terça-feira, 6 de junho de 2017

Guiné 61/74 - P17437: Notas de leitura (965): Guiné: um rio de memórias, "alegres e doridas"... Porque regressar é preciso: "costuma(-se) dizer que tem mais dores aquele que nunca regressa completamente"... E quem o reafirma é o Luís Branquinho Crespo, que lá voltou quarenta e tal anos depois...



Dedicatória autografada para o nosso editor: "Para Juís Graça, aqui lhe ofereço estas memórias da Guiné, alegres e doridas. [Luís Branquinho]. 17.05.2017"



Contracapa: texto e  foto do autor


Capa do livro do Luís Branquinho Crespo, "Guiné: um rio de memórias".
Leiria, Textiverso, 2017. 


O autor escreveu a seguinte dedicatória no livro: 

"A todos os que ficaram para lá do mar como o Braima Bá e o António Pouca Sorte", duas figuram que personificam aqui os perdedores de todas as guerras. 





Ficha técnica do livro do nosso camarada Luís Branquinho Crespo, “ Guiné – Um Rio de Memórias” . Preço, com envio através do correio: € 15,80 já com portes, podendo esse valor ser transferido para o seguinte IBAN 0010 0000 1888 8110 0015 3.






1. Excerto, com a devida vénia ao autor e editor, das pp. 95/96. Dá para perceber o estilo incisivo,  seco, frases curtas, às vezes quase telegráficas,  de repórter à Hemingway, do nosso Luís Branquinho Crespo que regressa à Guiné em 2010, mais de quarenta anos depois de ter feito a guerra como alf mil, na CART 2413 (Xitole e Saltinho, 1968/70). (É advogado desde os anos 70, em Leiria, e passou recentemente a integrar a nossa Tabanca Grande, sentando-se à sombra do nosso poilão, no lugar nº 744).

É um livro que se lê num fôlego: 21 capítulos, não chega às 180 pp. Veja-se o índice, e logo um "rio de memórias" começa a fluir, nomeadamente para aqueles, como eu conheceram, no leste, o setor L1, o triângulo Xime-Bambadinca-Xitole... e lidaram quase dois anos com as gentes da Guiné, na paz e na guerra...

Veja-se como o autor, numa pincelada magistral, descreve a aproximação de uma "mulher grande" até ao jipe dos viajantes: " (...) o Carlos, que ia na parte de trás do Toca-Toca, viu-a chegar com aquele jeito manso, bamboleante e sorridente, com que as mulheres do mato, em pose erótica e alegre, sabem dar ao corpo" (p. 95).

É um livro que deve ser lido neste verão, tempo propício para os viajantes, os que partem,os que regressam, por todos aqueles nossos camaradas que já voltaram à Guiné e por todos aqueles que não tencionam, por esta ou aquela razão, lá voltar. Ou que nunca pensaram sequer nessa possibilidade.

A viagem de Carlos Viegas ("alter ego" do autor),  Xavier e Joaquim  termina com esta frase, que tem muito de sabedoria popular e de verdade psicofisiológica: "Costuma(-se) dizer que tem mais dores aquele que nunca regressa completamente" (p.175).

Estou grato ao autor pelo envio deste exemplar autografado. Prometi fazer-lhe, com tempo e vagar, uma mais detalhada nota de leitura, complementando a já feita, "just in time", pelo nosso crítico literário, o Mário Beja Santos, e outras que entretanto possam aparecer. ( **).

Obrigado, Luís, por estas memórias "alegres e doridas" da "nossa" Guiné...  A viagem segue dentro de momentos, por que ao fim e cabo a vida não é mais do que uma viagem pela "picada fora"...  (LG).

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Notas do editor:

(*) Vd. poste de 2 de junho de 2017 > Guiné 61/74 - P17425: Notas de leitura (963): “Guiné, Um rio de memórias”, por Luís Branquinho Crespo, Textiverso, Unipessoal, Lda, 2017 (Mário Beja Santos)

(**) Último poste da série > 5 de junho de  2017 > Guiné 61/74 - P17433: Notas de leitura (964): Anuário da Província da Guiné, ano de 1925 - Um documento histórico incontornável (1) (Beja Santos)

Guiné 61/74 - P17436: Parabéns a você (1266): Belarmino Sardinha, ex-1.º Cabo Radiotelegrafista do STM/CTIG (Guiné, 1972/74)

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Nota do editor

Último poste da série de 5 de Junho de 2017 > Guiné 61/74 - P17431: Parabéns a você (1265): Manuel Traquina, ex-Fur Mil Inf da CCAÇ 2382 (Guiné, 1968/70)

segunda-feira, 5 de junho de 2017

Guiné 61/74 - P17435: Os nossos camaradas guineenses (45): Encontro no LNEC com o Augusto Delgado, ex-Fur Mil da CCAÇ 18, hoje Engenheiro Técnico (Hélder Sousa, ex-Fur Mil TRMS TSF)

 
Augusto Delgado e Hélder Sousa, Engenheiros Técnicos da Guiné-Bissau e de Portugal


ENCONTRO COM GUINEEENSE NO IV CONGRESSO DA OET

Na quinta e sexta-feira passados ocorreu em Lisboa, nas instalações do LNEC (Laboratório Nacional de Engenharia Civil), o IV Congresso da OET (Ordem dos Engenheiros Técnicos), que é a minha Ordem profissional.

