segunda-feira, 23 de novembro de 2015

Guiné 63/74 - P15401: Álbum fotográfico de Alfredo Reis (ex-alf mil, CART 1690, Geba, 1967/69) (4): No regresso a Lisboa, em março de 1969, no N/M Uíge: 1246 passageiros, distribuídos pela 1ª (n=57), 2ª (n=133) e 3ª classes (n=1056)



Foto nº 1 > T/T Ana Mafalda... na viagem de Lisboa-Bissau, em 1967: o alf mil Alfredo Reis é o primeiro da direita. E em segundo plano, à sua direita, se não erro, o Alberto Branquinho, que foi seu colega de liceu em Santarém.  O Branquinho era alferes da CART 1689 / BART 1913 (, Catió, Cabedu, Gandembel e Canquelifá, 1967/69).


Foto nº 2 > O T/T Uíge, o paquete da Companhia Colonial de Navegação, onde o alf mil Alfredo Reis regressou a casa... tal como muitos de nós.





Foto nº 3 > T/T Uíge > Março de 1969 > Distribuição do contingente militar e familiares, pelas três classes do navio... Entre os alferes milicianos, havia 4 futuros grã-tabanqueiros, ou sejam, membros da nossa Tabanca Grande: o Alberto Branquinho (CART 1689), o António Moreira, o A, Marques Lopes e o Alfredo Reis  (CART 1690)(*)...  O nº de passageiros era de 1246, a grande maioria (as praças) viajando em "terceira classe"... Lembrei-me logo do título do livro do José Rodrigues Miguéis, "Gente da Terceira Classe" (**)

Foto nº 4 > T/T Uíge > Março de 1969 >Cumprimentos de despedida do comandante de bandeira, do Comandante e Oficiais do navio


Foto nº 5 >  T/T Uíge > Março de 1969 > Nome do capitão de bandeira, do comandante, do imediato, do chefe de máquinas, do comissário, do médico e do 1º radiotelegrafista


Foto nº 6 > Menu do jantar de despedida, em 7 de março de 1969

Foto nº 8 > Programa do concerto

Fotos (com exceção da nº 1) do regresso, no T/T Uíge, em março de 1969



Guiné > Zona leste > Geba > CART 1690 (1967/69) >  Continuação da publicação do álbum fotográfico do alf mil Alfredo Reis, que nos foi disponibilizado pelo seu amigo e camarada A. Marques Reis.


Fotos: © Alfredo Reis (2007). Todos os direitos reservados. [Edição e legendagem complementar: LG]




Informação do nosso leitor (e, presume-se, camarada) Gabriel Tavares sobre a figura do Capitão de Bandeira:

Capitâo de Bandeira é o oficial da armada (marinha de guerra) nomeado para representar as autoridades navais a bordo de navio mercante fretado pelo Estado para transporte de guerra (pessoal e material). Tem autoridade sobre toda atripulação. Para as tropas havia o comandante das tropas embarcadas, oficial mais antigo de todos os oficias das forças embarcadas.

Se o Oficial da Armada que tinha de ser da classe de Marinha fosse mais graduado ou antigo que o comandante militar de bordo (comandante das forças embarcadas) acumulava as duas funções.

Esta legislação entretanto foi revogada em 2009.
G.Tavares, 24/11/2015

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Notas do editor:

(*) Último poste da série > 20 de novembro de 2015 > Guiné 63/74 - P15388: Álbum fotográfico de Alfredo Reis (ex-alf mil, CART 1690, Geba, 1967/69) (3): O que é um homem precisava no mato, num miserável destacamento como o de Banjara, em 1967 ?
(**) Gente da terceira classe é o título da crónica que narra a primeira viagem de José Rodrigues Miguéis  [Lisboa, 1901-Nova Iorque,1980] para os Estados Unidos da América. Ao ler este registo autobiográfico, o leitor poderá captar as primeiras impressões de uma realidade social que será desenvolvida nos contos e novelas.

Jornal de bordo - 1935

«(...) É preciso ter viajado num destes transatlânticos para se fazer uma ideia das fronteiras que separam os homens e as classes, mesmo dentro duma casca de noz. E somos poucos, aqui, não mais de cinquenta: que faria se fôssemos os duzentos ou quatrocentos da lotação, só Deus sabe, amontoados na imunda gafaria que é a terceira dos emigrantes. (...)

Ao partir, levavam consigo ao menos uma esperança: agora nem isso lhes resta. Muitos deles, com o sonho, seu único luxo, perderam por lá a saúde e a força de trabalho, que era toda a sua riqueza.
Com estes, os de torna-viagem, embarcaram na Madeira e agora comigo, em Lisboa, alguns portugueses que vão, como eu, à Inglaterra tomar o paquete para os Estados Unidos. Assim se juntam aqui, embora com destinos e em estados de alma opostos, duas correntes da mesma miséria: uma delas, ainda quente do sol da ilusão, parte para a zonas mais temperadas e prósperas do Leste americano; a outra regressa lá do equador e do trópico, fria de desapontamento, amolambada e escrofulosa, para se dispersar por todos os cantos deste nosso mundo cristão e ocidental. Correntes humanas, num inquieto e perpétuo corropio em torno destoutro mar de Sargaços, a vida.(...)»

in «Gente da Terceira Classe», 3.ª ed, Editorial Estampa, 1983 pp. 11 e 12

(Crónica publicada na revista «Seara Nova» nos anos 40 e depois integrada no volume intitulado «Gente da Terceira Classe». A primeira edição data de 1962).

Fonte: © Instituto Camões, 2001 (com a devida vénia...)

Guiné 63/74 - P15400: Agenda Cultural (438): Apresentação do livro "25 de Novembro de 1975; Os «Comandos» e o Combate pela Liberdade", da autoria de: Coronel Manuel Amaro Bernardo, Ten-Coronel Francisco Proença Garcia e Sargento-Mor Rui Domingues da Fonseca, dia 26 de Novembro de 2015, pelas 15 horas, no Palácio da Independência (Manuel Barão da Cunha)

Em mensagem do dia 21 de Novembro de 2015, o nosso camarada Manuel Barão da Cunha, Coronel de Cav Ref, que foi CMDT da CCAV 704 / BCAV 705, Guiné, 1964/66, dá-nos conta da próxima tertúlia do Fim do Império, a levar a efeito já no próximo dia 26 no Palácio da Independência.

