composto por crónicas enviadas da Guiné para serem publicadas no Jornal da Bairrada, pelo hoje considerado o primeiro repórter da Guerra do Ultramar, Armor Pires Mota, que foi Alferes Miliciano da CCAV 488.


ÚLTIMAS MEMÓRIAS DA GUINÉ - 10

Por Armor Pires Mota (ex-Alf Mil da CCAV 488/BCAV 490, Bissau e Jumbembem, 1963/65)

CRÓNICAS (AUSENTES) DE TARRAFO - 1

Por qualquer motivo, não incluí na edição do TARRAFO alguns textos que foram inseridos no Jornal da Bairrada. Ora aqui os recupero, passado meio século. Tal como aconteceu com o “Diário de Bordo” que naufragou com a nau do esquecimento.

Bandeira branca [ou pontaria de maçaricos]

“Preso a uma cana esguia, no cimo tremulava um farrapo que, entre a sujidade e os buracos, tinha uma cor esbranquiçada.

A guerra fora ali perto, difícil. E o caminho era longo e escaldante e o cansaço juntava-se à sede para quase apetecer ficar por ali estendido à sombra de alguma árvore amiga. Mas a água daquela cântara, feita, um dia, pelas próprias mãos, de um barro quase escuro, fora uma fonte e uma bênção. Bebi duas ou três goladas, mas apetecia-me bebê-la toda, até sentir frescuras por todo o corpo ainda ensonado. Depois, estendi o corpo pesado à sombra de uma sebe que se estendia em volta da tabanca, feita de palmas secas entrelaçadas.

De arma ao lado nem sequer pensei que a vida, umas vezes corre atrás de nós com pedras na mão, como se fôssemos algum farrapo que alguém deitou fora e nos escorraça da sua porta sem dó nem piedade, mas também, outras vezes, nos coloca rosas na mão esquerda. Acho que era o caso.

Um velho que andava aí pelas 50 chuvas, a tremer de medo, nos matou a sede. Ali, ele e mais ninguém. E os filhos por que caminhos escuros andariam, onde nos esperariam eles àquela hora de incêndio no nossos ombros?

Quando o Américo, escarrando poeira, meteu a cântara à boca, do lado ouviram-se comentários e troças:
– Olha, a Amélia não tem vergonha… – E repetiam as palavras chocarreiras que ele, pouco tempo antes na luta, lançara ao vento, quando alguns invólucros do colega da esquerda lhe bateram no capacete:
– Ah, ladrões, que já me mataram… já fiz nas calças…

Mas o Américo calmamente tragou mais ou dois ou três goles e, entregando a cântara a outro, disse, muito senhor de si e com ares de quem os ia vencer e convencer pelo bom humor:
– Quem fez este, já não faz outro! – E sorriu-se.

O Américo é um daqueles tipos fanfarrões que têm os seus heróis, destemidos, audaciosos. Ele mesmo é um herói de trazer por casa, quer dizer pela caserna ou pela cozinha. Faz tudo. É capaz de matar manga deles e até esfolá-los, persegui-los. Mas isto só quando está longe dos apertos. Por isso, os colegas lhe chamam o Garganta. Justamente.

Partimos. O inimigo esperava-nos certamente noutro lugar, mais longe. Passados oito dias, Bigine era um monte de cinza abandonada, uma aldeia de paredes caídas.

O farrapo que posto ali pelo medo que era uma mentira naquele coio de bandidos (qual paz, qual quê?) poderia ter sido uma cilada.

Desde então, aprendi, todos aprenderam a andar no mato de pé atrás. A gente nunca sabe bem o terreno que poisa nem a água que bebe”.

Jornal da Bairrada, 3 Outubro 1964

[Esta operação visava capturar ao IN um helicóptero que, segundo informações do QG, vinha descarregando em Morés material bélico. Estiveram envolvidos o meu batalhão 490 e o de Bula (513), comandado pelo coronel Hélio Felgas. A operação deu em nada. No regresso, as companhias 487, 488 e 489, seguiam trilhos diferentes. O nervoso era algum e bastou alguém disparar um tiro para arrremessar para o bordo dos caminhos mais de 300 homens que não ficaram mais à espera de ordens. Encarniçaram-se em gorda metralha, até que alguém, o alferese Jaime Segura, apercebendo-se que o matraquear era todo das G3, pôs cobro àquele lamentável lapso, que poderia ter redundado em mortandade, mas a metralha passava felizmente mais alta ou mais baixa, mas não deu para fazer um único arranhão. Era pontaria de maçaricos].

