1. Mensagem do nosso camarada Mário Beja Santos (ex-Alf Mil Inf, CMDT do Pel Caç Nat 52, Missirá e Bambadinca, 1968/70), com data de 15 de Maio de 2019:
Queridos amigos,
Ter vivido quase seis meses em Ponta Delgada, um lugar onde se criaram raízes, aonde se regressa sempre com o coração aos saltos, tal o peso das lembranças, justificava plenamente que lhe fosse consagrada um dia para rever pessoas e lugares, a lembrança guardou dados essenciais, muito boa gente acolheu o viandante, lhe deu guarida, lhe abriu igualmente outras portas.
É uma cidade pronta para surpresas, súbito se encontra o antigo professor de Cultura Portuguesa, António Machado Pires, há sempre uma lembrança, o velho professor não pára de escrever, ou sobe-se ao Instituto Cultural de Ponta Delgada onde viveu Armando Cortes Rodrigues, que ali amesendou o viandante e lhe deu livros, particularmente a correspondência que com ele trocou Fernando Pessoa.
Foi um dia abençoado, logo a seguir parte-se para um lugar mágico, o Vale das Furnas.
Um abraço do
Mário
A minha ilha é um cofre de Atlântidas (4)
Beja Santos
O viandante confessa que saiu a custo do Museu Carlos Machado, ainda vão aqui imagens deste imenso adeus que mete erupção vulcânica, um belíssimo pormenor do seu exterior, um Cristo crucificado na Cruz de Santo André, ele não conhece uma imagem com este vigor e carga mística que se aparente e há ali um resto de um lintel do passado que fala do tardo-gótico, de que São Miguel beneficiou, não em grandeza nem largueza, quem aqui chegava demorava muito tempo aos benefícios temporais, foi a ilha a desmatar desde a aurora do povoamento, a própria Igreja precisou de bastante tempo para se consolidar, a todos os títulos podemos conhecer um pouco desta epopeia lendo uma obra ímpar intitulada “O Livro das Saudades da Terra”, de Gaspar Frutuoso, o que para o caso importa é o volume IV reportado a São Miguel.
Pergunto ao leitor se esta fachada barroca da Igreja do Colégio dos Jesuítas, onde pregou o Padre António Vieira, não é de estarrecer, pelo equilíbrio das proporções, pelo ajustamento cromático e pela pomposidade contida, quando aqui o viandante chegou, há mais de cinquenta anos, não era visitável, alguém mesmo falou em obras de Santa Engrácia, enfim, hoje dá gosto por aqui deambular no núcleo da Arte Sacra, esplendoroso e até pensar o que teria sido o interior deste templo se tivesse as obras acabadas, o que nunca chegou a acontecer. Se me perguntarem, respondo logo: é visita obrigatória, por dentro e por fora.
Terá sido num dos últimos dias de fevereiro de 1968 que o viandante entrou em casa do poeta do Orpheu Armando Cortes Rodrigues, vinha como convidado e para amesendar, foi recebido por uma voz estentórea, alguém do primeiro andar o saudava, vestido como um gaúcho, o viandante sempre deu voltas à cabeça se aquela indumentária não metia até guizos, algo chocalhava em fatiota tão bizarra. Mas o importante foi o acolhimento, era poeta perguntador e quando a conversa deslizou para o primado da etnografia, meu Deus!, que entusiasmo a falar dos romeiros, do interior das casas agrícolas, e também da história, a explicação do ciclo da laranja, as famílias dos donatários. De uma humildade só própria dos grandes talentos, ao falar de Vitorino Nemésio todo tremia, conhecia praticamente de cor essa obra-prima da literatura portuguesa da primeira metade do século XX, “Mau tempo no canal”. Pois o viandante bateu à porta desta casa sita na Rua do Frias, veio cumprimentar o diretor da instituição cultural, que o recebeu prazenteiro. E fotografou desenhos de Armando Cortes Rodrigues, o tal, que à saída do jantar lhe deu o volume da correspondência que Fernando Pessoa com ele trocara.
O viandante, por uma questão de pudor, não vai contar a conversa havida com os amigos com quem se encontrou, mas para lá chegar passou pela Igreja-Matriz, uma preciosidade do manuelino, como aqui se pode ver, e com algumas novidades, tem exuberância sem cordames, o que se dá ao leitor é a porta principal e a porta lateral da direita do templo com um pormenor retirado da fachada principal. O dia nascera claro na cidade, beneficiou-se da luz que releva o génio dos canteiros que lavraram esta pedra, espera-se que até à eternidade ela perdure, para bem do que há de melhor do estilo manuelino.
O infatigável amigo do viandante, Mário Reis, a pretexto de umas obras que iria ver no Vale das Furnas, deu boleia, foi-se de Ponta Delgada à Ribeira Grande, daqui seguiu-se para as Caldeiras com o mesmo nome, o leitor que procure adivinhar como esta água é fervente, turbilhonante, expelindo vapores de enxofre. É uma visão que a uns intimida, e com uma certa razão, é sempre um sinal que o interior da terra se pode revolver num certo instante e gerar abismos, desgraças, as consequências mais imprevisíveis. Por ora, fique-se com estes tons turquesa de algo de medonho que, na justa medida desta imagem, até pode ser tomado, vamos lá, como uma piscina de água férrea.
O viandante regressa ao Vale das Furnas, vem munido de literatura apropriada, neste caso, “Uma Viagem ao Vale das Furnas em Junho de 1840”, por Bernardino José de Sena Freitas, Fidalgo da Casa Real, Comendador da Ordem de Cristo, que assim começa: “O pitoresco e romântico Vale das Furnas, pequena aldeia assentada no interior da ilha de São Miguel, cercada de altíssimas rochas no circuito talvez de três léguas, demora ao nordeste da cidade de Ponta Delgada, e contém 334 fogos e 1320 habitantes”. Pode ser que a distância seja esta mas muito mudou quanto a fogos e habitantes, como adiante falaremos. E fica-se com a imagem de um hotel onde houve o bom gosto de ao fazer a sua expansão manter as linhas Arte-Deco, da face primitiva, em meados da década de 1930, e convém nunca perder de vista que aqui dentro está um dos mais lindos parques portugueses, com espécies de todo o mundo.
(continua)
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Nota do editor
Último poste da série de 26 de outubro de 2019 > Guiné 61/74 - P20277: Os nossos seres, saberes e lazeres (361): A minha ilha é um cofre de Atlântidas (3) (Mário Beja Santos)
Blogue coletivo, criado por Luís Graça. Objetivo: ajudar os antigos combatentes a reconstituir o "puzzle" da memória da guerra colonial/guerra do ultramar (e da Guiné, em particular). Iniciado em 2004, é a maior rede social na Net, em português, centrada na experiência pessoal de uma guerra. Como camaradas que são, tratam-se por tu, e gostam de dizer: "O Mundo é Pequeno e a nossa Tabanca... é Grande". Coeditores: C. Vinhal, E. Magalhães Ribeiro, V. Briote, J. Araújo.
sábado, 2 de novembro de 2019
Guiné 61/74 - P20300: Parabéns a você (1701): Abílio Magro, ex-Fur Mil Amanuense do CSJD/QG/CTIG (Guiné, 1973/74)
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Nota do editor
Último poste da série de 1 de Novembro de 2019 > Guiné 61/74 - P20296: Parabéns a você (1699): José Carlos Gabriel, ex-1.º Cabo Op Cripto do BCAÇ 4513 (Guiné, 1973/74)
Nota do editor
Último poste da série de 1 de Novembro de 2019 > Guiné 61/74 - P20296: Parabéns a você (1699): José Carlos Gabriel, ex-1.º Cabo Op Cripto do BCAÇ 4513 (Guiné, 1973/74)
sexta-feira, 1 de novembro de 2019
Guiné 61/74 - P20299: Efemérides (313): Na Guerra da Guiné, há 55 anos: A emboscada comandada por Osvaldo Vieira à escolta sob o meu comando, na estrada Mansabá-Farim, ao cair da tarde daquele 1.º de Novembro de 1964
1. Em mensagem de ontem, 31 de Outubro de 2019, o nosso camarada Manuel Luís Lomba (ex-Fur Mil da CCAV 703/BCAV 705, Bissau, Cufar e Buruntuma, 1964/66) enviou-nos um texto lembrando uma emboscada lavada a cabo no 1.º de Novembro de 1964, a uma coluna auto na estrada Mansabá-Farim, comandada por Osvaldo Vieira.
Na Guerra da Guiné, há 55 anos:
A emboscada comandada por Osvaldo Vieira à escolta sob o meu comando, na estrada Mansabá-Farim, ao cair da tarde daquele 1.º de Novembro de 1964
A malta do 2.º Curso de 1963 do CISMI – Centro de Instrução de Sargentos Milicianos de Infantaria, Tavira, – merecerá o registo da história de excelente colheita.
Começámos em Agosto, saímos Sargentos tirocinados em Dezembro, mas, por “criatividade” dos nossos chefes militares, com o posto de Cabos Milicianos – para fazermos o serviço de Sargento ao custo do soldo de Praça.
Em 4 meses de recruta/especialidade, a “Academia Militar de Tavira” superiorizou 1200 instruendos a Hitler – ele saiu da tropa com o posto de Cabo “chico”.
A minha classificação final foi de 12,26 valores – só não tive notação negativa nos “trabalhos de estrada” – e, 0,2 de valor terão feito de mim o mais infortunado furriel da CCav 703, na Guerra da Guiné: não tive grupo de combate certo, fui obrigado a substituir todos os furriéis operacionais e 2 dos 4 alferes e acabei a comissão como comandante de 2 Grupos de Milícias. O Manuel Simas, que já nos deixou, era o segundo classificado, com 12,24 valores, e, na nossa interacção, se não foi a minha sorte grande foi a sua terminação – era mais capaz que eu.
A primeira substituição foi a do vagomestre, Furriel Aurélio Cunha, que dias após o desembarque baixou ao Hospital Militar 241.
O Aurélio Cunha será um prestigiado repórter, chegou a redactor principal do “Jornal de Notícias” e é autor do notável livro “Um Repórter Inconveniente”, está vivo e recomenda-se; o Manuel Simas será um escultor brilhante nos Estados Unidos, acabou professor no Ensino Secundário em Ponta Delgada e deixou-nos há 2 anos.
E foi no desempenho de vagomestre que eu e mais 11 nos vimos confrontados pelo carismático comandante Osvaldo Vieira e a sua malta, naquela emboscada, – a primeira sofrida pela CCav 703. Até então, apenas havíamos operado cercos, assaltos, etc.
O Comando-Chefe desencadeara a “Operação Confiança”, na sua pretensão de “limpar“ o Oio, à CCav 703 coube a missão do desimpedimento da estrada Mansabá-Farim, que o MLG e não o PAIGC havia pejado de abatises, desde 1962, o primeiro movimento armado independentista da Guiné, com o assalto e a vandalização de Susana, Varela, etc a seu crédito.
Montámos barracas cónicas chamadas “tendas coloniais” num descampado, arredores de Bironque, de dia uns faziam de militares-madeireiros, outros faziam patrulhas operacionais e de reconhecimento por água, em duas noites “embrulhamos” morteiradas de 82 – a sua segunda ou a terceira ocorrência na Guiné.
Levámos apenas atrelado-tanque de 10 000 litros de água, mas em Bironque não havia esse precioso líquido (viemos a saber que Teixeira Pinto se havia queixado do mesmo), não tivemos uma côdea de pão, passámos do rancho quente a rações de combate, as moscas passaram a enxamear o amontoado de marmitas não lavadas e, quando já tínhamos menos dum cantil per capita, o pequeno heli Alouette II das evacuações sanitárias, poisou com o Brigadeiro Sá Carneiro (tio do futuro fundador do PPD). O nosso enérgico Capitão Fernando Lacerda não era dado a tibiezas fizera subir o tom nas reclamações da falta do reabastecimento de água e o Comandante Militar, em vez de nos mandar gerricanes de água mandou-nos a sua presença – mas para admoestar e ameaçar o capitão com uma “porrada”. Mas deixou-nos um ensinamento: - Em tempo de guerra, as marmitas lavam-se com terra…
Nada tive a ver com a “Ordem de Operações” ou o estacionamento em Bironque, mas a sua falta de água sobrara para mim. A Guerra da Guiné também foi assim.
