quarta-feira, 16 de outubro de 2024

Guiné 61/74 - P26048: Álbum fotográfico do Padre José Torres Neves, ex-alf graduado capelão, CCS/BCAÇ 2885 (Mansoa, 1969/71) - Parte XVIII: As últimas fotos de Infandre



Foto nº 1A >  Campanha de vacinação contra a cólera: o estoicismo da bajudinha balanta (1)


Foto nº 1B > 
 Campanha de vacinação contra a cólera: o estoicismo da bajudinha balanta (2)


Foto nº 1C > Campanha de vacinação contra a cólera: o estoicismo da bajudinha balanta (3)... Até o nosso cabo está com um sorriso amarelo...


Foto nº 1 > Campanha de vacinação contra a cólera...


Foto nº 2A > Campanha de vacinação contra a cólera: um guinemse (possivelmente do Pel Caç Nat 58) faz de escriturário


Foto nº 2 > Campanha de vacinação contra a cólera:  um 'homem grande' espera a sua vez


Foto nº 3 >  Miúdos com um instrumento musical balanta, um cordofone: julgamos tratar-se do tradicional 'violão de 3 cordas'...


Foto nº 4 >   O padre José Torres Neves a ajudar uma mulher a pilar o arroz: uma função que não fazia parte das "obrigações" do capelão militar...


Foto nº 5A > Aspeto parcial da tabanca (balanta) de Infandre


Foto nº 5> A tabanca (balanta) de Infandre


Foto nº 6A > Uma morança: imagine-se o trabalho que implicava arranjar regularmente a cobertura (hoje o zinco substituiu o colmo)


Foto nº 6 > O destacamento de Infandre


Foto nº 7 > Um pôr do sol


Foto nº 8 > Marcas, num tronco de árvore, da violência do ataque a um coluna militar, em 13/10/1970 (**)


Foto nº 9 > Partida da equipa de picagem (?), antes da saída de um coluna


Foto nº 10 A > Coluna Infandre - Braia: vê-se, pelo trilho, que se estava na época das chuvas


Foto nº 10 > Coluna Infandre Braia (2)


Guiné > Zona Oeste > Sector o4 (Mansoa) > Infandre > CCAÇ 2589 (Mansoa, Infandre, Braia e Cutia, 1969/71) + Pel Caça Nat 58 > Fotos do álbum do Padre José Torres Neves. 


Fotos (e legendas): © José Torres Neves (2024). Todos os direitos reservados. [Edição e legendagem complementar: Blogue Luís Graça & Camaradas da Guiné]



1. Mensagem do nosso camaradda Ernestino Caniço, com data de 07/10/2024, 17:04

Caros amigos

Espero e desejo que se encontrem bem, tal como as vossas famílias.

Anexo as últimas fotos de Infandre do álbum do meu amigo Padre Zé Neves.

Desta vez o espaço temporal desde as últimas fotos foi um pouco mais prolongado (*).

Prestes a fazer os 80,  continuo a trabalhar todos os dias, com gosto. Deixarei de o fazer quando o corpo e/ou a mente se recusarem.

Votos de ótima saúde.

Um grande abraço, Ernestino Caniço


2. Estas são as últimas fotos, relativas a Infandre,  do álbum da Guiné  do nosso camarada José Torres Neves, ex-alf graduado capelão, BCAÇ 2885 (Mansoa, 1969/71) (*).

Membro da nossa Tabanca Grande, nº 859, desde 2 de março de 2022, é missionário da Consolata, temdo sido  um dos 113 padres católicos que prestaram serviço no TO da Guiné como capelães. No seu caso, desde o dia 7 de maio de 1969 a 3 de março de 1971. 

Quanto ao BCAÇ 2885 (Mansoa, 1969/71) (divisa: "Nós Somos Capazes"), recorde-se que tinha como subunidades de quadrícula: 
  • CCAÇ 2587 (Mansoa, Uaque, Rossum e Bindoro, Jugudul, Porto Gole e Bissá);
  • CCAÇ 2588 (Mansoa, Jugudul, Uaque, Rossum e Bindoro);
  • CCAÇ 2589 (Mansoa, Infandre, Braia e Cutia).
Destacado em Infandre estava também o Pel Caç Nat 58. Sobre Infrandre temos 27 referências.

Temos vindo a publicar fotos das suas visitas como capelão aos diversos aquartelamentos e destacamentos do Sector Oeste, O4 e outros: Mansoa, Bindoro, Bissá, Braia, Infandre, Cutia, Encheia, Dugal, Enxalé...

O nosso camarada e amigo Ernestino Caniço (ex-alf mil cav, cmdt do Pel Rec Daimler 2208, Mansabá e Mansoa; Rep ACAP - Repartição de Assuntos Civis e Ação Psicológica, Bissau, fev 1970/fez 1971, hoje médico, a residir em Tomar) fez amizade com o Zé Neves. E este confiou-lhe o seu álbum fotográfico da Guiné, que temos vindo a publicar desde março de 2022. São cerca de duas centenas de imagens, provenientes dos seus diapositivos, digitalizados. Uma coleção única, preciosa.
______________

Notas do editor:


(**) Vd. poste de 30 de abril de 2024 > Guiné 61/74 - P25460: Álbum fotográfico do Padre José Torres Neves, ex-alf graduado capelão, CCS/BCAÇ 2885 (Mansoa, 1969/71) - Parte XVI: Infandre, de trágica memória

terça-feira, 15 de outubro de 2024

Guiné 61/74 - P26047: Efemérides (444): 15 de outubro de 1969, perdas, inesquecíveis, uma saudosa amizade e porquê

1. Mensagem do nosso camarada Mário Beja Santos (ex-Alf Mil Inf, CMDT do Pel Caç Nat 52, Missirá, Finete e Bambadinca, 1968/70), com data de hoje, 15 de Outubro de 2024:

Queridos amigos,
Cada um se arroga o direito de ter o seu dia de memória, com ou sem textura de religiosidade. Exatamente há 55 anos, uma mina anticarro ceifou vidas e deixou gente marcada por diferentes tipos de mazelas, desde traumatismo craniano a fratura no calcâneo. Lição mais amarga não podia ter, permiti-me viajar pela noite escura, a tragédia podia ter sido maior se a força do PAIGC que ali nos aguardava não tivesse percebido que os tiros às escuras é metralha de dois bicos. Recebi enorme solidariedade do batalhão de Bambadinca, é inquebrantável a gratidão que dela guardo. E nasceu uma grande amizade por alguém que me tratou dos olhos. Sempre que voltava a S. Miguel, era inevitável um encontro com o Zé Luís, podíamos estar até 2 ou 3 anos sem qualquer contacto, em nada diminuía a euforia do encontro. E foi assim durante décadas até ele partir para as estrelas, e hoje junto-o na minha memória ao lado daqueles camaradas que tanto sofreram com a explosão de Canturé, no regulado do Cuor, em 15 de outubro de 1969.

