República da Guiné > Conacri > c. 1963-1973 > Reunião de responsáveis do PAIGC, membros do Comité Executivo da Luta. Da esquerda para a direita: (i) Lourenço Gomes, (ii) Honório Chantre, e (iii) Victor Saúde Maria.
Foto (e legenda): Fundação Mário Soares > Casa Comum > Arquivo Amílcar Cabral > Pasta: 05247.000.074 (adapt por Blogue Luís Graça & Camaradas da Guiné, 2018, com a devida vénia...)
Citação:
(1965), Sem Título, CasaComum.org, Disponível HTTP: http://hdl.handle.net/11002/fms_dc_35300 (2019-9-10)
Fonte: Casa Comum
Instituição: Fundação Mário Soares
Pasta: 04615.074.082
Assunto: Seguem os comunicados; Prisões e massacres em Farim e Begene.
Remetente: Lourenço Gomes
Destinatário: Amílcar Cabral
Data: Quarta, 1 de Dezembro de 1965
Observações: Doc. incluído no dossier intitulado Correspondência dactilografada 1963-1965 (de Amílcar Cabral e Aristides Pereira).
Fundo: DAC - Documentos Amílcar Cabral
Tipo Documental: Correspondência
(Reproduzido com a devida vénia...)
Remetente: Lourenço Gomes
Destinatário: Amílcar Cabral
Data: Quarta, 1 de Dezembro de 1965
Observações: Doc. incluído no dossier intitulado Correspondência dactilografada 1963-1965 (de Amílcar Cabral e Aristides Pereira).
Fundo: DAC - Documentos Amílcar Cabral
Tipo Documental: Correspondência
(Reproduzido com a devida vénia...)
1. Um mês depois do "atentado terrorista" em Farim, que causou pelo menos 27 mortos e 70 feridos graves entre a população civil e um ferido grave entre as NT (*), Amílcar Cabral toma conhecimento das consequências que se abatem sobre os suspeitos, aos olhos das autoridades portugueses, através de comunicado assinado por Lourenço Gomes, membro do Comité Executivo da Luta.
Não há qualquer referência ao "atentado terrorista" de Farim, do dia 1 de novembro de 1965. Muito menos o PAIGC reivindica a sua autoria, moral ou material. Terá tido pudor ou vergonha o dirigente do PAIGC que proclamava, "urbi et oribi", que não lutava contra o povo português mas contra o colonialismo do Estado Novo, leia-se Salazar e depois Caetano.
Afinal, as vítimas não foram as odiosas tropas colonialistas (que estavam a dormir na caserna), mas sim as crianças e as mulheres de Farim, Nema e Morocunda, mandingas, que se divertiam nessa noite, à volta da fogueira... Mas também não condenou o atentado , "o pai da Pátria", cuja estatura moral e intelectual era, ou foi , ou ainda é, reconhecida internacionalmente como um dos "gigantes! de África, a par do Nelson Mandela... Que nós saibamos, Amílcar Cabral (ou o PAIGC) nunca denunciou, ou rejeitou ou condenou este "atentado terrorista"...
Em todo o caso, no lastro da memória do povo de Farim ou entre os mandingas convinha ficar, pelo menos para alguns espíritos ingénuos, a suspeita de que este atentado fora coisa dos "colonialistas portugueses"... e assim se falsifica a história...
Faço, desde já, a minha confissão de interesses: sempre considerei tenebrosa a atuação da PIDE, na metrópole e nas colónias; considero que alguns militares portugueses, nossos camaradas, foram também tenebrosos, mas defendo aqui a honra da maior parte dos jovens da minha geração, que fizeram a guerra (e a paz) na Guiné, e que nunca poderiam aceitar e pactuar com métodos de "terrorismo puro e duro" e de "tribalismo"como aconteceu em Farim, em Morocunda, no dia 1 de novembro de 1965, numa festa mandinga, nem com as prisões em massa, os interrogatórios e os linchamentos (ou execuções sumárias) que se seguiram....
Tenho pena que o exército português, que eu servi, nada tenha acrescentado de novo, até hoje, mais de 50 anos depois, sobre a "verdade dos factos"... Nenhuma das versões que até hoje li me convencem, a começar pela "tosca" versão do comando do BART 733 (, não confundir o "comando" do batalhão com os camaradas do batalhão)...
No comunicado do PAIGC fala-se em "prisões e massacres" em Bigene e em Farim, mas não no "engenho explosivo" que esteve na origem da tragédia de 1 de novembro de 1965, O comunicado é datado de 1 de dezembro de 1965, Samine, Senegal (, onde havia uma delegação do PAIGC mas onde os guerrilheiros de Amílcat Cabral não podiam, teoricamente, andar armados.).
