sexta-feira, 1 de junho de 2018

Guiné 61/74 - P18700: Notas de leitura (1071): Os Cronistas Desconhecidos do Canal do Geba: O BNU da Guiné (37) (Mário Beja Santos)

Uma das plantas do que seria a nova sede do BNU em Bissau


1. Mensagem do nosso camarada Mário Beja Santos (ex-Alf Mil, CMDT do Pel Caç Nat 52, Missirá e Bambadinca, 1968/70), com data de 29 de Dezembro de 2017:

Queridos amigos,
O aspeto mais importante que se observa da leitura destes relatórios do fim da década de 1950 é que eles ganharam uma tépida neutralidade, o gerente agarra-se permanentemente à terminologia da crise, há cada vez mais comerciantes que não se coadunam com a escassez do poder de compra. A crítica mais acerada do relatório dirige-se a esses arrivistas que demandam a Guiné em pequenos negócios particulares, mesmo quando são caixeiros-viajantes de empresas.
Já lá vai o tempo em que os relatórios esmiuçavam os transportes, os equipamentos, o estado das estradas, agora está tudo centrado no comércio, na liquidez e nas letras protestadas. Não há uma só menção a tudo que mudou com dois países independentes à volta da Guiné Portuguesa, isto no exato momento em que fervilha agitação em Dakar, Ziguinchor e Conacri, onde chegou Amílcar Cabral.
Lamentavelmente, este discurso será uma constante durante o período correspondente à guerra colonial, como é óbvio, com alguns matizes e alusões ao terrorismo.

Um abraço do
Mário


Os Cronistas Desconhecidos do Canal do Geba: O BNU da Guiné (37)

Beja Santos

Impressiona a ausência de referências à pesca, é como se não existissem tais riquezas, seriam mesmo ignoradas? Um dos grandes acontecimentos de 1940 foi a missão geo-hidrográfica na Guiné, é impossível que não tenha havido uma referência mínima aos recursos marítimos. Até agora, os relatórios estão centrados naquilo que interessa predominantemente à administração em Lisboa: como vai a praça, como estão a evoluir as colheitas, quais os dados sobre a produção agrícola, se os comerciantes pagam a tempo e horas. O património do BNU na Guiné continua a crescer. Mas é em 1958 que pela primeira vez se fala em minas e petróleo. E da seguinte maneira:

“1 – Bauxite

No ano findo, a atividade da Companhia dos Alumínios da Guiné e Angola, SARL, firma a quem foi concedido o exclusivo da prospeção e exploração da bauxite nesta Província, não foi além do género de trabalhos já levados a cabo em 1957.

Apenas trabalhando durante o período seco, a sua ação pouco mais foi que prosseguir na prospeção e na abertura de picadas de acesso a novas zonas.

Parece não haver dúvidas sobre a existência deste minério em quantidade, bem como a respeito da sua boa qualidade, se bem que não seja a melhor, mas consta que a exploração só será economicamente viável desde que o Estado comparticipe em certos investimentos que se prendem com o transporte.
A exploração deste recurso representaria um grande passo em frente na economia desta Província, até porque poderia contribuir para o desenvolvimento industrial se aqui se desse a transformação da bauxite em alumina, já que não seria possível obter-se o alumínio por falta de condições par se conseguir a eletricidade necessária à sua produção – da ordem dos 20 000 Kw mais 6,6 toneladas de bauxite para uma tonelada de alumínio, segundo nos consta.

Na Guiné Francesa – atualmente a República da Guiné – existem e são já hoje exploradas grandes quantidades de bauxite que não tardarão a ser transformadas em alumínio no próprio território, visto estar prevista para muito breve a construção de uma grande barragem – a do Kouillou.

2 – Petróleo

Em Março do ano findo, por ocasião da visita que o então ministro do Ultramar, professor doutor Raúl Ventura, fez a esta Província, foi a Guiné informada pelo mesmo Senhor, de que iam ser oportunamente feitas, numa parte do seu território, pesquisas e prospeções de petróleo, por uma companhia associada da Standard Oil Corporation, de Nova Jérsia, que se denominaria Esso Exploration Guinea, Inc.
Com efeito, em 8 de Abril de 1958 foi celebrado entre esta Província e a referida Esso Exploration Guinea, Inc, o respetivo contrato para a concessão exclusiva de pesquisas e explorações de jazigos de carboretos de hidrogénios e produtos afins”.

Dá informações sobre o capital da empresa (40.000 contos) o prazo de concessão (40 anos, prorrogável por mais 20), período de pesquisas (3 anos), os investimentos obrigatórios durante o prazo de pesquisas e a renda de superfície (a Esso pagará à Província a quantidade de 3.22$65 por quilómetro quadrado da área de concessão, o que corresponde a 72.000 contos). E o relator adianta os seguintes dados:

“Este contrato obedeceu ao tipo conhecido pela regra do fifty-fifty, isto é, metade dos lucros para o Estado e metade para a companhia concessionária.

O pessoal técnico e administrativo da Esso instalou-se em Bissau em princípios de Setembro. Anteriormente, porém, já uma equipa de geólogos havia iniciado a investigação dos afloramentos antigos na Guiné.

As investigações geofísicas, consistindo de levantamento sísmicos e gravimétricos, foram iniciadas em Setembro por companhias geofísicas independentes (Western Geophisical Company e Robert H. Ray Exploration Company) contratadas pela Esso. Em fins de 1958, o número de técnicos e operadores ao serviço destas duas companhias era de 50 aproximadamente, acrescido de 40 trabalhadores indígenas. No que respeita a material, as três companhias dispõem de equipamento técnico, de instalações para os acampamentos portáteis das equipas encarregadas dos levantamentos geofísicos e cerca de 30 veículos automóveis, na maioria camiões e jipes com tração às quatro rodas.
Segundo estamos informados, os levantamentos sísmico e gravimétrico estão em progressão e continuarão ativamente”.