O nosso capitão disponibilizou-me o camião Mercedes, o seu condutor Domingos Pardal e uma esquadra, reforçada com os três elementos da cozinha, deu-me liberdade para acrescentar até 4 voluntários de folga (os outros operacionais tinham uma missão operacional), arregimentei apenas 3 voluntários, formei uma escolta de 12 fiz a lenga da praxe e lá fomos à água ao BArt 645, sediado em Mansabá. Eh, malta! Estou a sentir arrepios, à medida que vou recordando e evocando o acontecido, evidência que temos uma espécie de “disco rígido” que grava para a vida as nossas emoções fortes – o medo, no caso.
O Domingos Pardal dobrou o para-brisas, pusemos os óculos à aviador, tapamos as fuças com os lenços verdes, avançamos para Mansabá, a grande velocidade, levantado e deixando nuvens de pó, recebeu-nos um capitão “águia negra”, murmurou que só um maluco mandaria tão pequena escolta e disse-me, indicando 2 obuses 8.8 apontados para os lados de Bironque: - Vocês acabaram de passar no meio “deles”! A malta “águia negra” foi muito hospitaleira, emprestaram-nos toalhas para o banho, atestaram-nos o atrelado-tanque, abonaram-nos “vianda”, eu aviei meio casqueiro, uma lata de conserva de perdiz das Conservas Brandão e uma “bejeca” gelada.
O comandante de Mansabá mandou um pelotão escoltar-nos até meio do caminho, o seu Unimog avariou em plena mata, gastamos tempo a arranjar maneira de o ultrapassar, a noite tropical é rápida a chegar, o seu alferes disse-nos que o seu comandante permitia que regressássemos a Mansabá – mas a malta de Bironque desesperaria mais um dia sem água!
Como não era uma ordem, levantei os queixos e o olhar aos nossos, não houve reacção negativa, afivelei a máscara de sujeito decidido, saltei para o camião, lembrei-me e repeti a bravata do Henrique Galvão, no caso do Santa Maria: - Prá frente é que é o caminho!
Cerca de um quilómetro depois, desabou uma trovoada de rajadas e de rebentamento de granadas, todos voamos para o chão a ripostar, as balas faiscavam no taipal metálico e chicoteavam-me aos ouvidos, os sacos de areia em parapeito vertiam-na, um soldado dizia que estava cego, e, afortunadamente, as granadas rebentavam do outro lado da estrada. Dada a densidade da mata, os atiradores e granadeiros atacantes estavam-nos muito próximos, mas o outro lado era-nos seguro e campo da explosão das granadas deles.
O condutor Domingos Pardal continuou em 1.ª velocidade, deitara-se e orientava a condução pela porta aberta do seu lado, acelerava com uma mão e guiava com a outra, fiz-lhe o sinal convencional para arrancar e ao cabo da esquadra meu adjunto (lamento não me lembrar do nome) para retirarem a rastejar pela valeta, os atacantes encarniçaram o fogo sobre o camião e eu e mais 3 ficámos uns momentos na retaguarda, a dar segurança. Nesse momento e manobra localizámos os seus ninhos de tiro, os 4 despejamos 2 carregadores cada sobre eles, 160 balas, ouviram-se gritos e ruídos, deduzi que retiravam e também retiramos, a rastejar pela valeta.
E já o Pardal vinha de marcha atrás com a malta, de regresso à “zona de morte”, porque ficáramos para trás. Rapaziada valente! Ao nosso encontro veio uma coluna de auxílio, comandada pelo capitão. Foram cerca de 10 minutos, que nos pareceram uma eternidade!
Moral da estória: O camião Mercedes, novinho em folha, tinha 17 impactos de bala na cabine, o taipal do lado do ataque estava todo cravado, os sacos de areia do seu peitoril estavam desfeitos, a primeira rajada atirara areia aos olhos daquele soldado, que recuperou, - mas o atrelado-tanque estava intacto!
Troço da estrada Mansabá-Farim em Fevereiro de 1971, pouco tempo após terminado seu asfaltamento. Ainda persiste o pó branco com que era coberto o alcatrão acabado de aplicar.
Foto e legenda: Carlos Vinhal
Sou recorrente nesta narrativa como preito de memória à malta que já partiu e de homenagem à malta ainda subsistente do BCav 705, do BCav 490, do BArt 645, da BCaç 507, do “Capitão do Quadrado”, com quem interagimos no norte da Guiné – no Oio e Morés.
E também não esqueço o Osvaldo Vieira, morto em desgraça, em Janeiro de 1974 e os bissau-guineenses que nos afrontaram de armas na mão, tão convencidos quanto nós, “por uma Guiné Melhor”.
Mereciam melhor sorte!
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Nota do editor
Último poste da série de 17 de outubro de 2019 > Guiné 61/74 - P20248: Efemérides (312): Mina anticarro em Canturé, regulado do Cuor, 16 de Outubro de 1969 (Mário Beja Santos, ex-Alf Mil Inf, CMDT do Pel Caç Nat 52)
Na Guerra da Guiné, há 55 anos:
A emboscada comandada por Osvaldo Vieira à escolta sob o meu comando, na estrada Mansabá-Farim, ao cair da tarde daquele 1.º de Novembro de 1964
A malta do 2.º Curso de 1963 do CISMI – Centro de Instrução de Sargentos Milicianos de Infantaria, Tavira, – merecerá o registo da história de excelente colheita.
Começámos em Agosto, saímos Sargentos tirocinados em Dezembro, mas, por “criatividade” dos nossos chefes militares, com o posto de Cabos Milicianos – para fazermos o serviço de Sargento ao custo do soldo de Praça.
Em 4 meses de recruta/especialidade, a “Academia Militar de Tavira” superiorizou 1200 instruendos a Hitler – ele saiu da tropa com o posto de Cabo “chico”.
A minha classificação final foi de 12,26 valores – só não tive notação negativa nos “trabalhos de estrada” – e, 0,2 de valor terão feito de mim o mais infortunado furriel da CCav 703, na Guerra da Guiné: não tive grupo de combate certo, fui obrigado a substituir todos os furriéis operacionais e 2 dos 4 alferes e acabei a comissão como comandante de 2 Grupos de Milícias. O Manuel Simas, que já nos deixou, era o segundo classificado, com 12,24 valores, e, na nossa interacção, se não foi a minha sorte grande foi a sua terminação – era mais capaz que eu.
A primeira substituição foi a do vagomestre, Furriel Aurélio Cunha, que dias após o desembarque baixou ao Hospital Militar 241.
O Aurélio Cunha será um prestigiado repórter, chegou a redactor principal do “Jornal de Notícias” e é autor do notável livro “Um Repórter Inconveniente”, está vivo e recomenda-se; o Manuel Simas será um escultor brilhante nos Estados Unidos, acabou professor no Ensino Secundário em Ponta Delgada e deixou-nos há 2 anos.
E foi no desempenho de vagomestre que eu e mais 11 nos vimos confrontados pelo carismático comandante Osvaldo Vieira e a sua malta, naquela emboscada, – a primeira sofrida pela CCav 703. Até então, apenas havíamos operado cercos, assaltos, etc.
O Comando-Chefe desencadeara a “Operação Confiança”, na sua pretensão de “limpar“ o Oio, à CCav 703 coube a missão do desimpedimento da estrada Mansabá-Farim, que o MLG e não o PAIGC havia pejado de abatises, desde 1962, o primeiro movimento armado independentista da Guiné, com o assalto e a vandalização de Susana, Varela, etc a seu crédito.
Montámos barracas cónicas chamadas “tendas coloniais” num descampado, arredores de Bironque, de dia uns faziam de militares-madeireiros, outros faziam patrulhas operacionais e de reconhecimento por água, em duas noites “embrulhamos” morteiradas de 82 – a sua segunda ou a terceira ocorrência na Guiné.
Levámos apenas atrelado-tanque de 10 000 litros de água, mas em Bironque não havia esse precioso líquido (viemos a saber que Teixeira Pinto se havia queixado do mesmo), não tivemos uma côdea de pão, passámos do rancho quente a rações de combate, as moscas passaram a enxamear o amontoado de marmitas não lavadas e, quando já tínhamos menos dum cantil per capita, o pequeno heli Alouette II das evacuações sanitárias, poisou com o Brigadeiro Sá Carneiro (tio do futuro fundador do PPD). O nosso enérgico Capitão Fernando Lacerda não era dado a tibiezas fizera subir o tom nas reclamações da falta do reabastecimento de água e o Comandante Militar, em vez de nos mandar gerricanes de água mandou-nos a sua presença – mas para admoestar e ameaçar o capitão com uma “porrada”. Mas deixou-nos um ensinamento: - Em tempo de guerra, as marmitas lavam-se com terra…
Nada tive a ver com a “Ordem de Operações” ou o estacionamento em Bironque, mas a sua falta de água sobrara para mim. A Guerra da Guiné também foi assim.
O nosso capitão disponibilizou-me o camião Mercedes, o seu condutor Domingos Pardal e uma esquadra, reforçada com os três elementos da cozinha, deu-me liberdade para acrescentar até 4 voluntários de folga (os outros operacionais tinham uma missão operacional), arregimentei apenas 3 voluntários, formei uma escolta de 12 fiz a lenga da praxe e lá fomos à água ao BArt 645, sediado em Mansabá. Eh, malta! Estou a sentir arrepios, à medida que vou recordando e evocando o acontecido, evidência que temos uma espécie de “disco rígido” que grava para a vida as nossas emoções fortes – o medo, no caso.
Troço da estrada Mansabá-Farim, com o Bironque sensivelmente a meio do caminho
Infogravura Luís Graça & Camaradas da Guiné
O Domingos Pardal dobrou o para-brisas, pusemos os óculos à aviador, tapamos as fuças com os lenços verdes, avançamos para Mansabá, a grande velocidade, levantado e deixando nuvens de pó, recebeu-nos um capitão “águia negra”, murmurou que só um maluco mandaria tão pequena escolta e disse-me, indicando 2 obuses 8.8 apontados para os lados de Bironque: - Vocês acabaram de passar no meio “deles”! A malta “águia negra” foi muito hospitaleira, emprestaram-nos toalhas para o banho, atestaram-nos o atrelado-tanque, abonaram-nos “vianda”, eu aviei meio casqueiro, uma lata de conserva de perdiz das Conservas Brandão e uma “bejeca” gelada.
O comandante de Mansabá mandou um pelotão escoltar-nos até meio do caminho, o seu Unimog avariou em plena mata, gastamos tempo a arranjar maneira de o ultrapassar, a noite tropical é rápida a chegar, o seu alferes disse-nos que o seu comandante permitia que regressássemos a Mansabá – mas a malta de Bironque desesperaria mais um dia sem água!
Como não era uma ordem, levantei os queixos e o olhar aos nossos, não houve reacção negativa, afivelei a máscara de sujeito decidido, saltei para o camião, lembrei-me e repeti a bravata do Henrique Galvão, no caso do Santa Maria: - Prá frente é que é o caminho!
Cerca de um quilómetro depois, desabou uma trovoada de rajadas e de rebentamento de granadas, todos voamos para o chão a ripostar, as balas faiscavam no taipal metálico e chicoteavam-me aos ouvidos, os sacos de areia em parapeito vertiam-na, um soldado dizia que estava cego, e, afortunadamente, as granadas rebentavam do outro lado da estrada. Dada a densidade da mata, os atiradores e granadeiros atacantes estavam-nos muito próximos, mas o outro lado era-nos seguro e campo da explosão das granadas deles.