No próximo dia 26 de Novembro de 2015 (5.ª feira, 15h00), no Palácio da Independência/SHIP (perto do Metro/Rossio), vai realizar-se a 125.ª tertúlia com a apresentação de livro "25 de Novembro de 1975; Os «Comandos» e o Combate pela Liberdade", da autoria de: Coronel e Dr. Manuel Amaro Bernardo, Ten-Coronel e Dr. Francisco Proença Garcia e Sargento-Mor Rui Domingues da Fonseca, com prefácio do Ten-General Tomé Pinto e posfácio do General Ramalho Eanes.
Ed. Associação de Comandos, 2005.11.25


A venda do livro reverte a favor da Associação de Comandos
Com a presença dos autores.
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Nota do editor

Último poste da série de 17 de novembro de 2015 Guiné 63/74 - P15377: Agenda Cultural (437): "A Rua Suspensa dos Olhos", ternurenta coletânea de estórias e memórias, de Ábio de Lápara (pseudónimo literário de José A. Paradela): sessão de lançamento, domingo, dia 22, às 16h, na Biblioteca Municipal de Ílhavo

Guiné 63/74 - P15399: Blogpoesia (425): Primeira neve... (Joaquim Luís Mendes Gomes, ex-Alf Mil Inf)

1. Em mensagem do dia 22 de Novembro, o nosso camarada Joaquim Luís Mendes Gomes (ex-Alf Mil da CCAÇ 728, Cachil, Catió e Bissau, 1964/66), enviou-nos um poema alusivo ao aparecimento da primeira neve.


Primeira neve…

Esta tarde, caiu a primeira neve.
Primeiro, em farrapinhos, tão leves,
De tímidos, nem chegavam ao chão.

Depois, mais arrogantes,
Se desembaraçando das ondas de vento,
Começaram a atapetar o chão.
E uma manta branca,
Extensa e leve,
Escorreu dos ramos,
Por já estarem nus,
Cobriu as casas,
Como se fosse um véu.

Acabou-se a chuva.
Não é preciso guardá-la.
Sai-se à rua.
Tudo é calmo.

A criançada delira.
Atirando neve.
Faz bonecada.
Dá gargalhadas.

E os mais velhotes,
Com suas bengalas,
Tacteiam o chão
E escrevem pegadas.

O frio foi-se.
Fins de Novembro.
Parece verão!...

Berlim, 22 de Novembro de 2015
17h4m Jlmg
Joaquim Luís Mendes Gomes
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Nota do editor

Último poste da série de 14 de novembro de 2015 Guiné 63/74 - P15365: Blogpoesia (424): Uma hecatombe virá... (Joaquim Luís Mendes Gomes, ex-Alf Mil Inf)

Guiné 63/74 - P15398: Notas de leitura (778): Américo Estanqueiro, álbum fotográfico sobre Dulombi (Mário Beja Santos)

1. Mensagem do nosso camarada Mário Beja Santos (ex-Alf Mil, CMDT do Pel Caç Nat 52, Missirá e Bambadinca, 1968/70), com data de 26 de Janeiro de 2015:

Queridos amigos,
Graças ao nosso confrade Carlos Silva que tão prestimosamente me franqueia a sua biblioteca, acabo de conhecer o talento do nosso camarada Américo Estanqueiro que aterrou em Dulombi em época de transição.
Falando por mim, ir a Dulombi numa daquelas fainas que o Luís e eu tão bem conhecemos, de recoveiros distribuidores de toda a sorte material, significava um bom passeio, uma pausa entre as emboscadas noturnas, as colunas ao Xitole, as operações e correlativos.
O que me impressiona nas imagens de Américo Estanqueiro é a viagem entre dois mundos, a captação da bonomia e de uma vida simulada numa aparente pacificação e a contenção da crueldade da guerra, na chegada dos mortos, espojados aqui e acolá, as viaturas destruídas parecem ganhar vida, e uma viagem de "periquitos" a caminho do Xime parece algo de funambulesco, dado pelo paradoxal daquela montanha de bagagens e a vigilância das metralhadoras.
Para que conste.

Um abraço do
Mário


Américo Estanqueiro, álbum fotográfico sobre Dulombi

Beja Santos

O nosso blogue anunciava em finais de 2007 uma exposição que decorria na Fundação Mário Soares com fotografias de Américo Estanqueiro, da qual se publicou um álbum, na notícia do blogue há mesmo quem o exiba. E depois silêncio. O historiador de fotografia José Pessoa apresenta-o nos seguintes termos:
“Américo da Conceição Estanqueiro nasceu em 15 de Abril 1947, na aldeia de Vendas de Maria, concelho de Alvaiázere, distrito de Leiria. Quando completou o 1.º ciclo, e devido às dificuldades económicas da família, empregou-se numa fábrica de lanifícios onde durante dois anos ganhou o dinheiro necessário para voltar a estudar, tendo completado o 2.º ciclo com 21 anos de idade. Em 1968, fez a recruta nas Caldas da Rainha e a especialidade de atirador em Tavira. Pediu para fazer a especialidade em Foto-cine, o que não lhe foi concedido. Foi mobilizado no Regimento da Infantaria de Abrantes e embarcou para a Guiné em 24 de Abril de 1970.
O seu primeiro contacto com a fotografia foi através do irmão António, na altura empregado da Kodak. Este tinha acabado de fazer a sua comissão em Moçambique, durante a qual ganhou dinheiro fazendo fotografias dos companheiros de armas. Este deu-lhe esse exemplo e ensinou-o a dar os primeiros passos. Parte da formação profissional do Américo Estanqueiro foi feita através da leitura de livros e revistas, pela sua iniciativa.
Começou logo a concretizar o seu objetivo durante a recruta, revelando as imagens na sua casa em Lisboa. Era tudo a preto e branco. Logo que embarcou montou um laboratório a bordo. O negócio aumentou significativamente quando chegaram ao aquartelamento na Guiné, com solicitações constantes de retratos, mais ou menos compostos com elementos locais. Trabalhava com uma câmara Minolta 6x6cm e imprimia papel Agfa lustroso. Os rendimentos desta atividade paralela valeram-lhe umas abastadas férias em Bissau, tirou a carta e enviou 85 contos para casa, graças ao pré que descansava intacto.
Um mês antes de regressar deu todo o material ao soldado Adriano Francisco, que o tinha ajudado nos trabalhos fotográficos e vendia as fotografias (não ficava bem um furriel proceder à venda e à cobrança direta aos soldados). Infelizmente o Adriano acompanhou as malas e veio a falecer em Bissau, vítima de uma crise súbita de tuberculose.
Américo Estanqueiro regressou a Portugal e montou uma casa de fotografia na Estrada da Damaia, que não veio a ter sucesso. Voltou à terra e montou um estúdio fotográfico em Figueiró dos Vinhos. Em 1977, recebeu um convite para ir para a Venezuela, onde se empregou no maior estabelecimento do ramo, em Caracas. Dali saiu para arrancar com dois novos laboratórios, como responsável técnico. Porém, a desvalorização da moeda venezuelana levou-o a regressar à pátria. No regresso, abriu o Centro Fotográfico de Alcobaça. Ao tempo em que se realizou a exposição era empregado da firma Foto Industrial 2.
O que aconteceu entretanto aos cerca de 6 mil negativos realizados durante o serviço militar? Deitou-os os fora logo que perdeu contacto com os camaradas e considerou que se tinham tornado inúteis. Nem um sobreviveu para a amostra. Resolveu então conservar, das provas impressas em África um conjunto de imagens que mostrasse às suas filhas a viagem que começou no Cais da Rocha”.

