Octogésimo terceiro e último episódio da série Bom ou mau tempo na bolanha, do nosso camarada Tony Borié, ex-1.º Cabo Operador Cripto do CMD AGRU 16, Mansoa, 1964/66.
Dia 16 de Julho de 2014
Companheiros de viagem, este é o resumo dos vigésimo
sexto e vigésimo sétimo dias, portanto o final da
“aventura”. Nestes dois últimos dias,
continuámos usando o mesmo trajecto de ida para o
Alaska, só que agora era em direcção ao sul e de oeste
para leste.
Já explicámos a história das
povoações e estados por onde passámos, mas é sempre
bom lembrar alguns pormenores.
Era perto da meia-noite, não eram “quatro da madrugada,
como quando o passarinho cantou”, 27 dias antes e, nos
acordou para iniciarmos os preparativos da nossa longa
jornada, agora seguíamos na mesma estrada, a estrada
rápida 95, no estado da Flórida, plana, larga e longas
rectas, não mais montanhas, vales, rios, riachos, lagos,
precipícios, glaciares, animais selvagens a atravessar a
estrada, terra, lama, frio, acidentes, zonas de construção,
trânsito parado, esperando o “carro piloto”, neve, nevoeiro,
chuva ou sol tórrido, aqui havia noite, não era sempre dia, como
depois do “paralelo 48”, lá no norte, no Alaska, em que
era quase sempre de dia, agora viajávamos em sentido
contrário, estávamos quase a chegar a casa, um pouco
cansados, mas felizes, por regressarmos ao nosso ponto
de origem.
Muito mais felizes do que os índios “Cherokee”, um povo
muito orgulhoso, que por volta do ano de 1838, o governo
dos EUA forçou a deslocar-se das suas terras para o
estado de Oklahoma, ainda hoje chamam a essa
jornada para o exilo, “Trail of Tears”, que quer dizer,
“caminho de lágrimas” e que em tempos viveram na área
do que hoje é a cidade de Chattanooga, que fica quase na
fronteira com o estado da Geórgia. Ainda no estado do
Tennessee, cidade que atravessámos depois de ter
passado pelos estados de Kentuchy e Illinois, onde
tínhamos dormido por algumas horas na cidade de Mt.
Vernon, onde no século passado não havia estrada, as
pessoas vinham do norte para sul passando por
“swamps”, que eram terras alagadiças, mas hoje já tem
estradas rápidas.
Dois dias antes, tínhamos deixado a cidade de Hays, no
estado do Kansas, onde por volta do ano de 1865, os US Army, construiram o Fort Fletcher, um pouco ao sul do
que hoje é a cidade de Hays, para proteger as caravanas
de imigrantes ou aventureiros prospectores de ouro que
viajavam na “Smoky Hill Trail”, que era um trilho que
seguia paralelo às colinas do rio Smoky, em direcção ao
oeste e que eram frequentemente atacadas pelos índios
“Cheyenes” e “Arapaho”, que viam as suas terras serem
invadidas. Tudo isto se passava numa região selvagem,
muito próxima do que hoje é a estrada rápida número 70,
onde podíamos também viajar a 70 milhas por hora,
ouvindo as velhas músicas favoritas, como por exemplo:
“King of the Road”, “Hit the Road Jack”, “On the Road
Again” ou “Adorei viajar por cada e, todas as estradas”.
Dizem que por razões económicas, o Fort Fletcher
encerrou, mas um ano depois, o Exército dos EUA
reabriu o Fort Fletcher, desta vez com o objetivo de
proteger os trabalhadores da construção do caminho de
ferro da “Divisão Leste Union Pacific”, que seguia em
direcção ao oeste, paralelo à “Smoky Hill Trail”, desta vez
o Exército deu novo nome ao Forte, chamando-lhe Fort
Hays, em honra do Brigadeiro General Alexander Hays, que foi
morto numa batalha nesta região selvagem durante a
Guerra Civil Americana, todavia em junho de 1867, uma
inundação severa quase destruiu a fortaleza, matando
alguns soldados e civis.
Nestes dois dias, seguimos o mesmo roteiro, percorrendo
áreas que já foram descritas nos primeiros dias da nossa
aventura, vimos todos aquelas paisagens, onde aqui e ali
apareciam algumas quintas com animais, outras
abandonadas, transformadas em zona de caça,
pastagens com grandes manadas de vacas, plantações
de milho, trigo, aveia, soja ou girassóis, poços de petróleo
e moinhos energia em funcionamento e pouco mais, além
de algumas áreas desertas, próximo e atravessando as
cidades de Kansas City, no estado do Kansas, St. Louis,
no estado do Missouri e Atlanta, no estado da Geórgia,
tivémos alguma dificuldade, pois o trânsito já era intenso,
não era estrada deserta, como já estávamos um pouco
acostumados.
Por vezes olhávamos para a nossa companheira e
esposa por quase cinquenta anos e sorriamos, pois
tínhamos viajado atravessando um continente, diferentes
estados e países, cidades, vilas ou aldeias, por autoestradas,
estradas secundárias e carreiros, conhecendo
novas pessoas, novos costumes, com tempo de sol, frio,
vento ciclónico, chuva, granizo, neve, planícies com
altas temperaturas, montanhas, vales, atravessando rios,
ribeiros, terras alagadiças, cozinhando as nossas
refeições, dormindo na nossa “caravana”, tomando banho
nos rios e lagos, onde se podia beber a água, respirando
ar puro e selvagem, pescando em rios selvagens, ao lado
de gaivotas, águias de colarinho branco, ursos ou coiotes,
céu cinzento ou tempestades, nuvens de mosquitos, lama
ou pedras na estrada. Em algumas regiões, logo a
seguir, céu limpo, azul, vendo paisagens de montanha, mar,
lagos, glacieres, animais selvagens atravessando a
estrada, entre outras coisas maravilhosas, com que a
natureza nos contemplou.
Quando éramos jovens, dizíamos que nunca poderíamos
fazer isto, viajando ao redor, vivendo num pequeno
espaço, não tendo residência permanente e estar longe
da família e dos amigos. Estou certo de que tanto eu
como a minha companheira e esposa, às vezes
encontramos momentos em que nos sentimos assim e pensámos que não devíamos ser tão aventureiros, mas
no geral, também estamos certos de que nos iremos
tornar em pessoas melhores quando voltarmos para junto
da família e amigos, indo provavelmente sentir
que deveriamos ter começado isto antes, conhecer o
modo de vida puro, das pessoas, não das atrações que
aparecem nos cartazes da estrada, nos anúncios de
revistas e na televisão, onde só nos mostram o que
“eles” na verdade querem.
No regresso, parámos muitas vezes para comprar gasolina, café, pão,
água e alguns vegetais. Percorremos 1560 milhas, com o
preço da gasolina a variar entre $3.51 e $3.58 o galão,
que são aproximadamente 4 litros e, com tudo sujo e
desarrumado, dentro Jeep e da Caravana, que deixámos
em frente da casa, mas felizes e sem dores, desejosos de
um refrescante banho e alguma comida e, mesmo antes
de abrir a porta de casa, ainda tivémos tempo de verificar
o contador do Jeep, que marcava mais
14.626 milhas (23.538 Km), do que quando saímos, quase um mês
antes.
Até qualquer dia, de novo em viajem, ou na guerra.
Tony Borie, Agosto de 2014
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Nota do editor
Último poste da série de 11 de janeiro de 2015 > Guiné 63/74 - P14139: Bom ou mau tempo na bolanha (83): Da Florida ao Alaska, num Jeep, em caravana (23) (Tony Borié)
Blogue coletivo, criado por Luís Graça. Objetivo: ajudar os antigos combatentes a reconstituir o "puzzle" da memória da guerra colonial/guerra do ultramar (e da Guiné, em particular). Iniciado em 2004, é a maior rede social na Net, em português, centrada na experiência pessoal de uma guerra. Como camaradas que são, tratam-se por tu, e gostam de dizer: "O Mundo é Pequeno e a nossa Tabanca... é Grande". Coeditores: C. Vinhal, E. Magalhães Ribeiro, V. Briote, J. Araújo.
domingo, 18 de janeiro de 2015
Guiné 63/74 - P14158: Parabéns a você (846): Luís Rainha, ex-Alf Mil Comando, CMDT do Grupo de Comandos Centuriões (Guiné, 1964/66)
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Nota do editor
Último poste da série de 13 de janeiro de 2015 > Guiné 63/74 - P14144: Parabéns a você (845): Maria Ivone Reis, ex-Cap Enfermeira Paraquedista (!961/74)
Nota do editor
Último poste da série de 13 de janeiro de 2015 > Guiné 63/74 - P14144: Parabéns a você (845): Maria Ivone Reis, ex-Cap Enfermeira Paraquedista (!961/74)
sábado, 17 de janeiro de 2015
Guiné 63/74 - P14157: O Mundo é Pequeno e a nossa Tabanca... é Grande (96): Não sei se era o senhor Comandante Pombo que estava aos comandos, sei que fiquei muito sensibilizado com esta boleia (António Dâmaso)
1. Mensagem do nosso camarada António Dâmaso, Sargento-Mor Pára-quedista
Reformado, com data de 15 de Janeiro de 2015:
HOMENAGEM AO COMANDANTE POMBO
Li que havia três Antónios que voaram em Cessna.
Eu também sou António e voei em Cessna. Estava na 2.ª Comissão, pertencia à CCP 122, estava destacado em Teixeira Pinto, um dia à boa maneira da Tropa, sem me darem qualquer explicação, mandaram-me embarcar numa DO 27 com destino a Bissalanca, aí integrara-me por empréstimo numa Companhia menos de Páras que tinha sido mobilizada para Angola e foi parar à Guiné como reforço à zona Leste.
Esta companhia foi reforçada com sargentos e praças das CCP 121 e CCP 122 e passou a ser denominada CCP 123, no dia 11 de Julho embarcou em lancha com destino a Bafatá, com camas e colchões da FAP.
Em Bafatá, ficou alojada no Esquadrão FOX junto do aeroporto, no dia 12 fez um heli-assalto.
Era na 2.ª quinzena de Julho de 1969, não posso precisar o dia, se foi a 19 ou 30, depois de uma operação na zona, estava em Galomaro para tomar o transporte de regresso para Bafatá, ouvi uma conversa de um casal de comerciantes locais, que ia embarcar em Bafatá com destino a Bissau em viagem de negócios. Como tinha a família em Bissau, perguntei se me davam uma boleia, foi-me dito que tinham prazer na minha companhia, pedi ao Comandante de Companhia e este disse-me que me dava dois dias.
Saltei para a caixa de carga da Pick-up do casal, com destino a Bafatá onde nos esperava uma avioneta Cessna, embarcámos com destino a Bissalanca, aterramos já depois do por do sol com as luzes da pista acesas.
Não sei se era o senhor Comandante Pombo que estava aos comandos, sei que fiquei muito sensibilizado com esta boleia. O meu regresso a Bafatá, foi feito em Dakota onde o meu saudoso camarada MMA, Luís Maria Vitorino era tripulante, este faleceu nos Açores quando o Aviocar colidiu com a serra de Santa Bárbara, na Ilha Terceira em 05 de Julho de 1978.
Nota do editor
Último poste da série de 15 de janeiro de 2015 > Guiné 63/74 - P14152: O Mundo é Pequeno e a nossa Tabanca... é Grande (95): Mais uma pequena história... Em honra do Cessna dos TAGP e do Comandante Pombo (Mário Migueis da Silva)
HOMENAGEM AO COMANDANTE POMBO
Li que havia três Antónios que voaram em Cessna.
Eu também sou António e voei em Cessna. Estava na 2.ª Comissão, pertencia à CCP 122, estava destacado em Teixeira Pinto, um dia à boa maneira da Tropa, sem me darem qualquer explicação, mandaram-me embarcar numa DO 27 com destino a Bissalanca, aí integrara-me por empréstimo numa Companhia menos de Páras que tinha sido mobilizada para Angola e foi parar à Guiné como reforço à zona Leste.
Esta companhia foi reforçada com sargentos e praças das CCP 121 e CCP 122 e passou a ser denominada CCP 123, no dia 11 de Julho embarcou em lancha com destino a Bafatá, com camas e colchões da FAP.
Em Bafatá, ficou alojada no Esquadrão FOX junto do aeroporto, no dia 12 fez um heli-assalto.
Era na 2.ª quinzena de Julho de 1969, não posso precisar o dia, se foi a 19 ou 30, depois de uma operação na zona, estava em Galomaro para tomar o transporte de regresso para Bafatá, ouvi uma conversa de um casal de comerciantes locais, que ia embarcar em Bafatá com destino a Bissau em viagem de negócios. Como tinha a família em Bissau, perguntei se me davam uma boleia, foi-me dito que tinham prazer na minha companhia, pedi ao Comandante de Companhia e este disse-me que me dava dois dias.
Saltei para a caixa de carga da Pick-up do casal, com destino a Bafatá onde nos esperava uma avioneta Cessna, embarcámos com destino a Bissalanca, aterramos já depois do por do sol com as luzes da pista acesas.