O condutor Domingos Pardal continuou em 1.ª velocidade, deitara-se e orientava a condução pela porta aberta do seu lado, acelerava com uma mão e guiava com a outra, fiz-lhe o sinal convencional para arrancar e ao cabo da esquadra meu adjunto (lamento não me lembrar do nome) para retirarem a rastejar pela valeta, os atacantes encarniçaram o fogo sobre o camião e eu e mais 3 ficámos uns momentos na retaguarda, a dar segurança. Nesse momento e manobra localizámos os seus ninhos de tiro, os 4 despejamos 2 carregadores cada sobre eles, 160 balas, ouviram-se gritos e ruídos, deduzi que retiravam e também retiramos, a rastejar pela valeta.
E já o Pardal vinha de marcha atrás com a malta, de regresso à “zona de morte”, porque ficáramos para trás. Rapaziada valente! Ao nosso encontro veio uma coluna de auxílio, comandada pelo capitão. Foram cerca de 10 minutos, que nos pareceram uma eternidade!
Moral da estória: O camião Mercedes, novinho em folha, tinha 17 impactos de bala na cabine, o taipal do lado do ataque estava todo cravado, os sacos de areia do seu peitoril estavam desfeitos, a primeira rajada atirara areia aos olhos daquele soldado, que recuperou, - mas o atrelado-tanque estava intacto!
Troço da estrada Mansabá-Farim em Fevereiro de 1971, pouco tempo após terminado seu asfaltamento. Ainda persiste o pó branco com que era coberto o alcatrão acabado de aplicar.
Foto e legenda: Carlos Vinhal
Sou recorrente nesta narrativa como preito de memória à malta que já partiu e de homenagem à malta ainda subsistente do BCav 705, do BCav 490, do BArt 645, da BCaç 507, do “Capitão do Quadrado”, com quem interagimos no norte da Guiné – no Oio e Morés.
E também não esqueço o Osvaldo Vieira, morto em desgraça, em Janeiro de 1974 e os bissau-guineenses que nos afrontaram de armas na mão, tão convencidos quanto nós, “por uma Guiné Melhor”.
Mereciam melhor sorte!
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Nota do editor
Último poste da série de 17 de outubro de 2019 > Guiné 61/74 - P20248: Efemérides (312): Mina anticarro em Canturé, regulado do Cuor, 16 de Outubro de 1969 (Mário Beja Santos, ex-Alf Mil Inf, CMDT do Pel Caç Nat 52)
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Guiné 61/74 - P20298: Notas de leitura (1232): Missão cumprida… e a que vamos cumprindo, história do BCAV 490 em verso, por Santos Andrade (30) (Mário Beja Santos)
1. Mensagem do nosso camarada Mário Beja Santos (ex-Alf Mil Inf, CMDT do Pel Caç Nat 52, Missirá e Bambadinca, 1968/70), com data de 17 de Junho de 2019:
Queridos amigos,
Temos o BCAV 490 em Farim, o bardo dá-nos um retrato com alguma pompa e circunstância. Remete-nos a imaginação para um outro nível de preocupações, que Guiné é aquela de que os historiadores tão pouco falam, dito com brusquidão parece que aquele conflito teve um ator de alto coturno chamado António de Spínola, o que aconteceu antes é traçado como história melancólica ou tempo perdido. O triste disto tudo é que no momento presente escreve-se sobre a guerra da Guiné e continua-se a não dar o corpo ao manifesto, isto é, ninguém quer fazer frente às toneladas de papel em arquivo relacionadas com a documentação que saiu de Bissau para os Ministérios do Ultramar e da Defesa. E o que se continua a escrever é baldear o mais do mesmo, a bibliografia conhecida tratada à luz de um olhar pretensamente inovador, ora abóbora!
Um abraço do
Mário
Missão cumprida… e a que vamos cumprindo (30)
Beja Santos
“A Companhia do Comando
faz um grande servição.
Alferes Pires, nas Transmissões,
orienta todo o Batalhão.
E formada por exploradores
e por muitos electricistas,
temos alguns especialistas,
uns, deles, os estofadores.
Também temos os sapadores
que andam sempre actuando.
As Transmissões vão falando
para qualquer local
e não há outra que igual
a Companhia do Comando.
Temos muito escriturário,
fazendo participações;
nas armas e nas munições
o Alfredo e o Mário.
O Furriel Januário
às armas faz inspecção.
Temos o Lopes e o Ganhão,
Grifo, Caramelo, Ferreira,
Pécurto, Dimas e Oliveira,
fazem grande servição.
Fazendo serviço num pelotão
p’ra Guidage Filipe abalou
e seguidamente alinhou.
Pombo noutra ocasião
pois nesta povoação
comia-se muitas rações
travavam-se comunicações
com o Jorge e o Matias
e orientando as companhias
Alferes Pires nas Transmissões.
Nuno e Horácio, cifradores,
Centro de mensagens, o Armando,
Sargento Pedro vão trabalhando,
com os seus rádio-montadores,
os estafetas transportadores
pertencem à mesma secção.
Temos o nosso capitão:
também leva tudo avante.
E o nosso Comandante,
orienta todo o Batalhão.”
********************
O bardo apresenta-nos o Comando em Farim, e ficamos a pensar qual o delineamento estratégico que lhe está subjacente. A história da guerra da Guiné é uma nebulosa neste período. Quem sobre ela escreve, do Brigadeiro Louro de Sousa ao General Arnaldo Schulz foge como gato das brasas, vai tartamudeando boletins das Forças Armadas, como se não houvesse diretivas, orientações, decisões tomadas sob ordenamentos de população, ação psicossocial, enfim, os investigadores ainda não meteram as mãos na massa nos arquivos dos Ministérios da Defesa Nacional e do Ultramar, seguramente que aqueles jornais oficiais informavam os seus superiores de como pretendiam travar a guerrilha e dar esperança às populações que confiavam na bandeira portuguesa, neste tumultuoso período em que se separavam as águas e o PAIGC procurava afirmar-se designadamente na região Sul e no Morés e redondezas, sem prejuízo de abrir corredores do Senegal e da Guiné Conacri para as suas bases. O que se publicou sobre este período é escasso e não está sistematizado.
Procurando saber como Schulz procurou contra-atacar na ação psicológica, encontrou-se na Revista Africana, N.º 10 de Março de 1992, do Centro de Estudos Africanos da Universidade Portucalense, um elucidativo artigo de José Abílio Lomba Martins, esteve à frente de tais serviços. Começa por nos dizer que em 1965, o Gabinete Militar do Comando-Chefe das Forças Armadas da Guiné, por determinação de Schulz, decidiu elaborar uma diretiva de ação psicológica adequada ao quadro de subversão em curso, foi designada uma equipa de oficiais, elaborou-se um estudo sobre o meio humano da Guiné, uma diretiva e um plano de ação psicológica, um serviço de radiodifusão e imprensa e propuseram-se diligências quanto ao envio de ordens às unidades territoriais e especiais e recomendações às autoridades civis. Fez-se o estudo do meio humano, o posicionamento das etnias, e em função deste posicionamento elaborou-se um plano de ação psicológica com motivações, slogans e materiais a produzir. Criaram-se programas radiofónicos diários de horário intenso, o Programa das Forças Armadas emitia em crioulo, francês, fula, mandinga, balanta e, eventualmente, noutras línguas. Havia igualmente a emissão de comunicados de informação pública, visitantes, jornalistas e cineastas eram convidados a visitar a Guiné. Folhetos e cartazes foram difundidos profusamente, do tipo “Gente do mato apresenta-se às autoridades, só vive no mato gente enganada, a gente que pensa direito vive na Tabanca, no mato há fome, doença e morte, na Tabanca há alegria, há comida e há visita de médico, vem ter com a tropa”.
Lomba Martins avança informações de grande importância:
“A rarefacção de funcionários civis no Interior era compensada pela existência de uma quantidade apreciável de militares com especialidades como medicina, enfermagem, mecânica, serviço religioso e de oficiais e sargentos que ministravam cuidados médicos, educação escolar e davam apoio social e económico às populações mais carenciadas.
Quer o Ministério do Ultramar quer o Ministério da Defesa concediam à Província meios financeiros importantes, equipamentos, navios e materiais que eram utilizados no desenvolvimento agrícola, no apoio sanitário, na acção social e nos transportes aéreos, rodoviários e fluviais. As estradas eram construídas por Companhias de Engenharia Militar ou por empresas de construção civil, com o apoio e segurança imediata de Companhias de quadrícula”.
Diz o autor que as milícias normais e especiais atingiram 29 Companhias com a missão de colaborar na defesa e proteção das populações e que desde o início os portugueses tiveram sempre controlo sobre a ilha de Bissau, Mansoa e Teixeira Pinto, sobre Bolama e o arquipélago dos Bijagós, sobre o Gabu e Bafatá, o que correspondia, de grosso modo, aos “chãos” dos Papéis, Manjacos, Bijagós, Mandingas e Fulas. E esclarece, ainda: “Os portugueses reforçaram os seus aquartelamentos e estabeleceram uma linha importante de tabancas em autodefesa na região de Bafatá e Gabu”. Dá-nos elementos detalhados sobre o que foi o desenvolvimento económico neste período, refere as prospeções petrolíferas e as prioridades nas ações de fomento desde a metalomecânica, passando pelos curtumes e congelação até aos têxteis e tabaco, entre outros. É igualmente minucioso sobre os serviços de Saúde e o combate às doenças tropicais.
Não se pode igualmente subestimar o que apareceu escrito em obras de propaganda, e aqui se destaca um livro do jornalista e escritor Amândio César intitulado “Em ‘Chão Papel’ na terra da Guiné”, publicado pela Agência-Geral do Ultramar em 1967. Em 1965, Amândio César fora à Guiné e fizera uma reportagem sobre o estado da guerra, mais adiante falaremos dessa obra. Neste segundo livro, o escritor espraia-se pelas realizações do primeiro ano da governação de Schulz: feira do livro em Bissau, a atividade escolar da Guiné, com realce para o Liceu Honório Pereira Barreto, o trabalho do Movimento Nacional Feminino na Guiné, refere o ainda despique entre o PAIGC e a FLING, mas o desenvolvimento de Bissau é onde ele é mais entusiasmante, alude as alterações que a cidade sofreu de um ano para o outro, o alargamento do mercado de Bandim, o fornecimento de eletricidade aos bairros “Chão de Papel” e “Alto Crim”, a valorização do campo de jogos desportivos Estádio Sarmento Rodrigues, estava novo em folha o Bairro da Ajuda que iria albergar, até ao fim do ano de 1966, 3 mil pessoas.
Amândio César |
Proximamente voltaremos a Amândio César e ao seu modo de ver a guerra naqueles primeiros anos em que se demarcaram os campos, em que cada um dos contendores parecia ter condições de esmagar rapidamente o outro.
(continua)
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Notas do editor
Poste anterior de 25 de outubro de 2019 > Guiné 61/74 - P20275: Notas de leitura (1229): Missão cumprida… e a que vamos cumprindo, história do BCAV 490 em verso, por Santos Andrade (29) (Mário Beja Santos)
Último poste da série de 28 de outubro de 2019 > Guiné 61/74 - P20284: Notas de leitura (1231): "O Alferes Eduardo", por Fernando Fradinho Lopes; Círculo-Leitores, 2000 (3) (Mário Beja Santos)
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Guiné 61/74 - P20297: (De)Caras (139): Quem foi António Augusto Esteves, colono desde 1922, comerciante, fundador da "Casa Esteves", simpatizante do PAIGC?
Guiné-Bissau > Bissau > Casa Esteves > c. 1980/90 (?) > Av Domingos Ramos, nº 33 (?). Foto: cortesia da página do Facebook de Adilson Cardoso. nascido na Guiné-Bissau, a viver em Lisboa. O fundador, António Augusto Esteves, foi dos poucos velhos colonos portugueses que terá ficado por lá, depois da independência, tendo sido, ao que parece, simpatizante do PAIGC. Ou soube adaptar-se ao fim do "império". Antes da independência, a Casa Esteves era na Rua Administrador Gomes Pimentel, num r/c, havendo no piso superior 4 moradias para a família e para alugar... Em frente ficava a Tipografia das Missões onde se publicava "O Arauto" (, a informação é da Lucinda Aranha Antunes. "O Homem do Cinema" (Alcochete, Alfarroba, 2018, p. 112).
