sexta-feira, 10 de janeiro de 2025

Guiné 61/74 - P26373: Notas de leitura (1763): O Arquivo Histórico Ultramarino em contraponto ao Boletim Official, até ao virar do século (9) (Mário Beja Santos)

1. Mensagem do nosso camarada Mário Beja Santos (ex-Alf Mil Inf, CMDT do Pel Caç Nat 52, Missirá, Finete e Bambadinca, 1968/70), com data de 25 de Novembro de 2024:

Queridos amigos,
Achei por bem fazer uma recapitulação dos acontecimentos ocorridos na Guiné entre 1910 (chegada de Carlos Pereira, 1.º governador da República) até ao fim das operações de Teixeira Pinto, depois dos seus êxitos na ilha de Bissau. É um dos momentos mais controversos da história desta colónia, não aparecem documentos que explicitamente culpabilizem dirigentes da Liga Guineense em termos de agitarem os Grumetes e os Papéis contra a política do governador; o defensor dos acusados, o Dr. Loff de Vasconcelos, irá escrever um opúsculo arrasador, dando Teixeira Pinto como conivente com os crimes e pilhagens praticados pelos irregulares de Abdul Indjai em toda a ilha; como sabemos, governadores irão, a partir da década de 1920, procurar a glorificação do capitão Teixeira Pinto, e há qualquer coisa de escandaloso em não dar voz aos argumentos expostos por Loff de Vasconcelos. E como acontece nestas cenas de comédia à portuguesa, os acusados, resolvido a contento do Governo o problema da ilha de Bissau, foram libertos, embora silenciados pela História. Somos verdadeiramente peritos nestas lavagens, deixamos a verdade a bom recato.

Um abraço do
Mário



O Arquivo Histórico Ultramarino em contraponto ao Boletim Oficial, até ao virar do século e depois (9)

Mário Beja Santos

Convém proceder a uma recapitulação dos acontecimentos ocorridos entre 1910 e 1913. Carlos Pereira é o 1.º Governador da República, envia um relatório de extrema importância o Ministro da Marinha e Ultramar, surgiu a Liga Guineense que mostra propósitos de fazer propaganda de instrução e promete trabalhar para o progresso e desenvolvimento da Guiné Portuguesa; há desacatos em Cacheu, a organização militar e a Marinha sofreram alterações, foram demolidas as muralhas de Bissau e chega um novo Chefe do Estado-Maior, o Capitão João Teixeira Pinto, depois de observar o terreno lança-se em operações no Oio; a circunscrição de Geba, então qualquer coisa como um sexto do território da Guiné, o administrador Vasco Calvet de Magalhães, que também apoiou as operações de Teixeira Pinto, procede a um conjunto de obras, com destaque para a estrada de Bafatá para Bambadinca; é tempo de concessões, surgiu o entusiasmo pela agricultura, mesmo gente da classe média aboletada em Bissau ou Bolama quer ter a sua propriedade no campo; começam as acusações a um colaborador direito de Teixeira Pinto, Abdul Indjai; segue-se o estranho caso da nomeação de Andrade Sequeira para governador para substituir Carlos Pereira e a sua rejeição pelo Senado; entretanto, Teixeira Pinto é enviado a Cacine, onde houvera sublevação, faz-se acompanhar por centenas de auxiliares de Abdul Indjai; parecendo que ficara pacificado o território da Costa de Baixo, ocorre em fevereiro de 1914 um acontecimento de extrema gravidade, que irá originar novas operações militares. O alferes Manuel Pedro tinha saído de Porto Mansoa com o pelotão de polícia rural do seu comando, foi atacado por Balantas, o alferes morre bem como três cabos. Teixeira Pinto segue para Bissorã e Mansoa, teve que alterar os seus planos, volta à circunscrição de Cacheu a vim de submeter aqueles povos. Conhecedor da morte do alferes Pedro avança em direção a Basserel, é apoiado pela lancha canhoneira Flecha, depois de atravessar uma mata serradíssima, a coluna encontra a paliçada que defendia a tabanca, a coluna foi atacada pelos Manjacos, segue-se um fogo intensíssimo, os Manjacos têm bastantes mortos, e a coluna sofreu também seis mortos.

Tem bastante importância o relatório que Teixeira Pinto enviou a Andrade Sequeira, chama a atenção para a insuficiência das guarnições, estas careciam, todas somadas de 760 soldados. Teixeira Pinto escolhe novos régulos para a Costa de Baixo, e diz ao governador que o problema fulcral era a educação do gentio. Antes de parir, Andrade Sequeira nomeara Abdul Indjai tenente de 2.ª linha. Em maio de 1914, chega novo governador, Josué de Oliveira Duque, que prontamente decide uma operação para castigar os Balantas, de novo o comando da coluna é confiado a Teixeira Pinto. Este tece um plano de seguir para Bula, aí concentraria as forças, passaria até Bissorã e daí para Porto Mansoa; numa segunda fase, pensa passar para a margem esquerda do rio Mansoa e bater todos os Balantas entre este rio e o de Geba, até ao Impernal, ocupando Nhacra onde ficaria estabelecido o posto militar.