Américo Estanqueiro, ex-Fur Mil da CCAÇ 2700 (Dulombi, 1970/72) autografando o catálogo da sua exposição para o antigo camarada de armas Joaquim Alves, ex-Fur Mil Enf.




Agora é a minha vez de falar. Ao tempo da minha comissão (68/70) a região de Dulombi era sossegada, guerra a sério era a uns bons quilómetros daqui, no Xitole. Havia a pressão do PAIGC, é certo, raptos, intimidações, Quirafo foi várias vezes atacada. Daqui a Bambadinca, nesses tempos, era um simples passeio, levava-se a arma por precaução. Na intervenção em Bambadinca, uma das tarefas rotineiras era levar mantimentos, munições e material de Engenharia, tarefa menos espinhosa não havia. Folheio o álbum e tudo me parece convencional até ao porto do Pidjiquiti. A foto a bordo da LDG “Montante” não deixa de impressionar, por um amontoado de gente encostada às malas, o sossego vem das duas armas, há pessoal placidamente encostado à amurada, o fardamento a cheirar a novo. Quem ali vai é CCAÇ 2700. E embrenhamo-nos em Dulombi, Américo Estanqueiro mostra gente sorridente em tempos de pausa, simulações de guerra, bom material para mandar à família e deixá-la descansada. E depois surgem os sinais da guerra, imagens de minas, interpoladas com o folclore das lavadeiras de peito à mostra e nosso militar em tanga, perfilado com elementos da população local. Há imagens nos estragos causados por um tornado, em 25 de Abril de 1971, e legenda não houvesse bem podíamos pensar que houvera para ali um bom foguetório. Do simulacro, da atmosfera de bonomia salta-se, e com que dureza, para a tragédia: um Unimog com soldados mortos; um outro Unimog que acionou uma mina anticarro, morreram dois soldados, o que há de incomum é a máquina ferida que parece dar um murro e saltar da esquadria da fotografia; o fotógrafo escolhe o ângulo, temos agora um ferido em combate atravessado na maca, levanta a cabeça como que para assegurar a quem o vai ver que está vivo a despeito da farda esfarrapada, dos pensos e da sua face marcada por sequelas várias; e há um soldado africano morto, o fotógrafo cuidadosamente escolhe um ângulo que não escandalize mas que faz vibrar o coração, um outro soldado africano toca-lhe delicadamente no antebraço, pela expressão pesarosa parece querer ressuscitar quem ali jaz em chão térreo, sob o mosquiteiro. Não menos doloroso é uma outra fotografia de um outro soldado morto em combate, jamais saberemos se é branco ou africano, está tudo concentrado no seu corpo sofrido, a cabeça entrapada em gaze, não faltam ligaduras até aos pés, há corpos inclinados, não têm direito a mostrar consternação; até uma imagem de urnas ganha humanidade, são caixões alinhados com corpos embrulhados em mantas, alguém se despede ou procede a reconhecimento levantando a manta junto ao rosto.

A CCAÇ 2700 substituiu a CCAÇ 2405, a que pertenceu o nosso confrade Paulo Raposo, que vivenciou o desastre do Cheche, em 6 de Fevereiro de 1969. A companhia teve sete mortos e quatro feridos e meia centena de baixas por doença. E os tempos tinham mudado, a região já não dispunha de serenidade, como no meu tempo: Dulombi sofreu flagelações, emboscadas, minas antipessoais, mina anticarro. Em 1971, a região sofria o impacto de ter o Boé e a outra margem do Corubal com uma nova agressividade. Agora a guerra era outra coisa.

As fotografias de Américo Estanqueiro são eloquentes pela vibração da paz que se quer manifestar às famílias e pela contenção de uma guerra que parecia, naquele ponto do mapa, inimaginável.
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Nota do editor

Último poste da série de 20 de novembro de 2015 Guiné 63/74 - P15387: Notas de leitura (777): “O Mundo Português”, revista de cultura e propaganda, editada pela Agência Geral das Colónias em conjunto com o Secretariado da Propaganda Nacional em Abril de 1936, um número dedicado à Guiné (Mário Beja Santos)

Guiné 63/74 - P15397: (Ex)citações (301): O álcool na génese de não poucas baixas mortais no CTIG: relato de um quase acidente que se passou comigo, e que podia ter resultado em tragédia (Abílio Magro, ex-fur mil amanuense, CSJD/QG/CTIG, Bissau, 1973/74)

1. Mensagem de ontem do Abílio Magro, ex-fur mil amanuense,  CSJD/QG/CTIG (Bissau, 1973/74), com a seguinte nota:

 "Caros camaradas destas e de outras lides: Aqui vos envio mais uma pequena peripécia (uma rapidinha) vivida por um bravo do ar condicionado durante o seu "martírio" por terras de Kaku Baldé.
Abraços".

Acontece que esta história já fora publicada, na série "Um Amanuense em terras de Kako Baldé ", há um ano e meio atrás  (*)... O Abílio já não se devia lembrar...Mas merece ser de novo reproduzida aqui (**), tendo em conta  a questão da existência ou não de "batota", na classificação das nossas "baixas" (por acidente, doença e em combate), ainda recentemente objeto de debate no nosso blogue.

Esta história ilustra muito bem a arte lusitana do "desenrascanço" (por exemplo, na gestão de conflitos). Também pode servir para ilustrar um certo "nacional-porreirismo" e, seguramente, a camaradagem que existia entre nós, no TO da Guiné, independentemente do sítio onde se estava, não sendo relevante, para o caso, a distinção  entre quem estava no mato ou em Bissau... Camaradagem também significava bom senso  e recusa do militarismo do RDM...

Por fim, o caso aqui relatado pelo Abílio chama a atenção para o grave problema do álcool em tempo de guerra: já antes tinham sido publicadas outras histórias com casos  que originaram tragédias (***)... As baixas mortais que daí resultaram foram classificadas, eufemisticamente, como "acidentes"...  Mais uma vez o nosso "nacional-porreirismo"...

Também ficamos a saber que a PIDE/DGS, em Bissau,  tinha as "costas quentes", ou melhor, sabia que podia dormir decansada,  com segurança militar à porta, de noite e de dia... Sinais dos tempos. 