Não sei se era o senhor Comandante Pombo que estava aos comandos, sei que fiquei muito sensibilizado com esta boleia. O meu regresso a Bafatá, foi feito em Dakota onde o meu saudoso camarada MMA, Luís Maria Vitorino era tripulante, este faleceu nos Açores quando o Aviocar colidiu com a serra de Santa Bárbara, na Ilha Terceira em 05 de Julho de 1978.
Bafatá - Depois do meu regresso. Ao centro está o Vitorino a quem presto homenagem póstuma
____________Nota do editor
Último poste da série de 15 de janeiro de 2015 > Guiné 63/74 - P14152: O Mundo é Pequeno e a nossa Tabanca... é Grande (95): Mais uma pequena história... Em honra do Cessna dos TAGP e do Comandante Pombo (Mário Migueis da Silva)
Guiné 63/74 - P14156: Casos: a verdade sobre... (3): Jaime Mota (1940-1974), combatente do PAIGC, natural da ilha de Santo Antão, Cabo Verde, morto em 7 de janeiro de 1974, em Canquelifá por forças da CCAÇ 21 - Parte III (Luís Graça / José Vicente Lopes / José Manuel Matos Dinis)
Guiné > Mapa da província > 1961 > Escala 1/500 mil > Posição relativa de Copa e canquelifá junto à fronteira com o Senefgal e a Guiné-Conacri.
Infografia: Blogue Luís Graça & Camaradas da Guiné
1. Mensagem do nosso editor LG, enviado ao José Vicente Lopes, em 15 de janeiro de 2015 13:22 (*)
Caro amigo José Vicente:
Aqui tem uma versão, em primeira mão dos acontecimentos. O José, no seu artigo, parece sugerir que a execução sumária do Jaime Mota tenha sido obra do Marcelino da Mata e do seu grupo [, que esteve ne zona de Copá em março de 1974, e não em 7 de janeiro de 1974, em Canquelifá]...
Tudo aponta para que o Jaime Mota tenha sido abatido pela CCAÇ 21, unidade regular do exército colonial, constituída apenas por graduados, especialistas e praças do recrutamento local. Não confundir com o batalhão de comandos africanos. A CCAÇ 21 era uma unidade de intervenção, ao serviço do Comando Operacional da Zona Leste. A CCAÇ 21 estava sediada em Bambadinca.
Nesta ação (Minotauro) estão envolvidos dois grupos de combate, comandados por antigos oficiais comandos graduados, fulas, os alferes Aliu Candé e Braima Baldé, que serão torturados e executados pelo PAIGC em 1975, tal como o comandante da companhia, o tenente graduado Abdulai Jamanca, e um antigo soldado da minha CCAÇ 12, o Abibo Jau. Entre outros...
Eu tenho um especial afeto por Cabo Verde (onde o meu pai foi expedicionário, em 1941/43, Mindelo, São Vicente, e onde tenho bons amigos). Tenho também um grande carinho pela Guiné e as suas gentes. O meu/nosso blogue "faz pontes" há mais de 10 anos...
Um abraço. Luis Graça
Guiné > Zona leste > Bajocunda > 1.ª CCAV/BCAV 8323, 1973/74 > Foto 6 - O Furriel Ventura em ambulância capturada ao PAIGC" [, entre Copá e a fronteira, em Março de 1974, pelo Grupo do Marcelino da Mata e o Astérix, nome de guerra do Cap Pára-quedista do BCP 12, António Ramos, já falecido]
Fotos do álbum dfe Amílcar Ventura, ex-Fur Mil Mec Auto, 1ª CCAV / BCAV 8323 (Pirada, Bajocunda, Copá, 1973/74), natural de (e residente em) Silves.
Fotos (e legendas): © Amilcar Ventura (2009). Todos os direitos reservados [Edição: L.G.]
2. Resposta do jornalista e escritor José Vicente Lopes:
Data: 15 de janeiro de 2015 às 19:40
Assunto: Canquelifá 74
Meu caro Luis Graça:
Uma vez mais agradeço a ajuda para o esclarecimento deste caso - a morte de Jaime Mota e dos outros dois combatentes do PAIGC, um cubano e outro guineense. Tudo parece apontar que a operação Minotauro é realmente o mesmo episódio por mim reportado no meu artigo de "A Nação", reaproveitado pela Fundação Amilcar Cabral.
A história chegou ao meu conhecimento através de várias fontes do PAIGC; como jornalista, na altura, procurei outras possiveis fontes, neste caso portuguesas,para um equilíbrio dos argumentos de um e doutro lado. Cheguei a recorrer ao vosso blogue e outros meios, o que levou a aproveitar alguns relatos que pareceram estar relacionados com esta história há muito perdida nas brumas da memória - daí a menção a Marcelino da Mata que nessa altura, pelo que me pude dar conta, actuava também na região de Canquelifá.
Um dos meus informantes, o comandante cabo-verdiano Joaquim Pedro Silva (Baró), que também actuou na Guiné, sendo um dos primeiros responsáveis do PAIGC a chegar a Bissau em 1974, juntamente com Julião Lopes, relatou-me que ouviu pela primeira vez do "martírio" de Jaime Mota através de um oficial militar português já em Bissau que terá assistido ao triste episódio.
Uma outra fonte, também antigo guerrilheiro cabo-verdiano do PAIGC, António Leite, o tal que se refere à "forquilha", diz que ouviu isso de populares quando ele e outros mais guerrilheiros se abeiraram do povoado e tomaram conhecimento ao que se tinha passado com os três combatentes mortos.
Amâncio Lopes, que escapou com vida da emboscada, e que comandava o tal grupo de 7 homens, também fala na tortura de Jaime Mota e entende, inclusive, que o comandante desse quartel é o responsável por essa suposta tortura, um "crime de guerra", a ser isso verdade.
Todos os meus informantes estão convencidos que essa foi uma operação de "comandos africanos", quando, pelo que deduzo do material que me enviaram, ter se tratado e uma CCaç com soldados guineenses [, a CCaç 21]. Aliás, como a vossa própria fonte refere, no passado, terá havido a prática de seviciar prisioneiros. Eu, como calcula, tenho de lidar com o que diz os dois lados.
Note-se que esta foi a primeira vez que alguém em Cabo Verde, neste caso o autor destas linhas, procurou indagar das condições de morte de Jaime Mota, cuja existência tomei conhecimento de forma incidental.
Tudo mais que que você e os seus companheiros tiverem e quiserem compartilhar comigo, estarei ao vosso inteiro dispor.
Subscrevo-me com um forte abraço, desejando a todos um bom ano.
JVL
PS - Volto a perguntar-lhe onde poderei obter o tal livro [, do Amadu Bailo Jaló] a que se refere num dos emails. E, já agora também, se pode dizer-me onde poderei encontrar material sobre os cabo-verdianos na guerra da Guiné, não importa se do lado do PAIGC ou de Portugal. Como já deve ter dado conta não tenho uma visão unilateral ou maniqueista da história. Pela minha idade escapei da guerra colonial, sou dos primeiros "historiadores" a procurar dar uma visão aberta acerca da história contemporânea de Cabo Verde e de outras antigas colónias. Um exemplo disso foi o meu livro sobre o Tarrafal, "Tarrafal-Chão Bom, Memórias e verdades", que deixou muita gente indisposta, mas isso não é problema meu, foram os dados a que tive acesso.
PS - Volto a perguntar-lhe onde poderei obter o tal livro [, do Amadu Bailo Jaló] a que se refere num dos emails. E, já agora também, se pode dizer-me onde poderei encontrar material sobre os cabo-verdianos na guerra da Guiné, não importa se do lado do PAIGC ou de Portugal. Como já deve ter dado conta não tenho uma visão unilateral ou maniqueista da história. Pela minha idade escapei da guerra colonial, sou dos primeiros "historiadores" a procurar dar uma visão aberta acerca da história contemporânea de Cabo Verde e de outras antigas colónias. Um exemplo disso foi o meu livro sobre o Tarrafal, "Tarrafal-Chão Bom, Memórias e verdades", que deixou muita gente indisposta, mas isso não é problema meu, foram os dados a que tive acesso.
Cabo Verde > Ilha de Santiago > Cidade da Praia > Quartel Jaime Mota > 2012 > Imagem do domínio público, cortesia da Wikimedia Commons.
3. Segundo mail do nosso editor LG, com data do mesmo dia:
Obrigado, amigo, acho que nos move a ambos a vontade de esclarecer a verdade, sem preconceitos, sem ideias feitas, sem ressentimentos... Ambos temos formação científica, você em história, eu em sociologia e em saúde pública... Para além do mais, temos profissões (você jornalista e eu investigador social e professor) com exigências éticas e deontológicas acrescidas... Claro que você não fez a guerra colonial, e ainda bem...
De qualquer modo, pessoas como nós, temos a obrigação de ajudar a geração que fez a guerra, de um lado e do outro, a fazer as contas com o passado e a transmitir às gerações seguintes uma visão positiva da nossa história partilhada... Como eu costumo dizer em relação aos meus camaradas que integram esta "tabanca grande", virtual, cabemos aqui todos com tudo o que nos une e até com aquilo que nos separa. E nem todos são ex-militares...
Há mais de 10 anos que, neste blogue, procuro põr os antigos combatentes , a juntar as "pontas", a salvaguardar e partilhar as suas memórias, a fazer pontes entre os dois lados...Estive em 2008, no Simpósio Internacional de Guileje, a convite do meu saudoso amigo Pepito, mas foi pena que nessa altura, os antigos combatentes do PAIGC, oriundos de Cabo Verde, não tivessem podido viajar até Bissau por razões alegadamente de segurança: Nino ainda estava no poder...
Obrigado pelos seus esclarecimentos que, não havendo objeção da sua partem, irei partilhar com os leitores do nosso blogue. Oxalá apareçam outras versões de quem presenciou os acontecimentos em questão, e que estava em Canquelifá por esses dias de janeiro de 1974, nomeadmente antigos militares, guineenses, da CCAÇ 21, e antigos militares, metropolitanos da CCAÇ 3545, comandada pelo capitão de infantaria miliciano Fernando Peixinho de Cristo. Seria importante igualmente identificar e localizar o oficial médico (, possivelmente alferes miliciano) que terá vindo de Nova Lamego para reconhecer os cadáveres dos dois guerrilheiros mortos, que não eram guineenses (um dos quais seria o Jaime Mota).
Boa saúde, bom trabalho. Luís Graça
Obrigado, amigo, acho que nos move a ambos a vontade de esclarecer a verdade, sem preconceitos, sem ideias feitas, sem ressentimentos... Ambos temos formação científica, você em história, eu em sociologia e em saúde pública... Para além do mais, temos profissões (você jornalista e eu investigador social e professor) com exigências éticas e deontológicas acrescidas... Claro que você não fez a guerra colonial, e ainda bem...
De qualquer modo, pessoas como nós, temos a obrigação de ajudar a geração que fez a guerra, de um lado e do outro, a fazer as contas com o passado e a transmitir às gerações seguintes uma visão positiva da nossa história partilhada... Como eu costumo dizer em relação aos meus camaradas que integram esta "tabanca grande", virtual, cabemos aqui todos com tudo o que nos une e até com aquilo que nos separa. E nem todos são ex-militares...
Há mais de 10 anos que, neste blogue, procuro põr os antigos combatentes , a juntar as "pontas", a salvaguardar e partilhar as suas memórias, a fazer pontes entre os dois lados...Estive em 2008, no Simpósio Internacional de Guileje, a convite do meu saudoso amigo Pepito, mas foi pena que nessa altura, os antigos combatentes do PAIGC, oriundos de Cabo Verde, não tivessem podido viajar até Bissau por razões alegadamente de segurança: Nino ainda estava no poder...
Obrigado pelos seus esclarecimentos que, não havendo objeção da sua partem, irei partilhar com os leitores do nosso blogue. Oxalá apareçam outras versões de quem presenciou os acontecimentos em questão, e que estava em Canquelifá por esses dias de janeiro de 1974, nomeadmente antigos militares, guineenses, da CCAÇ 21, e antigos militares, metropolitanos da CCAÇ 3545, comandada pelo capitão de infantaria miliciano Fernando Peixinho de Cristo. Seria importante igualmente identificar e localizar o oficial médico (, possivelmente alferes miliciano) que terá vindo de Nova Lamego para reconhecer os cadáveres dos dois guerrilheiros mortos, que não eram guineenses (um dos quais seria o Jaime Mota).
Boa saúde, bom trabalho. Luís Graça
Sobre combatentes caboverdianos... Temos bastantes referências a Cabo Verde... E eu gostaria de ter ainda mais... Ocorre-me, desde já dois ou três nomes: Barbosa Henriques, António Medina, Manuel Amante da Rosa (, que pertenceram ao exército português).
O Barbosa Henriques foi ofiicial do exército português e instrutor da 1ª companhia de comandos. Conheci-o pessoalmente, em Fá Mandinga e em Bambadinca. Acho que era da Brava, tenho que confirmar...
O António Medina vive hoje nos EUA, e fez a guerra, em 1963/65... É de Santo Antão. Esteve no BNU de Bissau até 1974 e é primo do Agnelo Medina Dantas Pereira, que foi comandante do PAIGC... Encontraram-se em Bissau, após o 25 de abril... Uma história bonita, veja aqui.
Tenho também aqui um bom amigo e camarada, que é hoje o vosso embaixador em Itália, o Manuel Amante da Rosa.