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O Vicente

Mansabá, 10 Setembro 1963

O Vicente era Manjaco. Conheci-o naquele noite em que cheguei a Mansabá. Estendido no cimento, choramingava, de pés atados e presos a um dos prumos do telheiro da antiga escola primária, roupa manchada de nódoas, não sei de quê, e de chapéu Zorro no chão.

Para mim, era um homem igual a tantos outros. Depois, contaram-me a história, a história de tantos outros, e fui sabendo-a de cor à medida que as noites iam passando. Conheci-o nessa noite infernal para mim. Deitara-me na tenda que havia com o vento tentado deixar-nos à chuva e ao vento. Mas, constrangido, doíam-me todos aqueles gritos de dor ou de raiva e os tristes cânticos de morte que ele ia resmungando. Levantei-me. Tremia. Nessa noite assisti, constrangido ao máximo, ao julgamento, feito pelo capitão da companhia ali acantonada.

 – Bó cúnhece bandido?
 – Mim cá sibi…. Si fala, mim murre, capiton! – E citava alguns nomes.

Em cada suposta mentira ou falsidade em que fosse apanhado, um murro pesado estendia-o no chão, enquanto alguém o levantava pela roupa e o sentava de novo. Presidia uma grossa “menina” de cinco largos olhos, que caía, repetidamente, nos dedos dos pés, nos joelhos, nas unhas. E ainda uma ou outra vez uma faca o ameaçava.
– Bô cúnhece bandido, bô metido na coisa, hem?

Aquela noite gravou-se no meu espírito e não dormi. Os gritos arranhavam minha pele:
– Pelos meus filhos, capiton!

Eu, nada confortável em meus sentimentos, jurava a mim mesmo que não voltaria a assistir a tal julgamento. Tinha o acordo do médico.   Vicente tremia todo como se estivesse como paludismo e, de vez em quando, trincava os lábios grossos e olhava para o chão com olhos duros e enormes, soluçando lágrimas.
– Pelos meus filhos, capiton!

O Vicente continuou preso e dava-me um dó enorme o seu aspecto. Agora, com os pés entalados numa tábua, sempre presa no mesmo lugar, sentado no chão, envolto em moscas e cismando não sei o quê, talvez no arrependimento.

A faca é que uma noite, em que de novo eu com o médico não quisemos colaborar naquele espectáculo macabro, é que lhe ia tirando a vida, usando-a pelas suas próprias mãos para se ver livre de uma vez por todas. Estava cansado de tanto interrogatório. Num repente, sacou-a de cima da mesa e nem sequer alguém teve tempo, ou intenção, de sustê-lo. Cravou-a no abdómen que se rasgou. Mas por quê deixá-lo morrer assim às suas próprias mãos? A vida de um homem é preciosa, seja ele quem for e o médico cumpriu a sua obrigação: meteu-lhe as tripas dentro. Coseu, coseu. Tratou-o e, passados dias, estava curado e bem disposto, dizendo graças. Tornou-se o chefe de outros prisioneiros que não tiveram aquele esquisito e brutal tratamento. Fez-se simpático. Dividia a comida, o pão e a água, que lhe dávamos, por todos. No fundo, tinha um bom coração.

Solto, o Vicente trabalhou, ajudando alguns dias na cozinha, e, dias depois, foi para casa para junto das duas mulheres e das filhas.

Vi-o no outro dia de bicicleta e de boina ao lado.

Jornal da Bairrada, 14 Novembro 1964

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Palhota sem luz

“24 de Maio de 1964

Naquela noite de luar, dependurado sobre a madrugada, os meninos tiveram a terra, o dia e o sol a aquecer-lhes a nudez, um tecto de colmo, o silêncio do mundo, mas não tiveram presentes, um berço pobre que fosse, as palhas de uma manjedoura ou o bafo quente de animais. Nada. Pobres como a nudez. Irmãos de tantas crianças iguais.