Um abraço do
Mário



Efeméride: 15 de outubro de 1969, perdas, inesquecíveis, uma saudosa amizade e porquê

Mário Beja Santos

Aí por fevereiro de 1969, comecei a dar tombos nas viagens quase diárias entre Missirá e Mato de Cão, ou no sentido inverso, uma dor aguda, por detrás do joelho direito, levava-me à queda, parecia que logo me recompunha, a dor suavizava; o maqueiro bem me punha emplastros, mas fazendo notar que havia algo de anómalo na curva interior do joelho; conversa com o médico do batalhão, David Payne, confesso-lhe que se repetem com mais frequência as quedas, passa-me requisição para ir à consulta de ortopedia a Bissau, aproveito para pedir para ir ao estomatologista e ao oftalmologista, pedido aceite.

Parto no início da segunda semana de março, fico surpreendido com a rapidez do atendimento, trato uma cárie dentária, o médico ortopedista, face ao resultado do raio-x, informa-me que tenho uma exostose, uma enorme cartilagem, dali já não saio, vou ser operado; na véspera de entrar no HM 241, consigo uma desistência e vou ao oftalmologista. É um homem de estatura avantajada, voz abaritonada, cedo descubro que vem dos Açores, o acento é tipicamente micaelense. Palavra puxa palavra, falo-lhe da minha estadia entre outubro de 1967 e março de 1968, as belíssimas lembranças que trouxe, ainda não faço a mínima ideia como elas se vão cinzelar na minha existência, estamos entusiasmados na conversa, é nisto que ele propõe que jantemos juntos, vamos matar saudades da terra. Apresenta-se, é o único oftalmologista na Guiné, tem que fazer algumas horas no hospital civil, chama-se José Luís Bettencourt Botelho de Melo, tenente-médico, tinha acabado de montar consultório quando foi chamado para estas lides na Costa Ocidental de África; interrogo-me, olhando esta fotografia, devia estar mesmo uma noite mais do que acalorada para haver todo aquele suor na camisa, alguém nos tirou a fotografia, ambos de boa disposição e já com a promessa de encontros futuros. Não iria acontecer tão cedo.

A 20 de março, apoiado nas canadianas, vou a um determinado guichet buscar uma guia de marcha, um sargento desbocado, quando houve falar em Missirá, no Cuor, diz sem rebuço que houve mortos e feridos na flagelação da véspera, ardera o quartel. Transido, peço ao condutor que me leve de novo ao HM 241, consigo encontrar o régulo Malã Soncó, tem o peito estilhaçado, fala dos mortos e dos outros feridos; nova viagem até ao Quartel-General, suplico uma partida do que é que entre pelos ares, mandam-me para Bissalanca, um helicóptero deposita-me no Cuor, aviso todos que temos de ter o quartel pronto antes que cheguem as chuvas, o que aconteceu.

Ando duríssimo, os meus caçadores nativos recalcitrantes, andam pelos matos fechados desde 1966, sonham com a boa vida, é nisto que vou amolecendo quanto às medidas de precaução, acho que tudo me é permitido, como andar pela noite escura nas picadas. E assim contribuí que em plena noite, à entrada de Canturé, uma mina anticarro despedaçasse a parte dianteira de viatura, o soldado-condutor Manuel Guerreiro Jorge entrou logo em agonia, eu saí disparado, felizmente com a G3 na mão, não vale a pena falar mais do que aconteceu, bem me pesa na consciência o resultado de um ato inequivocamente negligente.

Com a cara queimada e óculos perdidos, volto novamente à oftalmologia, o José Luís tratou-me dos olhos e nasceu um ritual de encontros que se irão prolongar até que dolorosos esclarecimentos obrigaram o seu internamento, era sempre uma festa ir até S. Miguel. Havia que o avisar com alguma antecedência. Ainda hoje, paro no Largo da Matriz, em Ponta Delgada, a olhar onde era o seu consultório ou percorro a rua Bruno Tavares Carreiro, ali bem pertinho, imagino que lhe vou bater à porta, fazemos sala e depois partimos para uma iguaria e para conversa que puxa conversa e que nos despedimos com a quase certeza de que em breve haverá novo toque de reunir. E voltaremos a falar do 15 de outubro. Escreveu alguém que a fotografia é um documento fascinante porque nos permite apreciar um instante que existiu. Ela permite infindáveis perguntas, estas duas fotografias têm resposta numa amizade inesquecível, que nasceu na tormenta da guerra.

Escrevo estas recordações exatamente 55 anos de factos ocorridos que iriam solidificar uma amizade para a qual não há qualquer veleidade em responder quanto ao seu porquê.


Março de 1969
15 de outubro de 1969, o meu amigo Humberto Reis parece que não acredita no que está a ver
_____________

Nota do editor

Último post da série de 19 de julho de 2024 > Guiné 61/74 - P25762: Efemérides (443): Hoje, no dia do 139º aniversário natalício de Aristides de Sousa Mendes (1885-1954), e na inauguração do seu Museu, em Cabanas de Viriato, Carregal do Sal, o Papa Francisco deu-nos a graça e a honra da Sua Benção (João Crisóstomo)

Guiné 61/74 - P26046: As nossas geografias emocionais (26): Durban, África do Sul, 2022: aqui vivera,m Fernando Pessoa, Mahatma Gandhi e Nelson Mandela... (António Graça Abreu)



África do Sul > Durban > 2022

Fotos (e legenda): © António Graça de Abreu (2024). Todos os direitos reservados. [Edição: Blogue Luís Graça & Camaradas da Guiné].

1. Texto (e fotos) enviado pelo António Graça de Abreu, com data de 13/10/2024, 17:48



Durban, África do Sul, 2022

por António Graça de Abreu


Entrar por esta terra dentro. Chegar ao reino dos zulus, a cultura tribal, a história, também com um “Napoleão Negro”, vencendo e subjugando outros povos rivais em tremendas rivalidades étnicas. A minha vasta ignorância sobre as margens destes povos.