... E há muitas mais referências a Cabo Verde (mais de 170)...Incluindo fotos do meu pai, Luís Henriques (1920-2012), expedicionário no Mindelo (em 1941/43)... E, mais recentemente, do meu fiho que foi lá tocar no Festivel Sete Sois Sete Luas... (João Graça, da banda Melech Mechaya) (...).
4. Mail do José Manuel Matos Dinis, com data também de 15 do corrente:
Viva, Luis!
Obrigado pela tua vontade de me manteres a par deste caso. Recordo agora, que há poucos dias o Blogue publicou um episódio ocorrido em Copá, acho que em data coincidente, mais dia, menos dia. Nós sabemos que o Marcelino chegou lá imediatamente a seguir, ou iria na coluna de reabastecimento que caíu na emboscada. Sabemos, ainda, que logo a seguir foi abatido um avião em Copá, e Marcelino foi buscar uma ambulância IN algures na fronteira.
Não sei quanto tempo decorreu entre essas datas. A distância entre Copá e Canquelifá é de cerca de 12 km, e, que havendo informações sobre um ataque a Canquelifá, não seria dificil proceder a um patrulhamento, com uma ou mais unidades em coordenação. Assim, se o Virginio comparecer na próximo encontro da Magnífica Tabanca da Linha, no dia 22, pode ser que perante uma abordagem, o Marcelino possa confirmar, se esteve ou não envolvido nesse caso e, em caso afirmativo, possa produzir um esclarecimento. Também o Francisco Palma, parece-me, terá pertencido a essa Companhia, mas podia já ter sido evacuado. Vou indagá-lo.
Sobre a resposta que deste ao José Vicente Lopes, achei-a perfeitamente adequada, temperada por sensatez e afabilidade de trato, evitando sempre qualquer tendência para especular.
Com um abraço
JD
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Nota do editor:
Vd. postes anteriores da série >
15 de janeiro de 2015 > Guiné 63/74 - P14151: Casos: a verdade sobre... (2): Jaime Mota (1940-1974), combatente do PAIGC, natural da ilha de Santo Antão, Cabo Verde, morto em 7 de janeiro de 1974, em Canquelifá por forças da CCAÇ 21 - Parte II (Virgínio Briote / Rachid Bari, ex-sold trms, CCAÇ 21, Bambadinca, 1973/74, natural do Quebo e residente em Portugal)
15 de janeiro de 2015 > Guiné 63/74 - P14150: Casos: a verdade sobre... (i) Jaime Mota (1940-1974), combatente do PAIGC, natural da ilha de Santo Antão, Cabo Verde, morto em 7 de janeiro de 1974, em Canquelifá por forças da CCAÇ 21 (Virgínio Briote / Amadu Djaló / José Vicente Lopes)
Marcadores:
Amadu Djaló,
Amílcar Ventura,
Cabo Verde,
Canquelifá,
CCAÇ 21,
CCaç 3545,
Copá,
Jaime Mota,
José Manuel Matos Dinis,
José Vicente Lopes,
Luís Graça,
PAIGC,
prisioneiros,
Virgínio Briote
sexta-feira, 16 de janeiro de 2015
Guiné 63/74 - P14155: Os nossos seres, saberes e lazeres (76): O vício da pesca desportiva à linha (Juvenal Amado)
1. Mensagem do nosso camarada Juvenal Amado (ex-1.º Cabo Condutor da CCS/BCAÇ 3872, Galomaro, 1971/74), com data de 9 de Janeiro de 2015:
Caros camaradas
Hoje vivo a uma distância considerável do mar e sem companhia, deixei há muito essa prática que chegou a ser um caso sério na ocupação de todos os tempos livres. Chegávamos a ir directos das pescarias para o trabalho, embora fosse mais aos fins de semana que praticávamos com mais afinco.
A vida é como é e, na altura dizíamos uns para os outros, que quando nos reformássemos é que seria apanhar peixe, pois ele não espera pelos fins de semana para aparecer, sendo nós a ter que esperar por ele.
Não vou à pesca há mais de vinte anos e agora não é por falta de tempo.
É a vida.
Juvenal Amado
Pesca Desportiva
Eu e o meu cunhado, também ex-combatente na Guiné, no caso dele em Fulacunda, depois de regressados apanhamos vício da pesca desportiva à linha.
Assim era ver-nos a ouvir as notícias para saber o estado do mar e de que lado soprava o vento e logo que pudessemos, lá íamos nós mais o Barrão(1), o Victor Amado(2), de canas de pesca, bornal com farnel, carretos, estralhos, destorcedores e amostras para a corricagem quando o mar estava encarneirado.
Consoante o sítio para onde íamos exercer o mister, os iscos eram também escolhidos com parcimónia, uma vez que os pesqueiros tinham o peixe engodado a diferentes tipos de isco. Também era importante saber a qual o peixe estava a morder melhor: no Salgado, no Areeiro, no Vau Furado, em água de Madeiros, no Sordão, na Foz de Arelho, etc.
Na Nazaré quase sempre era tripa de sardinha, uma vez que as peixeiras amanhavam os carapaus e sardinhas para secar e deitavam-nas ao mar.
Eram noites ou madrugadas passadas com o dedo na linha. A força das ondas faziam-na vibrar, rolando a chumbada dando a ideia de que era o peixe a picar. A maior parte das vezes não apanhávamos nada, só se salvava o lanche, uns golos de brandy que aqueciam a malta quando frio apertava e as conversas sobre o que tínhamos passado “lá longe onde o Sol castiga mais”.
Quando se pescava um robalote ou uma raia, era uma festa. Os mais felizardos apanhavam uma dourada ou sargo e então a felicidade era total. Falava-se durante algum tempo sobre como o tínhamos sentido, da luta que tinha dado e da alegria quando o víamos emergir entre a espuma da rebentação.
Em Alcobaça havia um grupo de pescadores mais velhos com os quais nós não nos misturávamos porque eles não queriam. É que eles faziam da sua forma de pescar um segredo e o mais engraçado é que passavam a vida a vigiar quando uns iam para a pesca para irem logo atrás. Alguns trabalhavam na mesma empresa que eu e quatro eram pintores na minha secção.
Um belo domingo, dois ou três foram até ao Salgado, onde o mar era sempre forte, passar um bocado, enquanto ouviam o relato dos jogos da 1.ª Divisão do Campeonato Nacional de Futebol.
As canas, de perto de 5 metros, num movimento onde se unia a força dos braços com vergar delas ao peso da chumbada cónica de 150 gramas, projectavam o estralho com o respectivo isco para dentro do mar, sendo necessário ultrapassar 80 metros, para que as ondas não devolvesse o anzol ao areal.
Às tantas, o senhor João preparou-se para fazer o seu lançamento e, quando vai com equipamento atrás, o anzol pegou, por azar, na alça do pequeno rádio, só se ouvindo associada à vergastada que a cana deu a voz do Romeu Correia a passar por cima das cabeças da malta, com se fosse zumbido mergulhando sem apelo nem agravo para lá da rebentação do Salgado, que era sempre bem forte .
Era uma chatice, já não se podia ouvir o relato da bola, mas o pior é que ia ser motivo de gozo de toda a malta. Combinaram logo ali que o assunto era para esquecer e que não se falava mais nisso.
Mas isto de segredos tem que se lhe diga, a coisa acabou por transpirar e foi motivo de muita risota entre a malta.
Um belo dia o senor João entrou na secção e, como de costume, ia logo para o pé do grupo onde eu me incluía, falar de como tinham corrido as pescarias, sobre a qualidade dos iscos, enfim conversa de pescadores. Já toda a malta estava a arreganhar os dentes quando Adriano diz com um ar muito sério:
- Ouvi dizer que no Domingo, à tardinha, no Salgado, foi pescado um safio. Não quer saber que ficou toda a gente muito assustada pois o bicho falava e parecia um locutor a relatar um jogo de futebol?
Nessa altura a secção toda rebentou em fortes gargalhadas para desespero do desanimado pescador.
O homem ficou malino e deixou de falar com a malta. Compreende-se…
• O Adriano era levado para pregar partidas. Esteve em Angola e sobre ele há várias pequenas estórias onde ele foi o herói, outras vezes a vítima. Uma delas conta-se num instante. Os pais tiveram um filho antes dele a quem chamaram Adriano. Ora essa criança, para grande desgosto dos pais faleceu ainda bebé de colo. Quando o meu colega nasceu, talvez para minorar a falta do filho que tinha morrido, puseram-lhe o nome exactamente igual. Até ai tudo bem, mas quando o Adriano tinha 17 anos a Policia Militar foi a sua casa para o prender como refratário. Viu-se e desejou-se para explicar que não era ele e que procuravam, mas sim, o irmão morto, que tinha o mesmo nome e que se estivesse vivo estava na idade da incorporaração, já tendo faltado à sortes. Lá se safou pois era bem de ver que era demasiado novo. Coisas da tropa portuguesa.
• Na secção da pintura da Crisal também o Zé Marques, que foi pára-quedista, e o Félix estiveram na Guiné.
(1) - O meu amigo Barrão já falecido prestou serviço em Angola
(2) - O meu primo e colega de profissão Victor Amado foi marinheiro e prestou serviço em Moçambique
Um abraço e bom fim de semana
JA
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Nota do editor
Último poste da série de 28 de dezembro de 2014 > Guiné 63/74 - P14087: Os nossos seres, saberes e lazeres (75): O Porto (e)terno (Luis Graça)
Guiné 63/74 - P14154: Convite (12): O Núcleo da Liga dos Combatentes de Torres Vedras vai realizar, no dia 17 de Janeiro, pelas 14h30, no Auditório da Câmara Municipal de Sobral de Monte Agraço, uma apresentação da Instituição aos antigos combatentes, Instituições e população do concelho
NÚCLEO DA LIGA DOS COMBATENTES
TORRES VEDRAS
TORRES VEDRAS
C O N V I T E
Estimados amigos Combatentes,
O Núcleo da Liga dos Combatentes de Torres Vedras vai realizar, no próximo dia 17 de Janeiro de 2015, pelas 14h30, no Auditório da Câmara Municipal de Sobral de Monte Agraço, uma apresentação da Instituição aos antigos combatentes, Instituições e população do concelho.
A Liga dos Combatentes, os seus objectivos e programas, assim como a acção que tem vindo a ser desenvolvida pelo Núcleo, são um dos temas a apresentar, sendo igualmente feita uma apresentação sobre PPST (Perturbação Pós-Stress Traumático), vulgarmente conhecida como “stress de guerra”, suas causas, sintomas e tratamento.
Aparece e colabora,
José da Costa Pereira
Presidente da Direcção
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Nota do editor
Último poste da série de 20 de março de 2013 > Guiné 63/74 - P11284: Convite (11): Museu da Guerra Colonial, a visitar em Ribeirão, Vila Nova de Famalicão (António Teixeira)
Guiné 63/74 - P14153: Recordações de uma ida à Feira da Ladra: 10 de Junho (Mário Beja Santos)
1. Mensagem do nosso camarada Mário Beja Santos (ex-Alf Mil, CMDT do Pel Caç Nat 52, Missirá e Bambadinca, 1968/70), com data de 12 de Janeiro de 2015:
Queridos amigos,
Foi escassa a safra, ainda encontrei uma revista ultranacionalista chamada Resistir editada em francês para os nostálgicos da França de Vichy e que trazia mera propaganda turística.
Achei curioso este princípio do federalismo africano do final dos anos de 1950 em que Amílcar Cabral encontrou as raízes par a unidade Guiné-Cabo Verde, é esta uma das interpretações possíveis para aquela associação que se sabia de antemão condenado ao malogro.
Foram várias as tentativas de associações de países, como é sabido, tirando a Tanzânia, tudo caiu no charco. E Ahmed Sékou Turé foi uma peça essencial no apoio ao PAIGC, é dado que ninguém ignora.
Um abraço do
Mário
No rescaldo de uma ida à Feira da Ladra, em 10 de Janeiro
Beja Santos
Naquela manhã ensoleirada, sem uma aragem na pouca friagem daquela arquitetura maciça onde não chega o sol, numa das faces no mosteiro de S. Vicente, iniciei as hostilidades por uma incursão a fotografias e papéis avulsos. Nada de deslumbrante, a não ser uma fotografia onde Sequeira e Costa está ao piano acompanhado o violinista Vasco Barbosa, os dois de casaca e bem compenetrados no seu míster, foram companheiros de muita música que tenha ouvido ao longo da vida, ainda há três anos me embeveci com Sequeira Costa, já não é criança, num concerto portentoso no Palácio de Queluz, no festival de música de Sintra.
Só mais à frente é que me chegou a Guiné e colaterais. Primeiro, uma radiografia do ensino, saúde e assistência e atividade missionária da Guiné ao nível de 1968, dados informativos da Agência Geral do Ultramar. Não vale a pena reproduzir as fotografias, todas elas são sobejamente conhecidas, desde o Museu e Biblioteca de Bissau até à Sé Catedral. Ficamos a saber que em 1883 havia já professores oficiais em Bolama, Bissau, Cacheu, Buba, Geba e Farim, e que em 1890 foi publicado o primeiro Regulamento Escolar da Província, tornando-se o ensino primário obrigatório para as crianças de ambos os sexos, dos 7 aos 15 anos de idade. Depois desta informação e todo o seu caráter ilusionista, ficamos igualmente a saber que nos números relativos a 1966/67 haveria 105 escolas primárias com 280 professores e 12 mil alunos, mais 52 postos escolares, com 64 professores. Fazia parte do ensino primário, embora estranho ao plano oficial, 276 escolas muçulmanas.