1. António Augusto Esteves foi um conceituado colono da Guiné portuguesa, comerciante, radicado no território, nos anos 20, tendo inclusive sido nomeado, como vogal, do primeiro Conselho Legislativo da província, em março de 1964. Pertencia igualmente à direcção da Associação Comercial, Industrial e Agrícola.
No romance ou biografia ficcionada "O Homem do Cinema - A la Manel Djoquim i na na bim" [Alcochete, Alfarroba, 2018, 163 pp, il,] a autora, a nossa amiga e grã-trabanqueira Lucinda Aranha Antunes (*), tem várias referências a esta conhecida figura da vida comercial da Guiné, o António Augusto Esteves, sendo inclusive amigo e compadre de seu pai, Manuel Joaquim dos Prazeres (1901-1977), empresário, caçador e homem do cinema ambulante que, nascido em Lisboa, viveu grande parte da sua vida em Cabo Verde (1929/1943) e depois na Guiné (1943/1973).
Segundo a Lucinda Aranha Antunes (op cit, pp. 103 e ss), o fundador da Casa Esteves teria chegado à colónia em 1922, acompanhando a mulher que fora colocada no Cacheu como professora primária. .
No Cacheu terá começado a dar cinema. Entretanto, a mulher no final dos anos 30 é colocada em Bafatá. O Esteves conhece o Manuel Joaquim quando este se muda de Cabo Verde para a Guiné em 1946. Em 1951, em Bissau, o Esteves explora uma sala de espetáculos, onde projeta cinema, sala que fica totalmente destruída na sequência de um incêndio.
É a altura então em que inicia os seus negócios no ramo do comércio. Começou com um camião e ao fim de algum tempo tinha várias filiais junto à fronteira e no interior do país (Em Bafatá, por exemplo, a Casa Esteves era conhecida de alguns de nós, sendo o gerente um transmontano de Mirandela, o sr. Camilo.)
Na obra atrás citada, a filha do "Manel Djoquim" (que, diga-se, de passagem, escreveu um notável livro de memórias sobre Cabo Verde e a Guiné, onde, a par de Lisboa, decorre a saga da família, mas também um livrinho que é um monumento de ternura pelo seu pai, que tinha o nominho de Nequinhas, e pela sua mãe Julinha...), diz-nos algo mais sobre os negócios do António Augusto Esteves (p. 104):
(...) "O compadre estendera, pouco a pouco, os negócios comercializando arroz, calçado, fardos e fardos de suecas, camisolas interiores sem mangas, fabricadas em Portugal, e tão baratas que os indígenas ao fim de uma semana de uso continuado, descartavam.
"Por influência do Pereira, seu genro, começou a fazer representaçã de carros e de motas (Honda, Volvo, Simca, Vauxhall Bedford), tendo também representação de acessórios auto. Mas não se ficou por aí, passando a importar máquinas fotográficas japonesas, frigoríficos, primeiro a petróleo e nos anos sessenta-setenta já elétricos, rádios, gravadores, máquinas-ferramentas, além de não desdenhar a venda de combustível"...
" - Dou graças a Deus por o cinema ter ardido [em 1951] e eu ter mudado de vida. A Casa Esteves é a minha galinha dos ovos de ouro" (...).
Alguém saberá mais sobre este homem, que conheceu vários regimes políticos (Monarquia Constitucional, República, Ditadura Militar, Estado Novo, República da Guiné-Bissau...) ? (***) Não sabemos quando morreu, mas foi já depois da independência da Guiné-Bissau, e possivelmente ainda uns anos depois do seu compadre Manel Djoquim (1901-1977)(*).
Na obra atrás citada, a filha do "Manel Djoquim" (que, diga-se, de passagem, escreveu um notável livro de memórias sobre Cabo Verde e a Guiné, onde, a par de Lisboa, decorre a saga da família, mas também um livrinho que é um monumento de ternura pelo seu pai, que tinha o nominho de Nequinhas, e pela sua mãe Julinha...), diz-nos algo mais sobre os negócios do António Augusto Esteves (p. 104):
(...) "O compadre estendera, pouco a pouco, os negócios comercializando arroz, calçado, fardos e fardos de suecas, camisolas interiores sem mangas, fabricadas em Portugal, e tão baratas que os indígenas ao fim de uma semana de uso continuado, descartavam.
"Por influência do Pereira, seu genro, começou a fazer representaçã de carros e de motas (Honda, Volvo, Simca, Vauxhall Bedford), tendo também representação de acessórios auto. Mas não se ficou por aí, passando a importar máquinas fotográficas japonesas, frigoríficos, primeiro a petróleo e nos anos sessenta-setenta já elétricos, rádios, gravadores, máquinas-ferramentas, além de não desdenhar a venda de combustível"...
" - Dou graças a Deus por o cinema ter ardido [em 1951] e eu ter mudado de vida. A Casa Esteves é a minha galinha dos ovos de ouro" (...).
Alguém saberá mais sobre este homem, que conheceu vários regimes políticos (Monarquia Constitucional, República, Ditadura Militar, Estado Novo, República da Guiné-Bissau...) ? (***) Não sabemos quando morreu, mas foi já depois da independência da Guiné-Bissau, e possivelmente ainda uns anos depois do seu compadre Manel Djoquim (1901-1977)(*).
Projeto do arquiteto Jorge Chaves (, datando de 1949/52), é considerado o melhor edifício colonial da ex-Guiné portuguesa (, segundo a opinião da especialista Ana Vaz Milheiros). Depois da independência, passou a ser a sede do PAIGC.
Foto: © Agostinho Gaspar (2010). Todos os direitos reservados [Edição e legendagem: Blogue Luís Graça & Camaradas da Guiné]
2. O nosso amigo e camarada, guineense, António Estácio, em "Nha Bijagó: respeitada personalidade da sociedade guineense (1871-1959)" (edição de autor, 2011, 159 pp., c/ ilustrações), refere o nome do António Augusto Esteves, como vogal do Conselho Legislativo:
(...) "O profundo conhecimento da realidade guineense e a reconhecida ascendência social, contribuíram para que em 1964, no mandato (1964-1968) do General Arnaldo Schulz, como Governador, a “tia Nâna” viesse a ser eleita e por sufrágio directo, para exercer as funções de vogal do primeiro Conselho Legislativo da Província da Guiné.
Como vogais natos, integravam o Conselho o Inspector Dr. James Pinto Bull e o Director de Finanças, Tomás Joaquim da Cunha Alves, o Comandante Militar e o Delegado do Procurador da República.
Ainda, por sufrágio directo, Fernando dos Santos Correia e Joaquim V. Graça do Espírito Santo. Pelos Corpos Administrativos e Pessoas Colectivas de Utilidade Pública o Dr. Luís dos Santos Lopes. Pelos Organismos Morais e Culturais o Padre José M. da Cruz Amaral, pelos Contribuintes os comerciantes António Augusto Esteves e Mário Lima Wahnon. Pelos Corpos Administrativos e Pessoas Colectivas de Utilidade Pública o Dr. Artur Augusto da Silva [, pai do nosso Pepito e marido da Dra. Clara Schwarz ] e, pelas Autoridades das Regedorias Joaquim Batican Ferreira, Sene Sane e Mamadú Bonco Sanhá [, o régulo de Badora]." (...) [Negrito nosso, LG]
3. Excerto das memórias de Carlos Domingos Gomes, 'Cadogo Pai' (Bissau, edição de autor, 2008):
(...) “Voltei a encontrar o camarada Aristides Pereira em Madina do Boé. Foi na altura do 1º Aniversário da nossa Independência Nacional. Conduzi uma delegação de Bissau até Gabú. Era comandante da zona o sr. Honório Chantre que nos recebeu à chegada a Gabú. Após se inteirar da nossa intenção de irmos assistir às comemorações do 1º Aniversário da nossa Independência, mandou-nos procurar alojamento e aguardar a resposta à comunicação que ia mandar para a base.
“No dia seguinte, logo pela manhã, mandou-me chamar a mim e aos companheiros a fim de dar a resposta prometida. Da autorização recebida, só eu podia entrar para a base, escolhendo uma pessoa para me acompanhar.
"A delegação era composta por 14 nacionais e um português, de nome António Augusto Esteves, ex-comerciante bem conhecido, já falecido, radicado há dezenas de anos na Guiné-Bissau. Posso testemunhar a sua dedicação, bem coberta a causa da Independência (como o testemunham os bens implantados).
"Foi ele então a pessoa escolhida para me acompanhar. Foi deslocado um helicóptero da base de Madina Boé a Gabu para nos transportar. A minha escolha causou mal estar na caravana que teve de regressar a Bissau.
"A chegada à base que acolheu a manifestação, fomos recebidos pelo então Comissário do Comércio, o camarada Armando Ramos, que a seguir às manifestações, recebeu ordens para nos conduzir a uma sessão especial, onde encontrámos, reunido, todo o elenco dirigente do Partido, entre eles com a toda a surpresa o camarada Aristides Pereira que me acolheu de braços abertos, com uma abertura desconhecida no seu semblante, sempre fechado. Disparou-me a seguinte pergunta:
- E as nossas conversas em Bolama ?
"Respondi comovido, só descobri os fundamentos dos nossos encontros após a sua partida dita para os Estados Unidos." (...) [Negritos nossos]
(...) “Voltei a encontrar o camarada Aristides Pereira em Madina do Boé. Foi na altura do 1º Aniversário da nossa Independência Nacional. Conduzi uma delegação de Bissau até Gabú. Era comandante da zona o sr. Honório Chantre que nos recebeu à chegada a Gabú. Após se inteirar da nossa intenção de irmos assistir às comemorações do 1º Aniversário da nossa Independência, mandou-nos procurar alojamento e aguardar a resposta à comunicação que ia mandar para a base.
“No dia seguinte, logo pela manhã, mandou-me chamar a mim e aos companheiros a fim de dar a resposta prometida. Da autorização recebida, só eu podia entrar para a base, escolhendo uma pessoa para me acompanhar.
"A delegação era composta por 14 nacionais e um português, de nome António Augusto Esteves, ex-comerciante bem conhecido, já falecido, radicado há dezenas de anos na Guiné-Bissau. Posso testemunhar a sua dedicação, bem coberta a causa da Independência (como o testemunham os bens implantados).
"Foi ele então a pessoa escolhida para me acompanhar. Foi deslocado um helicóptero da base de Madina Boé a Gabu para nos transportar. A minha escolha causou mal estar na caravana que teve de regressar a Bissau.
"A chegada à base que acolheu a manifestação, fomos recebidos pelo então Comissário do Comércio, o camarada Armando Ramos, que a seguir às manifestações, recebeu ordens para nos conduzir a uma sessão especial, onde encontrámos, reunido, todo o elenco dirigente do Partido, entre eles com a toda a surpresa o camarada Aristides Pereira que me acolheu de braços abertos, com uma abertura desconhecida no seu semblante, sempre fechado. Disparou-me a seguinte pergunta:
- E as nossas conversas em Bolama ?
"Respondi comovido, só descobri os fundamentos dos nossos encontros após a sua partida dita para os Estados Unidos." (...) [Negritos nossos]
4. Comentário de António Rosinha, outro amigo e camarada nosso com um profundo conhecimento da Guiné, onde trabalhou na empresa Tecnil, depois da independência (**):
O português António Augusto Esteves, a que Cadogo se refere, antigo comerciante, poderá ser da célebre "Casa Esteves", que continuava a funcionar com muita dificuldade em plena ortodoxia comunista. Essa casa fica na rua do mercado municipal. (***)
Vários comerciantes mantinham após a independência um certo entendimento com os governantes. Embora sem grandes perspectivas, foi melhor do que em Angola e Moçambique, devido à guerra com Renamo, Unita e FNLA, após 74.