Acrescentámos os comentários que, na altura, foram feitios e enriqueceram o poste do Abílio Magro. LG
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Pelas tarefas que desempenhava na CSJD/QG/CTIG (Serviço de Justiça), fui-me apercebendo que muitas doenças, ferimentos e até mortes, eram resultantes do abuso na ingestão de bebidas alcoólicas, mas quem, durante a sua comissão, não apanhou a sua "tosgazita"?

Porém, quando estamos num TO e somos possuidores de uma arma de guerra, uns copitos com os camaradas e algum descontrolo, podem resultar em tragédia. 

Este pequeno episódio que se passou comigo é bem elucidativo disso mesmo, e se o multiplicarmos por dezenas, ou até centenas (durante toda a guerra colonial, talvez milhares) e o transpusermos para uma qualquer companhia no mato, não será difícil adivinhar a quantidade de incidentes com finais trágicos que ocorreram durante aquela guerra.

Numa das minhas muitas seguranças nocturnas que fiz às instalações da PIDE-DGS em Bissau, junto ao bairro do "Pilão", comandando um pequeno grupo de 6 ou 7 homens, deu-se um episódio que me deixou bastante incomodado e "acagaçado". 

O pessoal que integrava estes pelotões pertencia à CCS/QG e apresentava-se à noite para efectuar o "serviço" já bastante cansado das muitas picadas percorridas durante o dia entre gabinetes e, alguns, com muitas paragens para reabastecimento no Bar. 

Por norma estacionávamos numa pequena ruela, nas traseiras da DGS, que dava acesso ao Bairro do Cupilom e ali, junto a uma palhota, o pessoal "ferrava o galho" com uma "pinta do caraças"!
Eu nunca dormia e não era por medo ..., não senhor! Era pelo meu elevado sentido de responsabilidade e pela obrigação moral de zelar pelo merecido descanso daqueles bravos militares. 

Nessa noite, íamos talvez fazer o turno das 00h00 às 04h00 e tínhamos acabado de chegar ao "objectivo" quando entra na ruela um táxi conduzido por um negro e com um "pendura" negro 
também.
De repente, um "fabiano" do pelotão manda parar o táxi, puxa a culatra a trás, e apontando a arma ao "pendura", indaga: 
- "Quem és tu, para onde vais!?" 

Oh balha-me Deus, carago, que é isto!? Pergunto-me a mim próprio, completamente abananado. 

Passados uns segundos logo me apercebi que o "fabiano" estava com uma valente "tosga", daquelas chamadas de "caixão à cova". Ai meu Deus se o gajo dispara aquela merda!
Com pinças e tentando manter a calma do "fabiano" (eu tremia todo e devia estar azul - ai s'aquilo dispara!), a muito custo, mas muito de levezinho, lá consegui retirar-lhe a arma e desarmá-la, apetecendo-me logo de seguida dar-lhe uma valente coronhada na "tola", mas, lembrando-me de algumas "tosgas" próprias, lá pedi desculpas ao taxista e Companhia e mandei-os seguir viagem. 

Pelo "telemóvel" contactei o Alferes Mil de prevenção (um amigo dos tempos do QG de Lisboa) e, com receio de possíveis escutas, disse-lhe apenas que precisava da presença dele pois havia um pequeno problema. 

Apareceu passado pouco tempo de Unimog e com mais um pelotão, meio abananado também por não perceber o que se estava a passar. 

Chamei-o à parte e lá lhe contei o que acontecera. Substituiu-se o "fabiano" que seguiu de Unimog 
para o Quartel e tudo o resto decorreu normalmente. 

Acordamos depois que não faríamos qualquer participação e o "fabiano" livrou-se duma valente "porrada". 

Eu ..., apanhei mais um valente "cagaço".

Abílio Magro
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Notas do editor:


Comentários:

(i) JD disse...

Caro Abílio,

Bom regresso ao meio tabancal. A minha intervenção agora tem a ver com o epíteto "fabiano". Retenho que foste contemporânio do Fabião, pelo que associo o termo ao nome do futuro comandante da entrega da Guiné. Asim, peço-te para me esclareceres, se sim, ou não, a associação existe, e em que circunstâncias o pessoal recorria ao termo "fabiano".

Um abraço
JD



(ii) Abílio Magro disse...

Caro JD:
"Fabiano" nada tem a ver com o Brig Carlos Fabião e trata-se de um termo que ouvi algumas vezes ser usado por militares do QP quando se queriam referir a um qualquer militar do QC e outras pessoas usam-no em vez de "fulano", por brincadeira, como é o meu caso.

Durante a minha passagem pela Guiné nunca me apercebi de que fosse comum entre os militares.
Abraço

(iii) Abílio Magro disse...

O texto que enviei terminava assim: Eu ..., apanhei mais um valente "cagaço".
O camarigo Carlos Vinhal resolveu não incluir a última frase que, efectivamente, é perfeitamente desnecessária por se encontrar sobejamente implícita nos outros postes que enviei.
Sempre atento o nosso Editor-Mor!
Abraço


(iv) Abílio Magro disse...

fabiano
adjetivo
HISTÓRIA relativo a Fábio, general e estadista romano (275-203 a. C.)
nome masculino
1. HISTÓRIA antigo sacerdote romano
2. popular indivíduo indeterminado
3. popular indivíduo inofensivo
4. membro da associação socialista inglesa, Fabian Society, criada em Londres em 1863
(Do latim Fabiānu-, «Fabiano»)

fabiano In Infopédia [Em linha]. Porto: Porto Editora, 2003-2014.
(v) JD disse...

caro Abílio,
Muito obrigado pela diligência explicativa. Com isto acabo de enriquecer o meu léxico.
Manda mais, que voltarei a pedir-te ajuda, se me esquecer da Infopédia.
Um abraço
JD



(vi) Carlos Esteves Vinhal disse...

Calma e pára o baile!!!
O editor não corta nada, pelo menos sem antes "conversar" com o autor dos textos.
Não consigo justificar a falta da última frase que já foi posta no seu sítio.
Ao camarada Abílio Magro as minhas desculpas.
Carlos Vinhal
Co-editor


(vi) Abílio Magro disse...

Ok, siga o baile!


(vii) Hélder Valério disse...

Caros camaradas

Já fazia tempo que não tínhamos recordações de Abílio Magro (amanuense, porra!), lembram-se?

E desta vez contempla-nos com um pedaço da sua vida atribulada em Bissau.´

O 'pessoal do mato' costuma falar depreciativamente dos que estavam em Bissau. É natural, faz parte do modo de estar em zona de guerra, essa confrontação entre os que estão 'no mato' e os que estão no 'bem bom', no 'ar condicionado'...