Tal evento decorreu de modo muito satisfatório, segundo a minha opinião, com temas muito interessantes e com bastante participação, quer na assistência, quer nas intervenções.
Foram abordadas questões como a “Reabilitação, Revitalização e Regeneração urbana”, cruzando com a interrogação “E se houver um sismo em Portugal” a propósito de não se aproveitar para se enquadrar o “reforço anti-sísmico” no âmbito da “reabilitação”, também se debateu o “Plano Nacional de Segurança Rodoviária”, o aproveitamento do Montijo para aumento temporário da capacidade do Aeroporto de Lisboa, etc., sendo que um aspecto importante teve a ver com “A livre circulação de profissionais de engenharia no mercado global”.

É relativamente a este último aspecto que o assunto se cruza com a Guiné. Foi criada uma Entidade para agrupar os países de expressão portuguesa, concretamente a “Associação de Engenharia de Segurança, Higiene e Saúde no Trabalho” e, nesse âmbito, houve intervenções de pessoas do Brasil, de Cabo Verde, de Angola e da Guiné-Bissau.
A representação deste último País recaiu no Engenheiro Técnico Augusto Delgado, na qualidade de Presidente da Associação Guineense dos Engenheiros Técnicos que, na sua intervenção, teve oportunidade de dar conta da dificuldade que é exercer a actividade de modo sério, competente e responsável em face das (nossas) conhecidas ‘facilidades’ com que as mesmas se desenrolam no seu dia-a-dia, com a agravante das constantes mudanças de dirigentes e outros responsáveis.

Notou-se a sua dificuldade em se mover e fiquei a saber que tal se devia a um relativamente recente episódio de AVC que lhe deixou sequelas, com implicações ao nível dos seus membros inferior e superior, do lado direito, também na vista e um pouco menos na fala.

Consegui estar e falar um pouco com ele, o que não foi fácil, mas fiquei a saber que é “mancanha”, oriundo da zona de Bula/Có, fez o seu curso na Escola Industrial de Bissau (era um dos que estudava sob a luz da iluminação na então Praça do Império em frente ao Palácio do Governador), fez estágio na Lisnave, prestou serviço militar na tropa portuguesa, em 72/74, como Furriel Miliciano na CCaç 18, na zona de Aldeia Formosa (Quebo, actualmente).

Tirámos uma foto, que anexo.
Será que algum dos nossos membros desta “Tabanca” se recorda dele?

Hélder Sousa(*)
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Notas do editor

(*) - Hélder Valério de Sousa foi Fur Mil de TRMS TSF em Piche e Bissau, nos anos de 1970/72

Último poste da série de 18 de junho de 2016 > Guiné 63/74 - P16213: Os nossos camaradas guineenses (44): Criada, em Bissau, a Associação dos Filhos e Viúvas dos Antigos Combatentes das Forças Armadas Portuguesas (AFVCFAP): presidente Suleimane Camará (Idrissa Iafa, jornalista, Rádio Pindjiguiti)

Guiné 61/74 - P17434: Efemérides (255): centenário do nascimento do escritor, investigador e professor de literatura africana de expressão portuguesa, o leiriense Manuel Ferreira (1917-1992), capitão SGE reformado, ex-furriel miliciano, expedicionário em Cabo Verde, São Vicente, Mindelo, mobilizado em 1941 pelo RI 7 (Leiria)...Também fez comissões na Índia (1948-54) e em Angola (1965-67). "Creio que se pode perceber que estamos perante uma trajectória humana singular" (disse-nos o seu biógrafo, João B. Serra)



T/T Vera Cruz > A caminho de Angola > Em primeiro plano, o ten SGE Manuel Ferreira a bordo do paquete Vera Cruz em agosto de 1965 a caminho de Luanda. Cortesia de João B. Serra.

Foto (e legenda): © João B. Serra (2017). Todos os direitos reservados


1. Nota elaborada com dados fornecidos ao nosso blogue pelo programador cultural João B. Serra, natural das Caldas Rainha, historiador, professor coordenador do Instituto Politécnico de Leiria, e a quem foi cometida, pela autarquia de Leiria,  a missão de a realizar, em tempo recorde, uma exposição comemorativa dos 100 anos do nascimento do escritor leiriense Manuel Ferreira (1917-1992).


Manuel Ferreira (Gândara dos Olivais, Leiria, 1917- Linda a  Velha, Oeiras, 1992), conhecido como escritor, investigador e professor de literatura africana de expressão portuguesa, completaria 100 anos no próximo 18 de Julho.

Mas fez também carreira como militar, faceta que é menos conhecida: foi 1º cabo, furriel, 2º sargento, 1º sargento e, depois, alferes, tenente e capitão SGE,  tendo portanto frequentado a antiga Escola Central de Sargentos  (ECS) (, criada em 1896, em Mafra, tranferida depois para Águeda em 1926, transformada em estabelecimento em ensino superior, em 1977, com a designação de Instituto Superior Militar, e entretanto desativada, no início dos anos 90, para passar a existir, a partir de 1966, na Amadora,  o Instituto Politécnico do Exército).  Passou à reserva no posto de capitão, em 1974.

O Manuel Ferreira, órfão muito cedo,  de pai (que era ferroviário), alistara-se no exército em 1933, ainda menor, com 16 anos. Vai para Coimbra, cujo ambiente estudantil o fascina.   Completa o curso comercial. Mas quatro anos depois, envolve-se nas contestações à reforma (salazarista) do exército. Em julho de 1938,  com 21 anos, com o posto de 1º cabo,  é detido e colocado, no Porto, às ordens da polícia política. Transferido para Lisboa, para a prisão do Aljube, é julgado pelo  Tribunal Militar Especial de Santa Clara, um ano depois, sendo  absolvido, mas acaba por ser expulso das fileiras do exército. Entretanto, o tempo de prisão foi importante para ele em termos de formação político-ideológica,

 Regressa a Leiria e ajuda nos negócios do irmão até que,  em 1940, em plena segunda mundial,  volta ser chamado às fileiras do exército, E mobilizado, em 1941, para Cabo Verde.