Aqui, como por todo o mundo, o entendimento entre os homens jamais foi fácil. E vieram os brancos, o apartheid, os deuses e os diabos, quantos ódios, quanto sofrimento, quanta humilhação…

Uma certa curiosidade em conhecer a terceira maior cidade da África do Sul, depois de Joanesburgo e da Cidade do Cabo. Durban associada ao jovem Fernando Pessoa que aqui viveu na sua infância e juventude, lugar onde modelou parte do seu entendimento do mundo, e modo de expressá-lo em poesia e cultura, influenciado por cânones ingleses bebidos nas escolas desta terra.

Durban foi também a cidade onde o então jovem advogado indiano Mahatma Gandhi (1869-1948) chegou em 1896, após os estudos em Londres. Face às prepotências dos colonos ingleses, tentou defender os direitos dos emigrantes indianos que, em busca de um futuro melhor, aqui desembarcavam aos milhares vindos da Índia. Gandhi permaneceu na África do Sul durante vinte e um anos. Foi toda uma gesta pessoal de consciencialização política e de defesa dos direitos dos expatriados indianos.

No vasto território das extremas de África, também Nelson Mandela que aqui nasceu apregoou a paz e lutou por um mundo mais humano e fraterno.

Cinco dias em Durban, 2022. Alojamento no Suncoast Hotel, um quatro estrelas bonito, com piscina e macacos selvagens à solta nas árvores junto à piscina, o hotel debruçado sobre a extensa praia a norte da cidade, para minha surpresa ligado por um corredor interior a um conjunto de cinemas, restaurantes, tudo desembocando num enorme casino que me dizem ser o maior de todo o continente africano. 

Tocado pelo bichinho da curiosidade, para lá encaminhei os pézinhos, não para jogar mas ao encontro de moderníssimas máquinas multibanco para trocar euros por rands, a moeda local. Não tenho hábitos de jogador, não gosto da atmosfera pesada dos casinos, mas neste havia festa, um cantor da moda debitava conhecidas canções que as pessoas da terra, negros e negras irradiando alegria, dançavam em volta do palco, saracoteando as ancas, bamboleando os rabos. Bem compostas de gente estavam as slot-machines, as bancas de bacarat, as roletas.

Em Durban, cerca de 70% da população é negra, quase toda de etnia zulu, 20% são de origem indiana e 8% são brancos. Os africanos zulu prevaleciam no pequeno/grande desvairo do jogo. Ainda hoje, nesta província, contam com doze milhões de pessoas, um etnia aguerrida, com um enorme prazer de viver.

No complexo do casino, entre outros, havia um restaurante português. Lá fui comer um bife, pensava ir matar saudades da comidinha de casa, mas os meus dentes e o palato protestaram, a tirinha do lombo da vaca sabia imenso a boi velho e duro.

As rondas pela cidade, avançando com um certo cuidado porque consta serem frequentes os assaltos e roubos a turistas. Não tive nenhum problema.

Nas praias, logo de manhã cedo, em frente do hotel e ao longo dos quilómetros e quilómetros de areal, famílias inteiras, grupos de amigos, com as damas negras com trajes brancos, com crianças e homens, todos vestidos com arrendados e funcionais trajes de festa, exultantes e bem-dispostos entrando por dentro das águas. Tudo parecido com o que acontece no Brasil com o culto de Iemanjá, rainha do mar, ou a saudação às orixás, divindades benfazejas comandando o destino das gentes.

Visita ao Jardim tropical, o mais antigo de África, no extremo sul da praia, já junto ao porto. Passarinhos e passarões para todos os gostos, golfinhos e focas, e sobretudo vegetação luxuriante, jardins, a profusão das flores. O centro da cidade, as ruas com o desenho em quadrícula do século dezanove, o mercado de Vitoria Street com uma grande quantidade de lojas indianas e quinquilharia a granel, pouca coisa interessante para comprar, prédios antigos e históricos, como a grande Câmara Municipal construída entre 1906 e 1910, exactamente durante os anos em que Fernando Pessoa aqui viveu.

Depois, duas grandes voltas no autocarro Durban Ricksha Bus aberto para a vista total sobre a cidade. Os arranha-céus, de tamanho médio, estendendo-se do centro até à orla costeira – há muito dinheiro à solta crescendo em Durban –, o estádio Moses Mabhida com capacidade para 70 mil espectadores, construído para o campeonato do mundo de futebol 2010, o jardim zoológico em Mitchell Park, o contraste entre as zonas mais pobres e as mais ricas. 

Por aqui, entre parques verdejantes e jardins, algumas das escolas secundárias mais caras de toda a África do Sul, formatadas no sistema inglês.. Dizem-me que o Hilton School College, tem uma propina anual de vinte e tal mil euros. Pagos pelos pais de uns tantos meninos ricos, a maioria brancos, alguns negros, mais uns raros indianos e chineses, todos filhos da sorte, da igualdade difícil, dos desequilíbrios do mundo.

António Graça de Abreu

______________

Guiné 61/74 - P26045: O Mundo é Pequeno e a Nossa Tabanca...é Grande (131): António Galinha Dias, o ex-fur mil pil, que helievacuou o cap cubano Peralta, o mais célebre dos "internacionalistas cubanos", em 18/11/1969... Fui ontem encontrá-lo na famosa caldeirada de Ribamar da Lourinhã, e convidei-o a sentar-se à sombra do nosso poilão (Luís Graça)

 


Ribamar > Festa de N. Sra. de Monserrate > A famosa caldeirada da segunda feir da segunda semana de outubro > 14 de outubro de 2024 >   O António Diass Galinha




Ribamar > Festa de N. Sra. de Monserrate > A famosa caldeirada da segunda feira da segunda semana de outubro > 14 de outubro de 2024 >   O Alcides Dias Galinha, de Torres Novas, o irmão António, e o Alfredo, que veio do Algarve (!), com a esposa (foi piloto de helicóptero, AL III, em Angola, ao tempo do Jaime Silva, um dos organizadores deste fantástico convívio, que tem já cerca de 3 dezenas de anos.)



Ribamar > Festa de N. Sra. de Monserrate > A famosa caldeirada á  pescador, confeccionada na segunda feira da segunda semana de outubro > 14 de outubro de 2024 >   O grupo era de cerca de 8 dezenas de comensais.

Fotos (e legendas): © Luís Graça (2024). Todos os direitos reservados. [Edição: Blogue Luís Graça & Camaradas da Guiné].



1. Na realidade, o Mundo é Pequeno e a Nossa Tabanca... é Grande (*)... São pouco mais do que 70 km a distância que nos separa, entre Torres Novas e Lourinhã... Pois foi justamente em Ribamar da Lourinhã que eu fui encontrar, ontem, o nosso camarada António Dias Galinha, ex-fur mil pil, BA 12, Bissalanca,  1968/70.  