Mas, a verdade, é que várias situações perigosas também aí sucediam. Quem não se lembra das questões, com vítimas, entre elementos das nossas "especiais"? Dos problemas com os fuzileiros? E os paraquedistas? E o Pilão (Cupilom)?
Portanto, este relato é apenas mais uma amostra de como nem tudo era 'pêra doce'.

Abraço
Hélder S.

(**) Vd. poste de 22 de novembro de 2015 > Guiné 63/74 - P15395: (Ex)citações (300): (i) Conheci de perto, em Alhandra, o Conjunto Académico João Paulo... Ouvi-os ensaiar vezes sem conta... Fiquei farto... Mesmo assim preferia-os a eles a ter que ouvir, até à exaustão, nos "rangers", em 1966, o "Sambinho Chato" e o "Et Maintenant" (Mário Gaspar); (ii) link com a canção "O Salto" (EPI, Mafra, 1966) (Inácio Silva)

(***) Vd. por exemplo poste de 23 de dezembro de 2011 > Guiné 63/74 - P9256: À margem da história oficial ou oficiosa (2): A tragédia, em São João, que ensombrou o Natal de 1966 da CART 1613: o assassínio do Cap Fausto Ferraz, substituído depois pelo Cap Eurico Corvacho (que morreu anteontem)

Guiné 63/74 - P15396: Parabéns a você (990): José Saúde, ex-Fur Mil Op Esp do BART 6523 (Guiné, 1973/74)

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Nota do editor

Último poste da série de 19 de novembro de 2015 Guiné 63/74 - P15384: Parabéns a você (989): Mário Migueis da Silva, ex-Fur Mil Rec Inf (Guiné, 1970/72)

domingo, 22 de novembro de 2015

Guiné 63/74 - P15395: (Ex)citações (300): (i) Conheci de perto, em Alhandra, o Conjunto Académico João Paulo... Ouvi-os ensaiar vezes sem conta... Fiquei farto... Mesmo assim preferia-os a eles a ter que ouvir, até à exaustão, nos "rangers", em 1966, o "Sambinho Chato" e o "Et Maintenant" (Mário Gaspar); (ii) link com a canção "O Salto" (EPI, Mafra, 1966) (Inácio Silva)

Mário Gaspar, ex-fur mil at art 

MA, CART 1659 (Gadamael 
e Ganturé, 1967/68)
1. Mensagem do nosso camarada Mário Vitorino Gaspar, com data de ontem, respondendo a um apelo nosso, ao pessoal da Tabanca Grande, para nos mandar fotos, histórias e memórias de/com o Conjunto Académico João Paulo,  cujos seis elementos fizeram a tropa ao mesmo tempo, "pagando" em digressões pelo Ultramar (Guiné incluída) o tempo de serviço militar... [, Dizem que por sugestão, "cunha" ou conveniência do Movimento Nacional Feminino: na realidade, sempre era melhor tocar e cantar para os combatentes, mesmo nos quarteis do mato,  do que andar com a canhota pelos matos e bolanhas da Guiné...]



Caros Camaradas

Em abril de 1968 (*) eu estava em Gadamael Porto e tinha perdido o meu melhor amigo que ficou com um buraco na barriga, os membros pendurados por fios e pedia aos camaradas que lhe dessem um tiro. Ainda foi assistido mas morreu, ele o furriel miliciano Vítor José Correia Pestana e o soldado António Lopes da Costa. 

Para cúmulo "mortos por acidente", foi o mesmo “acidente” que levou o Lobato a sair de Conacri com os camaradas na “Operação Mar Verde”, regressar a Lisboa e voltar a Gadamael Porto, dizendo ter fugido. 

Conheci de perto o Conjunto João Paulo (*). Os ensaios deles eram ao lado do meu quarto, na casa dos meus pais, em Alhandra, mesmo ao lado do Cineteatro Salvador Marques.

Voltei a vê-los no Monumental, em Lisboa - uma boa obra arquitectónica que desapareceu por culpa de alguém - ou num Carnaval ou Fim-de- Ano. Actuou uma cantora sul-sfricana, julgo que Vicki era o seu nome. 

Ouvi-os a ensaiar, vezes sem conta, e altos berros. O representante do Conjunto era madeirense e explorava os Cinemas de Alhandra, Póvoa de Santa Iria e Sacavém, pelo menos.

Até fiquei farto. Na Gadamael queriam que visse “Rapazes de Táxi”, com Tony de Matos e António Calvário. Foi a oportunidade que tive. Verdade seja dita ser mais agradável escutá-los que aturar nos Rangers em 1966 o “Sambinha Chato” e o “Et Maintenant”.

É chato chato, muito chato o "Sambinha chato", muito chato, e o "Sambinha chato" é chato, muito chato o "Sambinha chato". Isto repetido. “Et Maintenant” era engraçado, mas repetido era uma chatice.

Abraços, 

Mário Vitorino Gaspar

2. Nota do Carlos Vinhal:

Caro Luís:

Mais uma composição do Conjunto Académico João Paulo,  enviada pelo nosso amigo e camarada Inácio Silva, também ele um ilustre madeirense, como sabes [, foi 1.º cabo, ap armas pes, CART 2732, Mansabá, 1970/72] [, foto à direita].

Caro Carlos Vinhal:

Correspondendo ao teu pedido, ainda que parcialmente, aqui vai um link (se é que já não o tens), da músico "O Salto" [, composta em Mafra, em 1966, e que tem subjacente uma crítica à instrução militar da época]: https://www.youtube.com/watch?v=sKPOmeGuDHs

Guiné 63/74 - P15394: Libertando-me (Tony Borié) (44): Simplesmente Fernando

Quadragésimo quarto episódio da série "Libertando-me" do nosso camarada Tony Borié, ex-1.º Cabo Operador Cripto do CMD AGR 16, Mansoa, 1964/66, enviado ao nosso blogue em mensagem do dia 18 de Novembro de 2015.




Simplesmente, Fernando

Quando um caminho rural se separa, com uma simples placa de sinalização, normalmente colocada numa velha árvore, paramos, pensando por momentos, mas seguimos o nosso destino, ficando no nosso pensamento, onde nos levará o outro caminho, na outra direcção. É como em tudo na vida, ninguém tem o poder de adivinhar o futuro, seguimos o nosso caminho, pensando sempre que para a frente haverá primavera, flores aqui e ali, algum sol, aves exóticas chilreando, homens, mulheres e crianças sorrindo, árvores com fruto, rios de água pura, prados verdes onde animais pastam, um sossego divino, enfim, um mundo agradável para se viver.