O 1º cabo, promovido depois a furriel miliciano, Manuel Ferreira,  foi contemporâneo de alguns dos nossos pais, expedicionários em Cabo Verde durante a II Guerra Mundial, Esteve lá, na ilha de São Vicente, no Mindelo, cerca de seis anos,  de finais de 1941 até 1946. Foi mobilizado pelo RI 7 (Leiria), cujas forças (1º batalhão) ficaram aquartelada na zona de Chão de Alecrim enquanto o 1º  batalhão expedicionário do RI 5 (Caldas da Rainha)  estava estacionado na zona do Lazareto.

 Aproveita o tempo dessa comissão de serviço militar para continuar a estudar. Em 1944  concluirá o curso liceal (secção de letras), no liceu Gil Eanes, no Mindelo, A sua futura mulher, e também, escritora, notável contista, Orlanda Amarílis (1924-2013), natural de Santiago,  era da turma do Amílcar Cabral (1924-1973), natural da Guiné (Bafatá), mas filho de pais cabo-verdianos,

Casaram, Manuel Ferreira e   Orlanda Amarílis, em 1945. O seu primeiro filho ainda nasce no Mindelo.  Um dos professores que o marcou muito foi o escritor e linguista Baltazar Lopes, mas também Aurélio Gonçalves, aliás primo de Orlanda. Em contrapartida, Manuel Ferreira (que veio de licença de férias a Portugal em 1944, tendo aqui editado o seu primeiro livro, "Grei", coletânea de contos) terá sido o primeiro ou um dos primeiros (, a par de outros expedicionários)  a introduzir na ilha de São Vicente, a mais aberta e cosmopolita, as obras da nova geração de escritores portugueses, da escola neo-realista (como o Alves Redol, o Mário Dionísio e o Manuel da Fonseca). E começou, também ele, a dar os primeiros passos na ficção.

Este período é muito marcante (e decisivo) na sua vida.  A sua memória de Cabo Verde, a singularidade do crioulo, a "morabeza" do  seu povo, a sua cultura, a sua literatura, a sua música, as suas paisagens,  as suas tragédias (a seca, a fome, a emigração...), passam a fazer parte das vivênvias do homem, do cidadão e do escritor, das suas preocupações e áreas de trabalho intelectual e literário. Descobre em Cabo Verde uma segunda pátria. Ele é, de resto, um dos cofundadotes e animadores da revista literária "Certeza" (1944), de vida efémera (mas com impacto na vida cultural da ilha). (Publicaram-se dois números, o 3º terá sido proibido pela censura.).




Cabo Verde > São Vicente > Mindelo >  9/11/2012 > 11h11 >  Baía do Porto Grande e Monte Cara, ao fundo. 


Foto: © João Graça (2012). Todos os direitos reservados [Edição e legendagem: Blogue Luís Geraça & Camaradas da Guiné]



 Cabo Verde > Ilha de São Vicente > Mapa de 2007, da autoria de Francisco Santos. Imagem copyleft (Fonte: Cortesia de Wikipédia. Edição: Blogue Luís Graça & Camaradas da Guiné]



Cabo Verde > Ilha de São Vicente > s/l > Ribeira de Julião (?) > Legenda no verso: "Jantar em San Vicente, Nosse terre. Nativos em festa. Recordações da minha estada em C[abo] Verde (Expedição). 1941-1943. Luís Henriques". Provável Foto Melo.

Foto: © Luís Graça (2006). Todos os direitos reservados [Edição e legendagem: Blogue Luís Geraça & Camaradas da Guiné]


Regressado ao continente em 1946, Manuel Ferreira é colocado no RI 7 (Leiria), Em 1947, publica na revista coimbrã "Vértice", em duas partes, um texto, pioneiro,  dedicado à literatura cabo-verdiana. Em 1948 edita, em Leiria, o livro "Morna: Contos Cabo-verdianos". Em 1947 tinha saído essa obra de referência da literatura cabo-verdiana que é o "Chiquinho", de Baltazar Lopes (Caleijjão, São Nicolau, 1907- Lisboa, 1989.)

 Como cidadão, e apesar de ser militar, também mantém relações com personalidades da oposição democrática, do MUD Juvenil, numa  época, o pós-guerra, em que ainda havia fortes esperanças no fim da ditadura salazarista. Naturalmente, a PIDE  vigia-o.

Em abril de 1948 é enviado para a Índia. Acompanham-no a mulher e o filho. Irá lá ficar até fevereiro de 1954. Manuel Ferreira, já com o posto de sargento, prossegue em Goa os seus estudos. Em 1949 conclui no liceu Afonso de Albuquerque a secção de ciências. Em 1952 fica diplomado com o curso de Farmácia da Escola Médico-Cirúrgica de Goa, enquanto por seu turno  Orlando tira o curso de professora primária na Escola do Magistério. Em 1949, tinha nascido o segundo filho do casal.

Regressa a Portugal em 1954. É colocado no R I 5, nas Caldas da Rainha, já só com funções de secretaria. E esse vai ser um período de grande grande produção literária, [Presumimos que tenha sido neste período, que o Manuel Ferreira frequentou a escol de Águeda; o nosso amigo João B. Serra consultou o seu processo individual, pode depois confirmar este dado omisso na nota biográfica que teve a gentileza de nos disponibilizar, de seis páginas],

Em 1958 é transferido para Lisboa. Em 1962, sai o seu primeiro romance de
temática cabo-verdiana, o "Hora di Bai", centrado na tragédia da seca e da fome de 1942, que o consagra definitivamente como escritor, reconhecido pela crítica e pelo público,. Em 1963 a Academia de Ciências de Lisboa atribui-lhe o prémio da criação literária Ricardo Malheiros.