Quem é o António Dias Galinha Dias (Galinha, apelido materno) ? 

Terá ficado na história da guerra da Guiné por ter helitransportado o mais célebre dos "internacionalistas cubanos", o cap Pedro Rodriguez Peralta, do local onde foi gravemente ferido e capturado por forças do BCP 12 (Op Jove, 18nov69) até o HM 241, Bissau (**)...

 A enfermeira paraquedista de serviço nesse voo foi a saudosa  Maria Zulmira André Pereira (1931-2010) (***). 

O hoje ainda vivo coronel Pedro Rodriguez Peralta, membro do comité central do Partido Comunista Cubano (pelo menos até há uns anos atrás) deve-lhes a vida. A eles, e ao ex-cap pqdt João Bessa (recentemente falecido em 13set2024) e ao 1º cabo Regales.

Já tinhamos notícia do Galinha Dias, aqui no blogue: sabíamos, por exemplo, que em 2018 era  sócio-gerente da firma Agroar - Trabalhos Aéreos Lda,  com sede em Évora. Vive hoje em Torres Novas. Reformado. Veio à famosa caldeirada de Ribamar com o irmão, mais velho, Alcides Galinha Dias.

Na caldeirada de Ribamar, evento que tem quase 3 dezenas de anos, juntam-se familiares, amigos, vizinhos, condiscípulos, colegas e camaradas do Eduardo Jorge Ferreira (1952 - 2019) (****)

 Sobre o Galinh osa Dias, escreveu o seu conterrâneo Cèsar Dias (***):

(...) "Estivemos juntos em Mansabá em finais de 70, o Galinha Dias estava com o Helicanhão nesse periodo em proteção aos trabalhos na estrada Mansabá - Farim. Recordo-me por porque no bar de sargentos termos reunido três torrejanos, um piloto, um sapador e um comando da 27a. (...)."

 Fiquei com o email do António Dias Galinha e desafiei-o a juntar-se à nossa Tabanca Grande. Para  já passa a ser "amigo" da nossa página no Facebook. Temos vinte amigos em comum (incluindo o Carlos Pinheiro e o Jorge Narciso). 

Convidei-o a sentar-se à sombra do poilão da Tabanca Grande. O convite é "irrecusável":  do seu tempo já  cá estão o Jorge Narciso, o Jorge Félix, entre outros camaradas da FAP... E para o ano, espero, António e Alcides,  ver-vos sentados de novo à nossa grande mesa de Ribamar: este ano fomos cerca de 80!... Haja saúde!

PS - Soube, pelo camarada Galinha, da morte de mais uma antiga enfermeira paraquedista, a Rosa Exposto, naturald e Bragança. A sua primeira comissão foi na Guiné. Ainda náo conseguimos confirmar por outras fontes (a Rosa Serra, a Giselda Pessoa, a Maria Arminda, que são nossas tabanqueiras; a Rosa Serra não sabia da triste notícia).
_________________










Notas do editor:

(*) Vd. poste de 13 de agosto de 2024 > Guiné 61/74 - P25835: O Mundo é Pequeno e a nossa Tabanca... é Grande (130): Algarve, 2 de agosto de 2024: juntando à mesa amigos e camaradas, da CCAÇ 2585, CCAÇ 14, 27ª CCmds... (Manuel Resende / Eduardo Estrela)


Vd, também poste de 17 de março de 2021 > Guiné 61/74: P22014: Memórias cruzadas: 18 de novembro de 1969: uma dia (a)normal no HM 241, Bissau, um dia na vida do cap cubano Pedro Rodriguez Peralta, ferido em combate e helievacuado [Jorge Narciso, ex-1º cabo esp, MMA, BA, 12 (Bissalanca, 1969/71) / Jorge Teixeira 'Portojo' (1945-2017), ex-fur mil, Pel Can s/r 2054 (Catió, 1968/70 ) / Manuela Gonçalves (Nela), esposa do ex-alf mil Nelson Gonçalves, cmdt Pel Caç Nat 60 (São Domingos, 1969)]

segunda-feira, 14 de outubro de 2024

Guiné 61/74 - P26044: Notas de leitura (1735): Regresso a um clássico da historiografia guineense: A questão do Casamansa e a delimitação das fronteiras da Guiné (2) (Mário Beja Santos)


1. Mensagem do nosso camarada Mário Beja Santos (ex-Alf Mil Inf, CMDT do Pel Caç Nat 52, Missirá, Finete e Bambadinca, 1968/70), com data de 29 de Junho de 2023:

Queridos amigos,
Era para mim um imperativo regressar a um ensaio de altíssima qualidade sobre uma questão que se tornará crucial para entender os termos em que os representantes portugueses assinaram em Paris a convenção luso-francesa, em 12 de maio de 1886. Maria Luísa Esteves dá conta do rol de adversidades que pesaram na ténue presença portuguesa na Guiné ao longo de séculos, confinada a fortaleza-feitorias, o assalto persistente de franceses, ingleses e holandeses para tomarem posições e quando se chegou à Restauração estávamos reduzidos a uma Senegâmbia portuguesa que em termos de litoral se aproximava às fronteiras de hoje, porque no interior aventuravámo-nos no interior até Geba, e pouco mais. E é muito agradável recordar o trabalho incansável de Honório Pereira Barreto, um dos pais da Guiné-Bissau, lamentavelmente ignorado nos dias de hoje. O último texto será dedicado aos termos da convenção luso-francesa e às sucessivas etapas da delimitação das fronteiras, processo só concluído na década de 1930.

Um abraço do
Mário



Regresso a um clássico da historiografia guineense:
A questão do Casamansa e a delimitação das fronteiras da Guiné (2)


Mário Beja Santos

No repositório das obras admiráveis, de leitura obrigatória para melhor compreender a historiografia luso-guineense, avulta o impressionante trabalho de Maria Luísa Esteves, A Questão do Casamansa e a Delimitação das Fronteiras da Guiné, edição conjunta do Instituto de Investigação Científica e Tropical e do INEP, 1998. Trata-se de uma revisitação, o anseio de um novo olhar sobre tão importante narrativa, isto depois de ter lido e aqui comentado o texto do tenente da Armada Real, Cunha Oliveira, que coordenou em 1888, do lado português, a comissão mista que procurou resolver questões encrencadas na delimitação das fronteiras, tudo produto de quem assinou a convenção luso-francesa de 12 de maio de 1886 não fazer a menor ideia das delicadezas da topografia da região.