Quase nunca queremos voltar para trás, ir ver de novo a placa de sinalização, pois sabemos que não está lá escrito, que naquela direcção é inverno escuro, frio, não existe vegetação, árvores, sol, homens, mulheres e crianças sorrindo, enfim, só lá existe guerra pela sobrevivência, entre outras muitas coisas, alguma fome, injustiça, discriminação, onde só nós, os seres humanos, podemos modificar o ambiente educando, dando exemplos de solidariedade, perdoando, tentando fazer a diferença.

Tudo isto, companheiros, vem a propósito de que ele, o Fernando Vasconcelos, andou por lá, em Bissau, na Guiné, nos anos de 1965/68, não como militar, trabalhava para um “colonialista”, perdão, vamos aqui interromper para explicar que, ao mencionar a palavra “colonialista”, não é nossa intenção desprestigiar o verdadeiro “colonialista”, pois todos sabemos que havia “colonialistas” no verdadeiro sentido da palavra e, as “pessoas ou até famílias colonialistas”, que única e simplesmente foram para África procurar um meio melhor de sobrevivência, eram honestas no tratamento com os naturais, ajudavam, ensinavam, conviviam, repartiam a sua casa, os seus bens, criavam motores de desenvolvimento, dando comida, trabalho, ajudando em caso de doença, enfim, proporcionavam aos naturais uma vida melhor, uma vida mais fácil, criando e desenvolvendo uma comunidade, onde todos se conheciam e entendiam, onde os naturais tiravam algum proveito da presença das tais pessoas que iam da Europa, na procura de uma vida melhor.

Vamos continuar, este “colonialista” tinha estabelecimento em Bissau, os seus negócios desenvolveram-se com a situação de guerra que se vivia na altura, a chegada de militares, vindos da Europa, eram potenciais clientes, pois todos os que conseguiram sobreviver àquela maldita guerra, sempre que vinham, ou mesmo se estivessem estacionados na capital, entre duas cervejas, um passear pela marginal, reparavam naquelas letras pintadas por cima da porta de entrada que anunciava a Casa António Pinto, “Pintozinho”, onde compravam a máquina de fotografar “Leica M6”, o rádio portátil a pilhas “Sony”, o par de sapatos “de pala”, (que não eram necessário atacadores), a camisa branca de manga curta, importada de Macau, o relógio de pulso “Cauny”, (alguns, muito grandes, com cronómetro), para não falar nos óculos “Ray-Ban”, que eram um “luxo” e faziam “manga de ronco”.


Voltando ao Fernando, ele nasceu no Bairro da Mouraria, vivendo e trabalhando na altura em Lisboa, no Bairro das Mercês, o seu pai, que relembra, enxugando uma lágrima furtiva, tocava guitarra, conhecia melhor o nome das ruas da capital que um motorista de táxi, pois caminhava todos os dias daqui para ali, fazendo entregas ou outras coisas, lidava com pessoas, era, e ainda é, muito comunicativo, houve uma oferta de emprego para uma província do então Ultramar, recomendaram-no, ele lá foi à entrevista, numa casa com algum luxo no Estoril, ficou entusiasmado com a oferta, umas semanas depois, navegando no barco “Alfredo da Silva”, da Companhia Colonial de Navegação, com paragens de rotina na Ilha da Madeira e em Cabo Verde, desembarcando finalmente na então província da Guiné e, para quem o tinha visto em Lisboa, agora podia vê-lo em Bissau, atencioso por trás do balcão e não só, fazendo vendas, explicando, falando a nossalinguagem de nós, militares. As vendas aumentaram, já andava por fora, nos aquartelamentos, fazendo contratos para produtos de consumo, já conhecia e convivia com alguns militares com patente superior, deslocava-se mesmo a Cutia ou a Mansoa, o patrão prometia, mas no final do mês, no acerto de contas, havia sempre uma desculpa em favor deste.

Um dia até lhe disse, com ar muito sério: “Se conseguirmos vender “mil contos mensais”, vou dar a cada funcionário um corte de fazenda para um fato, dos melhores”.

Vendiam até mais, mas dava a desculpa de que os produtos que não davam lá muito lucro, portanto a promessa não era cumprida e o tal corte de fazenda, que aqueles “costureiros, fulas, papeis, balantas e mandingas”, que nós todos víamos nas ruas de Bissau e não só, em frente a uma máquina de costura “Singer”, nunca tiveram oportunidade de tirar as medidas ao corpo do Fernando para lhe fazer o tal fato, da tal melhor fazenda.

Era popular em Bissau, tirou as licenças para conduzir automóvel e bicicleta, depressa fazia amigos, ajudava, repartia o seu ordenado por amigos guinéus mais carenciados, tendo algum dinheiro no bolso não havia fome ao seu redor, dizia ele que só conhecia “escudos”, os “pesos” eram da Guiné, portanto eram dos locais, não eram dele, eram de todos, dava-se com todas as pessoas com quem convivia, o local onde vivia era visitado e repartido tanto por civis como militares, andava, conhecia e confraternizava com pessoas, principalmente ao fim de semana, nos principais clubes de Bissau, em algumas festas a Polícia do Estado estava presente e pedia a sua colaboração, perguntando-lhe se conhecia aquele ou o outro, jurando-me ele, hoje, que nunca deu uma resposta comprometendo ninguém, dizia sempre que conhecia, mas não sabia mais nada, o que às vezes fazia com que a polícia lhe dissesse coisas como: “qualquer dia, vais dentro”.

Viveu alguns anos em Bissau, mas o seu patrão “colonialista”, fez como a outra direcção, da tal placa de sinalização, que mencionámos a princípio, que nos dirigia para o tal mundo de inverno escuro e frio, onde as pessoas não sorriem, não existem árvores de fruto, as pessoas lutam e morrem, não são compreensivas, não perdoam, fez com que deixasse de acreditar em promessas, em ganâncias, no lucro fácil, que normalmente é só temporário, assim despediu-se dos amigos e colegas de trabalho, dizendo que tinha que regressar à então Metrópole, por motivos particulares, todas as pessoas com quem tinha convivido acompanharam-no ao aeroporto de Bissalanca, numa “romaria”, fazendo “manga de ronco”, o que o fez pensar que o tempo passado na então Guiné foi uma experiência muito rica, pelo menos em pura amizade.