Em 1961, é convidado para o lugar de secretário da  Sociedade Portuguesa de Escritores (SPE), de que é presidente o consagrado Ferreira de Castro (1898-1974). Em 1965, as instalações da SPE são atacadas e destruídas, sendo a  instituição dissolvida por decisão governamental, por ter tido a ousadia de atribuir a um "terrorista" do MPLA, preso no Tarrafal, o Grande Prémio de Novela desse ano... .O livro chamava-se "Luuanda", e o escritor, angolano, nascido em Portugal, era o Luandino Vieirapseudónimo literário de José Vieira Mateus da Graça (nascido em 1935, em  Nova de Ourém),

O então tenente SGE Manuel Ferreira é colocado em Angola para mais uma  comissão de serviço militar (1965/67). De regresso a casa, ainda tem tempo para concluir, em 1974, a licenciatura em ciências sociais e políticas do ISCSPU - Instituto Superior de Ciências Sociais e Política Ultramarina.

Depois de passar à reserva logo a seguir ao 25 de Abril, aceita de bom grado o convite para dar aulas na Faculdade de Letras de Lisboa. Será professor universitário de dezembro de 1974 até atingir os 70 anos, em 17 de julho de 1987, data em que teve de se jubilar, por imperativo legal. Foi mestre de toda uma geração lusófona numa área nova, na nossa universidade, como foi o ensino e a investigação da literatura africana de expressão portuguesa.

Na área da literatura infantil, tem 7 livros editados,  entre 1964 e 1977,   maioritariamente relacionados com o imaginário cabo-verdiano. Na ficção, destaque-se as reedições de "Morabeza" (1961) e "Hora do Bai" (1963), uma refundição de "Morna", com o título de "Terra Trazida" (1972) e, enfim, a narrativa "Voz de Prisão" (1971).

Ainda em vida, em 1991, por ocasião da passagem do 50º aniversário da sua chegada a Cabo Verde, o município do Mindelo homenageou-o com o título de  cidadão honorário. Em contrapartida, a sua cidade parece tê-lo redescoberto tarde...

Em suma,  se ele hoje fosse vivo, poderíamos também tratá-lo como  "nosso pai, nosso velho, nosso camarada". Parafraseando o seu biógrafo, João B. Serra, por este "curriculum vitae resumido", dá para perceber que "estamos perante uma trajectória humana singular".

De acordo com a informação do João B. Serra,  há diversas iniciativas em curso para celebrar o centenário de Manuel Ferreira, algumas recentes, outras previstas para julho. As comemorações prolongar-se-ão ao longo do ano em curso, em Leiria (onde nasceu e foi mobilizado para Cabo Verde), nas Caldas da Rainha (onde esteve colocado, no então RI 5), em Lisboa (onde foi professor, na Faculdade de Letras) e eventualmente noutras cidades portuguesas. E esperemos  que também no "seu" Mindelo, terra de sortilégio!

Dessas iniciativas iremos  dando noticia, aqui no nosso blogue. João B. Serra está também a ultimar a biografia de Manuel Ferreira,  para a qual conta, para já, com o apoio dos editores e colaboradores de dois blogues, o nosso, Luís Graça & Camaradas da Guiné, e o Praia de Bote (editado por Joaquim Saial, um alentejano que se apaixonou pelo Mindelo nos anos 60, e que tem, entre os seus colaboradores, o nosso camarada Adriano Lima. cor inf ref, que vive em Tomar, outro grande mindelense de alma e coração).
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Guiné 61/74 - P17433: Notas de leitura (964): Anuário da Província da Guiné, ano de 1925 - Um documento histórico incontornável (1) (Beja Santos)



1. Mensagem do nosso camarada Mário Beja Santos (ex-Alf Mil, CMDT do Pel Caç Nat 52, Missirá e Bambadinca, 1968/70), com data de 12 de Fevereiro de 2016:

Queridos amigos,
Este será porventura o primeiro documento em que no século XX se apresenta a Guiné, a sua geografia, administração, atividades económicas, fauna e flora, um pouco da história militar a partir do século XIX, dados sobre a religião e usos e costumes indígenas. João Barreto colaborou no anuário e seguramente que encontrou aqui alguns veios para o trabalho a que se abalançou, a primeira história da Guiné. Tanto quanto eu sei, só aparecerão anuários em 1945 e 1946, graças ao labor de Fausto Duarte, um dotado plumitivo, injustamente esquecido. Mergulha-se nesta leitura e percebe-se rapidamente como é frágil a nossa presença, frágil e precária, a despeito de alguns governadores de mão cheia, como é o caso de Vellez Caroço, o governador ao tempo deste anuário.

Um abraço do
Mário


Um documento histórico incontornável: Anuário da Província da Guiné, ano de 1925 (1)

Beja Santos

Será porventura o primeiro documento oficial de onde é possível retirar um retrato do que era a Guiné no final do primeiro quartel do século XX. Ainda é província ultramarina, em breve será transformada em colónia. É governador da província um militar de rara qualidade, Vellez Caroço. O anuário é coordenado Armando Augusto Gonçalves de Morais e Castro, divide-se em três partes: na primeira, dá-se uma sinopse do que é a província, as suas vias de comunicação, viaja-se pelo território, explica-se o que é a administração, quais os serviços públicos, as cidades e as vilas; na segunda parte, apresenta-se a agricultura e a pecuária, o comércio e as indústrias, a fauna e a flora; na terceira parte, dá-se relevo à climatologia, sintetiza-se a história militar, a instrução e religiões, as circunscrições civis e usos e costumes indígenas.