Teixeira Pinto para com 600 irregulares, chega a Binar, marcha em direção a Paxe, é, entretanto, atacado, mas o inimigo repelido, destrói depois várias povoações e regressa a Binar. Os rebeldes não desarmam, mas são repelidos pelas forças de Abdul. A força obtém a ajuda de Mancanhas como carregadores. E chegam notícias de que os Balantas estão a fazer uma grande reunião, o que se revela verdade. Teixeira Pinto vai agindo em três frentes, o inimigo vê-se forçado a retirar, irá sofrer muito com o fogo das canhoneiras. Encurtando razões, nos dias seguintes os Balantas atacam, sem êxito. Chegou a hora das negociações. Mas vai começar a segunda fase das operações na margem esquerda do rio Mansoa. Teixeira Pinto regressa a Bolama, havia que tratar da ocupação militar dos territórios batidos, faltava apenas bater a região dos Papéis de Bissau, Teixeira Pinto mantém-se na Guiné até outubro e depois segue para Lisboa, mas logo em novembro é determinado que regressa à Guiné para servir numa nova comissão. Abdul Indjai dá que falar, veio de Lisboa em missão de inspeção extraordinária como inspetor da fazenda das colónias, pede informações ao governador Oliveira Duque e a Teixeira Pinto, este parece tomar partido a favor de Abdul, o governador Josué Duque parte e chega Andrade Sequeira. A missão que viera de Lisboa emitiu o parecer de que o Oio devia ser desanexado e ficar como comando militar independente. Teixeira Pinto vai sempre defendendo Abdul, dizendo que este sofria o ódio do administrador da circunscrição de Cacheu.

Regressado de Lisboa, é preparada a operação na ilha de Bissau. O que se passa antes das operações ainda não está devidamente claro, os dirigentes da Liga Guineense tudo fazem para que não se empregue a força das armas, afirmam que os Grumetes e os Papéis se irão submeter e entregar as armas, apela-se mesmo ao ministro das colónias para evitar a campanha, afirma-se que os habitantes da ilha de Bissau se comprometiam a pagar os impostos que legalmente fossem devidos. Desenvolve-se, entretanto, uma campanha de ameaças e de intrigas entre Abdul e outros chefes de guerra, como Mamadu Sissé. O governador está do lado de Teixeira Pinto, é a favor das operações, alega a falta de cumprimento de todas as promessas feitas, competia ao ministro ordenar a cessão dos preparativos ao mandar executar as operações, o ministro limita-se a deixar ao critério do governador a resolução final. O governador reúne o conselho administrativo da província que unanimemente apoia as operações, assim estas se vão desenrolar, estão amplamente documentadas, é, no entretanto, que se dá a prisão de alegados responsáveis pela resistência dos Grumetes e Papéis, gente que fazia parte da Liga Guineense, Oliveira Duque procede à sua dissolução, responsabiliza-a pelo estado de permanente hostilidade por parte dos indígenas de Bissau.

É aqui que Armando Tavares da Silva abre um parenteses para recordar o movimento de 14 de maio de 1915, um conflito ocorrera entre o Governo e boa parte das Forças Armadas, mas as causas reais residiam na oposição do Exército na entrada de Portugal na guerra. Na madrugada de 19 para 20 de janeiro de 1915, um grupo de oficiais revolta-se reclamando o regresso dos oficiais transferidos às suas unidades de origem. Dirigem-se para a Presidência da República, são travados no caminho, protestam entregando as suas espadas, sendo seguidamente presos. Segue-se o movimento revolucionário de 14 de maio, que se irá estender por todo o país. João Chagas, que era embaixador em Paris, é chamado para formar Governo, mas pouco depois de entrar em Portugal sofre um atentado, ficando gravemente ferido. Peripécias atrás de peripécias, em junho Norton de Matos é ministro das Colónias, nomeia-se novamente Andrade Sequeira para governador da Guiné, toma posse em 25 de agosto de 1915. Vão agora aparecer as acusações contra Teixeira Pinto.


Armando Tavares da Silva
Vista das instalações fabris da Sociedade Comercial Ultramarina, Casa Comum/Fundação Mário Soares
Navio Alger carregado de madeira, Casa Comum/Fundação Mário Soares
Em Bissorã, festa com dança pela captura de armamento ao PAIG, pela CART 1525, na Operação RUA, no dia 01/02/1967, e no dia 3, nos arredores de Bissorã. Apreensão importante que motivou a deslocação àquela Vila do Governador, General Arnaldo Schulz. Imagem retirada do historial da CART 1525, com a devida vénia

(continua)

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Notas do editor:

Vd. post de 3 de janeiro de 2025 > Guiné 61/74 - P26342: Notas de leitura (1760): O Arquivo Histórico Ultramarino em contraponto ao Boletim Official, até ao virar do século (8) (Mário Beja Santos)

Último post da série de 9 de janeiro de 2025 > Guiné 61/74 - P26365 Notas de leitura (1762): "Amílcar Cabral e os cuidados de saúde durante a luta de libertação": apresentação do prof Joop de Song, Simpósio Internacional "Amílcar Cabral: Um Património Nacional e Universal", Praia, Cabo Verde, 9 de setembro de 2024

Guiné 61/74 - P26372: Convívios (1012): 101.º Convívo da Tabanca do Centro, a levar a efeito no próximo dia 31 de Janeiro, coincidente com a comemoração do 15.º aniversário desta Tabanca

Com a devida vénia à Tabanca do Centro, reproduzimos o seu Post P1511 que anuncia o 101.º Almoço/Convívio da sua Tertúlia, a levar a efeito no próximo dia 31 de Janeiro, onde se comemorará os 15 anos de existência desta Tabanca.
A Tabanca Grande, mãe de todas as Tabancas, endereça aos nossos camarigos, Joaquim Mexia Alves e Miguel Pessoa, os nossos parabéns, desejando-lhes muita força para darem continuidade a esta tertúlia que regularmente se reune à mesa.