Continuando o histórico sobre a presença portuguesa na região, a autora recorda que ao porto de Bissau afluíam os produtos e os escravos vindos das regiões do rio Geba e de outros pontos. Vai surgir a primeira fortaleza. O governador Veríssimo Carvalho da Costa obteve do régulo de Bissau licença para a construção da fortaleza, iniciou-se em 1687. Para fazer face às despesas da construção, fundou-se a Companhia de Cacheu e Cabo Verde, no início de 1690, e estabeleceu-se a capitania-mor em Bissau em 1692. Mas o tempo não soprava de feição a favor da Guiné. O governo, ofuscado pelo brilho das riquezas do Brasil, deixava o porto de Bissau à mercê da ambição dos franceses. D. José I imprimiu um novo rumo à política ultramarina, seguiu para a Guiné a nau Nossa Senhora da Estrela e mais três navios, levavam homens e apetrechos para construir uma nova fortaleza. E a exploração da costa da Guiné foi dada à Companhia do Grão-Pará e Maranhão, com obrigação de acabar as obras da fortaleza.

Em 1783, uma nova empresa vai tomar a responsabilidade do comércio, denomina-se Sociedade do Comércio das Ilhas de Cabo Verde, durou pouco, foi dissolvida em 1786. É neste contexto que a autora recorre a uma caracterização feita por Teixeira da Mota como síntese do sistema económico: “Durante séculos, pontificou a ‘economia de resgate’, com feitorias e fortalezas para a proteger. O sistema de trocas constava em contas, vidros, objetos metálicos, panos e álcool trocados por escravos, marfim e oiro. Havia produtos da Europa ou das ilhas de Cabo Verde e faziam-se trocas com o comércio regional: nozes de cola, ferro e até arroz da Serra Leoa por escravos do Cacheu e do Gâmbia.” Ao findar o século XVIII, Portugal possuía espalhados pela costa da Guiné centros de tráfico negreiro com as suas feitorias-fortaleza.

Mas numa atmosfera de tanta adversidade, evitou-se a formação de mais núcleos e assim os pontos mais importantes eram Cacheu, Bissau, Geba, Ziguinchor e Farim. Este era o panorama da Guiné. E se lhe juntarmos a existência de feitorias inglesas e francesas e o contrabando feito pelos barcos americanos, temos a visão completa desta colónia ao findar o século XVIII, é um quadro de decadência que se irá agravar com a repercussão no Ultramar das lutas fratricidas (que culminarão com o fim do absolutismo miguelista).

Franceses e ingleses procuram expulsar os portugueses da região, recorde-se a ocupação de Bolama pelos ingleses. Nem a França nem a Inglaterra respeitavam os direitos de Portugal à Guiné e apenas consideravam sob a sua autoridade os pontos onde exista força militar. Este quadro sociopolítico-económico fica desenhado com o fim da escravatura.

A autora projeta agora a sua reflexão para a “luta” pela posse do Casamansa. Até 1828, volta a recordar-se, os centros de povoamento sobre domínio português eram pouquíssimos: Bissau, Geba, ilha de Bolama, Cacheu, Fá, Farim, Ziguinchor, Bolor e Bolola (Buba). Os franceses penetraram no rio Casamansa em 1828, procede-se à compra de território ao régulo de Borin, na margem esquerda do Casamansa. Nesse mesmo ano, um negociante francês instala-se na Ilha dos Mosquitos ou de Carabane, na embocadura do Casamansa. A diplomacia portuguesa reage em Paris, protesto inútil, as usurpações irão continuar.

Honório Pereira Barreto distingue-se pela perspicaz e contumaz política de compras do território para Portugal. Em 1836, por via diplomática, chega a informação que os franceses estavam a organizar companhias para irem estabelecer feitorias na Guiné, acima de Ziguinchor, e que tencionavam enviar tropa para fazerem frente a qualquer ação dos portugueses. No ano seguinte, os franceses instalam-se na ponta de Jemberém, e, mais tarde, na aldeia mandinga de Selho. Honório Pereira Barreto protesta junto das autoridades francesas, envia cartas ao governador em Cabo Verde. Aspeto curioso, em 1838, D. Maria II ordena a Honório Pereira Barreto a construção de dois forte, um no mesmo braço do rio onde os franceses em 1828 tinham fundado um estabelecimento, e outro acima de Selho. Era uma medida de grande alcance, mas não vieram os meios financeiros necessários.

No meio de trocas diplomáticas sulfúreas, com as autoridades francesas a fazer ouvidos de mercador, a diplomacia francesa monta uma fantasia: que desde o século XVI está presente no Senegal, que há mais de dois séculos que exerce direitos de posse, comércio e soberania desde o Cabo Branco até à Serra Leoa. Chega-se ao desplante de dizer e escrever que os normandos tinham chegado à Guiné antes dos portugueses. E segue-se um período em que não há correspondência entre Lisboa e Paris. Depois, veio a reação de Lisboa com a enumeração exaustiva das razões históricas da presença portuguesa na chamada Senegâmbia, Paris não responde a estas notas. É neste contexto completamente desfavorável que o Visconde de Santarém enviou, em 1841, uma cópia da sua Memoria sobre a prioridade dos Descubrimentos dos Portugueses na costa d’Africa occidental, acrescentando-lhe alguns capítulos no ano seguinte. O embaixador em Paris, Visconde da Carreira, reforça a argumentação invocada pelo Visconde de Santarém com documentos existentes no Museu Britânico, todos eles elucidativos que monarcas franceses, ingleses e espanhóis aceitavam inequivocamente a soberania portuguesa na região. Os políticos franceses resistem, tergiversem, demoram a responder, Carreira continua na sua luta sem se dar por vencido e continua a enviar notas a expor ao governo francês as razões de Portugal. Não obtém resposta. O ponto curioso da artimanha usada pelos políticos franceses, quando recebiam o embaixador português, era a de assegurar-lhe que o governo de Paris não pretendia a soberania nem a exclusividade do comércio de costa. Por mais argumentos válidos que Lisboa apresentasse, por mais fortes que fossem as suas razões, nada abalava nem desviava o caminho que fora traçado pela ambição da França, que, como a Inglaterra, procurava alargar a sua influência sobre regiões que não lhe pertenciam, nunca atendendo a direitos históricos. Era o começo de uma nova política comercial (imperial) em que predominava o princípio da ocupação efetiva que virá a ser consagrado na conferência de Berlim.