O liceu Honório Barreto surgiu em 1958 e no ano letivo de 1966/67 teve 417 alunos, lecionados por 21 professores. Passando para a saúde e assistência, a rede sanitária da época incluía o hospital de Bissau, três hospitais regionais (Bolama, Teixeira Pinto e Bafatá), seis hospitais rurais, dez delegacias de saúde, cinquenta e três postos sanitários, dez maternidades regionais e doze maternidades rurais. Concentrava-se no Hospital Central de Bissau a gama dos serviços de medicina com praticamente todas as especialidades. Fazem-se referências igualmente ao combate à tuberculose, às tripanossomíases, à doença do sono. Quanto à atividade missionária, a prefeitura apostólica de Bissau tinha três arciprestados em Bissau, Cumura e Bafatá, confiados, respetivamente, aos missionários franciscanos portugueses, padres franciscanos da província de Veneza e missionários do Instituto das Missões Estrangeiras de Milão. Nota curiosa é o que se diz sobre o Islamismo: “A dispersão do Islamismo encontra-se ligada ao sistema de confrarias (na Guiné Portuguesa, a dos Cadiriya e a dos Tidjaniya) derivados do ritmo malequita. As confrarias são dirigidas por grão-mestres (cheiques) que detêm a emanação de santidade (baraca), sendo muito hierarquizadas. À volta delas gravitam os operadores de milagres, curandeiros, místicos ou iluminados). A nova mesquita de Bissau foi inaugurada em Abril de 1966, está situada no bairro do Cupelon".
O segundo achado da manhã intitula-se “Mohammed V, Ferhat Abbas e Séku Turé” escrito por Jean Lacouture, figura prominente do jornalismo francês dos últimos 40 anos do século XX, Editorial Início, sem data. Como é óbvio, não vamos falar nem de Marrocos nem da Argélia, mas Lacouture descreve de forma muito impressiva a ascensão de Ahmed Sékou Turé, a implantação do RDA (Rassemblement Democratique Africain) e a tese federalista a que seguramente Amílcar Cabral não foi insensível, a industrialização acelerada da Guiné Francesa graças aos seus recursos em ferro e bauxite. Sékou provinha da etnia dos malinké, etnia de conquistadores, nasceu na linha de junção da África da savana e da África das florestas. Foi graças ao sindicalismo que ganhou proeminência. Desde cedo que perfilhou teses nacionalistas e sentiu a tentação pelo socialismo e a revolução. Lacouture disseca a personalidade do líder guineense, releva os seus aspetos mais paradoxais de um dirigente que parecia animando em pertencer a uma grande comunidade franco-africana que imprevistamente deu sinais claros de querer a independência de Conacri sem quaisquer ligações políticas a Paris. Em 1958, ele é já líder absoluto e liquidou toda a oposição interna, diz para o exterior que é um mero porta-voz do Bureau Político, o que era uma pura ficção. Jogou até ao fim a cartada dúplice da ameaça franco-africana e da independência pura e simples da Guiné Conacri.
O general De Gaulle apercebeu-se de que Sékou queria a independência e negava-se a fazer parte da aliança franco-africana. E dá instruções terminantes para que os quadros da administração retirem na manhã do dia seguinte de Conacri, sem apelo nem agravo. Assim irá acontecer, em pouquíssimo tempo as autoridades francesas deixam o país sem investimento e sem quadros: era a consequência do “não” à França. Vai seguir-se um período de aproximação e repulsa em que por várias vezes se esteve à beira de concluir acordos de cooperação com maior interesse para a Guiné, mas Sékou eleva a parada, pede demasiado e Paris desinteressa-se. Todo o ano de 1959 será um período de rancores, intrigas e promessas de parte a parte. Nos seus discursos, Sékou passa a acusar a França de ter sufocado a cultura negra, de ter preferido ensinar aos jovens africanos Lamartine e Corneille e impedir a formação de uma elite intelectual, o que levou ao caos inicial da administração civil. O ano de 1960 marcará o afastamento, Sékou entrara na onda anticolonial, será nesse ano que receberá em Conacri Amílcar Cabral, pelo PAIGC, e Mário Pinto de Andrade, do MPLA. E na conclusão do seu ensaio, Lacouture interroga: “No afastamento em que está hoje Sékou em relação à França, qual é a nossa parte de responsabilidade? Ele está demasiado ligado à França da Frente Popular para poder render justiça ao fenómeno De Gaulle e para não ser repudiado por ele. Mas que fez verdadeiramente a França de Esquerda – tão hábil em manter abertas as vias do lado vietnamita ou norte-africano – para libertar Sékou do isolamento que pesou extraordinariamente na história dos últimos meses. Enquanto a França de Jaurès não sabe sobrepor-se à de Poincaré, a descolonização corre o risco de se tornar uma perda desolado e irreparável”.
Isto foi escrito em Abril de 1961, o ditador de Conacri sente-se tentado pelos apoios de Moscovo e companhia, isto enquanto a economia do país se afunda. A ver se descubro outro livro que nos dê a visão senegalesa, Senghor viu sempre com suspeita Sékou, irá lutar vários anos para apoiar forças multipartidárias nacionalistas guineenses, do lado da Guiné Portuguesa, cortará cedo relações com Portugal mas tentará manter o diálogo com as autoridades de Lisboa por muito tempo. Senghor era anticomunista e temia ficar rodeado de democracias populares. Como veio a acontecer.
Estas foram as leituras decorrentes da manhã de 10 de Junho.
Guardo sempre a esperança de que tenho novas descobertas a fazer num sábado desses que se avizinham.
____________
Nota do editor
Último poste da série de 1 de dezembro de 2014 > Guiné 63/74 - P13963: Recordações de uma ida à Feira da Ladra: 15 de Novembro (2) (Mário Beja Santos)
Queridos amigos,
Foi escassa a safra, ainda encontrei uma revista ultranacionalista chamada Resistir editada em francês para os nostálgicos da França de Vichy e que trazia mera propaganda turística.
Achei curioso este princípio do federalismo africano do final dos anos de 1950 em que Amílcar Cabral encontrou as raízes par a unidade Guiné-Cabo Verde, é esta uma das interpretações possíveis para aquela associação que se sabia de antemão condenado ao malogro.
Foram várias as tentativas de associações de países, como é sabido, tirando a Tanzânia, tudo caiu no charco. E Ahmed Sékou Turé foi uma peça essencial no apoio ao PAIGC, é dado que ninguém ignora.
Um abraço do
Mário
No rescaldo de uma ida à Feira da Ladra, em 10 de Janeiro
Beja Santos
Naquela manhã ensoleirada, sem uma aragem na pouca friagem daquela arquitetura maciça onde não chega o sol, numa das faces no mosteiro de S. Vicente, iniciei as hostilidades por uma incursão a fotografias e papéis avulsos. Nada de deslumbrante, a não ser uma fotografia onde Sequeira e Costa está ao piano acompanhado o violinista Vasco Barbosa, os dois de casaca e bem compenetrados no seu míster, foram companheiros de muita música que tenha ouvido ao longo da vida, ainda há três anos me embeveci com Sequeira Costa, já não é criança, num concerto portentoso no Palácio de Queluz, no festival de música de Sintra.
Só mais à frente é que me chegou a Guiné e colaterais. Primeiro, uma radiografia do ensino, saúde e assistência e atividade missionária da Guiné ao nível de 1968, dados informativos da Agência Geral do Ultramar. Não vale a pena reproduzir as fotografias, todas elas são sobejamente conhecidas, desde o Museu e Biblioteca de Bissau até à Sé Catedral. Ficamos a saber que em 1883 havia já professores oficiais em Bolama, Bissau, Cacheu, Buba, Geba e Farim, e que em 1890 foi publicado o primeiro Regulamento Escolar da Província, tornando-se o ensino primário obrigatório para as crianças de ambos os sexos, dos 7 aos 15 anos de idade. Depois desta informação e todo o seu caráter ilusionista, ficamos igualmente a saber que nos números relativos a 1966/67 haveria 105 escolas primárias com 280 professores e 12 mil alunos, mais 52 postos escolares, com 64 professores. Fazia parte do ensino primário, embora estranho ao plano oficial, 276 escolas muçulmanas.
O liceu Honório Barreto surgiu em 1958 e no ano letivo de 1966/67 teve 417 alunos, lecionados por 21 professores. Passando para a saúde e assistência, a rede sanitária da época incluía o hospital de Bissau, três hospitais regionais (Bolama, Teixeira Pinto e Bafatá), seis hospitais rurais, dez delegacias de saúde, cinquenta e três postos sanitários, dez maternidades regionais e doze maternidades rurais. Concentrava-se no Hospital Central de Bissau a gama dos serviços de medicina com praticamente todas as especialidades. Fazem-se referências igualmente ao combate à tuberculose, às tripanossomíases, à doença do sono. Quanto à atividade missionária, a prefeitura apostólica de Bissau tinha três arciprestados em Bissau, Cumura e Bafatá, confiados, respetivamente, aos missionários franciscanos portugueses, padres franciscanos da província de Veneza e missionários do Instituto das Missões Estrangeiras de Milão. Nota curiosa é o que se diz sobre o Islamismo: “A dispersão do Islamismo encontra-se ligada ao sistema de confrarias (na Guiné Portuguesa, a dos Cadiriya e a dos Tidjaniya) derivados do ritmo malequita. As confrarias são dirigidas por grão-mestres (cheiques) que detêm a emanação de santidade (baraca), sendo muito hierarquizadas. À volta delas gravitam os operadores de milagres, curandeiros, místicos ou iluminados). A nova mesquita de Bissau foi inaugurada em Abril de 1966, está situada no bairro do Cupelon".
O segundo achado da manhã intitula-se “Mohammed V, Ferhat Abbas e Séku Turé” escrito por Jean Lacouture, figura prominente do jornalismo francês dos últimos 40 anos do século XX, Editorial Início, sem data. Como é óbvio, não vamos falar nem de Marrocos nem da Argélia, mas Lacouture descreve de forma muito impressiva a ascensão de Ahmed Sékou Turé, a implantação do RDA (Rassemblement Democratique Africain) e a tese federalista a que seguramente Amílcar Cabral não foi insensível, a industrialização acelerada da Guiné Francesa graças aos seus recursos em ferro e bauxite. Sékou provinha da etnia dos malinké, etnia de conquistadores, nasceu na linha de junção da África da savana e da África das florestas. Foi graças ao sindicalismo que ganhou proeminência. Desde cedo que perfilhou teses nacionalistas e sentiu a tentação pelo socialismo e a revolução. Lacouture disseca a personalidade do líder guineense, releva os seus aspetos mais paradoxais de um dirigente que parecia animando em pertencer a uma grande comunidade franco-africana que imprevistamente deu sinais claros de querer a independência de Conacri sem quaisquer ligações políticas a Paris. Em 1958, ele é já líder absoluto e liquidou toda a oposição interna, diz para o exterior que é um mero porta-voz do Bureau Político, o que era uma pura ficção. Jogou até ao fim a cartada dúplice da ameaça franco-africana e da independência pura e simples da Guiné Conacri.
O general De Gaulle apercebeu-se de que Sékou queria a independência e negava-se a fazer parte da aliança franco-africana. E dá instruções terminantes para que os quadros da administração retirem na manhã do dia seguinte de Conacri, sem apelo nem agravo. Assim irá acontecer, em pouquíssimo tempo as autoridades francesas deixam o país sem investimento e sem quadros: era a consequência do “não” à França. Vai seguir-se um período de aproximação e repulsa em que por várias vezes se esteve à beira de concluir acordos de cooperação com maior interesse para a Guiné, mas Sékou eleva a parada, pede demasiado e Paris desinteressa-se. Todo o ano de 1959 será um período de rancores, intrigas e promessas de parte a parte. Nos seus discursos, Sékou passa a acusar a França de ter sufocado a cultura negra, de ter preferido ensinar aos jovens africanos Lamartine e Corneille e impedir a formação de uma elite intelectual, o que levou ao caos inicial da administração civil. O ano de 1960 marcará o afastamento, Sékou entrara na onda anticolonial, será nesse ano que receberá em Conacri Amílcar Cabral, pelo PAIGC, e Mário Pinto de Andrade, do MPLA. E na conclusão do seu ensaio, Lacouture interroga: “No afastamento em que está hoje Sékou em relação à França, qual é a nossa parte de responsabilidade? Ele está demasiado ligado à França da Frente Popular para poder render justiça ao fenómeno De Gaulle e para não ser repudiado por ele. Mas que fez verdadeiramente a França de Esquerda – tão hábil em manter abertas as vias do lado vietnamita ou norte-africano – para libertar Sékou do isolamento que pesou extraordinariamente na história dos últimos meses. Enquanto a França de Jaurès não sabe sobrepor-se à de Poincaré, a descolonização corre o risco de se tornar uma perda desolado e irreparável”.