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Nota do editor

Último post da série de 26 de dezembro de 2024 > Guiné 61/74 - P26312: Convívios (1011): 51º almoço-convívio da CCAÇ 12 (Bambadinca e Xime, 1971/74), em Mora, no passado dia 25 de maio (António Duarte)

Guiné 61/74 - P26371: Agenda cultural (876): Apresentação do livro "Guiné, Bilhete de Identidade", de Mário Beja Santos, dia 13 de Janeiro de 2025, pelas 14h30, na Livraria Municipal Verney, Rua Cândido dos Reis, 90 - Oeiras

C O N V I T E



SOBRE O AUTOR

Toda a sua vida profissional, entre 1974 e 2012, esteve orientada para a política dos consumidores. Ao nível da sua participação cívica e associativa, mantém-se ligado à problemática dos direitos dos doentes e da literacia em saúde, domínio onde já escreveu algumas obras orientadas para o diálogo dos utentes de saúde com os respetivos profissionais, a saber Quem mexeu no meu comprimido?, 2009, e Tens bom remédio, 2013.
Doente mas Previdente, dá continuidade a esta esfera de preocupações sobre a informação em saúde, capacitação do doente, o diálogo entre os profissionais de saúde, os utentes e os doentes.



SINOPSE

Uma identidade equívoca, na Senegâmbia:
A Guiné, a nossa pedra no sapato no III Império


Tudo começa por um conjunto de navegações: dobrado o Cabo Bojador, descoberta a Angra dos Ruivos, o Rio do Ouro, a Pedra da Galé, o Cabo Branco e Arguim, Nuno Tristão chega à Terra dos Negros, ultrapassa a Terra dos Pardos, reclama-se que chegámos à Etiópia Menor - não estávamos longe do Níger (pensava-se). Anos depois, talvez em 1446, Álvaro Fernandes chega à enseada de Varela (curiosamente uma praia na fronteira norte da Guiné-Bissau). Não se assentam arraiais, pois não há condições de ocupação.

Vai começar o comércio e um conjunto de viagens e relatos que permitirão conhecer a complexidade daquele mosaico étnico, predominantemente entre o Cabo Verde (hoje Senegal) e a Serra Leoa, região que passará a ser designada por Senegâmbia. Os navegantes exploram rios, como o Gâmbia, o Senegal, o Geba, o Grande de Bolola. O comércio circunscreve-se às rias e rios, começa a surgir uma comunidade luso-africana que colaborará neste comércio de homens e mercadorias, comércio feito com as chefaturas africanas. E os navios regressam a Lisboa ou levam escravos para as Américas.

No estado atual dos conhecimentos, ainda não há um entendimento rigoroso dos chamados impérios que precederam a chegada dos portugueses à região, com exceção dos resquícios do Império do Mali, o Kaabu. E mesmo quando os portugueses se estabeleceram em praças, presídios e feitorias, houve uma apreciável mobilidade de populações. Quando os Fulas, vindos do Futa-Djalon, derrotaram os Mandingas e se travaram as sangrentas guerras do Forreá, ocorreu um quase terramoto demográfico. Presença portuguesa ténue, equívoca, sem ocupação.

Este volume abarca o período entre o século XV e o século XIX, relatando a dependência do comércio de Cabo Verde, a forte concorrência britânica, francesa, holandesa e espanhola, a fortificação de Cacheu, as ondas de missionários e o seu pouco sucesso, as assinaláveis perdas havidas durante a União Ibérica, o esforço depois da Restauração, com Cacheu, Bissau, Farim e Ziguinchor. E as permanentes ameaças dos franceses, a norte, e dos britânicos, a sul. Tudo começa com a Crónica da Guiné de Zurara, estendendo-se a Honório Pereira Barreto, um verdadeiro fundador do território que dará pelo nome de Guiné.



Guiné - Bilhete de Identidade
Tomo I - A presença Portuguesa na Senegãmbia
de Mário Beja Santos


Propriedade Descrição
ISBN: 9789899213104
Editor: Edições Humus
Data de Lançamento: setembro de 2024
Idioma: Português
Dimensões: 161 x 232 x 26 mm
Encadernação: Capa mole
Páginas: 424
Tipo de produto: Livro
Coleção: Estudos Africanos
Classificação temática: Livros em Português > História > História da África
EAN: 9789899213104


Com a devida vénia a Wook.pt
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Nota do editor

Último post da série de 20 de dezembro de 2024 > Guiné 61/74 - P26293: Agenda cultural (875): "A Vida de Um Soldado", Casa da Cultura Leonardo Coimbra, Lixa,, de 29/11 a 31/12/2024, Exposição de José Claudino da Silva, "Dino" ( ex-1.º cabo cond auto, 3.ª CART / BART 6520/72, Fulacunda, 1972/74)

Guiné 61/74 - P26370: Álbum fotográfico do Padre José Torres Neves, ex-alf graduado capelão, CCS/BCAÇ 2885 (Mansoa, 1969/71) - Parte XXI: Mansabá, a "avenida", "o castelo"... (legendas precisam-se)


Foto nº 8  e BA >  "Abrigo Bissorã Construtores" (sic) ... Reconhecemos (mal) alguns emblemas: CCAÇ CAÇ 2403, BCAV 1897...