Voltemos a Honório Pereira Barreto. Enquanto se está a dar este combate diplomático, o governador, quase na sombra e sem alarde, procura por meio de convenções com chefes indígenas Banhuns e Felupes, trazer novos territórios para a Coroa, à volta de Ziguinchor. Entre 1844 e 1845, firma em seu nome pessoal e à sua custa doze contratos de compra de terrenos. Em 11 de abril de 1844 foram celebrados contratos entre ele e os naturais de Jagubel e Afinhame.

Mas a este tempo já se vive numa atmosfera de tensões na região do Casamansa, assim vai acontecer em Selho e Jagubel, procuram-se todos os expedientes para impedir o comércio nesta área do Casamansa. A autora descreve ao detalhe a ação deste notável governador, os tratados celebrados com os chefes gentílicos que asseguravam que aos portugueses cabia o exclusivo direito de fazerem estabelecimentos e alfândegas e que a navegação e o comércio estrangeiro ficavam sujeitos à fiscalização portuguesa. De igual modo, é meticulosa a apresentar a ação portuguesa na Guiné, dado conta dos diferentes incidentes graves no Casamansa (o caso da ponta de Adiana, o caso Laglaise, o incidente de M’Bering). E assim, nos vamos encaminhando para os termos da convenção de 12 de maio de 1886, e por último teremos as sucessivas fases para determinar as fronteiras da Guiné.

O marco 173 está situado em Chão Baiote, junto à tabanca Kassu, na praia de um dos muitos cursos de água da Baixa Casamansa. A linha de fronteira atravessa Kassu, deixando um bairro na Guiné-Bissau e outro no Senegal. O marco está instalado num espaço aberto, apenas frequentado por vacas que, para fugirem às moscas, buscam as zonas perto de água. Imagens de Lúcia Bayan, já publicadas no blogue, com a devida vénia.
Casamansa, a imagem do atrito
Imagem da ilha de Goreia, junto a Dacar
Imagem de pesca no rio Casamansa

(continua)
_____________

Notas do editor

Vd. post de 7 de outubro de 2024 > Guiné 61/74 - P26018: Notas de leitura (1733): Regresso a um clássico da historiografia guineense: A questão do Casamansa e a delimitação das fronteiras da Guiné (1) (Mário Beja Santos)

Último post da série de 11 de outubro de 2024 > lGuiné 61/74 - P26036: Notas de leitura (1734): Factos passados na Costa da Guiné em meados do século XIX (e referidos no Boletim Official do Governo Geral de Cabo Verde, ano de 1879 a 1880) (24) (Mário Beja Santos)

Guiné 61/74 - P26043: Humor de caserna (77): O "cubano" que afinal era... "russo" (Carlos Fortunato, ex-fur mil, CCAÇ 13, Bissorã, 1969/71)



2001 > O ex-furriel Teodoro, 
da CCAÇ 13 (Bissorá, 
1969/71)


Humor de caserna > O "cubano" que afinal era... "russo"



Um dos aquartelamentos perto de nós anuncia pelo rádio a captura de um grupo do PAIGC incluindo um cubano... 

Na verdade,  era o nosso camarada furriel Teodoro, mais conhecido por "Russo", que tinha saído com quatro soldados balantas para comprar vacas.

Ele bem dizia que não era cubano e mostrava que não trazia nenhuma Kalashnikov, mas apenas uma G3, mas com aquela barba à Fidel de Castro, aquela cor bronzeada, de calções, com um ar de turista, ninguém acreditava que não fosse cubano.

Sempre bem disposto, este nosso camarada algarvio, desta vez ficou mesmo "marafado" com os "periquitos", pois tinha ido ao seu encontro amigavelmente e estes tinham-no prendido.

Na verdade foram várias as vezes que estas confusões aconteceram, chegámos mesmo até a disparar uns contra os outros, entre nós,

Foi assim: ao reabrirmos a estrada para Nhamate, enviamos um pelotão pelo lado esquerdo da mesma e outro pelo direito, a estrada era o ponto de referência, só que a determinada altura a vegetação comeu a estrada, e os dois grupos começaram a aproximar-se um do outro, pensando que se tinham desviado da estrada.

Quando se encontraram, o mato não permitiu o reconhecimento imediato e ambos abriram fogo, contudo ao perceberam que só ouviam o som das G3 logo concluíram que estavam frente 
a frente. Um contacto pela rádio esclareceu tudo.

A vegetação no mato é tão densa que podemos passar a um metro de distância do inimigo e não o vermos, assim às vezes é só um vislumbre, e as reacções têm que ser rápidas.

(Seleção,  revisão / fixação de texto, título: LG)
__________

Fonte:  Guiné - Os Leões Negros > CCAÇ 13 > Binar > 1970 > O Cubano capturado (página que foi descontinuada, por estar alojada no "Sapo", tendo sido "salva" pelo Arquivo.pt; era administrada pelo nosso camarada Carlos Fortunato, ex-fur mil, CCAÇ 2591 / CCAÇ 13 (Bissorã, 1969/71).  Texto publicado originalmente em 24/02/2003, e revisto em 21/07/2006. 

Foto (e legenda): © Carlos Fortunato (2003). Todos os direitos reservados. [Edição e legendagem complementar: Blogue Luís Graça & Camaradas da Guiné]

_______________

Notas do editor:

Últiumo poste da série > 6 de outubro de 2024 > Guiné 61/74 - P26014: Humor de caserna (76): O Piteira , alentejano de Bencatel, "voando sobre um ninho de cucos, na prova de "slide" em Lamego (José Ferreira, "Memórias Boas da Minha Guerra", vol. I, Lisboa, Chiado Editora, 2016, pp.43-49)

domingo, 13 de outubro de 2024

Guiné 61/74 - P26042: Contos do ser e não ser: Adão Cruz, ex-Alf Mil Médico da CCAÇ 1547/BCAÇ 1887 (39): "Um simples periquito"

Adão Pinho Cruz
Ex-Alf Mil Médico da CCAÇ 1547
Autor do livro "Contos do Ser e Não Ser"


Um simples periquito

Não sei muito bem o que fazer nas férias. Não gosto de praia, não gosto de viagens programadas em grupo, não gosto de cruzeiros, enfiarem-me num resort qualquer é pior do que me enfiarem em Custóias. Gosto de viajar, mas de carro, sem destino, ao deus-dará. Foi o que fiz na passada semana. Vi, por acaso, uma exposição de André Brasilier no Château de Chenonceaux e, mal cheguei, fiz dois quadros, mais ou menos dentro da sua linha, a qual tem algumas semelhanças com a minha, ou melhor, a minha tem algumas semelhanças com a dele. Provavelmente, amanhã farei deles um post. Cheguei de férias.