No relatório de 1959, o gerente privilegiou um relato financeiro muito apurado, foi de um inusitado laconismo quanto à situação da praça, dizendo:

“A praça continua a ressentir-se das deficiências já conhecidas: excesso de comerciantes, escassa produção e importação superior Às necessidades e ao poder de compra da população civilizada e indígena.

São tradicionais os seguintes fatores: insuficiência de cambiais para satisfazer uma importação sem controlo, agravada com necessidades sempre crescentes de transferências e mesadas para particulares; o hábito de imobilizar em prédios, não apenas os excedentes do capital, mas a parte dele indispensável ao giro comercial; incapacidade financeira e técnico-profissional de boa parte do comércio lojista; facilidades excessivas ao consumidor; fraco poder de compra do funcionalismo público e de quase todos os trabalhadores, por elevação do custo de vida, etc. Sintoma do agravamento da situação da praça é o facto de no exercício decorrente se terem protestado 218 letras no total de 3002 contos, em contrate com as 100 letras no valor de 1586 contos protestadas em 1958”.
Estamos já muitíssimo longe de relatórios onde se explanam detalhadamente a situação das colheitas, as obras dos portos, a vida económica e financeira dos municípios, a evolução das vias de comunicação, a evolução linhas aéreas e até o cuidado em elencar o preço médio local dos géneros alimentícios. Parece que esmoreceu o interesse em falar nas oleaginosas e no comércio com os territórios vizinhos. Dera-se o aparecimento, ainda que incipiente, de pequenas indústrias e falava-se na exploração das riquezas do subsolo. Mas instalara-se uma trama discursiva circulando à volta da crise. É bem curioso registar que quem analisou estes relatórios vai fazendo notas à margem, pondo até pontos de interrogação e de exclamação, e a certa altura escreve-se: “Em que ficamos, há ou não há crise?”.

Isto vem a propósito do que se vai escrever no relatório de 1960 acerca da situação da praça:

“A praça compõe-se de sete firmas consideradas grandes, bem dirigidas e organizadas. Existem ainda outras tantas de categoria média, e o restante comércio é constituído por indivíduos sem formação comercial, que o mesmo é dizer de comerciantes sem noção nenhuma da sua função económica, nem da ética. Apesar de não terem dinheiro nem condições materiais e morais para usufruir crédito, são, todavia jactanciosos e atrevidos.

Porque constituem a maioria, são os que mais reclamam a crise e as dificuldades, quando a verdade é que uma e outra coisa só existem neles e em relação a eles. No entanto, porque fazem barulho e agitação, induzem em erro de apreciação o observador desprevenido.

De facto, a Província está a braços com uma produção agrícola que baixa de ano para ano.
Consequentemente, a exportação diminui, reduzindo os meios de pagamento no exterior. A orgânica administrativa, por antiquada e cheia de vícios, não possibilita as condições para progressos nos objetivos fundamentais que seria míster alcançar. Estes e outros elementos concorrem para uma situação depressiva a que urge acudir com soluções práticas.

A maioria do comércio não tem capacidade para compreender estes fenómenos e seus reflexos, e conclui que o mal deriva de dois fatores únicos: o Estado querer arrecadar impostos e taxas e o Banco não dar crédito. Daí a propaganda, o clamor, à volta de uma crise que em regra só se verifica nos incapacitados, nos ambiciosos e nos tolos. Este é, quanto a nós, o panorama da situação da praça”.

Outra curiosidade que chama à atenção do leitor é o desinteresse em registar o que se passa à volta: nem uma palavra sobre a situação social que se vive na Guiné, como se não houvesse agitação, não há qualquer comentário ao protesto dos estivadores, no Pidjiquiti, em 3 de Agosto de 1959. Enfim, é um relatório um tanto sofismado e cabalístico, uma verdadeira assepsia, fica-se mesmo na dúvida se não houvera instruções para pôr termo a comentários de índole sociopolítica, parece que agora, para Lisboa, só interessa repertoriar o que vai na praça, isto no preciso momento em que Amílcar Cabral já está instalado em Conacri.

(Continua)
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Notas do editor:

Poste anterior de 25 de maio de 2018 > Guiné 61/74 - P18676: Notas de leitura (1069): Os Cronistas Desconhecidos do Canal do Geba: O BNU da Guiné (36) (Mário Beja Santos)

Último poste da série de 28 de maio de 2018 > Guiné 61/74 - P18688: Notas de leitura (1070): História das Missões Católicas na Guiné, por Henrique Pinto Rema (2) (Mário Beja Santos)

quinta-feira, 31 de maio de 2018

Guiné 61/74 - P18699: Convívios (860): Rescaldo do XXVIII Encontro dos Maiorais da CCAÇ 2381, levado a efeito no passado dia 5 de Maio de 2018, em Abrantes (José Teixeira, ex-1.º Cabo Aux Enfermeiro)

Alguns dos Maiorais presentes no XXVIII Convívio


1. Mensagem do nosso camarada José Teixeira (ex-1.º Cabo Aux Enf da CCAÇ 2381, Buba, QueboMampatá e Empada, 1968/70), datada de 28 de Maio de 2018, com o rescaldo do XXVIII convívio dos Maiorais, levado a efeito no passado dia 5 de Maio.