Quando falamos que a Guiné está mal, no pós-independência, o povo não sofreu nada comparado com as guerras de Angola e Moçambique, após 1974. Embora o petróleo pague e esqueça muita coisa.
Agora ver um guineense com o nome respeitado como Cadogo, ter que recorrer a um cabo-verdiano, A. Pereira, do PAIGC, para "provar" o seu nacionalismo, ajuda-nos a subentender o que foi o pesadelo dos nosso comandos e de muitos anónimos.
Quando se cria a ideia que historicamente a administração usou os cabo-verdianos, se virmos por outro prisma, a capacidade, a necessidade e a inteligência dos cabo-verdianos, não seriam estes a imporem-se, em Bissau, mas também em Luanda?
Exceptuando os velhos comerciantes, "atrasados" e "analfabetos", que falavam vários dialetos e se «amancebavam» nos fins de mundo, a verdadeira administração colonial, nunca passou de uns ingénuos "piriquitos", perante os cabo-verdianos e luso-descendentes, e os brancos de 2ª ( de vez em quando, por conveniência, quem se auto-intitula de 2ª é Otelo Saraiva de Carvalho).
Penso que o que digo, não ofende ninguém, até porque me refiro a um grande número que continua português como eu e cujos filhos e netos, mesmo nascido lá, são registados (também) cá." (...)
Vários comerciantes mantinham após a independência um certo entendimento com os governantes. Embora sem grandes perspectivas, foi melhor do que em Angola e Moçambique, devido à guerra com Renamo, Unita e FNLA, após 74.
Quando falamos que a Guiné está mal, no pós-independência, o povo não sofreu nada comparado com as guerras de Angola e Moçambique, após 1974. Embora o petróleo pague e esqueça muita coisa.
Agora ver um guineense com o nome respeitado como Cadogo, ter que recorrer a um cabo-verdiano, A. Pereira, do PAIGC, para "provar" o seu nacionalismo, ajuda-nos a subentender o que foi o pesadelo dos nosso comandos e de muitos anónimos.
Quando se cria a ideia que historicamente a administração usou os cabo-verdianos, se virmos por outro prisma, a capacidade, a necessidade e a inteligência dos cabo-verdianos, não seriam estes a imporem-se, em Bissau, mas também em Luanda?
Exceptuando os velhos comerciantes, "atrasados" e "analfabetos", que falavam vários dialetos e se «amancebavam» nos fins de mundo, a verdadeira administração colonial, nunca passou de uns ingénuos "piriquitos", perante os cabo-verdianos e luso-descendentes, e os brancos de 2ª ( de vez em quando, por conveniência, quem se auto-intitula de 2ª é Otelo Saraiva de Carvalho).
Penso que o que digo, não ofende ninguém, até porque me refiro a um grande número que continua português como eu e cujos filhos e netos, mesmo nascido lá, são registados (também) cá." (...)
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Notas do editor:
(*) Vd. poste de 15 de abril de 2014 > Guiné 63/74 - P12991: Tabanca Grande (433): Lucinda Aranha, filha de Manuel Joaquim dos Prazeres que viveu em Cabo Verde e na Guiné entre os anos 30 e 1972, e que era empresário de cinema ambulante
Vd. também postes de:
23 de abril de 2014 > Guiné 63/74 - P13022: Em busca de... (241): Fotos e histórias do cinema ao ar livre e do empresário Manuel Joaquim dos Prazeres, que deambulou pelo território entre 1943 e 1972 (Lucinda Aranha, filha e escritora)
Assim, nem eu nem os meus irmãos estudámos em África.
O meu pai praticava uma política de casa aberta aos amigos. Por lá passavam administradores, chefes de posto, comerciantes e as suas famílias, alguns deles chegaram mesmo a ser residentes temporários.
Envio-lhes um excerto do livro que estou a escrever sobre Manuel Joaquim onde a sua mulher discreteia sobre essas «invasões» e que, penso, lhes permitirá perceberem melhor as minhas relações com a Guiné." (...)
Notas do editor:
(*) Vd. poste de 15 de abril de 2014 > Guiné 63/74 - P12991: Tabanca Grande (433): Lucinda Aranha, filha de Manuel Joaquim dos Prazeres que viveu em Cabo Verde e na Guiné entre os anos 30 e 1972, e que era empresário de cinema ambulante
Vd. também postes de:
23 de abril de 2014 > Guiné 63/74 - P13022: Em busca de... (241): Fotos e histórias do cinema ao ar livre e do empresário Manuel Joaquim dos Prazeres, que deambulou pelo território entre 1943 e 1972 (Lucinda Aranha, filha e escritora)
9 de maio de 2014 > Guiné 63/74 - P13120: Notas de leitura (588): "Julinha", um excerto do próximo livro de Lucinda Aranha dedicado a seu pai Manuel Joaquim, empresário e caçador em Cabo Verde e Guiné (Lucinda Aranha)
(...) O meu pai teve 7 filhos, todos eles nascidos na Praia, excepto a sexta nascida em Bolama e eu que vim a nascer em Portugal. Viveu na Praia entre 1929 e 43 e desde essa data até 1972 na Guiné portuguesa, vindo à metrópole para junto da família, que residia em Portugal desde 1946, na época das chuvas.
Assim, nem eu nem os meus irmãos estudámos em África.
(...) Fui professora, leccionando História no ensino secundário. As estórias sobre África que conto no Reino das Orelhas não foram vivenciadas por mim mas são recordações dos meus pais, da minha ama Sampadjuda e dos amigos cabo-verdianos e guineenses que enxameavam a nossa casa de Lisboa.
O meu pai praticava uma política de casa aberta aos amigos. Por lá passavam administradores, chefes de posto, comerciantes e as suas famílias, alguns deles chegaram mesmo a ser residentes temporários.
Envio-lhes um excerto do livro que estou a escrever sobre Manuel Joaquim onde a sua mulher discreteia sobre essas «invasões» e que, penso, lhes permitirá perceberem melhor as minhas relações com a Guiné." (...)
(**) Vd. poste de 8 de agosto de 2010 > Guiné 63/74 - P6836: Memórias de Um Combatente da Liberdade da Pátria, Carlos Domingos Gomes, Cadogo Pai (4): Casado em 1956, vereador em 1957, em Bolama, regressa a Bissau em Novembro de 1960, como convicto nacionalista
(***) Último poste da série > 23 de outubro de 2019 > Guiné 61/74 - P20268: (De)Caras (112): Camaradas da Companhia de Terminal (Bissau, 1973/74), que em menos de 2 meses carregou mais de setenta barcos para o Leste (Manuel Oliveira Pereira, ex-fur mil, CCAÇ 3547, Contuboel, 1972/74)
(***) Último poste da série > 23 de outubro de 2019 > Guiné 61/74 - P20268: (De)Caras (112): Camaradas da Companhia de Terminal (Bissau, 1973/74), que em menos de 2 meses carregou mais de setenta barcos para o Leste (Manuel Oliveira Pereira, ex-fur mil, CCAÇ 3547, Contuboel, 1972/74)
Guiné 61/74 - P20296: Parabéns a você (1700): José Carlos Gabriel, ex-1.º Cabo Op Cripto do BCAÇ 4513 (Guiné, 1973/74)
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Nota do editor
Último poste da série de 28 de outubro de 2019 > Guiné 61/74 - P20281: Parabéns a você (1698): Jorge Fontinha, ex-Fur Mil Inf da CCAÇ 2791 (Guiné, 1970/72) e Coronel Inf Ref Luís Marcelino, ex-Cap Mil Inf da CART 6250/72 (Guiné, 1972/74)
Nota do editor
Último poste da série de 28 de outubro de 2019 > Guiné 61/74 - P20281: Parabéns a você (1698): Jorge Fontinha, ex-Fur Mil Inf da CCAÇ 2791 (Guiné, 1970/72) e Coronel Inf Ref Luís Marcelino, ex-Cap Mil Inf da CART 6250/72 (Guiné, 1972/74)
quinta-feira, 31 de outubro de 2019
Guiné 61/74 - P20295: Álbum fotográfico de Virgílio Teixeira, ex-alf mil, SAM, CCS / BCAÇ 1933 (São Domingos e Nova Lamego, 1967/69) - Parte LXXII: 1984/85: um regresso, quinze anos depois (ii): as minhas andanças por Bissau e Dakar a tentar vender um projeto de desenvolvimento agrícola em Cabuca, junto ao rio Corubal
Foto nº 21 > Senegal > Dakar > 7 de janeiro de 1985 > A nossa viagem a Dakar no Senegal. Sou eu, de fato claro, ao centro, o Isidro Gomes Quaresma em mangas de camisa, e o nosso adido comercial da Embaixada Portuguesa, junto do Governo do Senegal. Ao fundo, a ilha de Gorée, onde se localiza a "Casa dos Escravos".
Foto nº 22 > Senegal > Dalar > 8 de janeiro de 1985 > Foto numa estrada no cimo de um monte com vista para a baía de Dakar, e o carro do Adido Comercial da Embaixada Portuguesa, foi ele que tirou a foto. Estou eu, e o Isidro Quaresma [, técnico agrícola,retornado de Angola].
Foto nº 23 > Senegal > Danar > 8 de janeiro de 1985 > Foto minha em Dakar, nos arredores do Centro da Capital. Os ventos secos de Dakar. Um dia de vento quente e seco, nada comparado com o martírio de Bissau. Influência francesa em tudo, a começar pelos carros.
Foto nº 20 > Senegal > Dakar > 8 de janeiro de 1985 > ma família Senegalesa nos arredores de Dakar, mãe e 5 filhos. Apesar de tudo dá para perceber que era outra cultura e outro poder de compra, não se via disto em Bissau, eram pessoas conhecidas do Adido Comercial.
Foto nº 19 > Vista aérea da Guiné, sobrevoando a zona de Bafatá, com os arrozais e o local do futuro projecto a levar a efeito. Céus da Guiné, 8Jan85.
Foto nº 17 > Guiné-Bissau > Aeroporto Osvaldo Vieira > 8 de janeiro de 1985 > O avião Bi-Turbo dos TAGB a percorrer a pista do aeroporto, para levantar voo.
Foto nº 18 > Guiné-Bissau > Aeroporto Osvaldo Vieira > 8 de janeiro de 1985 > O avião da TAGB já a levantar voo com destino ao Senegal, aeroporto de Dakar, ainda com paragem na cidade fronteiriça de Zinguinchor no Senegal.
Fotos (e legendas): © Virgílio Teixeira (2019). Todos os direitos reservados. [Edição e legendagem complementar: Blogue Luís Graça & Camaradas da Guiné]
1. Continuação do texto, sobre o regresso à Guiné-Bissau (*), em 1984/85, do nosso amigo e camarada Virgílio Teixeira, ex-alf mil SAM, chefe do conselho administrativo, CCS / BCAÇ 1933 (Nova Lamego e São Domingos, 1967/69); economista e gestor, reformado; é natural do Porto; vive em Vila do Conde; tem já perto de 140 referências no nosso blogue.
Guiné 1967/69 - Álbum de Temas:
T999 – O regresso à Guiné em 20OutT84
- 10 anos após a independência em 74Set24
- 15 anos depois da minha saída em 4Ago69
- 17 anos depois da minha primeira chegada, em 21Set67
II Parte – A viagem de negócios à Guiné-Bissau e Senegal
(de 30/12/1984 a 14/1/1985)
Anotações e introdução ao presente Tema
Este tema tem tanto de louco como apaixonante
Não vou entrar em pormenores, porque teria aqui tanto para escrever que daria sono a qualquer um que tivesse a ousadia de querer ler tudo. Já escrevi, no meu livro inédito, todos os dramas pessoais e familiares que esta saga me trouxe, nunca saberei se valeu a pena, abandonar a família, desbaratar dinheiro que viria a fazer falta, com resultados nulos.