Foto nº 9  > Mansabá > "Castelo da Estrada"

Foto nº 10 > Mansabá > "O Castelo"

Foto nº 11 >  Mansabá > "A Avenida" (estrada Mansabá-Farim, já alcatroada...)



Foto nº 12 e 12A  > Mansabá > "Abrigo da horta" (e no meio do bananal, um pequeno monumento  a uma das companhias que por lá passou, a CCAÇ 2403 (?)...

Guiné > Zona Oeste > BCAÇ 2885 (Mansoa) > Mansabá > s/d (c. 1969/71) > Fotos do álbum do Padre José Torres Neves.


Fotos (e legendas): © José Torres Neves (2025). Todos os direitos reservados. [Edição e legendagem complementar: Blogue Luís Graça & Camaradas da Guiné]


1. Continuação da publicação das fotos relativas a Mansabá, do álbum da Guiné do nosso camarada José Torres Neves, ex-alf graduado capelão, BCAÇ 2885 (Mansoa, 1969/71) (*).

Membro da nossa Tabanca Grande, nº 859, desde 2 de março de 2022, é missionário da Consolata, tendo sido um dos 113 padres católicos que prestaram serviço no TO da Guiné como capelães. No seu caso, desde o dia 7 de maio de 1969 a 3 de março de 1971.

Não sabemos o que é que o nosso capelão lá foi fazer, a Mansabá... Nem quando. As legendas que nos chegaram, são escassas... Quem conheceu Mansabá naquele tempo pode ajudar a completá-las, o Carlos Vinhal e tantos outros (Francisco Baptista, José Carvalho, Vitor Junqueira, Ernesto Duarte, António Pimentel, António J. Pereira da Costa, Ernestino Caniço, Carlos Pinto, Jorge Picado, Manuel Joaquim,  José Rodrigues, etc., são apenas alguns dos nomes que nos vêm à cabeça)... 

Sobre Mansabá temos cerca de 340 referências no nosso blogue. Em 11 de novembro de 1970, foi criado ou reativado o COP 6, com sede em Mansabá, abrangenmdo os sisbsetores de Mansabá e Olossato. O objetivo era assegurar a continuação e o bom andamento da construção da estrada Mansabá-Farim.

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Nota do editor

(*) Último poste da série > 29 de dezembro de 2024 > Guiné 61/74 - P26322: Álbum fotográfico do Padre José Torres Neves, ex-alf graduado capelão, CCS/BCAÇ 2885 (Mansoa, 1969/71) - Parte XX: Os "djubis" de Mansabá

Guiné 61/74 - P26369: Humor de caserna (93): o guardador das vacas do Enxalé que violou... a bezerrinha do furriel enfermeiro (João Crisóstomo, ex.afl mil, CCAÇ 1439, Enxalé, Porto Gole e Missirá, 1965/67)

 



Guiné >  Zona Leste > Pel Caç Nat 54 > Enxalé > Agosto de 1966 >  Vacas compradas em Bissá, pelo comandante da CCAÇ 1439, cap Pires.

Foto (e legenda): © José António Viegas  (2012). Todos os direitos reservados. [Edição e legendagem complementar: Blogue Luís Graça & Camaradas da Guiné]




1. Mensagem do João Crisóstomo   [(foto abaixo à esquerda com a Vilma): (i) é um luso-americano, natural de Paradas, A-dos-Cunhados, Torres Vedras; (ii) conhecido ativista de causas que muito nos dizem, a todos nós, portugueses: Foz Côa, Timor Leste, Aristides Sousa Mendes; (iii) Régulo da Tabanca da Diáspora Lusófona, tendo sido alf mil, CCAÇ 1439 (Enxalé, Porto Gole e Missirá, 1965/67): (iv) vive desde 1975 em Nova Iorque, depois de ter passado por Inglaterra e Brasil; (v) é casado, em segundas núpcias, desde 2013, com a nossa amiga eslovena, Vilma Kracun; (v) tem mais de 250 referências no nosso blogue;  (vi) está aqui "atabancado" desde 26 de julho de 2010 (nº 432)].

 
Data - 9 jan 2025 02:40  

Assunto .- Humor de caserna

Caro Luís Graça,

Certos postes, uns mais que outros, como os teus recentes postes sob o tema "humor de caserna” (e dentre estes, sem desprimor para os outros, tenho de destacar os relacionados com os baseados nos feitos e vida do "alfero Cabral”) ocasionam sempre resultados por vezes inesperados. 

De repente vejo-me a reler (pela terceira ou quarta vez) as “Estórias Cabralianas”, ou outros livros que me tocam por dentro e por fora. E não é a primeira vez que isso sucede: neste caso porque Missirá foi quartel general para tantas “estórias" e histórias, esta tem-me levado a reler os livros do Beja Santos, o livro do Abel Rei, e outras fontes que me fazem vaguear por essas terras por onde também andei. 

Por acaso até mais cedo que a maior parte destes nossos camaradas: eu estive lá em 1965 a 1967 ; o José António Viegas, em 1966; o Abel Rei esteve em 1967/68; e o Beja Santos de 68/69, o Jorge Cabral, em 1970/71, o que me faz “sénior" senão na intensidade de experiências vividas, pelo menos na escala cronológica.