Lourenço Gomes, conhecido como "ti Lourenço", faz-se eco de "informações recebidas de refugiados vindos nos últimos dias de Bigene", entre os quais se contam o chefe dos CTT daquela localidade, Domingos Évora, tio de um militante do PAIGC, Jorge Évora, que "fugiu para também não ser preso, nos fins de novembro" (sic)...
Recorde-se que na lista dos 64 detidos em Farim, logo a seguir ao atentado de 1 de novembro, há dois indivíduos de apelido Évora: Pedro António Évora, pescador; e Benjamim Pedro Évora, empregado dos CTT de Farim (*).
O comunicado do PAIGC faz referência a 38 prisões efetuadas em Bigene, entre as quais a do próprio chefe de posto, o cabo-verdiano Henrique de Pina Pereira (, que teria sido morto).
Referindo-se a Farim, Lourenço Gomes, então radicado no Senegal, em Samine, dá conta do seguinte:
(i) "mataram o Paulo Cabral e o filho mais velho" (, o Paulo Cabral teria sido detido, logo em 28 de outubro de 1965, com a sua canoa e um carregamento de coconote; era acusado de ter transportado as duas granadas (!), que vieram expressamente de Conacri (!), e que terão servido para montar o engenho explosivo que o soldado milícia, mandinga, Issufe Mané, um pobre diabo, alegadamente subornado pelo Júlio Lopes Pereira com um fortuna - 14 contos em pesos da Guiné, cerca de cinco mil euros hoje (!), que ele não teve tempo de receber nem de gozar (!) - terá lançado para a fogueira do batuque, para logo no dia seguinte "pôr a boca no trombone" e denunciar toda a gente (ou quase toda a gente) de Farim e, depois, arrepender-se dese a"ato tresloucado", para o resto da vida, e chorar baba e ranho pelas vítimas inocentes, os seus filhos e irmãos mandingas de Farim (*);
(ii) há também referência à prisão do chefe da alfândega de Farim, "um patrício cabo-verdiano de nome Nelson" [, trata-se de Nelson Lima Miranda, antigo estudante da Casa do Império, em Lisboa, que não vem na lista que já publicamos anteriormente] (*);
(iii) é referido também ter sido preso "o encarregado da Ultramarina, Augusto Pereira", outro nome que não vem na lista do BART 733 (*) [, ou pode tratar.se de confusão de nomes: Júlio Lopes Pereira, ou só Júlio Pereira, que era o gerente da Casa Ultramarina];
(iv). além de "irmãos do Marcelo, um irmão do Duarte e muitos outros de que se desconhece o destino dado" [, presumindo que o Marcelo e o Duarte fossem militantes do PAIGC, conhecidos tanto do Lourenço Gomes como do Amílcar Cabral, e muito provavelmente também cabo-verdianos: Marcelo, quê ?, Marcelo Ramos de Almeida ? Duarte, quê ? Abílio Duarte ?]
(v) apontamento subtil mas interessante: "Entre os presos figuram também muitos que com eles colaboravam". [, Lourenço não diz: "que connosco colaboravam"...]. Será que os "patriotas" de Farim agiram sozinho, por sua conta e risco ? Ou o PAIGC quis sacudir a água do capote, face aos resultados (desastrosos) do "atentado terrorista" que devia passar, aos olhos da população local, como um "bombardeamento colonialista" ?
O comunicado também omite o nome dos principais comerciantes de Farim, presos na altura, bem como o do Júlio [Lopes] Pereira, o gerente da casa Ultramarina, acusado pela tropa e pela PIDE de ser o "autor moral" do atentado, tendo recebido instruções de Nélson Lima Miranda em ligação com os dirigentes do PAIGC em Conacri ( a "crer" na versão das autoridades militares portuguesas e da PIDE de Farim). Foi morto na prisão por esses dias. Era uma figura conceituada na Guiné, genro de Benjamim Correia.
2. Enfim, estes documentos, "do outro lado do combate", como diz o nosso coeditor Jorge Araújo, valem o que valem... Mas compete-nos, a nós, antigos combatentes de um dos lados da barricada, saber "lê-los e relê-los"...
A nós, para quem a guerra nunca acabou, nem acaba... mesmo que os outros nos considerem "doidos varridos, que nunca mais se libertam da memória da merda da guerra" (sic)... Há quinze anos que eu, pessoalmente, oiço isto, de amigos e familiares e até de camaradas de armas...