Hoje, o Fernando Vasconcelos vive aqui, com sua dedicada esposa, no estado da Flórida, viveu muitos anos no norte, no estado de New Jersey, onde constituiu família, de que se orgulha, continua a ser popular, entre outras actividades, tal com nós, é pescador, quando saímos a barra, enquanto uns admiram a paisagem, ele, o Fernando, começa imediatamente a preparar as canas, a iscar ou a encher os tanques com água salgada, continua a querer ajudar, às vezes entra pela nossa casa com um balde de camarão, fresco a saltar, ajudando todos que se lhe dirigem, levando os que necessitam, ao doutor, ao hospital, ao aeroporto, ou até a um Centro de Compras, onde muitos vão comprar coisas simples, onde já não existe à venda, aquele relógio de pulso, “Cauny”, ou um rádio a pilhas “Sony”, a que chamávamos, “o meu transistor”.

Amanhã, vamos à pesca do camarão, Fernando?

Tony Borie, Setembro de 2015.
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Nota do editor

Último poste da série de 15 de novembro de 2015 Guiné 63/74 - P15370: Libertando-me (Tony Borié) (43): Pois, se não viste, vê!

Guiné 63/74 - P15393: Convívios (719): A Tabanca de Matosinhos em festa uma vez por mês (José Teixeira, ex-1.º Cabo Aux Enfermeiro)

1. Mensagem do nosso camarada José Teixeira (ex-1.º Cabo Aux Enf, CCAÇ 2381, Buba, Quebo, Mampatá e Empada, 1968/70), com data de 20 de Novembro de 2015:


A Tabanca de Matosinhos em festa uma vez por mês.

Os antigos combatentes na Guiné gostam de se reunir, gostam de conviver, gostam de escrever as suas memórias e sobretudo gostam de partilhar as emoções vividas nas bolanhas da Guiné. Isto está demonstrado pelas diversas “tabancas” que se foram formando por este nosso Portugal, onde se junta o gosto por um bom petisco acompanhado de uma boa pinga. A periodicidade, essa, varia desde a semanal, como é o caso da Tabanca de Matosinhos, à mensal, à trimestral e à que se reúne de vez em quando. Algumas dedicadas aos combatentes da Guiné, mas abertas a todos os combatentes de Portugal, outras têm no seu objetivo atingir os combatentes de Portugal que participaram na guerra colonial.

Vejo e acompanho cada vez mais camaradas que estiveram na Guiné e já voltaram lá para “matar saudades”. Outros, e são cada vez mais, a mostrarem vontade de voltar à Guiné. Tenho ouvido este termo, muitas vezes, e também sinto que aconteceu comigo e continua a acontecer. (Em 10 anos tive necessidade de ir lá cinco vezes incluindo a família e confirmado muitas amizades). Pensando bem, não será estranho termos saudades de um tempo de “sangue suor e lágrimas”? De um tempo em que vivemos uma guerra, onde jogávamos a nossa vida, onde vimos a morte bater-nos à porta e levar o vizinho do lado? E o prazer de reencontrarmos os amigos guineenses que combateram a nosso lado, agora já velhos como nós, mas com o mesmo sorriso de acolhimento? E as bajudas / lavandeiras, hoje rodeadas de filhos e netos, que ao ver-nos se recordam do nosso nome e nos acolhem com toda a simpatia? Tal como quando nos encontramos, agora na nossa “tabanca” para saborear o petisco, também lá se recordam e revivem cenas passadas em comum que nos trouxeram sofrimento e dor. Outras que nos deram grandes alegrias.

Bem, mas eu comecei este artigo com o tema “A Tabanca de Matosinhos em festa uma vez por mês” e parece que me perdi, mas não. De fato, foram as tabancas que deram força a este movimento natural de vontade de regressar às picadas da Guiné.

A Tabanca de Matosinhos, a pioneira nestas andanças do “come e convive”. (À sua frente apenas a Tabanca Grande do Luís Graça e Camaradas da Guiné por motivos diferentes). Nasceu de forma natural em 2005. Três combatentes que não se conheceram na guerra, mas passaram por Empada em épocas diferentes decidiram voltar para “matar saudades”. Uns dias após o regresso decidiram encontrar-se numa quarta-feira em Matosinhos para saborearem a bela sardinha e avaliar a viagem, e recomeçaram uma nova viagem todas as quartas-feiras ininterruptamente, que se prolongou até hoje, agora não três mas muitos mais que vão almoçar e conviver em Matosinhos, dando forma a esta Tabanca, por onde têm passado centenas de combatentes.

Há caras semanais fixas. Outras que vêm de vez em quando. Outras que vêm quando podem e com que sacrifício. Há os que vêm de longe e os que vêm de perto. Há muitos amigos que se reencontraram. Há muitas amizades firmadas. Dali se partiu já para outras aventuras e convívios, outras tabancas localizadas próximo das suas casas. Todos os anos de formam grupos de voluntários para voltarem à Guiné, agora a custos próprios e de livre vontade. Todos os que vão; ficam com vontade de voltar.

E a Tabanca de Matosinhos continua a cumprir a sua missão de fomentar o convívio e fortalecer amizades à vota da mesa, todas as semanas à quarta-feira no Restaurante Milho Rei em Matosinhos, esteja sol ou chuva, calor ou frio. E eu ganhei muitos amigos.

Para dar mais força a esta forma de congregar os combatentes da Guiné, um grupo de nós, combatentes e convivas da Tabanca de Matosinhos, pegou em instrumentos musicais e deu-lhe mais uma razão para nos juntarmos. Assim, nas últimas quartas-feiras de cada mês, o almoço convívio na Tabanca de Matosinhos é abrilhantado com música popular portuguesa sem esquecer o fado. Música tocada e cantada por nós combatentes, onde não falta o toque do silêncio e a canção Adeus Guiné.

Assim tem sido nos últimos meses e assim vai ser na quarta-feira, dia 25 de Novembro.

Juntamos algumas fotos do almoço em festa do dia 28 de Outubro.

O Zé Manel em serviço de faxina

Ao lado do Zé Manel, o seu conterrâneo que foi feito prisioneiro e fugiu de canoa pelo Rio Corubal vindo dar ao Saltinho.

A simpatia do Cancela e do Peixoto

Afinação dos instrumentos.

Aspecto geral da sala

Viva a música popular portuguesa

Aspecto geral da sala

Os instrumentos musicais.
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Nota do editor

Último poste da série de 12 de novembro de 2015 Guiné 63/74 - P15356: Convívios (718): O próximo Encontro da Magnífica Tabanca da Linha será no dia 19 de Novembro, no sítio do costume (José Manuel Matos Dinis)

Guiné 63/74 - P15392: Facebook...ando (38): III Encontro de Combatentes da Guerra do Ultramar (1961-1975), promovido pela Junta de Freguesia de Arrifes (concelho de Ponta Delgada, S. Miguel, Açores) (Carlos Cordeiro)

III ENCONTRO DE COMBATENTES DA GUERRA DO ULTRAMAR (1961-1975)

Promovido pela Junta de Freguesia de Arrifes 
(Concelho de Ponta Delgada, S. Miguel, Açores)

No Sábado, 21/11/2015, a Junta de Freguesia de Arrifes, presidida pelo jovem Eusébio Massa, com a colaboração do Comando da Zona Militar dos Açores, promoveu o III Encontro de Combatentes da Guerra do Ultramar (1961-1975) naturais dos Arrifes ou lá residentes.