O autor não está para meias medidas, vai direto ao assunto. “Pode dizer-se que desde a data da descoberta da Guiné, até ao começo de 1834, faltam notícias circunstanciadas ou sequer símbolos informes sobre as operações militares que na província se tivessem realizado”. É esse um dos dados valiosos do seu documento, refere mesmo que aqui se sintetiza a “Memória sobre as campanhas de pacificação” de que foi autor o Tenente-Coronel João José de Melo Miguéis. Um dos colaboradores deste anuário é o Tenente Médico João Barreto que, anos depois, dará à estampa a primeira história da Guiné, louvável iniciativa, hoje é um registo praticamente ultrapassado em todos os aspetos.

Falando da geografia da Guiné, não resiste a mencionar o fenómeno do macaréu, e cita Ernesto de Vasconcelos: “Dá-se no Geba o fenómeno conhecido dos portugueses pela denominação de macaréu, nome que parece provir do termo sânscrito Makára, que designaria um monstro marinho da mitologia oriental, causador da onda de maré que se eleva em determinadas circunstâncias no golfo de Cambaia, Pegú e outras partes dos Oriente. O macaréu corresponde ao mascaret dos franceses, ao boro dos ingleses e ao proroca dos brasileiros, que o observam no Amazonas; a sua explicação não tem sido bem estudada; no Geba parece ser devido à formação repentina de uma onda que se levanta na ocasião da enchente, deslizando sobre as águas do rio, com grande velocidade em direção a montante, vencendo a corrente de vazante e inundando todos os bancos e coroas que se oponham ao seu livre curso. Este fenómeno só se dá aqui nas grandes marés de conjunção lunar e consiste em três grandes ondas, não causando embaraços sérios à navegação”.


Confesso que ardia de curiosidade ao consultar este documento, queria saber concretamente onde se situava a chamada Sociedade Agrícola do Gambiel, implantada no Cuor, as únicas instalações que encontrei de pé no regulado e à volta do Gambiel situavam-se em aldeia do Cuor, mas não tinha nenhuma certeza. Consultando o anuário, a nenhuma certeza cheguei, falam na empresa do Gambiel Limitada, tendo à frente o senhor Armando Cortezão (quando cheguei a Missirá, no início de Agosto de 1968, o régulo Malam Soncó fez questão de me dizer que me oferecia os ferros da cama do senhor Cortezão, bate certo, ele por aqui andou a plantar palmeiras de Samatra, o Gambiel é mais acima e vai desaguar perto da aldeia do Cuor. Diz o articulista: “Uma pequena visita que fizemos ao local em que esta empresa está instalada, fixou em nós e impressão agradável de que ali se trabalha, de que os capitais que lá estão empregados não são de modo algum capitais perdidos, desperdiçados por mãos sonâmbulas. É alguma coisa com caráter e com larguíssimo futuro. Quem nesta empresa meteu ombros pôs de parte o palavrório, como é costume resolvermos tudo, para se preocupar com obras. Ali se encaram e resolvem três problemas: o da agricultura, o da pecuária e o da indústria”. Mais adiante refere-se à Empresa Agrícola de Fá, o que bate certo, existiu em Fá e, tal como a de Gambiel, terá desaparecido antes da guerra de libertação.

O régulo, devotado amigo e colaborador do capitão Teixeira Pinto, foi convidado a vir à I Exposição Colonial, que decorreu no Porto, em 1934. Ei-lo aqui, num soberbo desenho de Eduardo Malta

É óbvio que aqui não se pode escrever tudo o que o autor diz sobre a história militar. Adianto só alguns parágrafos, reportados a 1843, no momento em que se verificou um grave contencioso em Bissau entre as forças aquarteladas na praça e os grumetes vizinhos: “Daqui por diante é uma longa enfiada de ataques traiçoeiros, de recontros e escaramuças sanguinolentas; de chacinas bárbaras; de tratados e ratificações; de autos de submissão e vassalagem, desmentidas, dias depois, por novas surpresas e furiosas investidas em que o ódio milenário do gentio contra o branco tripudiava num frenesim vermelho de ululantes bestas-feras; é um rosário sinistro de extorsões e pilhagens, feitas com um sábio requinte de malvadez e canibalesca perfídia; é um martirológio trágico e arrepiante, em que sobreleva o heroísmo obscuro, cristianíssimo, de simples soldados que, para defenderem os seus chefes de uma morte certa, investem, desarmados, com a força, apenas, da sua indignação contra um grupo uivante de cinco ou seis negros, e, cheios de sangue, retalhados de golpes mortais, só se deixam render, quando outros negros acorrem numa chusma selvática de gorilhas! Interrogam-se os arquivos e nas suas folhas amarelecidas os nossos olhos deparam com uma sucessão infinita de combates, em que a intemerata Alma Portuguesa vibra e palpita, como um clarim de guerra, que, embora esfriado o sopro que o animava e caído pelo chão entre o troar dos obuses, e o horrível “pêle-mêle” da refrega vai dizendo a si mesmo, inextinguivelmente, a sua canção heróica, que anima de energias novas o opressivo desalento dos combatentes".

Segue-se uma curiosíssima exposição sobre o tipo de raças da Guiné, fica para a semana.