Em boa verdade, a quem é que interessa a "verdade" e o "rigor factual" sobre o que aconteceu em Farim, no bairro de Morocunda, na noite de 1 de novembro de 1965 ?..
Na minha desencantada opinião, interessa a muito pouca gente dos vivos, a avaliar de resto pelos escassos comentários que têm sido feitos a estas "controvérsias" do passado (**)...
Matenhas, boa noite!..
LG
________________
Notas do editor:
(*) Vd. poste de 7 de setembro de 2019 > Guiné 61/74 - P20130: Controvérsias (133): Os trágicos acontecimentos de Morocunda, Farim, de 1 de novembro de 1965, um brutal ato de terrorismo, cuja responsabilidade material e moral nunca foi apurada por entidade independente: causou sobretudo vítímas civis, que estavam num batuque: 27 mortos e 70 feridos graves
Não há qualquer referência ao "atentado terrorista" de Farim, do dia 1 de novembro de 1965. Muito menos o PAIGC reivindica a sua autoria, moral ou material. Terá tido pudor ou vergonha o dirigente do PAIGC que proclamava, "urbi et oribi", que não lutava contra o povo português mas contra o colonialismo do Estado Novo, leia-se Salazar e depois Caetano.
Afinal, as vítimas não foram as odiosas tropas colonialistas (que estavam a dormir na caserna), mas sim as crianças e as mulheres de Farim, Nema e Morocunda, mandingas, que se divertiam nessa noite, à volta da fogueira... Mas também não condenou o atentado , "o pai da Pátria", cuja estatura moral e intelectual era, ou foi , ou ainda é, reconhecida internacionalmente como um dos "gigantes! de África, a par do Nelson Mandela... Que nós saibamos, Amílcar Cabral (ou o PAIGC) nunca denunciou, ou rejeitou ou condenou este "atentado terrorista"...
Em todo o caso, no lastro da memória do povo de Farim ou entre os mandingas convinha ficar, pelo menos para alguns espíritos ingénuos, a suspeita de que este atentado fora coisa dos "colonialistas portugueses"... e assim se falsifica a história...
Faço, desde já, a minha confissão de interesses: sempre considerei tenebrosa a atuação da PIDE, na metrópole e nas colónias; considero que alguns militares portugueses, nossos camaradas, foram também tenebrosos, mas defendo aqui a honra da maior parte dos jovens da minha geração, que fizeram a guerra (e a paz) na Guiné, e que nunca poderiam aceitar e pactuar com métodos de "terrorismo puro e duro" e de "tribalismo"como aconteceu em Farim, em Morocunda, no dia 1 de novembro de 1965, numa festa mandinga, nem com as prisões em massa, os interrogatórios e os linchamentos (ou execuções sumárias) que se seguiram....
Tenho pena que o exército português, que eu servi, nada tenha acrescentado de novo, até hoje, mais de 50 anos depois, sobre a "verdade dos factos"... Nenhuma das versões que até hoje li me convencem, a começar pela "tosca" versão do comando do BART 733 (, não confundir o "comando" do batalhão com os camaradas do batalhão)...
No comunicado do PAIGC fala-se em "prisões e massacres" em Bigene e em Farim, mas não no "engenho explosivo" que esteve na origem da tragédia de 1 de novembro de 1965, O comunicado é datado de 1 de dezembro de 1965, Samine, Senegal (, onde havia uma delegação do PAIGC mas onde os guerrilheiros de Amílcat Cabral não podiam, teoricamente, andar armados.).
Lourenço Gomes, conhecido como "ti Lourenço", faz-se eco de "informações recebidas de refugiados vindos nos últimos dias de Bigene", entre os quais se contam o chefe dos CTT daquela localidade, Domingos Évora, tio de um militante do PAIGC, Jorge Évora, que "fugiu para também não ser preso, nos fins de novembro" (sic)...
Recorde-se que na lista dos 64 detidos em Farim, logo a seguir ao atentado de 1 de novembro, há dois indivíduos de apelido Évora: Pedro António Évora, pescador; e Benjamim Pedro Évora, empregado dos CTT de Farim (*).
O comunicado do PAIGC faz referência a 38 prisões efetuadas em Bigene, entre as quais a do próprio chefe de posto, o cabo-verdiano Henrique de Pina Pereira (, que teria sido morto).
