Reencontro de companheiros ex-combatentes
2.ª Companhia do BCAÇ 4512,
Jumbembém e Farim
Fátima, 27-05-2017
O nosso companheiro Manuel Sousa no uso da palavra, prestando tributo, em nome dele e de todos, ao anfitrião organizador "vitalício" dos reencontros daquela ex-subunidade, o António Bastos, cujo discurso abaixo se transcreve.
O anfitrião António Bastos, companheiro de armas como enfermeiro
Teixeira, o "Mirandela", com o Manuel Sousa
O nosso amigo Cabrita Lopes, de Faro, a manifestar o desejo que o próximo encontro fosse naquela cidade. E vai ser. Ele e outro companheiro, o Bagarrão, merecem, porque sempre têm comparecido nos encontros, até agora realizados no centro e Norte do país.
Bolo Comemorativo
A menina da cesta dos chocolates, 13 Kg em pequenas tabletes, vindos expressamente da Suíça, com que nos brinda todos os anos, tal como o pai o fazia antes de falecer. Era um dos nossos companheiros que também se chamava Sousa
Fotos: © Manuel de Sousa e Eduardo Silva
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Tributo ao nosso irmão de armas, António Bastos
"...De manhã, bem cedo, cerca das seis horas, ouviu-se o trabalhar dos motores das caterpilares berlietes a aproximarem-se das casernas que nos iriam transportar até ao aeroporto de Bissalanca.
Toda a bagagem foi carregada rapidamente e, ao romper da aurora, após todos os militares terem tomado os seus lugares nas viaturas, a coluna seguiu em direcção ao aeroporto, que se situava a cerca de dez quilómetros de Bissau.
Chegados ali cerca de meia hora depois, já com a luz do dia, aguardámos ansiosamente a chegada do avião, visto que ainda não se encontrava na placa do aeroporto, e aproveitámos o momento para, pela última vez, no que respeita a todos os elementos do meu 3.º pelotão, posarmos para uma fotografia.
Pouco depois tomámos o avião que entretanto aterrou, integrados num contingente de cerca de duas companhias, aproximadamente trezentos militares, que completaram a lotação do aparelho.
Cerca das oito horas descolámos em direcção ao Céu.
É indescritível a emoção sentida.
À medida que o avião tomava altura durante duas ou três voltas em espiral, tive oportunidade de ver pela última vez o chão vermelho da Guiné, as palhotas das tabancas, semelhantes a cogumelos, a vegetação, o traçado rectilíneo das picadas.
Pouco depois, avistavam-se as alinhadas avenidas de Bissau a convergirem para a rotunda do palácio do governador na Praça do Império e o salpicado do rio Gêba pelas ilhas do arquipélago dos Bijagós.
Rapidamente o avião se envolveu entre o céu e o mar, ficando assim para trás aquela terra de África, pela qual inutilmente lutámos sob sacrifícios inumanos, que nos arrebatou inapeladamente alguns companheiros de armas, cujos lugares naquele avião, mesmo com a lotação esgotada, sentia que estavam de vago..."
Este excerto do meu livro
"PRECE DE UM COMBATENTE" descreve a nossa partida da Guiné.
Portanto, se bem vos lembrais, foi em finais de Agosto de 1974 que o Batalhão 4512, a que pertencíamos, sediado em Farim, Guiné, terminava o serviço de campanha militar de dois anos, 1973 e 1974, que coincidiu com a independência daquela ex-província ultramarina.
Todos nós que fazíamos parte daquele contingente militar, e refiro-me particularmente aos que integrávamos a 2.ª Companhia sediada em Jumbembém, física e psicologicamente marcados pelos momentos difíceis da guerra, pondo um ponto final ao convívio de que resultou a nossa amizade cimentada por todas as dificuldades que tivemos em comum durante aquele período, regressámos às nossas origens, de onde, dois anos antes, tínhamos partido.