O pai morrera-lhes, há meses. A mãe de dor rebolara-se na terra batida da palhota e os meninos sentiram logo a dureza do chão a magoar-lhes a vida tão tenra e frágil. Sabia que por ali perto andava tropa. Em nomadização. Veio ao nosso encontro. Quando o médico [Dr José Hipólito de Sousa Franco, natural de Lisboa] lhe disse que ia mandá-la para o hospital, ficara mal do parto, embora tivesse vindo a pé até nós, ela desenhou nos lábios carnudos um sorriso triste, quase medroso. Depois, colocou no fundo de uma bacia, que fora esmaltada, mas em tal estado que se poderia ver o céu ou o mato por ela, uns farrapos sujos e neles aconchegou, com todo o carinho, os dois rebentos, cor esbranquiçada, [como nascem todos os meninos negros], e cobriu-os com as pontas dos farrapos com um olhar cheio e feliz.

Ela partia de jeep.

Eu tive que partir também para outro lugar. Nunca mais saberei nada da sorte da mãe e destas duas crianças. Mas sei que fiquei feliz pela mãe e por elas. Eram gente como nós”.

Jornal da Bairrada, 20 Fevereiro 1965
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Nota do editor

Último posta da série de 13 DE DEZEMBRO DE 2013 > Guiné 63/74 - P12444: Últimas Memórias da Guiné (Armor Pires Mota) (9): Aerogramas para a Lili (2)

Guiné 63/74 - P12457: Notas de leitura (544): "Guiné - Guerra e Poesia - Canjadude e Bolama", de José Martins Gago (2) (Mário Beja Santos)

1. Mensagem do nosso camarada Mário Beja Santos (ex-Alf Mil, CMDT do Pel Caç Nat 52, Missirá e Bambadinca, 1968/70), com data de 17 de Julho de 2013:

Queridos amigos,
A obra de José Martins Gago é um diário minucioso, ele fala dos cadernos de apontamentos que vai enchendo, seguramente que confrontou todo esse material com a correspondência que ia enviando à sua mulher.
Há camaradas nossos, como o José Martins, que poderão iluminar alguns dos episódios descritos por Martins Gago, valia a pena. É um homem massacrado por dores de estômago, fala e repisa sobre a qualidade da comida, entusiasma-se com as tarefas da horta, o serviço de justiça, o inventário da cantina, as permanentes reparações. Ele descreve Canjadude nesse momento crucial em que a zona do Boé, desertificada, torna este quartel bem como o de Cabuca, muito mais expostos.
Assombra a minúcia, o detalhe, a sinceridade, trata-se de um diário na plena aceção do termo.

Um abraço do
Mário


O diário de Canjadude e Bolama, por José Martins Gago (2)

Beja Santos

“Guiné, Guerra e Poesia, Canjadude e Bolama”, por José Martins Gago, Chiado Editora, 2012, é um diário íntimo, vibrante, a conta-corrente de alguém que fala recorrentemente do seu sofrimento físico, da sua vontade de fazer coisas, de saber cumprir e fazer os seus soldados cumprirem. Obriga o leitor a entrar na intimidade, a viver silêncios e a perceber o que se estava a passar num ponto remoto do Leste da Guiné, muito exposto às deambulações dos guerrilheiros.

É preciso ser muito sincero para escrever, como ele faz em 23 de Abril de 1969 que mal chegam de um patrulhamento lhe entregam o correio e ele, sôfrego, abre. “Nas cartas vinham duas fotografias da minha filhota, uma delas acompanhada da minha mulher. Senti-me senhor da Guiné e do mundo e com ânimo para suportar tudo até voltar. Como não sentir isto depois de um dia de tantas privações e incertezas? Aquilo não eram fotografias, eram elas em pessoa, a dar-me a coragem necessária para terminar o que agora começava, nem que para isso tivesse que lutar sozinho contra aqueles inimigos que nem sequer conhecia”. A horta entusiasma-o, mandou aprofundar o poço, mas todas as obras o empolgam, como arranjar o cano falso da cozinha para escoar a água dos resíduos. Olha à sua volta e também vê desgaste psicológico, a sua relação com os soldados reforça-se e dá-lhe um sentido para esta sua vivência militar. Os problemas de saúdem, os problemas alimentares, são uma opção constante. As semanas passam, as patrulhas prosseguem, os guerrilheiros não estão à vista, não emboscam, não minam, não flagelam. O serviço de justiça e o inventário da cantina também o absorvem. Nutre uma grande admiração pelo comandante da companhia, capitão Pacífico dos Reis. De vez em quando fala no refúgio na leitura, não esclarece o que lê. Aparecem dois indivíduos a vender arroz, veio a descobrir-se terem sido enviados pelo PAIGC. Logo se prepara uma operação em que os dois capturados irão como guias. Foram levados até um acampamento, estava vazio, havia para lá lanternas, marmitas, latas de conserva, livros de escola. Deitou-se fogo ao acampamento. A patrulha seguiu em direção ao rio Corubal, nenhum indício da presença do IN. Em Maio, já sofre de dores violentas do estômago, o enfermeiro admite a possibilidade de se tratar de uma enterite. Ele procura não desfalecer, mas começaram as noites sem dormir, são insónias que se irão repetir, haverá mesmo uma baixa à neuropsiquiatria. Estamos ainda na época seca, há sedes imensas, todos bebem nos charcos água imunda, as consequências vêm depois.