OS MAIORAIS – CCAÇ 2381 COMEMORARAM OS CINQUENTA ANOS DA PARTIDA PARA A GUINÉ

Os MAIORAIS - CCaç 2381, embarcaram para a Guiné no dia 1 de Maio de 1968. Andaram pelas picadas de Ingoré, até finais de julho e seguiram para o Sul. No restante tempo de comissão, até ao regresso em abril de 1970, palmilharam as matas de Buba, Quebo (Aldeia Formosa) Mampatá Forreá, Chamarra e Empada. Estacionaram em Quebo, Mampatá e Chamarra. Desgastaram-se nas colunas de Quebo para Buba e vice-versa e de Quebo a Gandembel. Quedaram-se em Buba na proteção à construção da estrada nova para Quebo. Em maio de 1969, dois Grupos foram para Empada, mantendo-se o restante pessoal entre Buba e Mampatá no apoio e segurança à estrada. Acabaram a comissão em Empada onde se juntaram em novembro de 1969.

Comemoraram os cinquenta anos da partida para a Guiné num convívio que começou com uma visita ao Quartel de Abrantes. Tinham partido deste quartel no dia 30 de abril de 1968, já de noite com destino a Lisboa, onde chegaram de manhã. Depois do desfile ouviram o discurso de um alto graduado que disse, recordo-me perfeitamente: “Todos vocês têm na Guiné uma pequena parcela de terra e é vosso dever defendê-la, com o sangue se necessário”, ao que eu retorqui em pensamento: "dou-te o meu bocadinho, podes ir para lá tu". Claro que, ele não ouviu, e se ouvisse, ria-se de mim e dava-me uma “porrada”.

Neste reviver da partida para a guerra, os Maiorais presentes foram recebidos pelas autoridades militares. No mesmo dia, um batalhão, que tinha cumprido a comissão em Angola, comemorava o cinquentenário do seu regresso. As duas unidades de ex-combatentes foram recebidas pelas autoridades militares com uma guarda de honra em parada, tenho um senhor Major discursado para dar as boas vindas, usando uma linguagem de circunstância que sensibilizou os ex-combatentes. Seguiu-se a deposição de uma coroa de flores no monumento aos combatentes do Regimento de Infantaria 2 de Abrantes. Procedeu-se à chamada dos camaradas falecidos em combate o toque a silêncio em sua honra, e foram 8 no total. Três Maiorais e cinco do Batalhão.

Os Maiorais seguiram para a Capela do quartel para celebrarem uma Missa em Ação de Graças pelos Maiorais que regressaram e estão vivos e em sufrágio das almas dos que já partiram para o eterno aquartelamento.

Findo este ato religioso, os Maiorais, abandonaram o Quartel e seguiram para o convívio que se vem fazendo há vinte oito anos, com um almoço num restaurante em Alferrarede.

Ao fim do dia, os Maiorais partiram para suas casas, felizes e contentes com promessas de voltarem para o ano que vem.

José Teixeira


Receção às Unidades de ex-combatentes presentes no antigo RI 2 Com o representante do comandante da Unidade a discursar


O orgulho do Fernando Cardoso em transportar o Guião, ladeado pelo Zé Coelho e pelo Catarino


Jaime Mota, Zé Costa, Querido e Lagrante


Malta da Silva


Marques e esposa, Zé Teixeira, Azevedo e Raúl


Carlos, Freire Marques, Mota e Zé Coelho


Jaime Mota e Zé Teixeira


Zé Querido, Leandro e esposa


Leandro, Lagrante, Estorninho e Zé Costa


Cardoso, Batalha, Zé Coelho e Malta


Raul Brás

Samouco e Vítor, ex-furriéis presentes

Batalha, Dário Raúl e Freire


Zé Teixeira e Dário - o braço do padeiro ao enfermeiro


Leandro, Dário e Acácio
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Nota do editor

Último poste da série de 29 de maio de 2018 > Guiné 61/74 - P18691: Convívios (859): XII Encontro do pessoal da CCAÇ 4740 e Cufarianos, a levar a efeito no próximo dia 16 de Junho de 2018, em Fátima (Armando Faria, ex-Fur Mil Inf MA)

Guiné 61/74 - P18698: Ai, Dino, o que te fizeram!... Memórias de José Claudino da Silva, ex-1.º cabo cond auto, 3.ª CART / BART 6520/72 (Fulacunda, 1972/74) > Capítulos 53 e 54: "Vai haver uma estrada alcatroada até Gampará, e vamos ter artilharia em Fulacunda"



Guiné > Região de Quínara > Fulacunda > 3ª CART / BART 6520/72 (1972/74) > 1973 > O José Claudino da Silva junto ao obus 14

Foto (e legendagem): © José Claudino da Silva (2017). Todos os direitos reservados. [Edição e legendagem complementar: Blogue Luís Graça & Camaradas da Guiné]



Guiné > Região de Quínara > Fulacunda > 3.ª CART / BART 6520/72 (Fulacunda, 1972/74) > "Porto fluvial", no Rio Fulacunda > Montagem de segurança > Um obus 14, rebocado por uma Berliet.

Foto (e legendagem): © Jorge Pinto (2014). Todos os direitos reservados.[Edição e legendagem complementar: Blogue Luís Graça & Camaradas da Guiné]



1. Continuação da pré-publicação do próximo livro (na versão manuscrita, "Em Nome da Pátria") do nosso camarada José Claudino Silva [foto atual à esquerda] (*)

(i) nasceu em Penafiel, em 1950, "de pai incógnito" (como se dizia na época e infelizmente se continua a dizer, nos dias de hoje), tendo sido criado pela avó materna;

(ii) trabalhou e viveu em Amarante, residindo hoje na Lixa, Felgueiras, onde é vizinho do nosso grã-tabanqueiro, o padre Mário da Lixa, ex-capelão em Mansoa (1967/68), com quem, de resto, tem colaborado em iniciativas culturais, no Barracão da Cultura;

(iii) tem orgulho na sua profissão: bate-chapas, agora reformado; completou o 12.º ano de escolaridade; foi um "homem que se fez a si próprio", sendo já autor de dois livros, publicados (um de poesia e outro de ficção);

(iv) tem página no Facebook; é avô e está a animar o projeto "Bosque dos Avós", na Serra do Marão, em Amarante;

(ix) é membro n.º 756 da nossa Tabanca Grande.