Retomámos então os projectos de vida interrompidos aquando da nossa partida, que começou, na maior parte dos casos, pela constituição de família após o regresso.
Depois, cada um, com o aparecimento dos filhos, no seu quotidiano, foi fazendo pela vida.
Uns nas suas terras de origem, outros dispersando-se pelo país e mesmo pelo estrangeiro, comendo, tantas vezes, o "pão que o diabo amassou" para singrarem na vida e, no fundo, para garantirem o sustento dos seus.
Paulatinamente os anos foram-se sucedendo e, porque eles não perdoam, já grisalhos, carecas e entradotes, a saudade desses nossos companheiros de guerra começou a ser a nossa companhia diária, almejando cada um de nós o reencontro, já que não fosse possível com todos, pelo menos com alguns.
Aí por 1995, vinte anos depois do regresso, como comandante do posto da Guarda Nacional Republicana de Vila do Conde, conversava com um soldado do posto de Póvoa de Varzim, ali muito próximo, que veio trazer correspondência trocada entre os dois postos, o Alves, em que este me disse que era natural de Pevidém, Guimarães.
Com alguma ansiedade, confesso, referi-lhe que tinha tido por companheiro de armas na Guiné o Avelino de Abreu Teixeira, o nosso "ovelha", perguntando-lhe se o conhecia e manifestando o desejo de me reencontrar com ele.
Para minha felicidade, ele conhecia-o porque era seu vizinho. Prometeu-me que lhe iria falar de mim, logo que o encontrasse.
Pouco tempo depois, no posto de Vila do Conde, foi-me anunciado pelo pessoal de serviço a chegada do nosso "ovelha".
Finalmente o reencontro dos dois "guerreiros", com um longo, apertado e emocionado abraço, seguido das incontornáveis conversas sobre experiências comuns de guerra, e não só, em Jumbembém que nunca mais tinham fim. Através dele tive conhecimento de que alguns companheiros, em que ele estava incluído, por iniciativa do Bastos, que eu conhecia com um dos enfermeiros da companhia, já se vinham encontrando anualmente desde alguns anos.
Pouco tempo depois, ali estava também o António Bastos, alertado pelo Avelino de Abreu Teixeira, onde selámos esse nosso reencontro também com um afectuoso e prolongado abraço.
Em 1996, na zona de Famalicão, no próximo encontro de muitos dos companheiros, para mim o primeiro, coordenado por ele, já estive presente.
Graças a ti, companheiro António Bastos, e era aqui que eu queria chegar, pela tua persistência em nos "pescar" um a um, pelo teu altruísmo, abnegação, paciência, empenho, e muita "pachorra" até, foi possível reunir toda esta nossa segunda família ano após ano, e pela parte que me toca, já lá vão vinte, mantendo inquebrantáveis os laços de amizade que nos unem desde há tantos anos, e que cada vez são maiores pela proeminência das nossas barriguinhas.
Por tudo isso, meu caro amigo e irmão de armas, és merecedor da minha maior admiração e sincero respeito, que é comum, estou certo disso, a todos os nossos companheiros.
Devíamos-te este singelo tributo.
Seríamos ingratos se o não fizéssemos.
Obrigado Bastos.
Orgulhamo-nos de te ter como o nosso competente e dedicado anfitrião.
Fátima, 27 de Maio de 2017
Manuel Luís Rodrigues Sousa
(1)
(Sousa do 3.º pelotão)
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Notas do editor
(1) - Manuel Luís R. Sousa foi Soldado Atirador na 2.ª CCAÇ / BCAÇ 4512/72, (
Jumbembem e
Farim, 1972/74), é actualmente Sargento-Ajudante da GNR na situação de Reforma.
Último poste da série de 31 de maio de 2017 >
Guiné 61/74 - P17414: Convívios (805): Rescaldo dos Encontros do pessoal da CCAÇ 617; Pel Mort 942 e BCAÇ 2885 (João Sacôto / César Dias)