Mas desta vez a minha vagueação andou mais por Porto Gole e por Enxalé, sede da minha companhia, a  CCAÇ 1439. E comecei-me a lembrar de coisas que lá vivi, algumas delas más, mesmo muito más; e outras boas, algumas muito boas. Boas, no sentido de bom ambiente e camaradagem que lá experimentei. 


Vilma e João (2013)


Lembro que a nossa companhia era muito diversificada quanto a crenças, valores e costumes. E havia uma compreensão grande e aceitação por parte de todos das posições dos outros, mesmo que estas fossem completamente diferentes das suas. Eu verifiquei e experimentei isso várias vezes. 

 Mas entre as "outras boas” …"muito boas mesmo”, lembro-me de algumas que ainda hoje me fazem rir. Hoje de manhã foi uma destas ocasiões.

Estávamos a caminho do ginásio, que eu a Vilma frequentamos (ela pelo prazer da natação e sauna;  e eu porque a minha velhice exige exercícios terapêuticos aquáticos). 

 A Vilma, enfermeira de profissão, que agora,  além de ser minha esposa,    acumula os encargos de chofer, deu comigo a rir sózinho e perguntou-me qual a razão. 

Contei-lhe então que há poucos dias, nos vários telefonemas que fiz para dar um abraço de Boas Festas, vim a saber que alguns dos meus colegas na Guiné estão, como me sucede a mim, duma maneira ou outra experimentando os efeitos da idade. E que me veio à memória uma história engraçada de um deles, que por acaso até era o furriel enfermeiro da Companhia. E vi que a curiosidade dela, enfermeira, arrebitou imediatamente. Aqui vai a "estória" para a série... "Humor de caserna". JC

PS - A "cena" passa-se no Enxalé ( que a Vilma agora já "conhece", pelos contactos com camaradas e pelas muitas vezes que dele falo).


Humor de caserna > o guardador das vacas do Enxalé que violou... a bezerrinha do furriel enfermeiro

por João Crisóstomo 


O furriel enfermeiro da CCAÇ 1438, como profissional era extraordinário, com conhecimento práticos muito além dum simples enfermeiro, sendo-lhe creditado ter salvo a vida a vários camaradas que,  se não fora os seus vastos conhecimentos de enfermagem (até de operações cirúrgicas de emergência não tinha medo), teriam perecido  ("lerpado") mesmo antes da chegada dos helicópteros. 

Como homem,  era muito calmo, sem grandes exuberâncias, aparentemente introvertido, mas sempre amigo de toda a gente e, como tal,  respeitado por todos. Nunca da sua boca se ouvia uma palavra menos respeitosa.

No Enxalé havia um terreno onde se cultivavam vegetais para suprir a sua muita falta na cozinha. Outras faltas tentavam-se solucionar, comprando galinhas e mesmo vacas nas tabancas vizinhas.

 O nosso capitão Pires fazia questão de ser ele a  negociociar quando se tratava de comprar vacas, ou bezerras, que geralmente eram compradas na tabanca dos balantas na região de Bissá. E nestas ocasiões fazia-se acompanhar pelo furriel enfermeiro. Não sei se este era o encarregado do tal terreno para cultivo de vegetais e do cuidado das vacas por nomeação ou se ele mesmo se tinha oferecido para essa tarefa. 

A verdade é que se notava que o fazia com prazer, com todos os cuidados para que as suas vacas pudessem pastar à vontade e até fossem protegidas do calor e outras intempéries quando elas sucediam.

Depois da "ida à feira",    por vezes sucedia haver 3 ou mais vacas no Enxalé ao nosso cuidado. E era frequente ver o nosso enfermeiro tratando as suas vacas,  parecia mesmo  com compaixão, sobretudo para com as mais jovens, sabendo do destino que as esperava.

Para isso ele tinha como ajudante um rapaz dos seus 14 ou 15 anos que havia sido capturado aos "turras" e agora “pertencia” à nossa companhia.

Lembro uma dessas ocasiões em que haviam duas vacas na altura,  no Enxalé. Um dia, não me lembro quantos éramos , mas sei que eu e o tal furriel enfermeiro fazíamos parte dos muitos, próximos ou junto ao bar , uns fumando e cavaqueando, outros, como eu, bebendo a nossa cerveja Cristal ou outras libações. 

 E como sucedia frequentemente veio à baila, na conversa entre o pessoal, o assunto  das bajudas, lavadeiras, e suas relações com o pessoal.  E foi então que um soldado que acabara de fazer o seu turno de sentinela,   se saiu com o inesperado: que "o rapaz,  o ajudante na lida e cuidado das vacas, com certeza ainda não tinha conseguido bajuda própria, pois ele o tinha visto a descarregar a sua tensão de jovem frustrado, montado num das vacas ao seu cuidado.”

A reação foi uma risada pela maior parte dos que ouviram o acontecido. Outros pareceram prestar pouca atenção; entre estes o nosso enfermeiro, mas, que de repente, como que a despertar dum sonho, perguntou num súbito berro : 

  Qual delas , qual delas ?!...

E ao ouvir que a sua bezerrinha de estimação tinha perdido a virgindade e sido ela o objeto da predileção do seu ajudante, o nosso pacato enfermeiro, correndo e rugindo de raiva, gritava : 

– Ai seu filho da p*ta, seu grandessíssino c*br*o,  que te vou matar!!!...