Em Maio, dá-se uma ocorrência inesquecível, ele vai pisar uma mina, seguiam por um trilho quando o guarda-costas lhe disse: “meu alferes não se mexa, pisou uma mina!”. O alferes fica petrificado, raciocinou: se a mina não tinha rebentado rebentaria se tirasse o pé. Mandou instalar o pessoal e afastar os homens, estudou bem a posição do pé sobre a mina. “As minas antipessoal são compostas de uma caixa de madeira retangular de dez centímetros de largura por cerca de vinte centímetros de cumprimento. A caixa tem um disparador na extremidade oposta à que liga a parte de cima à parte de baixo e quando pisado nesta parte a pressão do pé aciona o disparador que faz rebentar a carga que tem junta. Ora eu tinha posto o pé ao lado contrário ao do disparador e por isso não o acionei logo. Mas eu não sabia se tirando o pé, mesmo rapidamente, a mina não rebentaria, era um risco enorme que eu não podia correr. Só havia uma possibilidade de sair dali incólume: mandei cortar um ramo de árvore com uns três metros de cumprimento e logo a seguir apareceu o meu guarda-costas com uma vara que teria cerca de cinco metros, mandei coloca-la junto ao pé, para ver se ela podia exercer a pressão necessária para equilibrar a do meu pé”. E começou aqui um exercício de alto risco que podia ter tido um desfecho trágico. Ele atirou-se para o lado contrário, não houve detonação, os soldados mantinham-se com a vara na mão. A mina não rebentou. E depois foram levantar a mina, ninguém se molestou.

Em Junho, voltam a aproximar-se de Cheche, continua a não haver sinais de vida. Mas a 27 ele vai escrever no seu diário: “Vou começar a narrativa do dia em que pela primeira vez o meu corpo esteve exposto a milhares de balázios”. Saíram de Canjadude e foram até Samba Gana, nada se encontrou. É nisto que aparece um heli de onde sai Spínola. Prepararam uma emboscada noturna numa extinta tabanca de nome Burmeleu. Aqui chegados, deparasse-lhes um trilho, de passagem muito recente. Ele está a inspecionar o sítio quando se ouvem vozes, aí uns cinquenta metros, preparava-se o dispositivo para iniciar um ataque quando surgem dois guerrilheiros, pronto começou o tiroteio. Ora os guerrilheiros estavam a montar uma emboscada em duas frentes, o que significa que dispunham de uma maior flexibilidade no potencial de fogo. Mas aquele pelotão da CCAÇ 5 avançou, o IN recuou. “Apanhámos mais uma arma e gostei de ver o meu grupo em combate, foram uns leões, valeu a pena a preparação que lhes dei”. E passam mais uma noite emboscados no mato. Viram um grupo de oito a dez elementos a caminhar por um trilho próximo da posição em que se encontravam, mandou a prudência em guardar silêncio absoluto. Pelo amanhecer, vieram avisá-lo que ia a passar um grupo de cerca de trinta elementos. Começaram a avançar e cerca de 500 metros à frente caíram numa emboscada. Alguém em espanhol lhe perguntou quem vinha lá. E um tiroteio mais violento do que na véspera acompanhou a resposta deste alferes de Canjadude. Lançaram-se a correr, quem estava a emboscar fugiu. Destruíram várias canoas junto do rio. E os despojos da batalha foram bem magros: alguns carregadores, cartucheiras e barretes. Cedo fez-se sentir, mas tiveram que caminhar muito até chegar ao pé das viaturas, que os aguardavam: “Pus um garrafão à boca e bebi para além dos limites, até o estômago não suportar mais”. A época das chuvas tudo alaga. As insónias prolongam-se. As obras dentro do quartel nunca param. Em Julho, há uma grande operação com tropas especiais, a companhia de Canjadude parte como dispositivo à retaguarda, o inimigo não se apresentou por uma razão muito simples, estava a atacar Canjadude, quem se revelou um herói foi o apontador de morteiro 81, conhecido por 115.