Isto foi escrito em Abril de 1961, o ditador de Conacri sente-se tentado pelos apoios de Moscovo e companhia, isto enquanto a economia do país se afunda. A ver se descubro outro livro que nos dê a visão senegalesa, Senghor viu sempre com suspeita Sékou, irá lutar vários anos para apoiar forças multipartidárias nacionalistas guineenses, do lado da Guiné Portuguesa, cortará cedo relações com Portugal mas tentará manter o diálogo com as autoridades de Lisboa por muito tempo. Senghor era anticomunista e temia ficar rodeado de democracias populares. Como veio a acontecer.
Estas foram as leituras decorrentes da manhã de 10 de Junho.
Guardo sempre a esperança de que tenho novas descobertas a fazer num sábado desses que se avizinham.
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Nota do editor
Último poste da série de 1 de dezembro de 2014 > Guiné 63/74 - P13963: Recordações de uma ida à Feira da Ladra: 15 de Novembro (2) (Mário Beja Santos)
quinta-feira, 15 de janeiro de 2015
Guiné 63/74 - P14152: O Mundo é Pequeno e a nossa Tabanca... é Grande (95): Mais uma pequena história... Em honra do Cessna dos TAGP e do Comandante Pombo (Mário Migueis da Silva)
1. Em mensagem de hoje, 15 de Janeiro de 2015, o nosso camarada Mário Migueis da Silva (ex-Fur Mil Rec Inf, Bissau, Bambadinca e Saltinho, 1970/72), enviou-nos uma história passada com o Comandante Pombo, que assim se junta às já publicadas.
O Comandante Pombo
Outubro de 1972
Dedicara a manhã exclusivamente às despedidas dos meus amigos fulas e mandingas das tabancas do Saltinho e de Madina-Contabane, régulo Sambel, mulheres e filhos incluídos, com os quais, em sinal de reconhecimento pela hospitalidade e cordialidade com que sempre me distinguiram, “parti” algumas coisinhas, meras recordações, enfim, com destaque para umas bonitas peças de fazenda que, com razoável antecedência, encomendara em Bafatá.
Agora, com a coluna pronta a seguir para o Xitole, onde, em troca de mais um saco de correio para a malta ávida de notícias e palavras de afecto, me deixariam à guarda do piloto de uma avioneta que fazia habitualmente a ligação com Bissau, mal tinha tempo para, com a bucha na boca, carregar para cima da GMC a meia dúzia de sacos e malas cheios de artefactos de valor meramente estimativo: dois batuques, um korá, uma espécie de cavaquinho, um violino acabaçado com arco provido de cordas de rabo de cavalo, manuscritos diversos, peças de artesanato várias – faltava saber se a pequena aeronave teria espaço para tanta tralha.
- Não há problema nenhum, até porque você é o único passageiro – sossegou-me o comandante Pombo, piloto do Cessna, que, já em plena pista, dava os últimos retoques no acondicionamento da carga, antes de levantar voo.
Pois é verdade, meus caros, era ele, o próprio, o melhor, o mais experiente, o mais espectacular de todos os pilotos civis de sempre em céus africanos, o já lendário comandante Pombo, com quem nunca tinha viajado, mas de quem ouvia falar à boca cheia desde que, dois anos atrás, chegara à Guiné.
Com um dos batuques em cima dos joelhos – que foi a solução encontrada –, enquanto subíamos em grande estilo, pouco menos que na vertical, ousei lembrar timidamente para a minha esquerda:
- Comandante, olhe que hoje é sexta-feira, 13!...
- Dia da segunda aparição em Fátima, não é?!...
E, acto imediato, iniciou o voo picado de despedida à pista, número que não deixava nunca de dedicar ao pessoal de terra.
Esposende, 14 de Janeiro de 2015
Mário Migueis
____________
Nota do editor
Último poste da série de 14 de janeiro de 2015 > Guiné 63/74 - P13148: O Mundo é Pequeno e a nossa Tabanca... é Grande (94): Ainda o Comandante Pombo, a quem convidámos para partilhar connosco as suas histórias e memórias... (Maria João Pombo / Amaral Bernardo)
O Comandante Pombo
Outubro de 1972
Dedicara a manhã exclusivamente às despedidas dos meus amigos fulas e mandingas das tabancas do Saltinho e de Madina-Contabane, régulo Sambel, mulheres e filhos incluídos, com os quais, em sinal de reconhecimento pela hospitalidade e cordialidade com que sempre me distinguiram, “parti” algumas coisinhas, meras recordações, enfim, com destaque para umas bonitas peças de fazenda que, com razoável antecedência, encomendara em Bafatá.
Agora, com a coluna pronta a seguir para o Xitole, onde, em troca de mais um saco de correio para a malta ávida de notícias e palavras de afecto, me deixariam à guarda do piloto de uma avioneta que fazia habitualmente a ligação com Bissau, mal tinha tempo para, com a bucha na boca, carregar para cima da GMC a meia dúzia de sacos e malas cheios de artefactos de valor meramente estimativo: dois batuques, um korá, uma espécie de cavaquinho, um violino acabaçado com arco provido de cordas de rabo de cavalo, manuscritos diversos, peças de artesanato várias – faltava saber se a pequena aeronave teria espaço para tanta tralha.
Foto do Cessna, vermelho, pilotado pelo Comandante Pombo, dos Transportes Aéreos Civis da Guiné
- Não há problema nenhum, até porque você é o único passageiro – sossegou-me o comandante Pombo, piloto do Cessna, que, já em plena pista, dava os últimos retoques no acondicionamento da carga, antes de levantar voo.
Pois é verdade, meus caros, era ele, o próprio, o melhor, o mais experiente, o mais espectacular de todos os pilotos civis de sempre em céus africanos, o já lendário comandante Pombo, com quem nunca tinha viajado, mas de quem ouvia falar à boca cheia desde que, dois anos atrás, chegara à Guiné.
Com um dos batuques em cima dos joelhos – que foi a solução encontrada –, enquanto subíamos em grande estilo, pouco menos que na vertical, ousei lembrar timidamente para a minha esquerda:
- Comandante, olhe que hoje é sexta-feira, 13!...
- Dia da segunda aparição em Fátima, não é?!...
E, acto imediato, iniciou o voo picado de despedida à pista, número que não deixava nunca de dedicar ao pessoal de terra.
Esposende, 14 de Janeiro de 2015
Mário Migueis
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Nota do editor
Último poste da série de 14 de janeiro de 2015 > Guiné 63/74 - P13148: O Mundo é Pequeno e a nossa Tabanca... é Grande (94): Ainda o Comandante Pombo, a quem convidámos para partilhar connosco as suas histórias e memórias... (Maria João Pombo / Amaral Bernardo)
Guiné 63/74 - P14151: Casos: a verdade sobre... (2): Jaime Mota (1940-1974), combatente do PAIGC, natural da ilha de Santo Antão, Cabo Verde, morto em 7 de janeiro de 1974, em Canquelifá por forças da CCAÇ 21 - Parte II (Virgínio Briote / Rachid Bari, ex-sold trms, CCAÇ 21, Bambadinca, 1973/74, natural do Quebo e residente em Portugal)
Guiné > Zona Leste > Região de Gabu > Setor de Piche > Canquelifá > CCAÇ 3545 (1972/74) > 18 de Março de 1974 > A paisagem desoladora da tabanca, depois do violento ataque do PAIGC com morteiros 120 e foguetões 122, durante 4 horas... A artilharia do PAIGC era operada e comandada por cubanos e caboverdianos.
Foto: © Jacinto Cristina (2010) / Blogue Luís Graça & Camaradas da Guiné. Todos os direitos reservados
1. Mensagem do nosso coeditor (jubilado) Virgínio Briote [ex-alf mil ex-alf mil , CCAV 489 (Cuntima), e alf mil comando do 2.º curso de Comandos do CTIG (Brá), cmdt do Grupo Diabólicos (1965/67)]
[Vb, foto à direita, em Seatle, estado de Washington, EUA, julho de 2014]
Assunto: Artigo "O martírio de Jaime Mota" [, de José Vicente Lopes]
Caros Luís e Carlos,
O Amadú [Bailo Jaló], embora apresente alguns sinais de melhoria, não está em condições para falar sobre estes assuntos. Está sem memória.
Consegui obter e gravar um depoimento de um fula, o Rachid Bari, que era soldado das transmissões da CCaç 21 e que nesse dia acompanhou e foi testemunha visual do ocorrido. Refuta a acusação de tortura, abertura de barriga, etc.
O PAIGC não contava com a tropa ali a cerca de 100 metros, encostaram as armas, um pôs-se a trepar uma palmeira e alguns não terão sido apanhados à mão porque um dos militares da CCaç 21 não aguentou a pressão e disparou uma rajada, a que se seguiram séries de rajadas a curta distância. Morreram dois imediatamente e o outro, encurralado, mostrou-se, desafiante. Ainda hoje o Rachid não entende o procedimento desse fula.
Havia directivas muito claras do Com Chefe sobre a questão dos prisioneiros. Aprisioná-los, de preferência sem recurso à violência. Considerava-se que esse modo de actuar era mais adequado para recuperar não só a população como a própria guerrilha. Casos houve, refere o Rachid, em que foram punidos militares por violências exercidas sobre prisioneiros.
Espero que este anexo que remeto seja útil.
Abraço do V Briote
2. Depoimento de Rachid Bari [que vive em Portugal, na zona de Belas, concelho de Sintra,] sobre o ocorrido em 7 de Janeiro de 1974, na zona de Canquelifá, em referência ao artigo “O Martírio de Jaime Mota", de José Vicente Lopes (*)
Rachid Bari, fula, natural de Quebo, foi incorporado em 22 de Janeiro de 1973 e, depois de ter feito a recruta em Bolama, foi enquadrado na CCaç 21, comandada pelo tenente [Abdulai] Jamanca. Fez parte da secção de transmissões e desempenhou actividade operacional, uma vez que sempre que um grupo de combate saía dois elementos de transmissões eram destacados para acompanhar o referido grupo.
A CCaç 21, baseada em Bambadinca, desempenhou várias acções na zona, tendo sido destacados para a área de Canquelifá, então sujeita a forte pressão da guerrilha.
Enquanto lá se mantiveram durante cerca de 5 meses não houve qualquer contacto com o IN, tendo sido então mandada regressar a Bambadinca onde lhe estavam destinadas outras acções.
Logo que abandonaram Canquelifá, foi novamente esta povoação sujeita a bombardeamentos e a CCaç 21 pôs-se de novo em marcha para reforçar o destacamento militar de Canquelifá.
Nesta 2ª estadia em Canquelifá todos os dias e noites saía um grupo, que se emboscava nas imediações do aquartelamento. Num desses dias, por volta das 16 horas, saiu um bigrupo comandado pelos alferes Ali[u] Sada Candé e Braima Baldé.
Quando estavam emboscados viram aproximar-se um grupo de 7 elementos armados. Cautelosamente o comandante do grupo emitiu sinais de alerta e, ao mesmo tempo que começaram a manobra de se disporem em V, avisou que só deveriam disparar ao sinal de fogo.
Inesperadamente um elemento da CCaç 21 disparou uma rajada, a que se seguiram mais rajadas de outros militares até repararem que elementos IN estavam em fuga e que dois ou três teriam sido abatidos. A correr dirigiram-se para o local e enquanto se apoderavam das armas e de um rádio Racal [1] apareceu-lhes de frente um guerrilheiro do PAIGC, fula, com uma Kalash assente na anca direita tendo-os por mira que, depois de perguntar por que motivo irmãos andavam em guerra, carregou no gatilho.
A rajada saiu alta e os militares da CCaç 21 responderam a tiro, abatendo-o.
Depois, o grupo recolheu os corpos, improvisaram macas e trouxeram-nos para Canquelifá. Estavam a acabar de entrar na povoação quando começaram a ser bombardeados pela artilharia e o fogo partia da Guiné-Conacri. Não tiveram tempo de mais nada, a não ser abrigarem-se rapidamente, depositando os corpos na pista. A primeira granada acertou no gerador, a segunda no depósito de géneros e o inferno estava instalado em Canquelifá, com as granadas a caírem todas dentro da povoação-aquartelamento.
Ao amanhecer, o pessoal da CCaç 21 procedeu às cerimónias do funeral do fula, tendo sido seguidos os procedimentos habituais entre os muçulmanos. Corpo envolvido num lençol branco e, depois das orações na mesquita, o corpo foi enterrado.
Em relação aos dois outros cadáveres, levantou-se a questão, logo de início, de que como eram de tez muito clara, deviam ser cubanos e para o efeito entraram em contacto com o COP de Nova Lamego pedindo instruções. Foi-lhes dito que aguardassem, que um médico se iria deslocar a Canquelifá e só depois deveriam enterrar os cadáveres. De facto, momentos depois, o médico desembarcava na pista e foi observar os cadáveres.
Dois dias depois da ocorrência procedeu-se ao enterro dos cadáveres na pista de aviação de Canquelifá, depois de terem sido lavados e vestidos com a farda nº 2 do Exército Português.
Rachid diz que, posteriormente, teve a informação que tinham sido feitas análises e que os resultados admitiam a possibilidade desses guerrilheiros serem brancos. Daí o facto de se admitir a ideia de que eram cubanos.