Sobre a primeira viagem de saudade à Guiné-Bissau, já aqui escrevi, em poste anterior (*):
A preparação da 2ª viagem à Guiné
E entrei mesmo no esquema, foi feita uma apresentação do que precisavam, e eu nem sequer olhei para o lado, tal a minha obsessão pelas gentes da Guiné, integrei-me totalmente, mediante certas condições, negociadas em cima do joelho.
Após o levantamento das necessidades para o projecto, durante aproximadamente 2 meses trabalhou-se neste plano, e nessa altura era tudo feito à máquina de escrever, e com a ajuda de uma máquina de calcular, não havia os computadores como hoje, tudo seria muito mais fácil então.
Falamos com o Major (, o Valentim Loureiro, ) pois programamos nova viagem à Guiné para finais do ano de 1984, era preciso pagar a viagem e despesas de estadia para ambos, nesta fase apenas era necessárias duas pessoas. O Isidro convence o Major, mas não há dinheiro para me pagarem os meus honorários, conforme havia sido combinado para eu entrar dentro da organização.
Alguns dos outros sócios, lá vão adiantando algum, não muito, 50 a 100 contos no máximo [ de 1.188,72 € e 2.377,43 €, respetivamente, a preços de hoje, segundo o conversor de moeda da Pordata], o que era muito pouco. Eu aguento, pois estou a perceber que se este negócio vai para a frente, há muito dinheiro a ganhar.
Apostei tudo neste projecto, foi a minha grande ilusão na vida, e acreditava cegamente em tudo. Mas enganei-me redondamente.
O Major mandou comprar as passagens de ida e volta para os dois, e na minha frente entregou ao Isidro 2.000 USD em notas para as outras despesas, incluindo as minhas.
Em 28 de Dezembro de 1984 tinha já o 2º visto no passaporte. A viagem foi marcada, por razões que desconheço, para sair de Lisboa na manhã do dia 31 de Dezembro, por isso teria de ir passar o ano em Bissau e não em casa, mas tinha de ser.
Vou passar o fim de ano de 1984 em Bissau
Novamente saí de casa na tarde do dia 30 de Dezembro de 1984 e lá fui carregado com o dossiê do projecto e uma máquina de escrever portátil, pois era importante para complementar qualquer coisa e não havia onde pedir ajuda naquele pobre país.
As despedidas do costume, agora com outro ambiente, havia qualquer coisa no horizonte, foi mais fácil, mas deixar a casa e família custa sempre muito. Vou para Lisboa no então chamado Foguete e pelas 18 horas já estou a escrever uma carta que vou novamente pedir a uma hospedeira para colocar no correio em Lisboa quando ela regressar.
Chegamos a Lisboa eu e o Isidro às oito horas da noite, fomos pôr as malas no Hotel, o VIP, não era mau, ficava perto das instalações da TEOR – uma empresa de consultoria, onde tinha já trabalhado como Director da Delegação Norte no Porto – era no Saldanha, e eu já lá tinha ficado uma vez.
Fomos jantar a uma Churrasqueira. na Baixa de Lisboa, na Rua das Portas de Santo Antão, e encontro aí, a servir à mesa, um antigo soldado da CCS do meu batalhão, o José Espadana, era condutor de especialidade, mas lá arranjou alguma cunha e ficou a servir à mesa na messe de oficiais quando estávamos na Guiné. Falamos um pouco e disse-lhe que ia voltar às origens, ele ficou admirado, despedi-me e nunca mais o vi. Mais tarde venho a ver na Internet que ele estava à frente de um "site" sobre as passagens do nosso batalhão pela Guiné, e com relatos, memórias e fotografias, umas que eu tirei na altura e outras dele próprio.
Na manhã do dia 31 de Dezembro fomos para o aeroporto, a viagem estava prevista para mais cedo, mas só levantou voo às 11h25, devido a uma avaria ou problemas de carga. Não havia muita gente a bordo, não era o dia ideal para alguém se deslocar para a Guiné na véspera de ano novo, mas há sempre malucos e anormais para tudo, e outras razões, que a ‘razão’ desconhece.
Chegados a Bissau, fechei a carta, pedi agora a um comissário de bordo para me levar a carta para Lisboa e a colocar no correio. O envelope tem o carimbo dos correios do dia 4 de Janeiro de 1985, é normal por causa dos feriados do fim do ano.
Na noite de passagem de ano, ficamos no quarto e bebemos uma daquelas garrafinhas pequenas que servem a bordo, nós pedimos às hospedeiras duas de vinho branco e elas fizeram esse pequeno favor, e assim se festejou a passagem de ano, de 1984/85.
A suite 3002 só tinha um quarto com duas camas. Nós mudamos uma das camas para a sala de entrada, onde ficou o Isidro, e eu fiquei com o quarto só para mim. Ficamos melhor. A casa de banho era só uma, havia frigorífico, ar condicionado e as respectivas e sempre omnipresentes baratas. Á noite quando me ia deitar olhei para o teto e lá estava uma enorme, mesmo por cima da cama. Tivemos de andar atrás dela, atirando com as almofadas para ela cair, e após muito tempo teve mesmo de cair dali e matei-a, esborrachando-se toda, mas pelo menos já poderia dormir sem aquele nojento e pequeno monstro por cima da minha cabeça.
O dia 1 de Janeiro [de 1985] é feriado como em toda a parte e por isso o dia foi passado a passear. Nós quando arranjamos um táxi do aeroporto para o Hotel, era mesmo um Mehari, que eu já tinha visto antes, pertencia a um homem Fula, talvez chamado Mamadu. Falamos com ele, perguntando quanto é que ele ganhava em 2 semanas ele disse o preço, e então combinamos ficar com o carro e ele ficou em casa a descansar com a mulher e os filhos. Só o entregamos quando viemos embora, pagamos o combinado e ficamos amigos.
O Virgílio Teixeira, de motorizada, em Safim, em 11/3/1968 |
No dia 3 de Janeiro falei por telefone com a minha mulher, foi muito empolgante e fiquei excitado com a voz dela, parece-me que estamos no fim do mundo. A chamada foi conseguida, porque já tinha ido ao Ministério do Comércio, que ficava na Avenida que todos nós conhecemos, pedi à menina que me deixasse fazer um telex para o BESCL em Vila do Conde, quase ao lado de minha casa. O nosso amigo Macedo levou lá a mensagem, na qual eu pedia para ela pedir uma chamada ‘via Marconi’ para o telefone do Hotel em Bissau, marcando o dia e hora. Isto parecem coisas, nesta época, da era dos Descobrimentos, mas lá chega a mensagem e o telefonema é feito. [Telex , lembram-se ? "Serviço de dactilografia à distância, posto à disposição dos utentes por meio de teleimpressores", segundo Dicionário Priberam da Língua Portuguesa...(LG)].
Vou voltar atrás um pouco, por causa deste telex. Já na primeira viagem, o dinheiro que levei acabou muito rápido, eu precisava de mais e não sabia como arranjar. Então fui eu próprio, sem ligações nenhumas, ao tal Ministério do Comércio, falei com uma dessas Secretárias simpáticas e atenciosas, e pedi-lhe para mandar um telex, para o BESCL – Banco Espírito Santo e Comercial de Lisboa, balcão de Vila do Conde, no qual pedi ao nosso amigo e vizinho Macedo, funcionário do BESCL – depois BES, depois NB [, Novo Banco,] – , para ir a minha casa e combinar com a minha mulher para me fazerem chegar mais uns 100 contos [, em 1985, a preços de hoje, seria o equivalente a 1.988,66 €], e ele lá chegou, só não sei como, não me lembro, mas não havia cartões!
Agora aproveito, porque estes favores das meninas do MC [Ministério do Comércio]de Bissau, não são gratuitos, ela então, sabendo já que eu voltaria novamente, está na posse do meu telefone de casa, e do telex do Cônsul da Guiné, e envia um telex, ao meu cuidado, ainda o tenho em meu poder, como aliás quase toda a documentação desta aventura, a pedir-me para lhe levar ou mandar até ao fim do ano, além de sapatos tamanho x, vestido tamanho y, roupa interior tamanho z, e ainda uns medicamentos para uma infecção intima, ‘Gyno qualquer coisa’ e o que pudesse arranjar.
Levei o medicamento quando cheguei em 31 de Dezembro e entreguei-o quando lá fui novamente pedir o mesmo favor. São coisas simples demais para aqui escrever, mas não sendo eu romancista, isto até dava um belo romance. Não de ‘amor’ pois nunca passamos a 'linha vermelha', mas de amizade pura.
Voltando ao assunto que estava a contar, depois do telefonema, ouvir a voz da minha mulher, dos filhos, fico desperto demais, e escrevo às 5 horas da manhã, já do dia 4, umas primeiras palavras de uma carta que seguiria no dia 5, não conseguia dormir, estava muito excitado, e precisava de estar fresco pois íamos ter muitos contactos. No dia 5 de Janeiro voltei a escrever dando conta da situação e mandei a carta para o correio, via normal, e tem a marca do dia dos correios de Bissau, e saída de 7 de Janeiro.
E é assim tudo muito lento, pois está muito calor, mas não está aquela humidade incrível e viscosa e pegajosa do tempo das chuvas, o tempo está quente e seco, é a época mais fresca do ano.
Naquele telefonema os meus filhos a pedirem sempre a mesma coisa, que lhes ficou na mente depois de verem as minhas fotos, algumas claro, do tempo na Guiné. A mais velha, 13 anos, só me pedia para eu trazer aquela motorizada que via nas fotos, o meu filho seguinte, de 11 anos, que lhe trouxesse a minha G3 que via na cabeceira da cama, a mais nova de 10 anos, que lhe trouxesse o macaquinho que viu nas fotos.
Coitados, ficaram todos desiludidos, mas porquê as crianças não sabiam que isso era de todo impossível?
Por vezes e agora com a idade avançada, já passei os 75, como é possível que eu tenha feito aventuras destas, com as responsabilidades que tinha a meu cargo, uma mulher em casa e mais 3 filhos menores... Foi a loucura dos meus 40 anos, hoje vejo outras pessoas que correm o mundo e andam atrás de ganhar algum ou procurar uma vida melhor, e admiro-os, mas afinal eu fiz o mesmo em muito piores condições, sem ajuda ou apoio de ninguém, e não era preciso sair de Portugal para viver uma vida normal.
O presidente 'Nino ' Vieira, em 6/3/2008, um ano antes de ser assassinado. Foto: Luís Graça (2008) |
Nos dias seguintes, tivemos o primeiro contacto com o Presidente 'Nino' Vieira, no seu palácio. Fomos recebidos à frente de toda a gente que lá esperava, pois tínhamos a carta diplomática do Major Valentim, cônsul honorário e amigo pessoal do 'Nino' Vieira.
Falamos e expusemos a nossa ideia, mostramos o projecto, mas ele não percebia nada daquilo, deu-nos a promessa de toda a sua ajuda, e encaminhou-nos para outros diversos ministérios, e em especial o Desenvolvimento Regional, era aí que passava o primeiro crivo. Tinha lá um engenheiro local, técnico destas áreas, e a quem competia a análise do nosso projecto, mas tinha atrás de si toda uma série de pessoal do Leste Europeu e de outros países que se diziam amigos, e com a mesma filosofia que aqui não vou comentar, apesar de já a ter escrito, fica por escrever.
Estes amigos, os novos imperialistas, que eram os seus conselheiros e consultores, instalados nos grandes centros de decisão, eram por isso nossos inimigos, não nos queriam lá, e por isso encontramos todas as resistências, pois o nosso grupo era 100% capitalista e europeu em busca do lucro fácil e imediato.
Era assim mesmo, não vale a pena andar à volta de outros ideais, o objectivo era sacar o máximo possível, para isso teríamos de ajudar o país em causa, mas não era ideia de ninguém ajudar por ajudar, mas sim para retirar o máximo proveito legal. Bem ou mal era esse o alvo dos principais capitalistas, eu não pertencia a esse ‘núcleo duro’, mas os ideais eram os mesmos, nesses tempos.