Trata-se de um encontro que se realiza de dois em dois anos e que este ano contou com mais de cem participantes, incluindo combatentes e respectivas famílias.

Pelas 18 horas, os participantes assistiram à Missa na Igreja de S. José de Ponta Delgada, seguindo depois para o Forte de S. Brás. Ali, o Coronel (Ref) José Manuel Salgado Martins (Antigo Combatente, com comissões em Angola e na Guiné), destacou algumas peças em exposição numa das salas do Museu Militar dos Açores.

Após a homenagem aos Mortos em Campanha, e já na sala de jantar, proferiram breves alocuções o Cor. Salgado Martins, os Presidentes das Delegações da Liga dos Combatentes e da ADFA e o Comandante da Zona Militar dos Açores, Major-General José Manuel Cardoso Loureiro.

Durante o jantar, numa ampla sala do Forte de S. Brás, houve boa música ao vivo.

Deixo as considerações e comentários que a iniciativa merece aos camaradas d'Armas dos "ACA".







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Nota dos editores

Último poste da série de 23 de dezembro de 2014 Guiné 63/74 - P14073: Facebook...ando (37): Cartão de Boas Festas (Maria Alice Carneiro)

Guiné 63/74 - P15391: O Nosso Cancioneiro (1): o "Hino dos Gatos Pretos" e os "Binóculos de Guerra", produção coletiva da CCAÇ 5, que esteve em Canjadude até ao fim, apresentados pelo José Martins no programa de Luís Marinho, na Antena Um, "Canções da Guerra"


"Canções da Guerra!", um programa de Luís Marinho, que passa todos os dias, desde meados de outubro de 2015, de 2ª a 6ª feira, na Antena Um, às 14h55. Há mais de meia centena de canções disponíveis "on line" do portal da RTP. (*)


1. O nosso camarada, amigo e colaborador permanente do nosso blogue, José Martins (ex-fur mil trms, CCAÇ 5, "Gatos Pretos", Canjadude, 1968/70)  [, foto à esquerda], colaborou com o Luís Marinho no programa "Canções da Guerra", com duas canções do Nosso Cancioneiro...

Recordemos aqui o Cancioneiro de Canjadude, com (i) o Hino dos Gatos Pretos;  e (ii) os Binóculos de Guerra... Mas há mais, ou havia mais, que em Canjude havia manga de poetas e músicos (**)...

O José Martins recordou, recentemente, no programa o "making of" destas duas canções. É também uma boa oportunidade para começar a recuperar e juntar numa só série os nossos vários "cancioneiros", dispersos pelo blogue... (LG)

2. CANÇÕES DA GUERRA: Programa da Antena 1

Portal da RTP > "Canções da Guerra": programa de rádio, passa todo os dias, de 2ª a 6ª,  na Antena Um, às 14h55. Os episódios mais antigos e os mais recentes podem aqui ser vistos.

Sinopse:

(...) "A guerra colonial, tendo em conta o seu enorme impacto social, foi motivo de canções.


"Desde o hino 'Angola é Nossa', criado após o início da rebelião em Angola, que levou a uma guerra que durou 14 anos.

"As canções ligadas à guerra, falam da vida dos soldados, da saudade da terra, ou criticam de forma mais dissimulada ou mais directa, a própria guerra.

"De 2ª a 6ª feira, às 14h55 na Antena1, ou nesta página, escute as canções da guerra colonial, enquadradas por uma história. Que pode ser a da própria canção, do seu autor ou de um episódio que com ela esteja relacionado.

"Um programa: António Luís Marinho | Produção: Joana Jorge".


3. Hino dos Gatos Pretos


No Leste da Guiné, entre Madina do Boé e Gabu, na altura Nova Lamego, estava instalada, em Canjadude, a Companhia de Caçadores 5.

Eram os Gatos Pretos. O ex-furriel José Martins, conta-nos a história desta companhia e também a do seu hino.


4. Binóculos de Guerra

Num quartel na região leste da Guiné, Canjadude, numa zona de grande atividade da guerrilha do PAIGC, estava uma companhia africana do exército português, a de Caçadores 5.

A maioria dos oficiais e sargentos era oriunda da metrópole e, nas horas de descanso, criavam-se canções.

O ex-furriel José Martins, que esteve na Guiné entre 1968 e 1970, foi um dos autores de algumas destas canções.

Enviou-nos uma delas, Binóculos de Guerra,  e contou-nos também como nasciam …

(Fonte: Media > RTP  > Canções da Guerra... Com a devida vénia)




Guiné > Região do Gabu > Canjadude > CCAÇ 5 (Gatos Pretos) > 1973 > Interior do "Clube de Oficiais e Sargentos de Canjadude"... O ex- fur mil enf João Carvalho, membro da nossa Tabanca Grande, é o terceiro a contar da esquerda... No mural, na pintura na parede, pode ler-se: [gato] preto agarra à mão grrr....

Percebe-se que estamos no Rio Corubal com o destacamento de Cheche do lado de cá (margem direita) e... o mítico campo fortitificado de Madina do Boé, do lado de lá (margem esquerda)... Em 24 de setembro de 1973, não em Madina do Boé, mas algures, na vasta e desertificada região do Boé, junto à fronteira (se não mesmo para lá da fronteira...), o PAIGC proclama "urbi et orbi", unilateralmente, numa  "jogada de mestre", a independência da nova República da Guiné-Bissau: foi um verdadeiro xeque-mate à diplomacia portuguesa...  O aquartelamento de Madina do Boé, como se sabe, foi retirado pelas NT em 6/2/1969.

Foto: © João Carvalho (2005). Todo os direitos reservados. [Edição e legendagem: LG]
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(...) O isolamento em que nos encontrávamos, a necessidade de ocupar a mente com algo diferente que não fosse a actividade operacional, a tentativa de encurtar a distância que nos separava da metrópole, o sentido de improvisação e muitas mais razões, levaram a que os militares tomassem como suas as músicas em voga, na época, e lhes dessem nova vida, com factos que lhes estavam mais próximos e, sobretudo, que ajudavam a manter um espírito de corpo.

Os textos das canções ou poemas que se seguem, quando não identificam o autor, devem ser considerados de criação colectiva, pois que, se sempre há quem lance a ideia e lhe dê uma forma inicial, será o conjunto a sancioná-la e a transmitir-lhe a forma definitiva. (...)