João Crisóstomo

(Seleção, revisão / fixação de texto, negritos, título: LG)

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7 de janeiro de 2025 > Guiné 61/74 - P26357: Humor de caserna (92): "Então a senhora não me conhece ?!...Foi-me buscar a Bambadinca quando eu fui ferido!"... (Maria Arminda Santos, ex-ten grad enfermeira paraquedista, FAP, 1961/70)

quinta-feira, 9 de janeiro de 2025

Guiné 61/74 - P26368: O nosso blogue em números (104): O nº de novos membros da Tabanca Grande tem vindo a abrandar desde a pandemia: somos agora 896



Infrografia: Blogue Luís Graça & Camaradas da Guiné (2025)


1. Mais dados estatísticos sobre o nosso blogue (*): em 2024 entraram 14 
 novos membros para a Tabanca Grande, quatro dos quais a título póstumo.

Passámos de 882 (em 2023)  para 896 (Gráfico nº 8) não conseguindo atingir o "pico da montanha" (que eram os 900).
 
Em relação à entrada de novos membros, chamamos  a atenção para o facto de a média anual. nos últimos quatro anos (2021-2024) estar  agora nos 10.   
 
 Aqui vai a lista dos novos membros, entrados em 2024, por ordem cronológica de entrada (entre parênteses o número de grão-tabanqueiro) (n=14):

  • Alberto Pires ("Teco) (883)
  • Humberto Trgo de Bordalo Xavier (884)(*)
  • Vctor Carvalho (885)
  • Rui Chamusco (886)
  • José Cuidado da Silva (887)
  • Otacílio Luz Henriques (888)
  • Carlos Parente (889)
  • José Álvaro Carvalho (890)
  • Aurélio Trindade (891) (*)
  • Elisabete Silva (892) (*) 
  • Eugénio Ferreira (893)
  • António Galinha Dias (894)
  • José Manuel Amaral Soares (895) (*)
  • Jorge Pedro (896).
(*) a título póstumo

Já lá vai o tempo em que o  número de membros da nossa Tabanca Grande  crescia, com regularidade, a uma méda de 4 por mês, ou seja, quase um por semana... Éramos:
  • 111, em junho de 2006;
  • 390 em 2009;
  • 595 em 2012;
  • 710 em 2015;
  • 731 (em 2016): 
  • 765 (em 2017):
  • 783 (em 2018);
  • 800 (em 2019);
  • 824 (em 2020).
Depois o ritmo começou a abrandar (Gráfico nº 8 ), o que é compreensível face ao duplo processo de envelhecimento (para além da pandemia que deixou sequelas):
  • do nosso blogue (que fez 20 anos em 23/4/2024);
  • e do "público-alvo" a que se dirige, os combatentes da guerra colonial / guerra do ultramar na Guiné (1961/74)...

Uma das sequelas da pandemia foi a interrupção do Encontro Nacional da Tabanca Grande, que era também uma das vias de recrutamento de novos tabanqueiros. O último que se realizou foi justamente o XIV Encontro Nacional, em 25 de maio de 2019. E o primeiro em 2006. Será que vamos ter "genica" para preparar o próximo, o XV ?

(Continua)
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Nota do editor:

(*) Último poste da série > 12 de janeiro de 2024 > 8 de janeiro de 2025 > Guiné 61/74 - P26360: O nosso blogue em números (103): De 2010 a 2024, o Chrome (45%) estava à frente dos navegadores, e o Wndows (68 %) à frente dos sistemas operativos...Cerca de 12% dos acessos ao blogue eram feitos por telemóvel e smartphone

Guiné 61/74 - P26367: Álbum fotográfico de João Moreira (ex-Fur Mil Cav da CCAV 2721 - Olossato e Nhacra, 1970/72) (10)

Foto 75 > Julho de 1970 > Olossato > Olossato. Helicóptero para um pelotão treinar a entrada e a saída dos helis, na operação helitransportada que iam fazer no dia seguinte.
Foto 76 > Julho de 1970 > Olossato > Furriéis João Moreira e Silva (Transmissões)
Foto 77 > Julho de 1970 > Olossato > Furriéis Silva, João Moreira e Pereira (2.º grupo de combate)
Foto 78 > Julho de 1970 > Olossato > Dia da Cavalaria > Parada Militar > Furriéis Moreira, Ramalho e Justino, e os soldados do 4.º grupo de combate.
Foto 79 > Julho de 1970 > Olossato > Dia da Cavalaria > Parada Militar > 1.º pelotão, furriel Branco, alferes Salgado, tenente coronel de Bissorã, (?) e capitão Tomé.
Foto 80 > Julho de 1970 > Olossato > Dia da Cavalaria > Parada militar
Foto 81 > Julho de 1970 > Olossato > Dia da Cavalaria > Parada militar
Foto 82 > Julho de 1970 > Olossato > Dia da Cavalaria > Parada Militar > Alferes Silva, Furriel João Moreira e os sodados do 4.º grupo de combate.

(continua)

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Nota do editor

Último post da série de 2 de janeiro de 2025 > Guiné 61/74 - P26334: Álbum fotográfico de João Moreira (ex-Fur Mil Cav da CCAV 2721 - Olossato e Nhacra, 1970/72) (9)

Guiné 61/74 - P26366: "Dia da Consciência e o Humanismo Universalista Lusófono Em Aristides de Sousa Medes e Luís Souza Dantas” (Pe. Vitor Melícias, OFM, novo membro da Academia Internacional da Cultura Portuguesa)



1. 
Tomada de Posse do 
Padre Vítor Melícias, OFM,  como Académico de Número, Academia Internacional da Cultura Portuguesa, Lisboa,  12 de dezembro de 2024.