Encontrávamos uma cáfila de gente de todo o mundo, ou nos aviões ou nos Hotéis com esses ideais e piores ainda, vender a alma se fosse preciso.
O nosso projecto transitou pelos serviços governamentais, sob a designação inventada por mim, de “AGRINÉ – Agricultura da Guiné, Lda.,“ e ocupava uma zona previsional de 7000 hectares de terreno [, mais do que 7 mil campos de futebol...], já inscritos a nosso favor, e com mapa registado, na zona de Cabuca, nas margens do Rio Corubal, que eu tão bem já conhecia.
Bem, como um elevado montante de investimento nacional e internacional, eram 20 Milhões de USD que ao câmbio daquela época, já tinha baixado de 200 para 180, dava em dinheiro português cerca de 3,5 Milhões de contos.
Aquele valor a preços actuais com a inflacção de mais de 30 anos, e com as mudanças de Escudos para Euros, significava algo como 70 milhões de euros!... [Em rigor, 3,5 milhões de contos, em 1985, dava qualquer coisa como 69.603.048,44 €, a precos de hoje, usando o conversor de moeda da Pordata. ] E fosse o que fosse era sempre muito dinheiro, e da parte do Estado da Guiné significava pouco mais do que a cedência do terreno.
Andei um ano às voltas com este projecto, e para elaborar o estudo tive de me deslocar 2 vezes àquele país, a burocracia era tanta que quase dava para desistir, formamos a empresa local, arranjamos sócios locais – o próprio 'Nino' Vieira, presidente da república, também entrava através do sogro, e mais um brigadeiro local, ajudante de campo do 'Nino'... E cada viagem custava uma pequena fortuna, era arriscar muito.
As burocracias do projecto junto das instâncias do Estado
Havia um investimento em dinheiro a realizar pela República Portuguesa, através dos seus sócios, com transferências – em dinheiro e em espécie - , e havia o retorno a prazo destas verbas para Portugal, logo que houvesse os lucros. Tudo isto estava legislado no CIE - Código do Investimento Estrangeiro português e guineense, que era a cópia integral do português, mais coisa menos coisa.
Elaborei o maior estudo realizado até então – técnico, económico e financeiro -, a apresentar junto do Banco de Portugal, que era a entidade que autorizava e protegia este investimento. Levei muitos meses de trabalho no conjunto, mas ao fim de 6 meses já havia um dossier para apresentar junto das imensas entidades envolvidas e que teriam de dar o seu parecer, nacionais e guineenses. Tudo era feito à mão e com uma máquina de calcular, e seguidamente passado à máquina de escrever, se fosse hoje o tempo seria infinitamente menor, e fiz tudo com a ajuda dos técnicos, o português na parte Agrícola e o alemão na área de Agroindustrial, pois isto envolvia para aquela data um investimento enorme.
O Banco de Portugal aprovou o nosso projecto, pois o retorno estava garantido com taxas de rentabilidade fora de normal, e com uma inscrição de louvor que passo a citar, não é para me regozijar, mas tenho de levantar também a minha moral e puxar dos meus galões, quando é preciso, não é só lamechices que tenho de contar:
Decisão: “Porque jamais deu entrada no Banco de Portugal um projecto de investimento externo, tão pormenorizado e tão completo, como este”. Conclusão: Aprovado.
Havia apenas de dar seguimento ao mesmo, isto é, solicitar o envio das remessas para o estrangeiro, em dinheiro e em espécie. O governo da Guiné-Bissau também deu o seu ‘parecer favorável de princípio’, sempre com grandes resistências e com pareceres pouco favoráveis dos técnicos das zonas de influência já referidas. E isso atrasou tudo, o despacho final em papel timbrado não saía e então não podia andar nada. O tempo passa e nada acontece. Mas viria a acontecer.
A preparação do pacto social e quotas
Entretanto e durante este longo período – Agosto de 84 (data em que foram iniciadas conversações entre o Major e os Técnicos) e Julho de 85 (data em que tudo acabou), vão sendo discutidas e acertadas as condições de cada sócio, as suas percentagens e tudo em função da capacidade de influência de cada um, então liderada sempre pelo Major, que achava que o seu peso político era mais importante que qualquer outro.
São feitas várias alterações de quotas e com entradas e saídas de alguns, fazem-se acusações mútuas entre uns e outros, e ameaças de denúncias e de procedimentos criminais. Mas tudo volta ao normal. E lá estou eu metido no meio de malabaristas, era a minha sina...
Eu passo a ficar instalado a partir talvez de Dezembro de 1984, no edifício do consulado, na Praça Marquês de Pombal, numa sala do 1º andar ao lado do gabinete do Major, e acabei por ter conhecimento de muitas coisas que ele tratava ao telefone, ou até em reuniões, pois como todos sabem o Major fala sempre muito alto e até aos berros, por isso é fácil ouvir tudo. [Soube muitas coisas sobre o mundo do futebol, ele era também Presidente do Boavista, pude ver como foi tratado o caso do famoso ‘Luvas Pretas’, o João Alves, agora comentador de programas desportivos com que a TV nos enche a barriga todos os dias.]
O Gabinete – aquilo era uma mansão - era frio, mas ele gostava das janelas abertas, não queria muitas luzes acesas, não ligava o aquecimento e não gostava de água a pingar das torneiras. Manias que fui vendo e aprendendo, mesmo com muito dinheiro que ele já tinha e as suas influências, era assim um forreta como poucos. [Nas minhas atuais andanças de fotógrafo pelo Porto, fui lá fotografar este palacete do Marquês, e o edifício, antes em ruinas, é hoje um hotel de luxo!]
A viagem a Dakar
Aguardando o impasse nas negociações e estudos lentos do Estado da Guiné, e porque já estava em carteira esta ideia, partimos no dia 7 de Janeiro de 1985 rumo ao Senegal, num avião Bi-Turbo das Linhas Aéreas da Guiné-Bissau, com capacidade para uns 50 passageiros, com paragem de escala em Zinguinchor, depois de atravessar o Rio Casamansa, e correu tudo bem até aterrar no Aeroporto Internacional de Dakar.
A nossa viagem ao Senegal, tinha como objectivo principal, ‘vender’ o projecto ao Governo deste país, o Senegal, tivemos uma reunião com o Ministro do Desenvolvimento Rural, ele gostou e apreciou muito e disse que seria interessante para eles. Pediu para deixar uma cópia, ficamos com todos os contactos, mas nunca mais disse nada. Coisas de África…
Verificamos que toda a Economia do Senegal estava nas mãos dos Franceses, vimos isso em Dakar, mas era o mesmo nos outros locais do país, foi o que também nos assegurou o nosso Adido [Comercial, da Embaixada Portuguesa], pois já tinha muitos anos daquele país.
Dakar [, hoje com mais de 3 milhões de habitantes,] era uma grande cidade, moderna e desenvolvida, era uma espécie de ‘Paris em África’, mas habitada na sua maioria por cidadãos de diferentes etnias, de religião muçulmana. Quando desembarcamos no aeroporto de Dakar – a 25 km da capital – parece que tínhamos chegado a outro mundo, o clima muito diferente para mais suave, e não faltava nada. Mas tudo muito caro, uma garrafa de águas de 0,25 custou 400$00 na nossa moeda, e tomada em pé na rua.[, 7,95 €, a preços de hoje].
Ficamos instalados num Hotel novo, no centro da capital, o Hotel ‘Al Afifa’ era tudo gerido por franceses, só os criados eram africanos. Tudo muito caro, almoçamos lá, com a fome que trazíamos de Bissau, e foi bom mas caro, uma garrafa de vinho normal francês, custou 7 contos, no total pagamos mais de 20 contos por tudo [397,73 €, hoje ]. A moeda circulante era o Franco CFA, e com os câmbios para a nossa moeda ficava tudo muito caro, para nós, portugueses. Nessa altura o câmbio de 1USD era à volta de 200$00 [3,98 €, a preços de hoje].
Ficamos lá 2 dias, pois o visto que foi dado no aeroporto, a troco de suborno, pois não tínhamos as vacinas em dia, custou 100$00 este pequeno suborno, eles não conheciam a nossa moeda, eu disse-lhes que era equivalente a Dólares Americanos, por isso 100 USD era muita massa.
Tivemos um contratempo, levamos só dinheiro em escudos, lotes de notas de 5 contos, e quando fui no aeroporto ao balcão para trocar pela moeda deles, ele devolveu as nossas notas de 5 contos, dizendo que era ‘merde’, não tinha câmbio. Ficamos enrascados, mas não havia problemas, apanhamos um taxista, levou-nos até à Embaixada de Portugal, os gajos faziam aquilo a uma velocidade louca, mas chegamos vivos, o meu amigo ficou no carro, pois o taxista nunca desligou o motor, estava sempre a contar, entrei e pedi para falar com o Embaixador, ele ouviu a explicação e mandou logo o Adido com dinheiro para pagar ao táxi e não aumentar a conta.
Depois explicamos que tínhamos ali dinheiro de sobra, mas era preciso cambiar, ele explicou aquilo que já sabíamos uma hora antes, não tinha câmbio em Francos CFA. Ele falou com o Governador do Banco Nacional do Senegal, depois este falou para um Banco Comercial, e fomos com o Adido juntos falar com o Presidente. Trocamos aquilo que eles pensaram que era necessário para os dois dias e hotel, e extras, acho que 20 ou 30 contos. Ainda tenho a nota de câmbios e sei que ficava tudo muito caro com base na nossa moeda. O Presidente do Banco foi ele mesmo que nos pagou em Francos CFA, não fomos à caixa porque não era possível, foi assim feito tipo saco azul, não sei, mas para nós ficamos aliviados.
Este Adido depois é que nos orientou em tudo, convidou-nos para um jantar inolvidável na casa dele, a mulher era de Macau, e falava também Chinês, mas cozinhava muito bem. Um grande peixe inteiro dos mares de Dakar, comemos até dizer chega, depois ainda ficou mais de metade, pesava aí uns 5 kg, os pescadores transportavam aquilo aos ombros, um pau grande e um peixe de cada lado, era um postal da cidade. Eles tinham de ir trabalhar no dia seguinte, deixaram-nos a chave de casa, e ao almoço fomos lá comer o resto sozinhos. Depois pagamos um jantar fora, ficamos muito agradados com aquele casal.
Ainda fomos ao cinema uma noite, e andamos pelos bares, e quase deu para o torto, eu pegava no dinheiro vivo das calças, um monte de notas, às tantas estava já cercado por meia dúzia deles, senegaleses, o Adido a ver tudo, ele já os conhecia a todos, daí que, ele mesmo sendo baixinho, investe contra eles aos pontapés, a maioria tinha uns 2 metros de altura, com insultos na língua deles, a verdade é que fugiram e nós lá ficamos. O Adido alertou-me para não exibir o dinheiro, ele disse que eles estavam a preparar-se para me sacar a nota, pois eu fiquei no meio deles sem dar por isso.
Na última noite fomos para o Hotel já tarde, havia música africana e miúdas giras, todas falavam Francês, e vi uma coisa do outro mundo, a mulher preta mais bonita que vi até hoje, e de uma beleza tipo sueca, as feições como branca, mas preta mesmo, era da Guiné Conacri. Estava ali para ganhar dinheiro, como é óbvio, fiquei com os olhos feitos em bico, mas já não tínhamos dinheiro para mais.
O Adido, sabendo das vigarices que os taxistas faziam, combinou com um deles, a hora que deveria estar no Hotel para irmos para o aeroporto, e o ‘preço’ certo para a viagem, tudo escrito e falado.