(Continua)
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Nota do editor

Último poste da série de 2 de junho de 2017 > Guiné 61/74 - P17425: Notas de leitura (963): “Guiné, Um rio de memórias”, por Luís Branquinho Crespo, Textiverso, Unipessoal, Lda, 2017 (Mário Beja Santos)

Guiné 61/74 - P17432: Tabanca Grande (438): Ernesto Marques, leiriense de Ancião, vive no Cartaxo, foi Soldado TRMS Inf, CCAÇ 3306 / BCAÇ 3833 (Pelundo, Có e Jolmete, 1971/73)... Novo grã-tabanqueiro n.º 745

Foto n.º 1

Foto n.º 2

Foto n.º 3

Foto n.º 4

Foto n.º 5

Foto n.º 6

Foto n.º 7

Fotos: © ErnestoMarques (2017). Todos os direitos reservados [Edição: Blogue Luís Graça & Camaradas da Guiné]


1. Mensagem do novo membro da Tabanca Grande, nº 745, Ernesto Marques

Data: 29/05/2017
Assunto: Inscrição no Blogue como membro da Tabanca Grande


Agradeço a inscrição no blogue, do qual já sou adepto há muito tempo,
Fui Soldado de Transmissões de Infantaria, Ernesto Marques, n.º 01391570, Companhia de Caçadores 3306, Batalhão de Caçadores 3833. Estive na Guiné, Jolmete, entre Dezembro de 1970 e Dezembro de 1972

Junto envio igualmente, para efeitos de contacto, o nº de telemóvel.

Grato pela atenção,

Abraço,
Ernesto Marques


2. Nota do editor:

Ernesto: és naturalmente benvido à Tabanca Grande. Passas a figura na lista alfabética dos grã-tabanqueiros, que consta  na coluna do lado esquerdo da página de rosto do nosso blogue. Por ordem de entrada, és o n.º 745. É o teu lugar à sombra do nosso poilão, mágico, fraterno, protector.

Além das fotos que mandaste, ainda fomos repescar mais algumas na tua página do Facebook. Vimos que passaste a maior parte do teu tempo em Jolmete de que tens uma bela foto da tabanca e do quartel com uma secção das valas e o espaldão do morteiro 81 (tens que confirmar).

Da tua companhia CCAÇ 3306/BCAÇ 3833, Pelundo, Có e Jolmete, 1971/73), temos na Tabanca Grande o ex-fur mil  Augusto Silva Santos de que, por certo, estás lembrado, e que vive em Almada, sendo aliás teu amigo no Facebook. Vejo que a vossa companhia se reúne todos os anos,

Sabemos ainda que trabalhaste como chefe de pessoal na empresa Ford Lusitana, SA, que vives no Cartaxo, mas és natural de Ancião, Leiria.

Desejamos-te boa continuação da tua reforma. E, não te esqueças, manda-nos pelo menos uma pequena história do teu tempo na Guiné. Já sabes, uma vez que és nosso leitor de longa data, quais são as nossas regras de convívio e o que precisas de fazer para comentar os postes que publicamos todos os dias. (As regras constam da coluna do lado esquerdo.).

Obrigado pelo teu número de telemóvel, que naturalmente não divulgamos, mas fica disponível para os editores e demais camaradas que te queiram contactar. Se quiseres que a gente te dê em público os parabéns pelo teu aniversário natalício, tens que nos dizer a tua data de nascimento.

Um alfabravo dos editores.
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Nota do editor:

Último poste da série > 18 de maio de  2017 > Guiné 61/74 - P17370: Tabanca Grande (437): Luís Branquinho Crespo, ex-alf mil, CART 2413 (Xitole e Saltinho, 1968/70)... Passa a sentar-se à sombra do nosso polião, no lugar nº 744. É advogado em Leiria e autor do livro "Guiné: Um rio de memórias" (Leiria, Textiverso, 2017)

Guiné 61/74 - P17431: Parabéns a você (1265): Manuel Traquina, ex-Fur Mil Inf da CCAÇ 2382 (Guiné, 1968/70)

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Nota do editor

Último poste da série de 3 de Junho de 2017 > Guiné 61/74 - P17426: Parabéns a você (1264): António Azevedo Rodrigues, ex-1.º Cabo do CMD AGR 2957 (Guiné, 1968/70)

domingo, 4 de junho de 2017

Guiné 61/74 - P17430: Blogpoesia (513): No Dia dos Amigos (Juvenal Amado, ex-1.º Cabo Condutor Auto Rodas do BCAÇ 3872)



1. Mensagem do nosso camarada Juvenal Amado (ex-1.º Cabo Condutor Auto Rodas da CCS/BCAÇ 3872, Galomaro, 1971/74), com data de 3 de Junho de 2017:

Alguém criou um dia para os amigos como se fosse preciso um dia para comemorar a amizade.
Este dia é todos os dias e mal vamos, quando passarmos as amizades para um dia no calendário. Mesmo assim foi pretexto para escrever umas linhas e dar um abraço a todos membros deste blogue.

Um abraço
Juvenal Amado


AMIZADE

Saio de dentro de mim
Pairo sobre o meu corpo
Volteio no éter
Inspiro à minha volta
Explodem!
Novas e velhas recordações
Tantos rostos, nenhum ódio
Os sentimentos tocam-me
Recordo a dor sem a sentir
Sinto os gritos sem os ouvir
Bebo sem engolir
Vejo o que percorri
Caminho mas não sinto o impacto
Um rio corre lá em baixo
Mergulho a pique
Sinto a água mas estou seco
Revisito-me e misturo as imagens
Algumas são só sombras
Adivinho-lhes o perfil
Modelo-lhe as formas
Quase lhes sinto o cheiro
Confuso abro as cortinas
Deixo entrar essa luz
Que clarifica e é continuidade
Que mantém o meu rumo
Que eterniza o sentimento
Estendo as mãos e toco-lhes
Porque a amizade
Essa vai continuar presente.