2. Sinopse dos postes anteriores:

(i) foi à inspeção em 27 de junho de 1970, e começou a fazer a recruta, no dia 3 de janeiro de 1972, no CICA 1 [Centro de Instrução de Condutores Auto-rodas], no Porto, junto ao palácio de Cristal;

(ii) escreveu a sua primeira carta em 4 de janeiro de 1972, na recruta, no Porto; foi guia ocasional, para os camaradas que vinham de fora e queriam conhecer a cidade, da dos percursos de "turismo sexual"... da Via Norte à Rua Escura;

(iii) passou pelo Regimento de Cavalaria 6, depois da recruta; promovido a 1.º cabo condutor autorrodas, será colocado em Penafiel, e daqui é mobilizado para a Guiné, fazendo parte da 3.ª CART / BART 6250 (Fulacunda, 1972/74);

(iv) chegada à Bissalanca, em 26/6/1972, a bordo de um Boeing dos TAM - Transportes Aéreos Militares; faz a IAO no quartel do Cumeré;

(v) no dia 2 de julho de 1972, domingo, tem licença para ir visitar Bissau, e fica lá mais uns tempos para um tirar um curso de especialista em Berliet;

(vi) um mês depois, parte para Bolama onde se junta aos seus camaradas companhia; partida em duas LDM para Fulacunda; são "praxados" pelos 'velhinhos' (ou vê-cê-cês), os 'Capicuas", da CART 2772;

(vii) faz a primeira coluna auto até à foz do Rio Fulacunda, onde de 15 em 15 dias a companhia era abastecida por LDM ou LDP; escreve e lê as cartas e os aerogramas de muitos dos seus camaradas analfabetos;

(viii) é "promovido" pelo 1.º sargento a cabo dos reabastecimentos, o que lhe dá alguns pequenos privilégio como o de aprender a datilografar... e a "ter jipe";

(ix) a 'herança' dos 'velhinhos' da CART 2772, "Os Capicuas", que deixam Fulacunda; o Dino partilha um quarto de 3 x 2 m, com mais 3 camaradas, "Os Mórmones de Fulacunda";

(x) Dino, o "cabo de reabastecimentos", o "dono da loja", tem que aprender a lidar com as "diferenças de estatuto", resultantes da hierarquia militar: todos eram clientes da "loja", e todos eram iguais, mas uns mais iguais do que outros, por causa das "divisas"... e dos "galões"...

(xi) faz contas à vida e ao "patacão", de modo a poder casar-se logo que passe à peluda; e ao fim de três meses, está a escrever 30/40 cartas e aerogram as por mês; inicialmente eram 80/100; e descobre o sentido (e a importância) da camaradagem em tempo de guerra.

(xii) como "responsável" pelo reabastecimento não quer que falte a cerveja ao pessoal: em outubro de 1972, o consumo (quinzenal) era já de 6 mil garrafas; ouve dizer, pela primeira vez, na rádio clandestina, que éramos todos colonialistas e que o governo português era fascista; sente-se chocado;

(xiii) fica revoltado por o seu camarada responsável pela cantina, e como ele 1º cabo condutor auto, ter apanhado 10 dias de detenção por uma questão de "lana caprina": é o primeiro castigo no mato...; por outro lado, apanha o paludismo, perde 7 quilos, tem 41 graus de febre, conhece a solidariedade dos camaradas e está grato à competência e desvelo do pessoal de saúde da companhia.

(xiv) em 8/11/1972 festejava-se o Ramadão em Fulacunda e no resto do mundo muçulmano; entretanto, a companhia apanha a primeira arma ao IN, uma PPSH, a famosa "costureirinha" (, o seu matraquear fazia lembrar uma máquina de costura);

(xv) começa a colaborar no jornal da unidade (dirigido pelo alf mil Jorge Pinto, nosso grã-tabanqueiro), e é incentivado a prosseguir os seus estudos; surgem as primeiras dúvidas sobre o amor da sua Mely [Maria Amélia], com quem faz, no entanto, as pazes antes do Natal; confidencia-nos, através das cartas à Mely as pequenas besteiras que ele e os seus amigos (como o Zé Leal de Vila das Aves) vão fazendo;

(xvi) chega ao fim o ano de 1972; mas antes disso houve a festa do Natal (vd. capº 34º, já publicado noutro poste); como responsável pelos reabastecimentos, a sua preocupação é ter bebidas frescas, em quantidade, para a malta que regressa do mato, mas o "patacão", ontem como hoje, era sempre pouco;

(xvii) dá a notícia à namorada da morte de Amílcar Cabral (que foi em 20 de janeiro de 1973 na Guiné-Conacri e não no Senegal); passa a haver cinema em Fulacunda: manda uma encomenda postal de 6,5 kg à namorada;

(xviii) em 24 de fevereiro de 1973, dois dias antes do Festival da Canção da RTP, a companhia faz uma operação de 16 horas, capturando três homens e duas Kalashnikov, na tabanca de Farnan.