Realizou-se no passado dia 12 de dezembro, às 17h00, na sede da AICP - Academia Internacional da Cultura Portuguesa,sita na Sociedade de Geografia de Lisboa, a tomada de posse do  Padre Dr. Vítor Melícias, como Académico de Número.

Em representação do João Crisóstomo e do nosso blogue, esteve presente o nosso grão-tabanqueiro Joaquim Pinto Carvalho.

O novo académico proferiu, na ocasião,  uma conferência cujo texto passamos a reproduzir (cortesia sua e do João Crisóstomo): 



Lisboa, AICP, 12 de dezembro de 2024 > O Pe. Vit0r Melícias e o Dr. Joaquim Pinto de Carvalho

Foto (e legenda): © Joaquim Pinto de Carvalho (2024). Todos os direitos reservados [Edição e legendagem complementar: Blogue Luís Graça & Camaradas da Guine]


“Dia da Consciência e o Humanismo Universalista Lusófono Em Aristides de Sousa Medes e Luís Souza Dantas”

por Vítor Melícias



“Buona sera, buona gente”. Com estas palavras saudava S. Francisco de Assis as pessoas que algures o acolhiam.

Com a mesma saudação, Boa tarde a todos vós, gente boa e amiga. Bem-vindos.


-Senhora Presidente e estimada Profª Doutora Maria Regina

-Ilustríssima Mesa

-Caros e eminentes Académicos

-Caro amigo e irmão Fr. Silvestre Ministro Provincial dos Franciscanos Portugueses e demais irmãos franciscanos aqui presentes

-Caros Presidentes nacionais dos Bombeiros, das Misericórdias, do Montepio e outros Altos dirigentes da Economia Social e do Mutualismo

-Caros Representantes da Fundação, da Comissão do Dia da Consciência e de outros organismos ligados a Aristides de Sousa Mendes

-Meus caros familiares, conterrâneos e demais amigos

-Senhor Embaixador em representação da CPLP

E, permitam-me, em menção muito especial, the last but not the least:

-Caro David Godorovitch e outros membros das comunidades judaicas portuguesa e brasileira

- Caríssimo irmão e amigo D. José Rodriguez Carballo, ilustre Académico Correspondente da nossa Academia, Arcebispo de Mérida e Badajoz, ex-Ministro Geral da Ordem Franciscana. A vossa presença honra-me muito e dignifica assás a nossa comum Academia.

A todos, também como franciscano, começo por saudar com as palavras com que S. Francisco mandou os seus frades saudarem dizendo “Il Signore vì dia Pace”, “O Senhor vos dê Paz”, aquela paz serena e confortante dos que, em bom espírito, se reúnem por boas causas.

É, de facto, em bom espírito e por boas causas que aqui estamos e que, antes de mais, desejo agradecer, bem cá do fundo do coração, a V. Excia, Senhora Presidente, e ao osso muito ilustre Conselho Académico pela subida, ainda que por mim imerecida, honra de passar a integrar o núcleo institucional dos Académicos de Número da nossa prestigiada e prestigiante Academia.

Como muitas vezes digo em idênticas circunstâncias, quanto menos mereço mais agradeço. Bem hajam.

Em primeiro lugar, seguindo o espírito e a letra dos Estatutos desta nossa Academia, desejo homenagear e enaltecer os que me precederam nesta cátedra, que tanto dignificaram.

Evocá-los neste momento de entrada para o lugar que nos deixaram é confirmá-los na galeria de eternidade dos que da lei da morte se foram libertando e na memória sem empo se vão perpetuando. Honra e glória a todos eles. Perpétua memória aos seus nomes.

Ao ponderar de entre os vários temas que melhor pudessem corresponder à identidade e originária vocação pro-cultural da nossa Academia, acabei por escolher, em contexto de comemoração do 70º aniversário das suas mortes, quase simultâneas, evocar aqui as históricas e corajosas opções de consciência de Aristides de Sousa Mendes e de Luís de Souza Dantas, dois dos símbolos maiores do humanismo identitário da cultura lusófona e, por isso, inspiradores do Dia Mundial da Consciência.

Daí, e também em sentido de homenagem, o ter intitulado e contextualizado esta minha primeira comunicação de Académico de Número como “Dia da Consciência e Humanismo Universalista Lusófono em Aristides de Sousa Mendes e Luís Souza Dantas”.

Como é de universal conhecimento, por proposta de Reino de Barém no seguimento do Congresso Internacional sobre a Paz e  a Mente dos Homens, organizado pela UNESCO na Costa do Marfim em 1989, a Assembleia Geral da Nações Unidas decretou, pela Resolução 73/329 de 25 de julho de 2019, que o dia 5 de abril de cada ano fosse celebrado
como “Dia Mundial da Consciência” com o expresso objetivo de “mobilizar os esforços da comunidade nternacional para promover a paz, tolerância, inclusão, entendimento e solidariedade em ordem a construir um mundo de paz, solidariedade e harmonia”.

Após a primeira celebração em 6 de abril de 2020 na sede da ONU em Nova York, o Dia passou, logo no ano seguinte, a ser celebrado na sede da UNESCO em Paris no âmbito da semana que incluísse o dia 5 de abril e, já em 2024, nas instalações da ONU em Genève com ressonância, aliás, muito reduzida.