[Depoimento recolhido por Virgínio Briote]
[Depoimento recolhido por Virgínio Briote]
[1] Quando foi emitida para o QG a mensagem da operação com a indicação do material capturado, alguém confirmou, através do nº do aparelho, que o radio Racal era o que as NT tinham perdido, cerca de dois anos antes em Morés. [Vb]
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Nota do editor:
(*) Vd. poste anterior da série > 15 de janeiro de 2015 > Guiné 63/74 - P14150: Casos: a verdade sobre... (i) Jaime Mota (1940-1974), combatente do PAIGC, natural da ilha de Santo Antão, Cabo Verde, morto em 7 de janeiro de 1974, em Canquelifá por forças da CCAÇ 21 (Virgínio Briote / Amadu Djaló / José Vicente Lopes)
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Nota do editor:
(*) Vd. poste anterior da série > 15 de janeiro de 2015 > Guiné 63/74 - P14150: Casos: a verdade sobre... (i) Jaime Mota (1940-1974), combatente do PAIGC, natural da ilha de Santo Antão, Cabo Verde, morto em 7 de janeiro de 1974, em Canquelifá por forças da CCAÇ 21 (Virgínio Briote / Amadu Djaló / José Vicente Lopes)
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Guiné 63/74 - P14150: Casos: a verdade sobre... (1): Jaime Mota (1940-1974), combatente do PAIGC, natural da ilha de Santo Antão, Cabo Verde, morto em 7 de janeiro de 1974, em Canquelifá por forças da CCAÇ 21 - Parte I (Virgínio Briote / Amadu Djaló / José Vicente Lopes)
[Foto à direita: Jaime Mota, 34 anos, combatente do PAIGC, natural de Cabo Verde, Pim, Ilha de Santo Antão, morto em combate, em 1974. Reproduzida, com a devida vénia, do sítio da Fundação Amílcar Cabral, Praia, Cabo Verde]:
1. Mensagem de 13 de Junho de 2014 às 11h01, do jornalista e escritor de Cabo Verde José Vicente Lopes:
Prezados senhores:
Chamo-me José Vicente Lopes, sou jornalista, cabo-verdiano, e tenho investigado a história recente de Cabo Verde (e um pouco da Guiné), com alguns livros já publicados, casos de Os bastidores da independência e Aristides Pereira, Minha vida, nossa história.
Recorro à vossa comunidade/préstimos para o seguinte: em 7 de Janeiro de 1974, na zona de Canquelifá, na Guiné, numa emboscada, morreu o cabo-verdiano Jaime Mota, um cubano e um guineense, do PAIGC.
Em primeiro lugar, gostaria de saber quem era o comandante do quartel dessa zona.
E, se possivel, também se alguém me saberá dar conta do que realmente se passou com os três individuos. O cabo-verdiano, sei, foi capturado vivo e depois morto pelos Comandos Africanos que o aprisionaram.
Grato desde já pela vossa colaboraçao me despeço atenciosamente
JVL
PS - tentei mandar a mesma mensagem para Luís Graça, mas parece que o email tem algum problema.
Quinta do Paul, Ortigosa, Monte Real, Leiria > IV Encontro Nacional do nosso blogue > 20 de Junho de 2009 > Em primeiro plano, o Virgínio Briote e o Amadu Djaló, um e outro muito acarinhados por todos. Não sei o que é o que Virgínio, um homem sábio, europeu, estava a pensar, mas possivelmente estava a organizar a sua resposta à questão, pertinente, levantada pelo Amadau, outro homem sábio, africano:
"Os portugueses, a alguns povos, deram-lhes novos nomes e apelidos, livros para estudar e consideraram-nos civilizados. Desta civilização não precisávamos, mas faltava-nos a cultura, porque a cultura, de onde sai não acaba e de onde entra não enche. E no nosso Alcorão está tudo, moral, comportamento cívico e civilização e nós não precisávamos de ser civilizados, o que nos faltava era escola para aumentar os nossos conhecimentos"...
Vai daqui um grande abraço fraterno para os dois, e com votos de bem sucedida recuperação, para o Amadu Djaló, da grave crise de saúde que o levou recentemente a ser internado no Hospital Militar, no Lumiar e onde continua, em tratamento.
Foto (e legenda): © Luis Graça (2010). Todos os direitos reservados
2. No dia 8 do corrente, o nosso editor Luís Graça reencaminhou a mensagem supra, para o Virgínio Briote, com o seguinte pedido:
Tenho este assunto "emperrado" desde junho de 2014, por falta de tempo (para uma pesquisa mais demorada)... Mas gostava de responder ao jornalista José Vicente Lopes...
Na pag. 269, do livro do Amadu Bailo Djaló ("Guineense, Comando, Português", Lisboa, Associação de Comandos, 2010), há uma referência à Ação Minotauro. que se realizou em 7/1/1974 (nota de rodapé, da tua autoria, como todas as outras)..
Nessa ação o Amadu refere a morte de 3 guerrilheiros, "um cubano e dois fulas" (sic), que foram depois transportados para Canquelifá. Foram apanhadas as respetivas armas e um rádio, nosso, que tinha sido perdido em 23/12/1971...
Nesta altura, o Amadu já está na CCAÇ 21, comandada pelo tenente 'comando' graduado Abdulai Jamanca, e que foi reforçar Canquelifá (onde estava, como unidade de quadrícula, a CCAÇ 3545, comandada pelo cap mil inf Fernando Peixinho de Cristo).
O jornalista José Vicente Lopes quer apurar a verdade (e nós ainda mais) sobre o que se passou:
(i) "a 7 de Janeiro de 1974, na zona de Canquelifá, na Guiné, numa emboscada, morreu o cabo-verdiano Jaime Mota, um cubano e um guineense, do PAIGC";
(ii) "gostaria de saber quem era o comandante do quartel dessa zona" (...) também se alguém me saberá dar conta do que realmente se passou com os três indivíduos"
(iii) O cabo-verdiano, sei, foi capturado vivo e depois morto pelos Comandos Africanos que o aprisionaram"...
Apelo à tua memória e às longas conversas que tiveste com o Amadu para a elaboração do seu livro de memórias... E, a propósito, espero que ele se recomponha da situação de doença que o levou recentemente ao hospital militar...
Em tempo: pelo que conhecemos do Amadu, ele seria incapaz de confundir um fula com um caboverdiano. E. se facto, houve uma execução sumária (, coisa que me parece pouco provável), o Amadu ter-te-ia seguramente referido esse facto. Nesse dia, Canquelifá foi atacado em força (bem como Copá), facto que é referido pelo Amadu (p. 270): os 3 corpos foram trazidos para Canquelifá e, durante um intervalo dos bombardeamentos, sepultados junto à pista de aviação...
Um abraço fraterno. Luis
PS - Tomo a liberdade de dar conhecimento ao jornalista dos factos que entretanto apurei bem como do teor desta nossa conversa. Entretanto, lê a versão, repleta de pormenores macabros, sob o título "O martírio de Jaime Mota", que o jornalista publicou, no jornal A Nação, 20/1/2014, e reproduzido no sítio da Fundação Amílcar Cabral
3. No mesmo dia, o jornalista mandou-nos a seguinte mensagem:
Obrigado pela resposta, ainda que tardia, já que tive de avançar com o artigo publicado, como diz o texto em anexo, no jornal A Nação. O texto republicado pela Fundação Amilcar Cabral, como se terão apercebido, é meu, está muito maltratado, por gralhas, nalguns casos perfeitamente identificáveis.
Tirando isso, este é um assunto que continua a interessar-me já que estou a escrever sobre a presença de cabo-verdianos na guerra da Guiné. Tudo indica que a operação por vós relatada, a 7 de Janeiro, é a mesma da morte de Jaime Mota, do tal cubano e mais um guerrilheiro guineense. Efetivamente, Jaime Mota era cabo-verdiano, sendo negro/mulato é possivel que tenha sido tomado por fula.
Gostaria de ter o livro [. do Amadu Bailo Jalé,] a que se refere na vossa resposta. Como poderei obtê-lo?
Um bom ano a todos e continuaçao de sucessos no vosso trabalho.
JVL
Vb:
Aqui tens a resposta do jornalista que é também o autor do artigo republicado na Fundação Amílcar Cabral... O artigo, lido por alto, parece-me muito fantasioso, baseados em fontes (?) pouco credíveis (" dados obtidos por Joaquim Pedro Silva, Baró, especialmente junto de um piloto português, que vivenciou aquele momento")...
A cena da tortura e da morte do tal Jaime Mota parece-me ser "cinematográfica" demais para ser verdade... A captura, tortura e execução do Jaime Mota é, parece-me, erradamente, atribuída ao grupo especial de Marcelino da Mata [ "Os Vingadores, que não me parece estar em Canquelifá nessa data, mas sim em março de 1974, quando é apanhada uma ambulância do PAIGC que transportava armamento].
Tu conheceste o Abdulai Jamanca, do tempo dos comandos do CTIG (1965/66)... Pergunto se era homem e militar para autorizar esta barbárie ? A CCAÇ 21 só tinha militares guineenses, incluindo graduados e quadros especialistas, alguns deles da minha antiga CCAÇ 12, já com grande experiência operacional...
Mandam as boas regras da investigação social o respeito por 2 regras básicas: (i) a triangulação de fontes e versões dos factos (princípio do contraditório); e a (ii) saturação da informação (o que implica ouvir várias versões, e se possível complementares, dos acontecimentos) ...
Tirando isso, fora o facto de seu nome ser patrono de um quartel militar na cidade da Praia, pouco ou nada se sabe acerca desse Cabo verdiano, Jaime Mota, nomeadamente, das circunstâncias em que a sua morte aconteceu. Até companheiros seus de armas, que com ele estiveram, pouco ou nada sabem do que aqui se vai relatar.
Osvaldo Lopes da Silva, por exemplo, de quem Jaime Mota era muito chegado, ao ponto de dar o nome desse companheiro ao seu filho, sabe apenas que o mesmo foi ferido e morto em combate. Álvaro Dantas Tavares, mesma coisa, já que a morte desse patrício deu com ele fora da Guiné. E escusado será perguntar às gerações mais novas, de 50 anos para baixo, por que razão Jaime Mota é herói cabo-verdiano.
Jaime Mota, conforme os dados recolhidos para este artigo, foi capturado vivo, a 7 de Janeiro de 1974, no nordeste da Guine, quando, juntamente com outros guerrilheiros do PAIGC, entre eles o também cabo-verdiano Amâncio Lopes, se preparava para fustigar com a sua artilharia o quartel de Canquelifá, na zona de Pirada e Pitche, região de Gabu, fronteira com o Senegal, quando, de repente, se viram sob fogo cerrado. Na hora, tombaram um artilheiro cubano e um combatente guineense. Os demais elementos, lá conseguiram escapulir, deixando para trás Jaime Mota, que terá sido atingido também. Embora não mortalmente.
Os dois cabo-verdianos Amâncio e Jaime faziam parte do grupo de antigos emigrantes de Santo Antão mobilizados em Moselle, França, para um desembarque em Cabo Verde, depois de treinados em Cuba, onde permaneceram de 1965 a 1967. Gorado o plano, o grupo de 31 cabo-verdianos, entre eles uma mulher, é encaminhado para uma nova formação, desta feita, na então União Soviética (Rússia).
A entrada de cabo-verdianos nas frentes da Guiné, sobretudo na artilharia, a par de morteiristas e artilheiros cubanos, é um dos factores que vão ajudar a imprimir à guerra naquele território um novo tipo de confrotação, até então baseada em acções típicas de guerrilha, de “morde e foge”, como diria Che Guevara. Com recurso à artilharia, os confrontos directos, quase corporais, deixaram de ter lugar, com bombardeamentos à distância, de vários quilometros, das posições do inimigo, com muito menos baixas humanas da parte da guerrilha. (...)
CANQUELIFÁ, OUTRO INFERNO
Não muito de longe de Copá, a cerca de 12 quilómetros, estava Canquelifá, onde Amâncio Lopes, Jaime Mota e outros guerrilheiros de PAIGC actuavam, com peças de artilharia. Aqui, em Canquelifá, uma outra testemunha portuguesa, também soldado, relata que, no dia 7 de Janeiro (o mesmo dia da morte de Jaime Mota, nota-se), é emboscada uma coluna de viaturas, que ia levar alimentos a um pelotão acampado no quartel de Copá, sito a 21km de Bajocunda, na qual morreram dois soldados o Sebastião Dias e o José Correia e duas (viaturas) Barliets foram destruídos: “ uma rebentou uma mina e a outra ardeu”. (..)
O DIA FATAL
Amâncio Lopes conta que, embora Jaime Mota fosse, inicialmente, de uma outra frente, integrando a unidade de Osvaldo Lopes da Silva, depois da operação Guilege, no Sul, pede para ir juntar-se a ele; Amâncio, no Leste, tendo em conta a velha amizade que havia entre os dois, desde os tempos de Mossele. “ É assim que ele chega ao Leste e faço dele meu companheiro de reconhecimento”, acrescenta Amâncio. “ No dia 3 de Janeiro de 1974, vamos para a operação de Canquelifá, que corre bem. No dia 7, voltámos ao mesmo quartel e cometemos um erro que foi fatal para Jaime e outras pessoas”.