(xix) é-lhe diagnosticada uma úlcera no estômago que, só muito mais tarde, será devidamente tratada; e escreve sobre a população local, tendo dificuldade em distinguir os balantas dos biafadas;

(xx) em 20/3/1973, escreve à namorada sobre o Fanado feminino, mas mistura este ritual de passagem com a religião muçulmana, o que é incorreto; de resto, a festa do fanado era um mistério, para a grande maioria dos "tugas" e na época as autoridades portuguesas não se metiam neste domínio da esfera privada; só hoje a Mutilação Genital Feminina passou a a ser uma "prática cultural" criminalizada.

(xxi) depois das primeiras aeronaves abatidas pelos Strela, o autor começa a constatar que as avionetas com o correio começam a ser mais espaçadas;

(xxii) o primeiro ferido em combate, um furriel que levou um tiro nas costas, e que foi helievacuado, em 13 de abril de 1973, o que prova que a nossa aviação continuou a voar depois de 25 de março de 1973, em que foi abatido o primeiro Fiat G-91 por um Strela;

(xxiii) vai haver uma estrada alcatroada de Fulacunda a Gampará; e Fulacunda passa a ter artilharia (obus 14)

3. Ai, Dino, o que te fizeram!... Memórias de José Claudino da Silva, ex-1.º cabo cond auto, 3.ª CART / BART 6520/72 (Fulacunda, 1972/74) > Capºs 53 e 54


[O autor faz questão de não corrigir os excertos que transcreve, das cartas e aerogramas que começou a escrever na tropa e depois no CTIG à sua futura esposa. E muito menos fazer autocensura 'a posterior', de acordo com o 'politicamente correto'... Esses excertos vêm a negrito. O livro, que tinha originalmente como título "Em Nome da Pátria", passa a chamar-se "Ai, Dino, o que te fizeram!", frase dita pela avó materna do autor, quando o viu fardado pela primeira vez. Foi ela, de resto, quem o criou. ]


53º Capítulo  > O GRAVADOR E AS BOMBAS


Sem que nada o fizesse prever, chateei-me com o Moreira e, por aquilo que escrevi, a culpa foi minha. - Desculpa Moreira!

"Ainda hoje estive a discutir com o Moreira que dorme no meu quarto, por uma coisa insignificante, coitado do rapaz. Estou sempre nervoso, nunca estou bem em lado nenhum, para mais um amigo de Penafiel que foi para Bissau para condutor do delegado da companhia, teve um acidente com o Jeep e está no hospital ferido. O Jeep ficou desfeito e nem sabe se irá embora quando a comissão terminar é uma situação muito chata porque parece-me que foi ele o culpado e os condutores tem de pagar os concertos.

Vá lá que ao menos veio o gravador de cassetes que tinha encomendado e a lancha já trouxe as bombas”.


Antes de continuar a transcrever o texto que tenho em mãos, quero voltar a apelar para a compreensão dos leitores se, por vezes, o texto é confuso. A razão é simples: transcrevo tal qual o original. 

“Hoje tenho mais uma notícia para te dar.

Daqui até Gampará que é o quartel mais próximo de nós, vai ser feita uma estrada de alcatrão, ora como os “turras” não querem que se façam estradas de alcatrão pois assim não podem colocar armadilhas, vão decerto procurar evitar que ela se construa, mas para nós os fazermos pôr ao largo veio hoje uma lancha militar trazer bombas de obus e no dia nove vem para cá três obuses.

O obus é uma arma Maior que um carro e que atinge 20 km de distância. Por isso agora, vamos estar mais seguros se eles se lembrarem de nos atacar.

Cada bomba pesa 36 kg e num raio de 500 metros onde explodir devasta tudo, agora estaremos suficientemente armados para dar cabo destes reles terroristas”


Para mim, o mais importante mesmo foi a chegada do gravador de cassetes. Em breve iria começar a enviar as minhas gravações.


54º Capítulo  > O MORTO VIVO


Já não me lembrava disto, como não me lembro de muitíssimas outras coisas que se passaram naqueles dolorosos tempos, e a que eu tentei dar, muitas vezes, pouca importância, pondo amor e humor em muito do que escrevi. O que vos passo a contar está escrito num “aero”,  datado de 07/05/1973:

“Mais uma vez tive azar não veio avioneta por isso lérpei e não tive correio, talvez venha amanhã. Hoje tenho uma notícia a dar-te que considero invulgar, pois creio que não conheço nenhum caso idêntico.

Um camarada meu teve um irmão em Moçambique em 1966. Estava lá há sete meses, quando foi dado como morto. Mandaram o corpo dele para a Metrópole e fizeram-lhe o funeral. Na passada sexta-feira o meu camarada recebeu aqui notícias que o irmão está vivo. Disse-me que as informações que tiveram foram estas.

O irmão ia numa viatura que passou sobre uma mina que explodiu, morreram 13 soldados, e ele caiu a uns metros de distância, ficou ferido, os camaradas não o viram e deixaram-no ficar, os “turras” depois encontraram-no e levaram-no para o Senegal [lapso do Dino, deve ser Tanzânia], esteve lá até agora tendo conseguido fugir, embora com sete anos de prisão ele está bem vivo o que não deixa de ser uma infinita alegria para a família. Este meu camarada, portanto, irmão do morto vivo, até parece que dá em maluco.”


Desconheço o que posteriormente se passou e se na urna estaria ou não algum cadáver. O que posso concluir é que, para a família, foi algo maravilhoso e inesquecível.

Nunca saberemos se os desaparecidos em combate estarão mortos ou vivos e, como vamos envelhecendo e morrendo, nós, os que participaram nesta guerra, se temos algum testemunho como este que relato, deviam divulgá-lo, porque o luto numa família faz, pelo menos aos que crêem, acreditar que um dia se encontrarão algures, na vida eterna.