Mas onde eu queria chegar era ao periquito. Não é que eu não goste de animais. Gosto, sim senhor, mas sempre que possível em casa dos outros. Um amigo meu, pintor, ofereceu-me um periquito. Em princípio, tudo bem. Um periquito não é assim uma coisa que atemorize. Porém, este periquito foi o único ser e produto que, em toda a minha vida, funcionou de alergénio e me ofereceu uma bronquite aguda asmatiforme que me obrigou a enfiar com o gajo na marquise. Entre a marquise e a cozinha, há uma janela através da qual eu vejo e converso com o periquito. Sim, converso com ele. Cheguei ontem. Quando chego e abro a janela, o bichinho está mudo que nem uma pedra.

Então chamo várias vezes por ele: pilinhas, pilinhas, pilinhas! Venha daí uma sinfonia. Ele concentra-se, mantém alguns minutos de silêncio e manda três assobiadelas estridentes. Um pouco como aqueles três morteiros que antecedem o fogo de artifício no rio Douro. Daí em diante, é um ver se te avias. Sonatas, serenatas, zarzuelas, música de câmara, sinfonias, eu sei lá! Quando eu lhe digo, Pilinhas agora é mesmo de escacha-pessegueiro, ele abre a goela e chilreia de tal modo que parece uma estrela de rock, até se empoleira de papo para o ar.

Eu vivo sozinho, embora tenha a frequente presença dos meus filhos e netos. Estou cheio de mulheres, melhor dizendo, estou cheio das incomensuráveis complicações que as mulheres acarretam. De mulheres não estou cheio, obviamente, até porque as vejo na rua e sei o prazer que delas conseguiria obter. Mas vivo sozinho. E em vez de mulher… há um periquito. Nunca na vida pensei que um insignificante periquito fizesse a companhia que faz. Ao fim e ao cabo, tudo nesta vida é relativo.

_____________

Nota do editor

Último post da série de 6 de outubro de 2024 > Guiné 61/74 - P26016: Contos do ser e não ser: Adão Cruz, ex-Alf Mil Médico da CCAÇ 1547 / BCAÇ 1887 (38): "Vidas por um fio" (II)

Guiné 61/74 - P26041: A nossa guerra em números (26): Aceitemos, provisoriamente, o número (oficioso) de 437 "internacionalistas cubanos" que terão combatido ao lado do PAIGC, "de 1966 a 1975"


Guiné > Bissau > HM 241 > 1969 >  O capitão cubano Pedro Rodriguez Peralta. Fotograma, sem indicação de fonte (RTP ?). Cortesia da página do Facebook de António José Vale, 26 de maio de 2018. Edição: Blogue Luís Graça & Camaradas da Guiné /2024), com a devida vénia...







Citação: (1963-1973); "Fernando de Andrade com um grupo de guerrilheiros do PAIGC e internacionalistas cubanos", Fundação Mário Soares / DAC - Documentos Amílcar Cabral, Disponível HTTP: http://hdl.handle.net/11002/fms_dc_43457 (com a devida vénia). (*)

A maior parte destes combatentes seria de origem afro-americana, como parece deduzir-se desta foto de grupo. Segundo lemos algures,  Amílcar Cabral não queria gente de tez branca, dava muito nas vistas à CIA e às demais "secretas" dos países ocidentais... Por outro lado, era mais fácil para o PAIGC e seus apoiantes, tanto a nível interno como externo, justificar a presença de "estrangeiros" nas fileiras dos combatentes da liberdade da Pátria: os cubanos de origem afro-americano podiam ser apresentados e aceites como lídimos representantes dos escravos, brutalmente arrancados das suas aldeias e levados pelos "negreiros" para o Novo Mundo... Quanto ao Fernando Andrade, aqui referido, era irmão de Lucette de Andrade, esposa do Luís Cabral.  


1.  O número de "internacionalistas cubanos" (sic) que combateram na Guiné-Bissau, de 1965 a 1974, ao lado do PAIGC, é objeto de especulações, não havendo fontes independentes, válidas e fiáveis onde nos possamos basear para apontar o seu número exato. Tal como o número de baixas mortais.

Numa carta de 17 de agosto de 1966 remetida ao seu amigo Paulo António Osório de Castro Barbieri, em Lisboa,  o  alf mil Pedro Barros e Silva , SPM 0368, escreveu o seguinte sobre o IN (**):

(...) "As secções do Exército Popular encontram-se fardadas, treinadas e armadas até aos dentes. E, para ajudar à festa, temos os russos e os cubanos (estes, pelo menos, já têm levado umas coças bastante razoáveis). Pensa-se que dentre em pouco estarão na Guiné mil ou mais cubanos.

"O material que o IN possuiu é o que de há de melhor pelos sítios. Só lhes falta aviação e marinha. De resto, postos-rádio, antiaéreas quádruplas, canhões sem recuo de infantaria (fala-se em obuses), bazucas, rockets, morteiros de 61, 82 e até talvez de 120, metralhadoras de todos os tipos e feitios, automáticas a dar com pau, enfim, estão mais bem armados que cá a rapaziada." (...)

Não sabemos ao certo a unidade a que pertencia o Pedro Barros da Silva, correspondente ao SPM 0368,  mas tudo indica, por outra carta do seu amigo Nuno Barbieri, 1º tenente fuzileiro especial, que estava colocado no Quartel-General, em Bissau, trabalhando  "numa repartição de nome estranho e pouca importância" (carta de 2 de maio de 1967).  Ou seja, estava na "guerra do ar condicionado" (que não podia ser para todos, porque alguém tinha que matar e morrer...).

De qualquer modo, o nosso camarada Pedro Barros e Silva deveria estar, em 1966,  mais bem informado sobre os cubanos (e os russos) que a maioria dos seus camaradas "do mato"...

No entanto, parece-nos "alarmista" a sua especulação sobre o número exponencial de cubanos (que dentro em breve poderiam chegar aos "mil ou mais", escrevia ele em meados de 1966...). E, seguramente,  "despropositada", no que diz respeito à presença de russos no território da nossa "Guinézinha": a Cilinha nunca os viu e eu também não... 

Quanto ao morteiro 120, só há notícia dele, em agosto de 1968,  utilizado pela primeira vez em Gandembel, na região de Tombali. As bases de fogos eram sempre localizadas no território da Guiné-Conacri. Foi utilizada, contra as NT, como arma de artilharia, e terá sido a arma mais mortífera do PAIGC. (Convirá lembrar que as NT não tinham, à exceção de Gandembel, Guileje e pouco mais, abrigos à prova do morteiro 120 mm. Os nossos "bunkers" eram literalmente "bu...rakos", escavados na terra, e com cobertura de terra, chapa de zinco e troncos de cibe...).