Fazem-se patrulhamentos debaixo de chuva diluviana, continua a não haver sinal do IN. Voltam para as missões de rotina dentro do quartel, ele sofre dores de cabeça horríveis. O registo do diário fala de chuvas, relâmpagos faiscantes, trovões de enlouquecer, a atmosfera a desfazer-se em água. Os sapos, pelo seu coaxar, fazem um barulho de enlouquecer. As colunas a Nova Lamego são obrigatórias, todo o abastecimento é sempre periclitante. Em Agosto, vão novamente em direção a Cheche, passam por Samba Gana, percorrem uma boa extensão da margem direita do Corubal, nada. A 12 de Setembro, o demónio anda à solta, uma GMC acionou uma mina anticarro num sítio que até agora era considerado tranquilo. Dez homens ficaram ensanguentados, nenhum morreu mas alguns deles irão ficar em tratamento vários meses. “Desde que cheguei, ainda não tinha visto a cor do sangue, mas hoje já e da maneira que mais me custou, que foi a dos meus homens, dos meus melhores homens”.

O comandante Pacífico dos Reis preparou uma boa reação, nova patrulha, o IN não frequenta por ora aquelas paragens. Ao fim de seis meses, parte para férias, regressará em Outubro.

(Continua)

Da esquerda para a direita: Capitão de Cavalaria Pacifico dos Reis (armado com Mauser), 2.º Sargento Manuel Farinha Marques, Furriel Miliciano José Martins e Alferes Miliciano José Martins Gago 
(Fotografia já publicada no blogue).
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Nota do editor

Poste anterior da série de 13 DE DEZEMBRO DE 2013 > Guiné 63/74 - P12443: Notas de leitura (543): "Guiné - Guerra e Poesia - Canjadude e Bolama", de José Martins Gago (1) (Mário Beja Santos)

Guiné 63/74 - P12456: Tabanca Grande (415): Júlio Martins Pereira, sold trms, CCAÇ 1439 (Enxalé, Missirá e Porto Gole, 1965/67), grã-tabanqueiro nº 635



Vídeo (1' 28''). Alojado em You Tube > Nhabijoes

Associação de Desenvolvimento de Paradas, Paradas, A dos Cunhados, Torres Vedras >  15 de outubro de 2013 >  Tarde de convívio dos parentes das famílias Crisóstomo e Crispim e dos amigos e camaradas do João Crisóstomo, recém casado com a eslovena Vilma Kracun. O casal vive em Nova Iorque e está de passagem na terra natal do João, em viagem até à Eslovénia onde vão passar as festas de Natal e Ano Novo. 

Intervenção do Júlio Martins Pereira, natural de Paredes, e ex-soldado de transmissões da CCAÇ 1439 (Enxalé, Porto Gole e Missirá, 1965/67), uma companhia madeirense em que o João Crisóstomo foi alferes miliciano, tal como o falecido ator Luís Zagallo. Nesta alocução, o Júlio refere as duas minas A/C em que, no dia 6 de outubro de 1966, na estrada Enxalé-Missirá, cairam dois grupos de combate da CCAÇ 1439, um que vinha de Missirá, comandado pel alf mil Zagallo, e outro que vinha em seu socorro, do Enxalé, comandado pelo alf mil Crisóstomo.

A este convívio, de que se dará mais logo o devido relato, comparaceram alguns camaradas de armas do João Crisóstomo, e amigos do blogue: para além do Júlio Martins Pereira, o Eduardo Jorge Ferreira (que é natural de Vimeiro, mas mora em A-dos-Cunhados), o Joaquim Pinto Carvalho, o Jaime Bonifácio Marques da Silva e eu próprio mais as nossas companheiras... (LG)

Vídeo: © Luís Graça (2013). Todos os direitos reservados.