Recebi o requerimento assinado para vir de férias nesse dia e no dia seguinte tomei a vacina para poder viajar. Refiro-me a isso porque nunca percebi qual a razão de sermos vacinados para vir à metrópole.
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Nota do editor:

Último poste da série > 23 de maio de 2018 > Guiné 61/74 - P18669: Guiné 61/74 - P18626: Ai, Dino, o que te fizeram!... Memórias de José Claudino dSilva, ex-1.º cabo cond auto, 3.ª CART / BART 6520/72 (Fulacunda, 1972/74) > Capítulos 50 e 52: (i) tivemos o primerio ferido em combate, numa sexta-feira, 13 de abril de 1973, sendo evacuado por helicóptero; e (ii) o correio está a chegar atrasado depois de aparecerem os Strela...

Guiné 61/74 - P18697: Bom dia, desde Bissau (Patrício Ribeiro) (6): Os meus passeios: de Buba a Cassumba, passando por Cacine, Sangonhá, Cameconde, Cassacá e Campeane, março de 2018 - Parte III


Foto nº 20 > Cassacá, hoje.. Foi aqui que o PAIGC realizou, em 1964, o seu 1º Congresso...


Foto nº 21 >  Cassumba: "onde montámos as tendas"



Foto nº  22 >  Cassumba: na foz do rio Cacine


Foto nº  23 > Cassumba: já no outro lado da Guiné-Conacri


Foto nº 24  > Cassumba: o efeito da erosão


Foto nº  25 > Cassumba: pôr do sol


Guiné-Bissau > Região de Tombali > Península de Quitafine > Cassumba > 11 de março de 2018

Fotos (e legendas): © Patrício Ribeiro (2018) Todos os direitos reservados. [Edição e legendagem complementar: Blogue Luís Graça & Camaradas da Guiné]



1. Continuação da publicação das fotos da viagem de Buba a Cassumba, de 11 de março último (*)

[ Patrício Ribeiro é um português, natural de Águeda, criado e casado em Angola, com família no Huambo, ex-fuzileiro em Angola durante a guerra colonial, a viver na Guiné-Bissau desde meados dos anos 80 do séc. passado, fundador, sócio-gerente e director técnico da firma Impar, Lda.]

(Continuação)


Foto [nº 20] do monumento que o PAIGC construiu com os restos de uma casa da família Regala, “que alguém deitou abaixo”.

Por aqui, decorreu o 1º congresso do PAIGC, (em 1964, como se pode ler no blogue). Na tabanca há postes de energia elétrica nas ruas, que já funcionaram, tem abastecimento de água, centro de saúde, escola secundária, etc. Aqui também estive a trabalhar.

Praia de Cassumba:

Algumas fotos [, de 21 a 26]: lugar muito bonito, lá montamos as tendas à beira mar para dormir, junto ao rio Cacine, por lá comenos a usual lata de atum, abrimos uma garrafa de vinho, para dormir bem.

Bom lugar para uns “desembarques”, praia só de areia sem lodo.

Para chegar à praia, passamos por lindas matas e por uma savana só de capim, com mais de um metro de altura e vários quilómetros de comprimento. Do outro lado, um mato de palmeiras impenetrável, onde certamente muita gente se refugiou. Muito bonito.

Enviarei outras fotos tiradas este ano, de outros passeios em outros lugares.

Abraço

Patricio Ribeiro

IMPAR Lda
Av. Domingos Ramos 43D - C.P. 489 - Bissau, Guiné-Bissau
Tel, 00245 966623168 / 955290250

Guiné 61/74 - P18696: Parabéns a você (1444): Mário Beja Santos, ex-Alf Mil Inf, CMDT do Pel Caç Nat 52 (Guiné, 1968/70)

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Nota do editor

Último poste da série de 28 de maio de 2018 > Guiné 61/74 - P18686: Parabéns a você (1443): António Acílio Azevedo, ex-Cap Mil, CMDT da CCAÇ 17 (Guiné, 1973/74)

quarta-feira, 30 de maio de 2018

Guiné 61/74 - P18695: Bibliografia de uma guerra (92): Um Barco Fardado, por Eduardo Brito Aranha; Roma Editora, 2005 (2) (Mário Beja Santos)



1. Mensagem do nosso camarada Mário Beja Santos (ex-Alf Mil, CMDT do Pel Caç Nat 52, Missirá e Bambadinca, 1968/70), com data de 1 de Junho de 2016:

Queridos amigos,
Até quatro quintos, este livro devora-se com incontido prazer, pela irreverência, pelo uso com mestria das observações caricaturais e pelo uso bem doseado do sarcasmo nas descrições grotescas. A história de uma comissão minuciosamente pintada nos seus pequenos nadas em que todo o quotidiano daquele mundo ensimesmado possui nervo e se torna literatura de ponta e mole.
E subitamente o autor confessa que vai saltar uns meses atrás de outros, de repelão entramos na história de uma paixão falhada, num acontecimento revelado como pornochachada, e tudo arremata num banquete de críticas violentas ao quadro de oficiais da companhia.
Confesso que nunca lera uma coisa assim. No entanto o autor deixa esclarecido que esta CCAÇ tem almoços de confraternização desde 1998, diz que alguns nomes de pessoas foram alterados e que houve situações que devido a todo o tempo entretanto decorrido já puderam ser transcritas...
Será paródia ou realidade, o que ele diz?