Embora próximo do poder (estando no QG), o nosso camarada Pedro Barros e Silva não estava assim tão bem informado, como fazia crer na carta que escreveu ao seu amigo Paulo António Osório de Castro Barbieri (que, por ua vez,  ainda não deveria estar em idade de ir para a tropa...).

2. Sabemos que em 1966 o PAIGC terá recebido umas escassas três dezenas de cubanos, entre "instrutores militares" (de artilharia) (3), médicos (2) e "combatentes" (25). (***)

(...) " 1966: Abril – Chega a Conacri o grupo avançado de três artilheiros e dois médicos, comandado pelo tenente António Lahera Fonseca;

"Junho – Chega por via marítima, ao Porto de Conacri, o grupo de 25 combatentes cubanos chefiado pelo tenente Aurélio Riscard Hernandez" (...) (**)

Nos anos seguintes (1967, 1969, 1970 e n1972) há notícia de chegada a Conacri de barcos com "pessoal militar e meios materiais", oriundos de Cuba, sem indicação das quantidades... Nem Cuba nem  o PAIGC tinha capacidade logística (barcos de transportes e instalações em Conacri)  para receber de chofre centenas e centenas de combatentes, entre 1967 e 1972. +E possível que, depois da independência, tenha aumentada o número de conselheiros militares cubanos na Guiné-Bissau.
O mais célebre (ou mediático) de todos os "internacionalistas cubanos" foi o capitão Pedro Rodriguez Peralta (****), capturado por tropas paraquedistas em 18 de novembro de 1969, no decurso da Op Jove.. 

Com ferimentos graves, foi enviado para o HM 241 (Bissau) e depois para Lisboa, onde foi devidamente tratado. Foi julgado em Tribunal Militar e condenado em 2 anos e 2 meses de prisão.

Depois do 25 de Abril de 1974, o capitão Peralta foi libertado. Aliás, houve manifestações (do MRPP e outras organizações da  extrema esquerda) a favor da sua libertação incondicional. Os americanos queriam trocá-lo por um alegado espião preso em Cuba...

Peralta, que fez amigos em Portugal, pode ser visto aqui numa reportagem da RTP, no aeroporto de Lisboa, em 15 de setembro de 1974, sempre sorridente e amável na presença entre outros do seu advogado, Manuel João da Palma Carlos (1915-2001), momentos antes de embarcar para Havana onde foi recebido como herói (depois de esquecido, por incómodo, durante os anos de cativeiro)...

Antes do 25 de Abril, era considerado um "preso político", o governo de então recusava-se a tratá-lo como "prisioneiro de guerra", negando haver uma guerra na Guinén(técnica e legalmente falando). Além disso, Portugal e Cuba mantinham relaçóes diplomáticas, contrariamente à ex-URRS e demais países da Europa de Leste. 

Depois do 25 de Abril, mudou o estatuto do capitão Peralta: passaria a ser "prisioneiro de guerra", não ficando abrangido pela amnistia aos presos políticos... E só foi libertado, em 15 de setembro de 1974, após a entrega, pelo PAIGC, dos "prisioneiros de guerra" portugueses, entre os quais o nosso saudoso António Batista, o "morto-vivo", membro da nossa Tabanca Grande.

Sabe-se que, em 2008, com o posto de coronel reformado, pertencia ao Comité Central do Partido Comunista Cubano.  

Era seguramente o mais célebre dos 437 combatentes que, segundo o regime de Havana, terão combatido, no TO da Guiné, nas fileiras do PAIGC, durante a guerra da independência  (dos quais terão morrido 9 ou 17, conforme as duas fontes cubanas oficiosas, já aqui citadas no nosso blogue). (De qualquer modo, é uma taxa de letalidade elevada: 2,05% e 3,89%, respetivamente.)

Mesmo assim, achamos inflacionado o número de combatentes cubanos (a menos que se incluia ainda, indevidamente,  o ano de 1975: aliás, desde meados de maio de 1974, deixou de haver combates entre as NT e o PAIGC) (*****).


3. Leia-se aqui um recorte do jornal "Granma", de 29 de maio de 2007:

Recuerdan misión militar cubana en Guinea Bissau


Internacionalistas cubanos de La Habana y Pinar del Río que combatieron en Guinea Bissau y Cabo Verde se reunieron en la Casa Central de las FAR

Publicado: Martes 29 mayo 2007 | 12:43:23 am.

Autor: Dora Pérez Sáez | dora@juventudrebelde.cu


Jorge Risquet, miembro del Comité Central del Partido, conversa con el coronel Pedro Rodríguez Peralta, uno de los 437 cubanos que combatió en Guinea Bissau.

Foto: Franklin Reyes (não disponível)

El primer encuentro de internacionalistas cubanos residentes en Ciudad de La Habana, La Habana y Pinar del Río que combatieron en Guinea Bissau y Cabo Verde desde 1966 hasta 1975 se efectuó en la Casa Central de las FAR.

En el encuentro participaron 190 combatientes que lucharon junto al Partido Africano para la Independencia de Guinea y Cabo Verde (PAIGC) y su líder, Amílcar Cabral, hasta que alcanzaron su independencia.

El general de brigada (r) Harry Villegas, Héroe de la República de Cuba y vicepresidente de la Asociación de Combatientes de la Revolución, expresó que esta misión hizo reconocer a los portugueses la imposibilidad de seguir manteniendo el colonialismo.

«Esa misión fue, justamente, la que creó las posibilidades para la presencia masiva de los cubanos en África. No se trata solo de Guinea Bissau, sino de nuestra colaboración con otros países de ese continente, que culminó con la caída del apartheid».

En Guinea Bissau combatieron 437 cubanos, de los cuales murieron nueve. Desde el fin de la misión hasta el momento, han fallecido otros 51 compañeros.

El acto contó con la presencia de Jorge Risquet Valdés, miembro del Comité Central del Partido.

F0nte: Dora Pérez Sáez - Recuerdan misión militar cubana en Guinea Bissau: Internacionalistas cubanos de La Habana y Pinar del Río que combatieron en Guinea Bissau y Cabo Verde se reunieron en la Casa Central de las FAR". Juventud Rebelde. ,martes 29 mayo 2007 | 12:43:23 am.

(Seleção, revisão / fixação de texto: LG)

______________

Notas do editor:




Vd. também postes de:



14 de julho de 2006 > Guiné 63/74 - P960: Antologia (49): Oficialmente morreram 17 cubanos durante a guerra