Para os meus amigos no dia da amizade
Juvenal Amado
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Nota do editor

Último poste da série de 4 de Junho de 2016 > Guiné 61/74 - P17428: Blogpoesia (512): "Hora da sorte"; "Convénio de gansos" e "Renegado...", poemas de J.L. Mendes Gomes, ex-Alf Mil da CCAÇ 728

Guiné 61/74 - P17429: Convívios (806): Reencontro de companheiros ex-combatentes da 2.ª Companhia do BCAÇ 4512/72, Jumbembém e Farim, levado a efeito no passado dia 27 de Maio, em Fátima (Manuel Luís R. Sousa)


Reencontro de companheiros ex-combatentes
2.ª Companhia do BCAÇ 4512, 
Jumbembém e Farim
Fátima, 27-05-2017








O nosso companheiro Manuel Sousa no uso da palavra, prestando tributo, em nome dele e de todos, ao anfitrião organizador "vitalício" dos reencontros daquela ex-subunidade, o António Bastos, cujo discurso abaixo se transcreve.

O anfitrião António Bastos, companheiro de armas como enfermeiro

Teixeira, o "Mirandela", com o Manuel Sousa


O nosso amigo Cabrita Lopes, de Faro, a manifestar o desejo que o próximo encontro fosse naquela cidade. E vai ser. Ele e outro companheiro, o Bagarrão, merecem, porque sempre têm comparecido nos encontros, até agora realizados no centro e Norte do país.

Bolo Comemorativo

A menina da cesta dos chocolates, 13 Kg em pequenas tabletes, vindos expressamente da Suíça, com que nos brinda todos os anos, tal como o pai o fazia antes de falecer. Era um dos nossos companheiros que também se chamava Sousa

Fotos: © Manuel de Sousa e Eduardo Silva

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Tributo ao nosso irmão de armas, António Bastos

"...De manhã, bem cedo, cerca das seis horas, ouviu-se o trabalhar dos motores das caterpilares berlietes a aproximarem-se das casernas que nos iriam transportar até ao aeroporto de Bissalanca. Toda a bagagem foi carregada rapidamente e, ao romper da aurora, após todos os militares terem tomado os seus lugares nas viaturas, a coluna seguiu em direcção ao aeroporto, que se situava a cerca de dez quilómetros de Bissau.
Chegados ali cerca de meia hora depois, já com a luz do dia, aguardámos ansiosamente a chegada do avião, visto que ainda não se encontrava na placa do aeroporto, e aproveitámos o momento para, pela última vez, no que respeita a todos os elementos do meu 3.º pelotão, posarmos para uma fotografia.
Pouco depois tomámos o avião que entretanto aterrou, integrados num contingente de cerca de duas companhias, aproximadamente trezentos militares, que completaram a lotação do aparelho.
Cerca das oito horas descolámos em direcção ao Céu.
É indescritível a emoção sentida.
À medida que o avião tomava altura durante duas ou três voltas em espiral, tive oportunidade de ver pela última vez o chão vermelho da Guiné, as palhotas das tabancas, semelhantes a cogumelos, a vegetação, o traçado rectilíneo das picadas.
Pouco depois, avistavam-se as alinhadas avenidas de Bissau a convergirem para a rotunda do palácio do governador na Praça do Império e o salpicado do rio Gêba pelas ilhas do arquipélago dos Bijagós. Rapidamente o avião se envolveu entre o céu e o mar, ficando assim para trás aquela terra de África, pela qual inutilmente lutámos sob sacrifícios inumanos, que nos arrebatou inapeladamente alguns companheiros de armas, cujos lugares naquele avião, mesmo com a lotação esgotada, sentia que estavam de vago..."

Este excerto do meu livro "PRECE DE UM COMBATENTE" descreve a nossa partida da Guiné.
Portanto, se bem vos lembrais, foi em finais de Agosto de 1974 que o Batalhão 4512, a que pertencíamos, sediado em Farim, Guiné, terminava o serviço de campanha militar de dois anos, 1973 e 1974, que coincidiu com a independência daquela ex-província ultramarina.

Todos nós que fazíamos parte daquele contingente militar, e refiro-me particularmente aos que integrávamos a 2.ª Companhia sediada em Jumbembém, física e psicologicamente marcados pelos momentos difíceis da guerra, pondo um ponto final ao convívio de que resultou a nossa amizade cimentada por todas as dificuldades que tivemos em comum durante aquele período, regressámos às nossas origens, de onde, dois anos antes, tínhamos partido.
Retomámos então os projectos de vida interrompidos aquando da nossa partida, que começou, na maior parte dos casos, pela constituição de família após o regresso. Depois, cada um, com o aparecimento dos filhos, no seu quotidiano, foi fazendo pela vida. Uns nas suas terras de origem, outros dispersando-se pelo país e mesmo pelo estrangeiro, comendo, tantas vezes, o "pão que o diabo amassou" para singrarem na vida e, no fundo, para garantirem o sustento dos seus.
Paulatinamente os anos foram-se sucedendo e, porque eles não perdoam, já grisalhos, carecas e entradotes, a saudade desses nossos companheiros de guerra começou a ser a nossa companhia diária, almejando cada um de nós o reencontro, já que não fosse possível com todos, pelo menos com alguns.

Aí por 1995, vinte anos depois do regresso, como comandante do posto da Guarda Nacional Republicana de Vila do Conde, conversava com um soldado do posto de Póvoa de Varzim, ali muito próximo, que veio trazer correspondência trocada entre os dois postos, o Alves, em que este me disse que era natural de Pevidém, Guimarães.
Com alguma ansiedade, confesso, referi-lhe que tinha tido por companheiro de armas na Guiné o Avelino de Abreu Teixeira, o nosso "ovelha", perguntando-lhe se o conhecia e manifestando o desejo de me reencontrar com ele.
Para minha felicidade, ele conhecia-o porque era seu vizinho. Prometeu-me que lhe iria falar de mim, logo que o encontrasse.
Pouco tempo depois, no posto de Vila do Conde, foi-me anunciado pelo pessoal de serviço a chegada do nosso "ovelha".