Um abraço do
Mário


Um Barco Fardado, por Eduardo Brito Aranha (2)

Beja Santos

À partida, não há qualquer incompatibilidade em apresentar a guerra em cuecas, do lado caricatural, no avesso da disciplina e da ordem, expondo os participantes em traços grotescos, forçando, pela força do talento, o riso aberto. Quando se falha a operação, é um dó de alma, percebe-se à légua que o inventor da operação se espalhou estrepitosamente e daí o comentário mordaz de quem brinca com coisas sérias e não sabe brincar sai chamuscado.

Em “Um Barco Fardado”, Eduardo Brito Aranha, Roma Editora, 2005, conta a sua comissão em Angola com vários despautérios, por ali aparecem uns oficiais retratados como marionetas, militares que se vão desenrascando naqueles eremitérios, desvela-se o rocambolesco de operações mal ataviadas, com resultados praticamente inúteis e no mais alto grau do sofrimento humano. O que timbra este livro, o que agarra o leitor logo pela gola nos primeiros capítulos é a caricatura hábil, certeira, o tirar partido de múltiplas mediocridades, sem recurso ao excesso, porque o excesso mata o humor. Estamos em Angola, em N’Riquinha, a guerrilha não é muito forte mas está lá. Há um comandante zeloso, quer que todas as unidades construam hortas e jardins, que não descurem a higiene, que erradiquem o sarro agarrados aos sanitários com ácido muriático e que recomenda que se afixe por todos os lugares o poema “SE” de Kipling. Há conversas delirantes nas refeições da messe, o capitão e o médico contam anedotas ao desafio, à procura do libidinoso e da palhaçada alvar.

Tudo, ou quase, é parafraseado para poder fazer sorrir, as caçadas, os interrogatórios, as conversas dos pides, o Natal do Soldado. Até o capelão não escapa, sai dali enraivecido com as traquinices dos outros oficiais. São relatos atrás de relatos onde pontifica o isolamento, a escassez, a falta de sentido e os desencontros da guerra. O tempo escorre lentamente, o que permite ao autor pincelar as trivialidades, caso das noites de cinema:  
“O ecrã, ao ar livre, era uma parede exterior da casa onde dormíamos. Uma noite escura e não de luar, como convinha para melhor visibilidade. A distância da máquina à parede teria que permitir ao mesmo tempo uma boa intensidade luminosa e uma plateia suficientemente ampla, onde também pudessem caber os miúdos do kimbo. A altura da mesa onde a máquina assentava tinha que ser bastante alta para que, durante a projeção, não aparecessem só cabeças. Arrastavam os bancos corridos do refeitório, os miúdos ficavam pelo chão na areia e o projetor era posto em cima de uma cadeira. Após o jantar, à volta das oito, a sessão começou, mas era um desassossego. Havia sempre alguém que tropeçava no fio estendido e lá ia a luz. A miudagem, que nunca parava quieta, levantava imenso pó e os soldados. Perante tal balbúrdia, o capitão admirava placidamente a cena. O filme arranca. Um documentário sobre a eleição de uma Miss Portugal. Só pernas de raparigas a desfilar. O pessoal assobiava imparável de excitação. Zás! Uma garrafa de cerveja contra o ecrã. Um líquido a escorrer entre as penas de uma das desfilantes. Galhofa generalizada. Um soldado salta para junto da luz do ecrã e finge apalpar o rabo a uma. Outro aproxima-se e finge copular com outra. O capitão manda apagar o projetor. Há urros e assobios”.

Brito Aranha é exímio a descrever o desenrolar das operações, o desacerto entre o que se pensa que está no mapa e o que se pisa no solo, e os detalhes: a falta de água, os terrenos enlameados, a confusão nos tiros das nossas tropas sobre as nossas tropas, o flagelo da chuva imensa, o sonho em regressar a qualquer preço ao local execrável de onde se partiu. Rotina atrás de rotina. Chegou a sua vez de partir de N’Riquinha para Mavinga:  
“Era uma rua larga de cem metros de comprimento. Nas minhas costas a pista, a rua em frente. Ao fundo desta, no lado oposto, um pequeno vale com o rio Cubia. As casas que a ladeavam eram tipo vivenda, umas e abarracamentos de madeira, as militares”.
O administrador deposto é descrito como um Kirk Douglas embalsamado. E depois o regresso a Rivungo, onde existe uma das mais espantosas figuras da literatura da guerra:
“Será tempo de apresentar o tenente da marinha. Como o Cuando escorria por ali abaixo fazendo fronteira com a Zâmbia até entrar na África do Sul, essa fronteira ter-se-ia de patrulhar com uma lancha cuja tripulação andaria à volta de dez marinheiros. Por isso havia um destacamento da marinha. O tenente cavalgava de noite no seu Land Rover entre as cubatas, emitindo gritos de índio a atacar, disparava o revólver para o ar e, em derrapagem poeirentas, tentava atropelar os cães. A figura abaixo dele, numa desgraçada hierarquia de manicómio, era um sargento de 135 quilos. Queimava os dias a beber grades de cerveja, sentado numa cadeira de encosto junto ao rio e de pés mergulhados na água para não incharem, guardando as noites mais animadas para a roleta russa com os outros marinheiros”.
O tenente é rezingão e admoestador, voltando-se para a lancha dizia: “Um dia monto-me em ti e vou à Zâmbia foder aquilo tudo a tiro”.
E um dia aconteceu isso mesmo, meteu-se no sapo flutuante, e houve uma desgraça.