1. Conheci ontem, à tarde, o Júlio Martins Pereira, que vive em Campo, Valongo, e é natural de Paredes.

 Veio, com a esposa,  propositadamente do norte, fazendo 600 quilómetros (ida e volta)  para dar um abraço ao seu antigo camarada de armas, o João Crisóstomo. Soube da notícia através do nosso blogue, que ele acompanha. Achei um gesto muito bonito. Reparem: são quase 50 anos depois!... E depois da Guiné nunca mais se tinham encontrado!... Espantosamente nasceram nasceram no mesmo dia, mês e ano, 22 de junho de 1944.

O Júlio Martins Pereira tem um pequeno blogue, com dois postes, singelamente intitulado  A Minha Vida. Desse blogue autorizou-me a transcrever o texto a seguir que vai servir de apresentação do novo membro, da Tabanca Grande, nº 635. Bem hajas, Júlio! (*) (LG)




Guiné > Zona leste > CCAÇ 1439 (Enxalé, Porto Gole e Missirá, 1965/67) > O sold trms Júlio Martins Pereiram, natural de Paredes.


Foto: © Mário Gaspar (2012). Todos os direitos reservados.




Guiné > Mapa geral da província > 1961 > Escala 1/500 mil > Pormenor: localidades da margem direita do Rio Geba por onde andou a CCAÇ 1439, e aqui assinaladas a zul: Porto Gole (destacamento), Enxalé (sede), Missirá (destacamento)... Mas também por onde passou, na margem esquerda (aquartelamentos  assinalados a verde:  Xime e Bambadinca). Finete, em frente a Bambadinca, na margem direita do rio Geba, era um destacamento de milícias, no regulado do Cuor. A 1ª mina aqui referida, no texto a seguir, é accionada no percurso Missirá-Enxalé; a segunda é no troço inverso,  Enxalé-Missirá, no sítio do Mato Cão. (As duas versões, a do Júlio Martins Pereira, sold trmns da CCAÇ 1439, e a do Henrique Matos, o primeiro comandante do Pel Caç Nat 52,  não exatamente coincidentes) (**).

À época a que se referem os acontecimentos (6 de outubro de 1966), estava em Bambadinca a CCAÇ 1551 / BCAC 1888 (em Bambadinca, entre maio e novembro de 1966, indo depois para Fá Mandinga). Em novembro de 1966, a CCS/BCAÇ 1888 (que estava em Fá Mandinga desde maio de 1966) vem para Bambadinca  até  janeiro de 1968. O BCAÇ 1888 é substituído pelo BART 1904, em fevereiro de 1968, e este por sua vez pelo BCAÇ 2852, em outubro de 1968...

 Infografia: Blogue Luís Graça & Camaradas da Guiné (2013).

2. Apresentação do novo membro da Tabanca Grande, nº 635:

Eu, Júlio Martins Pereira, soldado de transmissões nº 26523/65, fui de Lisboa para a Madeira a bordo do paquete Funchal  para o BII 19. Mas, como a companhia, a CCAÇ 1439,  já tinha partido para a Guiné,  eu e mais uns quatro soldados tivemos de aguardar por novo barco que nos levasse para Bissau para aí nos juntarmos ao resto do pessoal que,  naquela ocasião, em setembro de 1965,  já se encontrava em Bambadinca.

Uma vez aí chegados na LDM, depois de permanecermos uma noite, em pleno Rio Geba,  a meio do mesmo, entre os aquartelamentos do Enxalé de um lado e do outro o do Xime, ali consegui ver a força do famoso macaréu, aquela grande onda de água que de manhã nos acordou e que colocou novamente o barco a flutuar, e para assim podermos chegar ao nosso destino.

Aqui chegados ao batalhão, em Bambadinca,  e depois de realizadas algumas operações prós lados do Xime,  a mim foi-me atribuída a função de sempre acompanhar o comandante na árdua tarefa de transmitir e receber informações para o bom desenrolar das operações em curso, quer de terra quer do ar. 

De Bambadinca fomos para o Enxalé e daqui uns foram para Missirá e outros para Porto Gole. Eu fui para Missirá, no pelotão comandado pelo já falecido alferes [Luís] Zagallo. Na ocasião a morada no continente do alf Zagallo era na Rua das Janelas Verdes, em Lisboa. 