Finalmente o reencontro dos dois "guerreiros", com um longo, apertado e emocionado abraço, seguido das incontornáveis conversas sobre experiências comuns de guerra, e não só, em Jumbembém que nunca mais tinham fim. Através dele tive conhecimento de que alguns companheiros, em que ele estava incluído, por iniciativa do Bastos, que eu conhecia com um dos enfermeiros da companhia, já se vinham encontrando anualmente desde alguns anos.

Pouco tempo depois, ali estava também o António Bastos, alertado pelo Avelino de Abreu Teixeira, onde selámos esse nosso reencontro também com um afectuoso e prolongado abraço.
Em 1996, na zona de Famalicão, no próximo encontro de muitos dos companheiros, para mim o primeiro, coordenado por ele, já estive presente.

Graças a ti, companheiro António Bastos, e era aqui que eu queria chegar, pela tua persistência em nos "pescar" um a um, pelo teu altruísmo, abnegação, paciência, empenho, e muita "pachorra" até, foi possível reunir toda esta nossa segunda família ano após ano, e pela parte que me toca, já lá vão vinte, mantendo inquebrantáveis os laços de amizade que nos unem desde há tantos anos, e que cada vez são maiores pela proeminência das nossas barriguinhas.
Por tudo isso, meu caro amigo e irmão de armas, és merecedor da minha maior admiração e sincero respeito, que é comum, estou certo disso, a todos os nossos companheiros.

Devíamos-te este singelo tributo.
Seríamos ingratos se o não fizéssemos.
Obrigado Bastos.
Orgulhamo-nos de te ter como o nosso competente e dedicado anfitrião.

Fátima, 27 de Maio de 2017
Manuel Luís Rodrigues Sousa(1)
(Sousa do 3.º pelotão)
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Notas do editor

(1) - Manuel Luís R. Sousa foi Soldado Atirador na 2.ª CCAÇ / BCAÇ 4512/72, (Jumbembem e Farim, 1972/74), é actualmente Sargento-Ajudante da GNR na situação de Reforma.

Último poste da série de 31 de maio de 2017 > Guiné 61/74 - P17414: Convívios (805): Rescaldo dos Encontros do pessoal da CCAÇ 617; Pel Mort 942 e BCAÇ 2885 (João Sacôto / César Dias)

Guiné 61/74 - P17428: Blogpoesia (512): "Hora da sorte"; "Convénio de gansos" e "Renegado...", poemas de J.L. Mendes Gomes, ex-Alf Mil da CCAÇ 728



1. Do nosso camarada Joaquim Luís Mendes Gomes (ex-Alf Mil da CCAÇ 728, Cachil, Catió e Bissau, 1964/66) três belíssimos poemas, da sua autoria, enviados entre outros, durante a semana, ao nosso blogue, que publicamos com prazer:


Hora da sorte

Nem sempre para o céu.
Também é bom olhar para o chão.
Até para não tropeçar.
Desta vez, foi outra razão.

Ia eu pelo meu caminho.
Vendo as pombas a debicar.
Os passaritos sempre a pular.
Um canito esperto, preso à trela.

Ouvindo o ribombar dum avião.
Olhando as folhas ao alto a baloiçar.
Uma canadiana em cada mão.
Passo a passo, em certeiro toque.

De repente, olhei para o chão.
Dobradinha em duas dormia uma nota.
Era verdinha. De cinco euros.
Reclinei-me a custo.
Perdera o dono...

Já deu para o pequeno-almoço.
Bem saboroso...
Aqui no bar.

Bar do Reicheld, Berlim 3 de Maio de 2017
9h17m
Jlmg

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Convénio dos gansos

Grande barafunda à tona do lago manso,
Quando cheguei pela manhã.
Muito grasnavam os doze gansos.
Irrequietos, descreviam arcos,
Semeavam rastos que se entrecruzavam.
Uma confusão.

Nem deram por mim ao pé.

Peguei numa pedra e joguei ao lago.

Fez-se o silêncio.
Ficaram atónitos.
Nunca tal lhes acontecera.

Se aproximaram ao centro.
Não sei o que disseram.

De repente, levantaram voo
Como aviões.

Formaram em V.
O chefe à frente.
Subindo alto,
Foram sobre o arvoredo,
Na direcção do regato.

Apenas ficou um,
Indiferente a tudo,
Pernas altas,
Um pescoço esguio,
Parecia uma garça.

Apontou o bico
E desfechou um golpe.
Caçada certeira.
Que grande peixe,
Atravessado.

Segui meu caminho.
Quando arribei ao riacho,
Mais a montante,
Ali vinham os gansos,
Bem perfilados,
Em direcção ao lago
Onde são reis...

Bar dos motocas, arredores de Berlim,
31 de Maio de 2017
9h02m Jlmg

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Renegado...

Hoje, o tempo trocou-me o sol por chuva.
Um renegado.
Está de cinza o céu em vez de oiro.
Por isso o cuco chora.
Queria cantar.
Foi-se embora a cor
Que tudo cobria.
O rubro é roxo
E o verde é preto.
Ficou lento o dia.
Nem o vento sopra.
Quem me dera a noite
Para repor o sol.

Bar dos motocas, 4 de Junho de 2017
10h10m
Jlmg
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Nota do editor

Último poste da série de 28 de maio de 2017 > Guiné 61/74 - P17404: Blogpoesia (511): "A força mágica de um sorriso"; "Delírios de pão e paz..." e "Serenas e átonas", poemas de J.L. Mendes Gomes, ex-Alf Mil da CCAÇ 728