Temos novo regresso a N’Riquinha. Aquela comissão que se iniciara em Novembro/Dezembro de 1971 é registada com rigor até Agosto de 1972. Aqui temos de novo uma operação espantosa. Um texto digno da mais exigente literatura da guerra. É nesse preciso instante que ao autor, estamos na página 170, se apressou a caminhar para o termo de uma obra que se previa sumarenta. Escreve assim: “Estávamos em Agosto de 1972. Permanecemos em N’Riquinha até Maio de 1973. E tantas coisas semelhantes se repetiram nestes nove meses”. Este salto brusco, sabe-se lá, foi produto do manifesto cansaço. Mais nos informa que esteve ainda oito meses no Rivungo, e começou então o caminho do regresso a casa, que passou pelas Mabubas. Talvez por não haver guerra, por se ir regularmente a Luanda, vão começar descrições de espalhafatoso bródio: as orgias do capitão e do médico, uma menina filha de administradora com quem ele teve vontade de se envolver, mas a menina era virgem e não queria deixar de o ser. Estamos praticamente no fim do livro, chegou a hora da desbunda, das supremas acusações: os dois oficiais com mais responsabilidade dentro da companhia utilizavam as viaturas para introduzir prostitutas, dando-lhes albergue nas instalações militares. Mas há mais: “Esses mesmos oficiais já anteriormente tinham dado provas de menoridade, ou mesmo de escassez de valores morais, envolvendo-se, ainda no Cuando Cubango, numa obscura aquisição de peles de lontra a um desgraçado que, a troco de bebida alcoólica por um deles falsificada, era compelido a sacrificar os peludos mamíferos nadadores”. Todos os oficiais são passados ao crivo e bem chibatados: gente sem honra, falsificadores de assinaturas, ineptos, indecorosos, fraudulentos. E termina: “Durante cinco anos não tive coragem de reler o que escrevera. Estou no ano de 2003. E tudo se passou hoje”.
O mais curioso disto tudo é que o autor nos informa que a companhia a que pertenceu faz almoços de confraternização. Resta saber quem lá vai ou se quem lá vai acha graça aos termos que o autor utilizou para os retratar.
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Nota do editor

Poste anterior de 23 de maio de 2018 > Guiné 61/74 - P18668: Bibliografia de uma guerra (90): Um Barco Fardado, por Eduardo Brito Aranha; Roma Editora, 2005 (1) (Mário Beja Santos)

Último poste da série de 28 de maio de 2018 > Guiné 61/74 - P18689: Bibliografia de uma guerra (91): "A GUERRA VISTA DE BAFATÁ – 1968-1970", livro da autoria de Fernando Gouveia (ex-Alf Mil Rec Inf); edição de autor, 2018

Guiné 61/74 - P18694: Bom dia, desde Bissau (Patrício Ribeiro) (5): Os meus passeios: de Buba a Cassumba, passando por Cacine, Sangonhá, Cameconde, Cassacá e Campeane, março de 2018 - Parte II


Foto nº 9


Foto nº 10


Foto nº 11


Foto nº 12

Foto nº 13


Foto nº 14

Foto nº 15


 Foto nº 16


Foto nº 17


Foto nº 18


Foto nº 19

Guiné-Bissau > Região de Tombali > Península de Quitafine > Cameconde >  11 de março de 2018

Fotos (e legendas): © Patrício Ribeiro (2018) Todos os direitos reservados. [Edição e legendagem complementar: Blogue Luís Graça & Camaradas da Guiné]



1. Continuação da publicação das fotos da viagem de Buba a  Cassumba, de 11 de março último (*)

[ Patrício Ribeiro é um português, natural de Águeda, criado e casado em Angola, com família no Huambo, ex-fuzileiro em Angola durante a guerra colonial, a viver na Guiné-Bssau desde meados dos anos 80 do séc. passado, fundador, sócio-gerente e director técnico da firma Impar, Lda.]

(Continuação)

Cameconde:

Algumas fotos da fortaleza (quartel) que lá construíram, para os que lá dormiram dentro, recordar (**).

 Ainda hoje são impressionantes, as construções. (Fotos de 9 a 19).

A estrada que liga Cameconde, Cassacá, até Campeane, está em bom estado, ainda encontramos muita floresta frondosa, muito verdejante, esta zona é muito bonita. Onde se produz muita fruta; cola, laranja, ananás, banana, etc. Mas a plantação de caju, já está a chegar, para deitar a floresta abaixo.

A estrada passou a ser uma rua, com muitas casas durante alguns quilómetros  muita população. Como está perto da fronteira, muitos vieram do outro lado…

(Continua)

Patricio Ribeiro
IMPAR Lda
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Tel,00245 966623168 / 955290250
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impar_bissau@hotmail.com



Guiné > Região de Tombali > Mapa de Cacoca (1960) > Escala 1/50 mil > Posição relativa de Cameconde, Cacoca e Sangonhá, nas proximidades da fronteira com a Guiné-Conacri, tendo a norte Gadamael e Ganturé (e a sudoeste Cacine, vd. mapa de Cacine e mapa geral da província)

Cameconde era a guarnição militar portuguesa mais a sul, na região de Quitafine, na estrada fronteiriça Quebo-Cacine... Em 1968 era o batalhão que estava em Buba (BART 1896, 1966/68) quem defendia esta importante linha de fronteira...

Infografia: Blogue Luís Graça & Camaradas da Guiné (2018)

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Notas do editor:

(*) Último poste da série > 30 de maio de 2018 > Guiné 61/74 - P18693: Bom dia, desde Bissau (Patrício Ribeiro) (4): Os meus passeios: de Buba a Cassumba, passando por Cacine, Sangonhá, Cameconde, Cassacá e Campeane, março de 2018 - Parte I

(**) Temos 44 referências a Cameconde no nosso blogue.

Vd.por exemplo poste de 20 de fevereiro de 2013  > Guiné 63/74 - P11127: Memória dos lugares (214): Cameconde, no subsetor de Cacine, o destacamento mais a sul do CTIG... (José Vermelho / Augusto Vilaça / Juvenal Candeias)