No dia 6 de outubro de 1966, por volta das 7 horas da manhã,  íamos nós de Missirá a caminho do Enxalé em coluna com um jipe e um unimogue, íamos buscar alimentos e outros produtos pró pessoal. Depois de passar o cruzamento que dava para Finete, aproximadamente, 800 metros à frente havia uma poça d’água. O jipe que ia na frente desviou-se, nesse jipe ia o motorista, o alf Zagallo, o enfermeiro e mais dois soldados. A  seguir ia o unimogue que não se desviou da poça d’água e ai rebentou a mina. Na frente,  no unimogue,  ia o furriel  Mano, de pé,  do lado esquerdo do condutor e ao lado deste mais 2 ou 3 soldados, na parte de trás. Nos bancos laterais onde eu ia, iam os bancos completos.

Rebentada a mina, eis que alguns de nós tal como eu, encontrámo-nos dentro daquela cratera,  cheia de lodo e gasóleo.  Nós,  sem armas, os mais conscientes ainda conseguímos  gatinhar para encontrar armas para nos defendermos de qualquer eventualidade, no meio de toda aquela gritaria, todos aqueles berros,  os choros, todos aqueles, mortos e feridos... Apesar de tudo só ouvimos lá longe uma rajada de costureirinha, a querer dizer-nos algo sobre o que nos tinha acontecido...

Como não houve mais nenhuma reação, demos início à procura e recolha dos nossos mortos e feridos. Estes encontravam-se espalhados, quer no capaim encharcado de cacimbo (orvalho noturno),  quer nos destroços do unimogue que ficou virado em sentido contrário e retirado da cratera.

Ainda hoje me lembro de ter retirado um camarada nosso,  pegá-lo por baixo dos braços e encostá-lo ao taipal para que outros o pusessem no chão. Era preciso retirá-los daquele sofrimento e acalmá-los e procurar todos os outros. Entretanto o jipe onde ia o alf Zagallo  volta para trá. Passado aquele tempo de possível reação [do IN ], entretanto, eu já tinha ido procurar os meus/nossos companheiros, quando fui ter com o alf  Zagalo, e lhe disse onde estavam alguns dos nossos mortos e feridos, incluindo o furriel Mano,  todo esventrado, esfacelado,  só a carne dava sinais porque ainda estava quente. A partir daqui começamos a recolher os restos dos mortos, e a pô-los no fundo do jipe, por cima os feridos mais graves, a estes amarrámos ligaduras do enfermeiro para que não caíssem com o andamento do jipe, que  ia transformado num autêntico carro de horrores.

Iniciada a marcha de retorno, esta na direção de Finete, fui eu, então a pé, desde o local da mina até Finete. A correr, sozinho com a arma em bandoleira para pedir socorro, uma vez aí, no cimo daquela grande bolanha, frente a Bambadinca. O comandante das tropas aí aquarteladas, depois de me ouvir, mandou 4 soldados [africanos] acompanharem-me até Bambadinca, para pedir socorro, mas ao mesmo tempo começam a imitir mensagens para o interior da bolanha no sentido de avisarem, a muita população que ali estavam a trabalhar,  que tinha rebentado uma mina ali perto. E estes,  em debandada,  encaminham-se para o rio Geba para fugirem para Bambadinca a bordo. Claro,  das canoas,  aí tive de pedir que retirassem cincio elementos da população para que eu e os meus quatro  camaradas que me acompanhavam pudéssemos chegar ao batalhão que aí estava aquartelado [, em Bambadinca]. 

Dali fui pedir apoio a Bissau para virem os helicópteros, e também à minha companhia CCAÇ 1439. Prá companhia fui eu que fiz o ponto da situação. Ali, o comando do batalhão fornece-me um rádio para que eu pudesse comunicar com os helicópteros e as respetivas frequências para uma boa comunicação.

Entretanto quando eu e os 4 soldados pretos iniciámos a marcha de regresso a Finete em plena bolanha e já com o roncar dos helicópteros e eu a sintonizá-los no meu rádio, eis que ouço um forte rebentamento e logo peço aos pilotos dos hélios que se possível passassem pela zona de Mato Cão, pois que o rebentamento ouvido instantes atrás podia ter a ver com a  CCAÇ 1439 que vinha em nosso socorro. Infelizmente veio logo a seguir a confirmação dos pilotos dos hélios,  que era verdade, a CCAÇ 1439 tinha tido no dia 6 de outubro de 1966 duas minas,  as duas não muito longe uma da outra... Aí em Finete ainda consegui falar com os pilotos dos Hélios, aquando das evacuações da 1ª mina,  a quem pedi que comunicassem a Bissau a pedir evacuação rápida para o pessoal que estava em Mato Cão,  na 2ª mina.