Referindo-se a Farim, Lourenço Gomes, então radicado no Senegal, em Samine, dá conta do seguinte:
(i) "mataram o Paulo Cabral e o filho mais velho" (, o Paulo Cabral teria sido detido, logo em 28 de outubro de 1965, com a sua canoa e um carregamento de coconote; era acusado de ter transportado as duas granadas (!), que vieram expressamente de Conacri (!), e que terão servido para montar o engenho explosivo que o soldado milícia, mandinga, Issufe Mané, um pobre diabo, alegadamente subornado pelo Júlio Lopes Pereira com um fortuna - 14 contos em pesos da Guiné, cerca de cinco mil euros hoje (!), que ele não teve tempo de receber nem de gozar (!) - terá lançado para a fogueira do batuque, para logo no dia seguinte "pôr a boca no trombone" e denunciar toda a gente (ou quase toda a gente) de Farim e, depois, arrepender-se dese a"ato tresloucado", para o resto da vida, e chorar baba e ranho pelas vítimas inocentes, os seus filhos e irmãos mandingas de Farim (*);
(ii) há também referência à prisão do chefe da alfândega de Farim, "um patrício cabo-verdiano de nome Nelson" [, trata-se de Nelson Lima Miranda, antigo estudante da Casa do Império, em Lisboa, que não vem na lista que já publicamos anteriormente] (*);
(iii) é referido também ter sido preso "o encarregado da Ultramarina, Augusto Pereira", outro nome que não vem na lista do BART 733 (*) [, ou pode tratar.se de confusão de nomes: Júlio Lopes Pereira, ou só Júlio Pereira, que era o gerente da Casa Ultramarina];
(iv). além de "irmãos do Marcelo, um irmão do Duarte e muitos outros de que se desconhece o destino dado" [, presumindo que o Marcelo e o Duarte fossem militantes do PAIGC, conhecidos tanto do Lourenço Gomes como do Amílcar Cabral, e muito provavelmente também cabo-verdianos: Marcelo, quê ?, Marcelo Ramos de Almeida ? Duarte, quê ? Abílio Duarte ?]
(v) apontamento subtil mas interessante: "Entre os presos figuram também muitos que com eles colaboravam". [, Lourenço não diz: "que connosco colaboravam"...]. Será que os "patriotas" de Farim agiram sozinho, por sua conta e risco ? Ou o PAIGC quis sacudir a água do capote, face aos resultados (desastrosos) do "atentado terrorista" que devia passar, aos olhos da população local, como um "bombardeamento colonialista" ?
O comunicado também omite o nome dos principais comerciantes de Farim, presos na altura, bem como o do Júlio [Lopes] Pereira, o gerente da casa Ultramarina, acusado pela tropa e pela PIDE de ser o "autor moral" do atentado, tendo recebido instruções de Nélson Lima Miranda em ligação com os dirigentes do PAIGC em Conacri ( a "crer" na versão das autoridades militares portuguesas e da PIDE de Farim). Foi morto na prisão por esses dias. Era uma figura conceituada na Guiné, genro de Benjamim Correia.
2. Enfim, estes documentos, "do outro lado do combate", como diz o nosso coeditor Jorge Araújo, valem o que valem... Mas compete-nos, a nós, antigos combatentes de um dos lados da barricada, saber "lê-los e relê-los"...
A nós, para quem a guerra nunca acabou, nem acaba... mesmo que os outros nos considerem "doidos varridos, que nunca mais se libertam da memória da merda da guerra" (sic)... Há quinze anos que eu, pessoalmente, oiço isto, de amigos e familiares e até de camaradas de armas...
Em boa verdade, a quem é que interessa a "verdade" e o "rigor factual" sobre o que aconteceu em Farim, no bairro de Morocunda, na noite de 1 de novembro de 1965 ?..
Na minha desencantada opinião, interessa a muito pouca gente dos vivos, a avaliar de resto pelos escassos comentários que têm sido feitos a estas "controvérsias" do passado (**)...
Matenhas, boa noite!..
LG
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Notas do editor:
(*) Vd. poste de 7 de setembro de 2019 > Guiné 61/74 - P20130: Controvérsias (133): Os trágicos acontecimentos de Morocunda, Farim, de 1 de novembro de 1965, um brutal ato de terrorismo, cuja responsabilidade material e moral nunca foi apurada por entidade independente: causou sobretudo vítímas civis, que estavam num batuque: 27 mortos e 70 feridos graves
(**) Último poste da série > 10 de setembro de 2019 > Guiné 61/74 - P20140: Controvérsias (135): as duas noites de terror, em Farim, as de 1 e 2 de novembro de 1965, para as vítímas (mais de uma centena) do atentado terrorista, e para os indivíduos (mais de sessenta, o grosso da elite económica local) detidos e interrogados pela tropa pela PIDE, por "suspeita de cumplicidade"...