“Quando se ataca um quartel”, explica aquele antigo guerrilheiro, “ não é aconselhável voltar ao mesmo lugar num curto espaço de tempo, salvo se deixarmos tropas no terreno a controlar a situação. Ora, três ou quarto dias depois, regressaremos para atacar o mesmo quartel, no que fomos surpreendidos e o Jaime caiu”.
É que, detectada a presença do grupo do PAIGC, um pelotão de comandos africanos acaba por surpreendê-lo pela retaguarda, precisamente no momento em que Amâncio, Jaime e os restantes guerrilheiros procediam à recolha de dados para mais um bombardiamneto ao quartel de Canquelifá, como atrás descrito pelas fontes portuguesas. “ Canquelifá era um lugar perigoso, aí sempre perdemos gente. Uma vez, os tugas nos tomaram um morteiro 120 mm”, recorda Amâncio Lopes.
Como atrás foi dito também, na zona, actuavam os comandos africanos, capitaneados por Marcelino da Mata, embora houvesse vários outros grupos desse tipo de unidade especialmente treinada para a contra-guerrilha. (...)
EMBOSCADA FATÍDICA
Regressando ao fatídico 7 de Janeiro de 1974, Amâncio Lopes recorda que o Cubano – um oficial da artilharia cujo nome não se recorda - foi para a operação à revelia dos guineenses e cabo-verdianos presentes. “ Tínhamos ordens expressas de que os cubanos não podiam ir para a frente de combate. Cabral era taxativo quanto a isso: ele não queria simplesmente. Recebíamos ajuda e apoio deles, mas, para a frente, não deveriam ir, porque a guerra na Guiné era assunto nosso, dos guineenses e do cabo verdianos. Mas o cubano, nesse dia, insistiu, a pessoa que nos estava a chefiar não teve pulso para lhe dizer não, ele foi e caiu”.
Cabral, realmente, não queria repetir o que acontecera a Pedro Peralta, um capitão cubano, preso em combate, em Novembro de 1969, no Sul da Guiné, constituindo essa a prova cabal da presença de estrangeiros nesse território, um facto explorado por Lisboa na sua propaganda contra os “comunistas” do PAIGC. Além disso, no decorrer da guerra, tinham já morrido vários outros internacionalistas cubanos, o primeiro doa quais, Félix Barriento Loparte, em 2 de Julho de 1967, no ataque do quartel de Melle, facto que provocou em Cabral “ uma profunda dor”, conforme testemunhas de Oscar Oramas.
No caso em apreços, a emboscada fatídica, segundo Amâncio, aconteceu já no fim da tarde, quando ele e os seus homens aguardavam que escurecesse um pouco mais para procederem ao bombardiamento do quartel de Canquelifá e, como era hábito, desaparecerem rapidamente do terreno. “ Sentámo-nos. Estávamos a comunicar, o Cubano sentou-se numa bagabaga (formigueiro), o Jaime sentou-se também um pouco atrás de mim, o radialista guineense também havia mais três elementos do meu staff para defenir a direcção do fogo (só na artilharia, éramos uns sete ou oito elementos). Nisso, sentimos tiros. Na fuga, eu ensaio ir numa direcção, no que um dos guineenses me grita, aflito, ‘ por ai não, camarada Amâncio, porque o tiro está a vir dessa direção!' '’
“ Invertemos a fuga; no recuo, verificámos que nem o Jaime nem o cubano estavam connosco. Mandei toda gente parar e eu disse: ‘Faltam-noe o Jaime e o cubano’. O artilheiro guineense me diz: ‘ camarada Amâncio, na direcção em que o Jaime e o Cubano ficaram, não há chance… se você quiser ficar também… Pense bem. Não podemos voltar, porque se o fizermos será a nossa morte também”.
António Leite, que estava em Cundura (região fronteira da Guiné Conakry), recorda-se de se ter deslocado ao local, juntamente com um outro oficial cubano, de nome Gouveia, para se inteirarem do que se tinha passado, “ Eu e esse cubano quando lá chegamos, no dia seguinte à notícia, não encontrámos absolutamente nada, a não ser alguns rastos de presença deles e do confronto tido”.
O FIM TRÁGICO DE JAIME MOTA
Ainda de acordo com o tal piloto, diz Baró, uma das coisas que fizeram ao prisioneiro cabo -verdiano foi abrir-lhe a barriga com punhal.
António Leite especifica que Jaime foi ferido numa perna e, neutralizado, os seus captores improvisam uma forquilha com galho de um arbusto, que lhe amarram ao pescoço e a arastam até ao local onde acabam por o matar.
Mas, antes disso, segundo Agnelo e Baró, o prisioneiro foi tambem chicoteado; o chicote feito de pele humana ou por genitais de hipopótamo era uma arma muito utilizada pelos comandos africanos nas suas acções. No fim desse suplício, o corpo do guerrilheiro cabo-verdiano foi esquartejado, num ritual ainda hoje comum entre certas etnias guineenses, bastando para isso lembrar o que aconteceu a Nino Vieira em 2009.
ÓDIO AOS CABO-VERDIANOS
UM HOMEM DE TERRENO
Recordando o velho companheiro, Amâncio Lopes diz que, até hoje, não se conforma por ter perdido naquelas condições. “ Ainda hoje, não consigo explicar como é que Jaime e Cubano forma apanhados naquilo”, lamenta. “ Eu e o Jaime éramos como dois irmãos”. Osvaldo Lopes da Silva diz-se também muito chagado a Jaime Mota. E, ainda que involuntariamente, sente-se associado á morte do velho camarada.
“ Estivemos juntos, primeiro, no Sul, em 1969, na minha unidade; em 1970, fui para o Leste, como comandante de artilharia e ele também; depois fomos para a Marinha, em Conakry, e de lá fomos para uma formação na União Soviética; no regresso, entendemos que já não dava para voltar de novo para a Marinha, como pretendia Cabral, porque o ambiente era claramente hostil aos Cabo-verdianos. Aliás, como se vem a verificar pelo 20 de Janeiro, o centro da conspiração era lá na marinha; juntos, fomos de novo para Sul e, em Maio de 1973, estamos na operação Guilege. Logo de seguida, depois da tomada deste quartel, vou para Gadamael e ele fica no Sul, comigo em Gadamael, sou chamado para uma missão à Líbia, da qual regresso pouco depois; nisso, nesse meio tempo, passou a constar entre os combatentes que eu tinha sido transferido para o Leste. E é assim que o Jaime larga a sua unidade, no Sul, para ir ter comigo no Leste, mas, lá chegando, não me encontra, fica junto de Amâncio, outro grande amigo dele, e vão para essa tal operação, em que ele acaba atingido” .
Honório Chantre recorda o seu conterrâneo como um homem muito ponderado e seguro. “ O Jaime não foi tropa portuguesa, mas tinha uma formação militar muito sólida, esteve em Cuba, na União Soviética e tinha a experiência de combate adquirida no terreno da Guiné. Era um combatente, digamos, normal, mas muito seguro. Juntamente com Amâncio e o Bibino, ele tinha a quarta classe daquela tempo, feita nos anos quarenta ou cinquenta, ao contrário de alguns colegas de Santo Antão que foram alfabetizados por nós em Cuba. Sem dúvida que essa malta de Santo Antão era em grupo de homens muito especiais, desde logo, pela forma como se entregaram á luta, e o Jaime é disso um claro exemplo”, conclui. (...)
António Leite participou, com Amâncio Lopes e Eduardo dos Santos, da operação de recolha e transladação dos três cabo-verdianos. “ Fomos ao Leste e conseguimos localizar os restos do Jaime, que pouco restava. Mesmo assim, foi fácil, porque sabíamos que ele tinha um dente de ouro e encontrámos uma caveira com dente de ouro. Depois fomos recolher os restos do Justino e do Zeca Santos, que sabiamos onde estavam. Havia um outro cabo-verdiano – António Leite, o primeiro de nós a morrer na Guiné, mas dele já não encotramos nada. O local onde tinha sido enterrado, no Sul, estava transforamdo numa plantação de arroz”.
Na Praia, segundo aquela fonte, o pequeno caixão com os restos de Jaime Mota foram enviados para Santo Antão, Paul, onde foi depositado. As outras duas urnas, de Justino Lopes e Zeca Santos, essas, foram enteadas na várzea, já que ambos eram naturais de Santiago. (...)
(*) texto de José Vicente Lopes,
Publicado no jornal "A Nação" de 20.01.14
Tu conheceste o Abdulai Jamanca, do tempo dos comandos do CTIG (1965/66)... Pergunto se era homem e militar para autorizar esta barbárie ? A CCAÇ 21 só tinha militares guineenses, incluindo graduados e quadros especialistas, alguns deles da minha antiga CCAÇ 12, já com grande experiência operacional...
Mandam as boas regras da investigação social o respeito por 2 regras básicas: (i) a triangulação de fontes e versões dos factos (princípio do contraditório); e a (ii) saturação da informação (o que implica ouvir várias versões, e se possível complementares, dos acontecimentos) ...
Acho que é importante manter a ponte com Cabo Verde, país irmão, e neste caso com este jornalista e escritor que eu não conheço, mas que se interessa (e ainda bem!) pela historiografia da presença cabo-verdiana nas fileiras do PAIGC durante a guerra colonial na Guiné, presença sobre a qual temos falado pouco no nosso blogue.
Seria interessanet poder mandar-lhe o livro do Amadu ou cópia da parte que lhe interessa... Que me dizes ?... Ab. Luis
5. Em conversa telefónica, há uns dias atrás o Vb prometeu fazer ume entrevista, gravada, com o Rachid Bari, que foi soldado das transmissões da CCaç 21 e participou na Ação Minotauro. Ele vive na região de Lisboa (Belas, Sintra). O testemunho dele já me foi entregue ontem, pelo Vb, para ser publicado no poste a seguir.
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Nota do editor:
(*) Excertos de "O martírio de Jaime Mota", de José Vicente Lopes. (Reproduzidos, com a devida vénia, do sítio da Fundação Amílcar Cabral, Praia, Cabo Verde. (Seleção e fixação de texto: LG]
(...) Jaime Mota figura na galeria dos heróis cabo-verdianos tombados na luta pela independência da Guiné e Cabo Verde, sob a égide do PAIGC, gesta esta que, no caso deste arquipélago, completa, no próximo sábado, 39 anos. Os seus restos mortais foram traslados para o país natal, quinze anos depois, em 1991, juntamente com as ossadas de outros dois combatentes, Justino Lopes e Zeca Santos.
5. Em conversa telefónica, há uns dias atrás o Vb prometeu fazer ume entrevista, gravada, com o Rachid Bari, que foi soldado das transmissões da CCaç 21 e participou na Ação Minotauro. Ele vive na região de Lisboa (Belas, Sintra). O testemunho dele já me foi entregue ontem, pelo Vb, para ser publicado no poste a seguir.
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Nota do editor:
(*) Excertos de "O martírio de Jaime Mota", de José Vicente Lopes. (Reproduzidos, com a devida vénia, do sítio da Fundação Amílcar Cabral, Praia, Cabo Verde. (Seleção e fixação de texto: LG]
(...) Jaime Mota figura na galeria dos heróis cabo-verdianos tombados na luta pela independência da Guiné e Cabo Verde, sob a égide do PAIGC, gesta esta que, no caso deste arquipélago, completa, no próximo sábado, 39 anos. Os seus restos mortais foram traslados para o país natal, quinze anos depois, em 1991, juntamente com as ossadas de outros dois combatentes, Justino Lopes e Zeca Santos.
Tirando isso, fora o facto de seu nome ser patrono de um quartel militar na cidade da Praia, pouco ou nada se sabe acerca desse Cabo verdiano, Jaime Mota, nomeadamente, das circunstâncias em que a sua morte aconteceu. Até companheiros seus de armas, que com ele estiveram, pouco ou nada sabem do que aqui se vai relatar.
Osvaldo Lopes da Silva, por exemplo, de quem Jaime Mota era muito chegado, ao ponto de dar o nome desse companheiro ao seu filho, sabe apenas que o mesmo foi ferido e morto em combate. Álvaro Dantas Tavares, mesma coisa, já que a morte desse patrício deu com ele fora da Guiné. E escusado será perguntar às gerações mais novas, de 50 anos para baixo, por que razão Jaime Mota é herói cabo-verdiano.
Jaime Mota, conforme os dados recolhidos para este artigo, foi capturado vivo, a 7 de Janeiro de 1974, no nordeste da Guine, quando, juntamente com outros guerrilheiros do PAIGC, entre eles o também cabo-verdiano Amâncio Lopes, se preparava para fustigar com a sua artilharia o quartel de Canquelifá, na zona de Pirada e Pitche, região de Gabu, fronteira com o Senegal, quando, de repente, se viram sob fogo cerrado. Na hora, tombaram um artilheiro cubano e um combatente guineense. Os demais elementos, lá conseguiram escapulir, deixando para trás Jaime Mota, que terá sido atingido também. Embora não mortalmente.