No dia seguinte fomos com ele à hora certa, quando chegamos ele estacionou à beira de um Policia, depois teve a lata de pedir o dobro do preço combinado. Como não tínhamos muito tempo, e apesar de barafustar, o polícia foi-se chegando, eles falaram, e deu para entender que tínhamos de pagar, senão ficávamos em terra. Por isso o Adido dizia que eles eram todos uns 'filhos DP'...
Deixamos aquela terra no dia 9 de Janeiro de 1985, com muita saudade e com grande gratidão ao Adido comercial e à sua mulher. Nunca mais nos falamos nem nos vimos, e já lá vão 33 anos, agora 35 e nem o nome dele e dela me lembro.
Em Bissau, depois voltamos aos contactos, tivemos imensas reuniões sempre inconclusivas, conhecemos muita gente, Africana e de todo o mundo, andavam por lá a tentar fazer negócios de rentabilidade imediata, eram do tipo ‘mercenários comerciais’ com muita experiência por países africanos e do terceiro mundo.
Regressamos a 14 de Janeiro, sem nada na pasta. Com grande tristeza pelo tempo e dinheiro perdidos. Mas ainda com a esperança de que íamos dar a volta àquela gente.
Lembro-me das mensagens dos meus filhos, que tenho escritas nas cartas que enviavam, que me pediam para trazer ‘um macaco’, outro perguntou se já tinha encontrado as minhas motorizadas que lá tinha deixado em 1969, a minha G3 e coisas de crianças que tinham entre 10 e 13 anos.
O que trouxe, foi um caixa de 10 kg de camarão da Guiné, tudo devidamente embalado em gelo, que pedi ao comissário de bordo para as colocar nas geleiras do avião. Ficou depois no Hotel onde fiquei hospedado com a minha mulher, nas câmaras frigoríficas, e no dia seguinte veio de comboio para o Porto e Vila do Conde, à temperatura ambiente, fria naturalmente.
Foi o nosso jantar no dia 16 de Janeiro de 1985, fazia o meu filho do meio 12 anos.
O camarão foi cozido e preparado à moda da Guiné, comprei lá o piripiri natural, os limões muito diferentes dos nossos, e fiz o molho que era servido lá nas esplanadas no tempo da guerra.
Num prato pequeno, piripiri moído, sal e o indispensável sumo de limão da Guiné, não tem nada a ver com o nosso. Depois ficou um petisco e foi até acabar.
O regresso de Dakar até Bissau
Regressamos no mesmo avião e com o mesmo piloto, ainda fizemos escala em Zinguinchor, que eu ainda não conhecia, era uma cidade do tipo de Bissau, ainda deu para dar umas voltas.
Regressados à luta ‘armada’ dos papeis e reuniões, não vou maçar mais ninguém, pois as muitas reuniões não levam a nada, e não é objectivo deste trabalho contar isto tudo, mas com a máquina de escrever fiz muitos requerimentos e adendas ao projecto, sempre tentando que fosse ultrapassado os impasses que eram colocados, muito embora as reuniões com altas patentes governamentais não davam passos significativos, nunca se tentou corromper ninguém, talvez fosse esse o mal.
Havia o problema das colheitas, a cultura do arroz seria de sequeiro e não de bolanha, previam-se 4 colheitas por ano, e os senhores do Leste, não percebendo nada, diziam que não ia além das duas, e as quantidades por hectare eram muito diferentes, estava tudo emperrado.
O problema do financiamento ficou assegurado por um Consórcio Árabe-Espanhol, mas havia que ter um ‘garantia idónea’. Então era a do próprio ‘Aval do Estado Guineense’. Ninguém aceitava, pois, a Guiné não tinha ‘crédito’ nenhum. Tentou-se então entre muitas a COSEC, que era do Estado, mas também não alinhavam. Só mesmo aquele Consórcio. Depois o nosso Banco de Portugal não dava o aval porque não aceitava também o aval do Estado Guineense, o mais pobre país do mundo nessa altura.
Foi um trabalho hercúleo, cá e lá, que não ficou resolvido na segunda viagem.
(Continua)
Legendas das fotos:
Das fotos já enviadas e para esta Parte II são válidas as seguintes:
F17 a F23 – A VIAGEM DE TRABALHO A DAKAR NO SENEGAL
Esta viagem foi realizada de Bissau para o Senegal, com paragem em Zinguinchor, feita num avião médio Bi-Turbo dos Transportes Aéreos da Guiné Bissau – TAGB, comandando por um piloto negro, guineense e hospedeiras morenas, possivelmente de Cabo Verde.
F17 – O avião Bi-Turbo dos TAGB a percorrer a pista do aeroporto Amílcar Cabral, para levantar voo. Bissau 8Jan85.
F18 – O avião da TAGB já a levantar voo com destino ao Senegal, aeroporto de Dakar, ainda com paragem na cidade fronteiriça de Zinguinchor no Senegal. Bissau, 8Jan85.
F19 – Vista aérea da Guiné, sobrevoando a zona de Bafatá, com os arrozais e o local do futuro projecto a levar a efeito. Céus da Guiné, 8Jan85.
F20 – Uma família Senegalesa nos arredores de Dakar, mãe e 5 filhos. Apesar de tudo dá para perceber que era outra cultura e outro poder de compra, não se via disto em Bissau, eram pessoas conhecidas do Adido, não são muçulmanos. E se ficássemos mais uns dias, ainda poderíamos assistir à chegada do rali Paris-Dakar, que chegou uns dias depois. Dakar, 8Jan85.
F21 – A nossa viagem a Dakar no Senegal. Sou eu, de fato claro, o Isidro Quaresma em mangas de camisa, e o nosso Adido comercial da Embaixada Portuguesa, junto do Governo do Senegal. Não me lembro agora do nome deste homem que foi o nosso anfitrião, guia e amigo naquele país. Ao largo pode ver-se a ilha onde se traficavam escravos, tem um nome qualquer como símbolo contra a escravatura, não me lembro do nome, e agora serve como prisão de alta segurança no Senegal. Dakar, 7JAN85.
F22 – Foto numa estrada no cimo de um monte com vista para a baia de Dakar, e o carro do Adido, foi ele que tirou a foto. Estou eu, e o Isidro Quaresma. Dakar, 8Jan85.
F23 – Foto minha em Dakar, na viagem ao Senegal, nos arredores do Centro da Capital. Os ventos secos de Dakar. Um dia de vento quente e seco, nada comparado com o martírio de Bissau. Pode ver-se ainda uma Renault 4L, a maioria dos carros de origem Francesa. Dakar. 8 Jan85.
Em, 06-06-2018 - Virgílio Teixeira
«Propriedade, Autoria, Reserva e Direitos, de Virgílio Teixeira, Ex-alferes Miliciano do SAM – Chefe do Conselho Administrativo do BCAÇ1933 / RI15, Tomar, Guiné 67/69, Nova Lamego, Bissau e São Domingos, de 21Set67 a 04Ago69».
Corrigido, aperfeiçoado e modificado novamente,
Em, 2019-10-29
Virgilio Teixeira
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Nota do editor:
(*) Último poste da série > 23 de outubro de 2019 > Guiné 61/74 - P20271: Guiné 61/74 - P19815: Álbum fotográfico de Virgílio Teixeira, ex-alf mil, SAM, CCS / BCAÇ 1933 (São Domingos e Nova Lamego, 1967/69) - Parte LXXI: 1984/85: um regresso, quinze anos depois: (i) a primeira viagem de saudade
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Virgílio Teixeira
Guiné 61/74 - P20294: Blogpoesia (642): "Porque tardaste?" - Poema de Juvenal Amado dedicado ao seu neto que hoje completa o seu primeiro ano de vida
1. Mensagem do nosso camarada Juvenal Amado (ex-1.º Cabo CAR da CCS/BCAÇ 3872, Galomaro,
1971/74), autor do livro "A Tropa Vai Fazer de ti um Homem", com data de 18 de Outubro de 2019, trazendo um poema dedicado ao seu neto que completa hoje o seu primeiro ano de vida:
Caros camaradas,
É costume falarmos das agruras do nosso passado de militares mas hoje cabe-me falar das alegrias do presente, bem como de algumas dores nas costas.
Faz um ano, hoje dia 31, que nasceu o meu neto Henrique, e como esse acontecimento veio transformar a minha vida de piloto experimental de sofás, bem como umas reconfortantes sestas, numa agitação de parques infantis, sopas e fruta esmagada, fraldas mijadas e pior que isso choradeiras e agora já com umas nódoas negras.
Não é nada que milhares de camaradas não tenham passado e perguntarão alguns para quê tanta tragédia. Mas para que servem os momentos felizes se não falarmos deles e dos seus actores, agora que estão aí as castanhas e a água-pé mais logo o vinho novo?
Assim sendo cá vai um poema que as cataratas me deixaram escrever.
Um abraço para todos
Juvenal Amado
Porque tardaste?
Porque tardaste tanto?
- Não conhecerás se não os meus olhos cansados
As minhas mãos que tremulam
O meu andar pesado e lento
As minhas barbas brancas
O meu cabelo raro.
-Porque tardaste tanto?
Miro-te
Não sabes ainda que o tempo será sempre pouco
Vou guardar o teu sono
Pois os dias em que te contemplo serão curtos
Não te assustes com o vento e trovoada
Que eu rezo a Santa Bárbara.
- Vou ajudar nos teus os primeiros passos
Vou magoar-me com o teu choro
Quero-te mostrar a beleza do mar
Ensinar-te o quanto é suave o odor das árvores
Por recompensa beberei o teu riso
Cada gargalhada tua será um hino.
- Só chegaste no meu entardecer
Fizeste-me renascer
Trouxeste-me amanheceres límpidos
- Porque demoraste tanto a chegar?
Só tenho amor para dar e estórias para te contar.
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Nota do editor
Último poste da série de 27 de Outubro de 2019 > Guiné 61/74 - P20279: Blogpoesia (641): "Noites bravas", "Os frascos" e "Vales sombrios", da autoria de J. L. Mendes Gomes, ex-Alf Mil Inf da CCAÇ 728
Caros camaradas,
É costume falarmos das agruras do nosso passado de militares mas hoje cabe-me falar das alegrias do presente, bem como de algumas dores nas costas.
Faz um ano, hoje dia 31, que nasceu o meu neto Henrique, e como esse acontecimento veio transformar a minha vida de piloto experimental de sofás, bem como umas reconfortantes sestas, numa agitação de parques infantis, sopas e fruta esmagada, fraldas mijadas e pior que isso choradeiras e agora já com umas nódoas negras.
Não é nada que milhares de camaradas não tenham passado e perguntarão alguns para quê tanta tragédia. Mas para que servem os momentos felizes se não falarmos deles e dos seus actores, agora que estão aí as castanhas e a água-pé mais logo o vinho novo?
Assim sendo cá vai um poema que as cataratas me deixaram escrever.
Um abraço para todos
Juvenal Amado
Porque tardaste?
Porque tardaste tanto?
- Não conhecerás se não os meus olhos cansados
As minhas mãos que tremulam
O meu andar pesado e lento
As minhas barbas brancas
O meu cabelo raro.
-Porque tardaste tanto?
Miro-te
Não sabes ainda que o tempo será sempre pouco
Vou guardar o teu sono
Pois os dias em que te contemplo serão curtos
Não te assustes com o vento e trovoada
Que eu rezo a Santa Bárbara.
- Vou ajudar nos teus os primeiros passos
Vou magoar-me com o teu choro
Quero-te mostrar a beleza do mar
Ensinar-te o quanto é suave o odor das árvores
Por recompensa beberei o teu riso
Cada gargalhada tua será um hino.
- Só chegaste no meu entardecer
Fizeste-me renascer
Trouxeste-me amanheceres límpidos
- Porque demoraste tanto a chegar?
Só tenho amor para dar e estórias para te contar.
____________
Nota do editor
Último poste da série de 27 de Outubro de 2019 > Guiné 61/74 - P20279: Blogpoesia (641): "Noites bravas", "Os frascos" e "Vales sombrios", da autoria de J. L. Mendes Gomes, ex-Alf Mil Inf da CCAÇ 728
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