A quantidade de soldados mortos e feridos não sei ao certo, só procurando nos arquivos do BII 19, no Funchal. Digo eu, ou então o capitão, comandante da companhia, ou o alf Freitas ou o alf Crisóstomo, ou o 1º  da secretaria ou o cripto, tantos, tantos outros que podem confirmar tudo isto.

Júlio Martins Pereira



Guiné >Zona Leste> Sector L1 > Bambadinca > Estrada Enxalé-Missirá > Sítio do Mato Cão > 6 de Outubro de 1966 > Cratera povocada por uma mina A/C cuja explosão provocou a morte do Soldado Manuel Pacheco Pereira Junior, da CCaç 1439. Era natural de São Miguel, Açores. Os restos mortais (cerca de 3kg) ficaram no Cemitério de Bambadinca, Talhão Militar, Fileira 2, Campa 1, Guiné-Bissau. No regresso de Missirá, a mesma coluna accionou outra mina A/C que decepou a perna do fur mil op esp António dos Santos Mano, acabando por morrer por falta de assistência.(**)

Foto (e legenda): © Henrique Matos (2008). Todos os direitos reservados.


Guiné > Zona Leste > Enxalé > CCAÇ 1439 > Set de 1966 > Na messe: 1 - Cap Mil Pires, Cmdt da Companhia [CCAÇ 1439]; 2 - Alf Mil Sousa; 3 - Alf Mil Zagalo; 4 - Médico do Batalhão; 5 - Eu [, Alf Mil Henrique Matos, Cmdt Pel Caç NaT 52]; 6 - Alf Mil Marchand, Cmdt do Pel Caç Nat 54; 7 - Fur Mil Antunes, falecido em combate; 8 e 9 - Fur Mil Monteiro e Altino, do meu Pelotão [Pel Caç Nat 52]. Foto do Fur Mil Viegas, do Pel Caç Nat 54. Cortesia e legenda do Henrique Matos

Foto (e legenda): © Henrique Matos (2010). Todos os direitos reservados.

3. Ficha de unidade:

CCAÇ 1439: Mobilizada pelo BII 19, partiu para o CTIG em 2/8/1965 e regressou a 18/4/1967. Esteve em Xime, Bambadinca, Enxalé (com destacamentos em Porto Gole e Missirá) e Fá Mandinga. Comandante: cap mil  inf Amândio Manuel Pires.

(...) No dia 6 de Outubro de 1966 numa coluna [da CCAÇ 1439] que saiu do Enxalé para reabastecimento de Missirá (sorte minha, porque não foi a minha vez de a comandar) e no fatídico lugar de Mato Cão, o soldado Manuel Pacheco Pereira Júnior, mais conhecido pelo Açoriano pois era o único natural dos Açores naquela companhia que era de madeirenses, foi literalmenet pulverizado por uma mina A/C.

Quando digo pulverizado é o termo que melhor descreve a situação, pois sou um dos que andou à procura de restos do corpo e apenas encontrámos pequenos fragmentos de ossos com que fizemos um embrulho que pesava poucos quilos. Tem a sua campa em Bambadinca, como se pode ver na relação do Marques Lopes
A G3 dele nunca mais se viu, pensando-se que terá voado para o Geba que passa a não muitos metros de distância. (...)

(...) Mas a tragédia não acaba aqui. A coluna foi descarregar a Missirá e regressou a abrir, isto é, o mais depressa que podia andar e sem picar. Então muito próximo do mesmo local outra mina A/C tirou a vida ao Fur Mil Ranger António dos Santos Mano, que vinha ao lado do condutor mas com uma perna para o lado de fora do assento. E foi isso que lhe causou a morte, pois a perna foi decepada e não houve forma de o salvar. Nessa noite foi preciso acalmar muita gente no Enxalé pois a companhia, [a CCAÇ 1439,] só tinha tido uma baixa até essa ocasião e já ia a caminho de 15 meses de comissão. (...)

Guiné 63/74 - P12455: Parabéns a você (665): António Paiva, ex-Soldado Condutor Auto (HM 241, 1968/70)

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Nota do editor

Último poste da série de 15 de Dezembro de 2013 > Guiné 63/74 - P12450: Parabéns a você (664): Francisco Santos, ex-1.º Cabo TRMS da CCAÇ 557 e Sousa de Castro, ex-1.º Cabo Radiotelegrafista da CART 3494