Os dois cabo-verdianos Amâncio e Jaime faziam parte do grupo de antigos emigrantes de Santo Antão mobilizados em Moselle, França, para um desembarque em Cabo Verde, depois de treinados em Cuba, onde permaneceram de 1965 a 1967. Gorado o plano, o grupo de 31 cabo-verdianos, entre eles uma mulher, é encaminhado para uma nova formação, desta feita, na então União Soviética (Rússia).
A entrada de cabo-verdianos nas frentes da Guiné, sobretudo na artilharia, a par de morteiristas e artilheiros cubanos, é um dos factores que vão ajudar a imprimir à guerra naquele território um novo tipo de confrotação, até então baseada em acções típicas de guerrilha, de “morde e foge”, como diria Che Guevara. Com recurso à artilharia, os confrontos directos, quase corporais, deixaram de ter lugar, com bombardeamentos à distância, de vários quilometros, das posições do inimigo, com muito menos baixas humanas da parte da guerrilha. (...)
CANQUELIFÁ, OUTRO INFERNO
Não muito de longe de Copá, a cerca de 12 quilómetros, estava Canquelifá, onde Amâncio Lopes, Jaime Mota e outros guerrilheiros de PAIGC actuavam, com peças de artilharia. Aqui, em Canquelifá, uma outra testemunha portuguesa, também soldado, relata que, no dia 7 de Janeiro (o mesmo dia da morte de Jaime Mota, nota-se), é emboscada uma coluna de viaturas, que ia levar alimentos a um pelotão acampado no quartel de Copá, sito a 21km de Bajocunda, na qual morreram dois soldados o Sebastião Dias e o José Correia e duas (viaturas) Barliets foram destruídos: “ uma rebentou uma mina e a outra ardeu”. (..)
O DIA FATAL
Amâncio Lopes conta que, embora Jaime Mota fosse, inicialmente, de uma outra frente, integrando a unidade de Osvaldo Lopes da Silva, depois da operação Guilege, no Sul, pede para ir juntar-se a ele; Amâncio, no Leste, tendo em conta a velha amizade que havia entre os dois, desde os tempos de Mossele. “ É assim que ele chega ao Leste e faço dele meu companheiro de reconhecimento”, acrescenta Amâncio. “ No dia 3 de Janeiro de 1974, vamos para a operação de Canquelifá, que corre bem. No dia 7, voltámos ao mesmo quartel e cometemos um erro que foi fatal para Jaime e outras pessoas”.
“Quando se ataca um quartel”, explica aquele antigo guerrilheiro, “ não é aconselhável voltar ao mesmo lugar num curto espaço de tempo, salvo se deixarmos tropas no terreno a controlar a situação. Ora, três ou quarto dias depois, regressaremos para atacar o mesmo quartel, no que fomos surpreendidos e o Jaime caiu”.
É que, detectada a presença do grupo do PAIGC, um pelotão de comandos africanos acaba por surpreendê-lo pela retaguarda, precisamente no momento em que Amâncio, Jaime e os restantes guerrilheiros procediam à recolha de dados para mais um bombardiamneto ao quartel de Canquelifá, como atrás descrito pelas fontes portuguesas. “ Canquelifá era um lugar perigoso, aí sempre perdemos gente. Uma vez, os tugas nos tomaram um morteiro 120 mm”, recorda Amâncio Lopes.
Como atrás foi dito também, na zona, actuavam os comandos africanos, capitaneados por Marcelino da Mata, embora houvesse vários outros grupos desse tipo de unidade especialmente treinada para a contra-guerrilha. (...)
EMBOSCADA FATÍDICA
Regressando ao fatídico 7 de Janeiro de 1974, Amâncio Lopes recorda que o Cubano – um oficial da artilharia cujo nome não se recorda - foi para a operação à revelia dos guineenses e cabo-verdianos presentes. “ Tínhamos ordens expressas de que os cubanos não podiam ir para a frente de combate. Cabral era taxativo quanto a isso: ele não queria simplesmente. Recebíamos ajuda e apoio deles, mas, para a frente, não deveriam ir, porque a guerra na Guiné era assunto nosso, dos guineenses e do cabo verdianos. Mas o cubano, nesse dia, insistiu, a pessoa que nos estava a chefiar não teve pulso para lhe dizer não, ele foi e caiu”.
Cabral, realmente, não queria repetir o que acontecera a Pedro Peralta, um capitão cubano, preso em combate, em Novembro de 1969, no Sul da Guiné, constituindo essa a prova cabal da presença de estrangeiros nesse território, um facto explorado por Lisboa na sua propaganda contra os “comunistas” do PAIGC. Além disso, no decorrer da guerra, tinham já morrido vários outros internacionalistas cubanos, o primeiro doa quais, Félix Barriento Loparte, em 2 de Julho de 1967, no ataque do quartel de Melle, facto que provocou em Cabral “ uma profunda dor”, conforme testemunhas de Oscar Oramas.
No caso em apreços, a emboscada fatídica, segundo Amâncio, aconteceu já no fim da tarde, quando ele e os seus homens aguardavam que escurecesse um pouco mais para procederem ao bombardiamento do quartel de Canquelifá e, como era hábito, desaparecerem rapidamente do terreno. “ Sentámo-nos. Estávamos a comunicar, o Cubano sentou-se numa bagabaga (formigueiro), o Jaime sentou-se também um pouco atrás de mim, o radialista guineense também havia mais três elementos do meu staff para defenir a direcção do fogo (só na artilharia, éramos uns sete ou oito elementos). Nisso, sentimos tiros. Na fuga, eu ensaio ir numa direcção, no que um dos guineenses me grita, aflito, ‘ por ai não, camarada Amâncio, porque o tiro está a vir dessa direção!' '’
“ Invertemos a fuga; no recuo, verificámos que nem o Jaime nem o cubano estavam connosco. Mandei toda gente parar e eu disse: ‘Faltam-noe o Jaime e o cubano’. O artilheiro guineense me diz: ‘ camarada Amâncio, na direcção em que o Jaime e o Cubano ficaram, não há chance… se você quiser ficar também… Pense bem. Não podemos voltar, porque se o fizermos será a nossa morte também”.
Chamado á razão pelos demais elementos do grupo, Amancio diz que teve de se render á evidência.
António Leite, que estava em Cundura (região fronteira da Guiné Conakry), recorda-se de se ter deslocado ao local, juntamente com um outro oficial cubano, de nome Gouveia, para se inteirarem do que se tinha passado, “ Eu e esse cubano quando lá chegamos, no dia seguinte à notícia, não encontrámos absolutamente nada, a não ser alguns rastos de presença deles e do confronto tido”.
O FIM TRÁGICO DE JAIME MOTA
Será depois do 25 de Abril que Amâncio Lopes e outros cabo-verdianos, que estiveram nessa zona da Guiné-Bissau, ficarão a saber dos pormenores do que se passou com Jaime Mota, após a sua captura. Este, segundo os dados obtidos por Joaquim Pedro Silva, Baró, especialmente junto de um piloto português, que vivenciou aquele momento, foi capturado vivo pelos comandos, quando viram que o Jaime era cabo-verdiano, torturaram-mo, massacraram-no, de todas as formas. Indo até às últimas consequências”.
Ainda de acordo com o tal piloto, diz Baró, uma das coisas que fizeram ao prisioneiro cabo -verdiano foi abrir-lhe a barriga com punhal.
Àgnelo Dantas, que também recolheu informações sobre o episódio, já que na altura também estava no Leste como comandante, conta igualmente que na emboscada o cubano é morto de imediato, o Jaime é ferido. “ Capturado, é arrastado, torturado pelos comandos africanos e uma das coisas que lhe fizeram foi cortar-lhe os testículos”.
António Leite especifica que Jaime foi ferido numa perna e, neutralizado, os seus captores improvisam uma forquilha com galho de um arbusto, que lhe amarram ao pescoço e a arastam até ao local onde acabam por o matar.
Mas, antes disso, segundo Agnelo e Baró, o prisioneiro foi tambem chicoteado; o chicote feito de pele humana ou por genitais de hipopótamo era uma arma muito utilizada pelos comandos africanos nas suas acções. No fim desse suplício, o corpo do guerrilheiro cabo-verdiano foi esquartejado, num ritual ainda hoje comum entre certas etnias guineenses, bastando para isso lembrar o que aconteceu a Nino Vieira em 2009.
(...) Amâncio Lopes diz que, embora o acto tenha sido cometido por comandos africanos, é ao comandante do quartel de Canquelifá, um português cuja identidade nunca consegui saber, a responsabilidade pelo sucedido. Para todos os efeitos, salienta, “ o Jaime era um prisioneiro de guerra e, nessa qualidade, devia ter sido tratado”. (...)
ÓDIO AOS CABO-VERDIANOS
Quanto ao ódio dos comandos guineenses aos cabo-verdianos, Agnelo Dantas tem a seguinte leitura: “ Eu tenho a impressão de que todo aquele pessoal que estava do lado de lá tinha ódio aos cabo-verdianos. Os comandos, talvez mais, por que eram instruídos nesse sentido. A política do Spínola era essa, apontando Cabral sempre como cabo-verdiano”.
Osvaldo Lopes da Silva diz que o ódio entre os comandos e os combatentes do PAIGC era recíproco. “ As posições de um lado e doutro eram muito radicais. Eu, dos anos em que lá estive, vi vários prisioneiros portugueses, brancos, que eram tratados lindamente; agora, prisioneiros comandos africanos, isso nunca vi; apanhados, eram logo despachados pela nossa gente guineense. De modo que, tendo capturado o Jaime, eles também não estiveram pelos ajustes, ainda por cima um cabo-verdiano”.
UM HOMEM DE TERRENO
Recordando o velho companheiro, Amâncio Lopes diz que, até hoje, não se conforma por ter perdido naquelas condições. “ Ainda hoje, não consigo explicar como é que Jaime e Cubano forma apanhados naquilo”, lamenta. “ Eu e o Jaime éramos como dois irmãos”. Osvaldo Lopes da Silva diz-se também muito chagado a Jaime Mota. E, ainda que involuntariamente, sente-se associado á morte do velho camarada.
“ Estivemos juntos, primeiro, no Sul, em 1969, na minha unidade; em 1970, fui para o Leste, como comandante de artilharia e ele também; depois fomos para a Marinha, em Conakry, e de lá fomos para uma formação na União Soviética; no regresso, entendemos que já não dava para voltar de novo para a Marinha, como pretendia Cabral, porque o ambiente era claramente hostil aos Cabo-verdianos. Aliás, como se vem a verificar pelo 20 de Janeiro, o centro da conspiração era lá na marinha; juntos, fomos de novo para Sul e, em Maio de 1973, estamos na operação Guilege. Logo de seguida, depois da tomada deste quartel, vou para Gadamael e ele fica no Sul, comigo em Gadamael, sou chamado para uma missão à Líbia, da qual regresso pouco depois; nisso, nesse meio tempo, passou a constar entre os combatentes que eu tinha sido transferido para o Leste. E é assim que o Jaime larga a sua unidade, no Sul, para ir ter comigo no Leste, mas, lá chegando, não me encontra, fica junto de Amâncio, outro grande amigo dele, e vão para essa tal operação, em que ele acaba atingido” .
“ O Jaime”, conclui Lopes da Silva, “ era um bocado destemido, um pouco indisciplinado também, tanto assim que larga a unidade dele no Sul e vai para o Leste, por sua própria conta. Era um bocado senhor de si, não admitia abusos, a única pessoa que o continha era eu. Como eu, ele também não gostava de Conakry, era claramente um homem de terreno”.
Honório Chantre recorda o seu conterrâneo como um homem muito ponderado e seguro. “ O Jaime não foi tropa portuguesa, mas tinha uma formação militar muito sólida, esteve em Cuba, na União Soviética e tinha a experiência de combate adquirida no terreno da Guiné. Era um combatente, digamos, normal, mas muito seguro. Juntamente com Amâncio e o Bibino, ele tinha a quarta classe daquela tempo, feita nos anos quarenta ou cinquenta, ao contrário de alguns colegas de Santo Antão que foram alfabetizados por nós em Cuba. Sem dúvida que essa malta de Santo Antão era em grupo de homens muito especiais, desde logo, pela forma como se entregaram á luta, e o Jaime é disso um claro exemplo”, conclui. (...)
António Leite participou, com Amâncio Lopes e Eduardo dos Santos, da operação de recolha e transladação dos três cabo-verdianos. “ Fomos ao Leste e conseguimos localizar os restos do Jaime, que pouco restava. Mesmo assim, foi fácil, porque sabíamos que ele tinha um dente de ouro e encontrámos uma caveira com dente de ouro. Depois fomos recolher os restos do Justino e do Zeca Santos, que sabiamos onde estavam. Havia um outro cabo-verdiano – António Leite, o primeiro de nós a morrer na Guiné, mas dele já não encotramos nada. O local onde tinha sido enterrado, no Sul, estava transforamdo numa plantação de arroz”.
Na Praia, segundo aquela fonte, o pequeno caixão com os restos de Jaime Mota foram enviados para Santo Antão, Paul, onde foi depositado. As outras duas urnas, de Justino Lopes e Zeca Santos, essas, foram enteadas na várzea, já que ambos eram naturais de Santiago. (...)
(*) texto de José Vicente Lopes,
Publicado no jornal "A Nação" de 20.01.14
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