Ora acontece que, precisamente 20 anos antes, em Nova York um grupo de membros da comunidade portuguesa aí residente, em direta ligação com a Igreja Católica e a Comunidade Judaica e mobilizados por João Crisóstomo, nosso conterrâneo torriense há muito radicado nos Estados Unidos, intrépido promotor de Grandes Causas ligadas a Portugal, como a defesa das Gravuras do Vale do Coa, o apoio político e humanitário à independência de Timor-Leste e, com grande afinco, à reabilitação de Aristides de Sousa Mendes, tinham já lançado um movimento a nível mundial precisamente com a designação de “Dia da
Consciência”, em homenagem e promoção dos valores de humanismo universalista pelos quais o diplomata Aristides de Sousa Mendes, para salvar vidas inocentes e invocando “deveres de consciência”, desobedecera às normas então em vigor e aos seus legítimos superiores, designadamente a Oliveira Salazar, que ao tempo era simultaneamente Presidente do Conselho de Ministros e Ministro dos Negócios Estrangeiros, chegando mesmo a dizer publicamente “não
participo em chacinas, por isso desobedeço a Salazar”.

Esse movimento, que se iniciara, desde logo, com a bênção e patrocínio do Cardeal Renato Martini, Observador Permanente da Santa Sé junto da ONU, recentemente falecido, assentava na promoção de celebrações
eucarísticas em sés catedrais e outros destacados locais de culto católico ou em celebrações culturais e religiosas em sinagogas judaicas de algum modo acessíveis através, nomeadamente, da Fundação Raoul Wallenberg, da qual, aliás, João Crisóstomo era e é Vice-Presidente e da qual, por proposta sua, foram admitidos como “Honorary Members” António Guterres, Jorge Sampaio e eu mesmo.

Celebrado todos os anos a 17 de junho, data em que o cônsul Aristides de Sousa Mendes entrou a conceder, em frenesi de ato salvador, passaportes e visas “a todos os que precisem”, o Dia da Consciência de âmbito judaico-cristão foi-se expandindo gradualmente com o apoio e
direta participação de personalidades tão eminentes como o Cardeal Pietro Parolin, Secretário de Estado do Vaticano, o Cardeal Cláudio Hummes, franciscano meu colega de estudos em Roma e grande amigo do Papa Francisco, que foi aquele que no momento da eleição papal lhe disse “não te esqueças dos pobres”, ou, em Portugal, do Cardeal Manuel Clemente e do seu bispo auxiliar D. Tomás Nunes, que Deus tenha, de D. Serafim Ferreira da Silva, D. António Montes Moreira e tantos outros. 

Eu mesmo recebi e conservo com muito carinho uma carta oficial de John Paul Abranches, filho de Aristides de Sousa Mendes, que, na qualidade de International Chairman do “International Committee to Commemorate Dr. Aristides de Sousa Mendes”, ao agradecer a minha participação nas iniciativas dessa Comissão ou Comité, me escreveu em inglês no dia 30 de maio de 1995: 

“You are the first member of the clergy in Portugal to publically acknowledge the actions of this Portuguese hero of conscience”.

O facto é que foi de tal maneira persistente e eficaz o empenhamento de João Crisóstomo e seus amigos colaboradores na promoção deste Dia da Consciência ligado a Aristides de Sousa Mendes e, ultimamente,
também ao eminente diplomata brasileiro Luís Souza Dantas, que, com surpresa geral, o Papa Francisco na sua Audiência Geral de 17 de junho de 2020 evocou (cito) o “Dia da Consciência, inspirado no testemunho do diplomata português Aristides de Sousa Mendes que, oitenta anos
atrás, decidiu seguir a voz da consciência e salvou a vida de milhares de judeus e outros perseguidos”.

Entusiasmado com este inequívoco apoio e a sua dimensão universalista, João Crisóstomo e os seus mais diretos colaboradores, vencendo algumas compreensíveis resistências à mudança devidas ao receio de que se desvirtuasse a original ligação a Sousa Mendes e ao Holocausto e ao 17 de junho, data mais expressiva da sua corajosa ação, decidiram que (cito literalmente o que ele escreveu em carta ao Cardeal
Parolin) o Dia da Consciência “embora baseado no testemunho de Aristides de Sousa Mendes, em 17 de junho de 1940, será celebrado a partir de agora na mesma semana em que as Nações Unidas celebram o seu ‘Dia Internacional da Consciência’ para evitar qualquer ideia,
mesmo involuntária, de competição e proselitismo, como disse um ilustre diplomata português”.

Como, entretanto, se processava no Brasil a reabilitação de Luís de Souza Dantas, eminente Embaixador do Brasil em França e um dos mais prestigiados diplomatas brasileiros de todos os tempos, o qual evocando, como Sousa Mendes, motivos “de consciência e humanidade” salvara também centenas de vidas de judeus e outros fugitivos do
nazismo e dos seus campos de concentração, em muito boa hora os promotores do Dia da Consciência decidiram estendê-lo ao mundo lusófono e celebrar a 5 de abril o único e universal Dia Mundial da Consciência, mas concentrando as celebrações na específica evocação dos ideais e motivações humanistas tanto de Sousa Mendes e Souza Dantas bem como de todos os que, brasileiros, portugueses ou de qualquer outra fonte lusófona, defenderam e salvaram vidas e se guiaram pelos mesmos critérios de humanidade e consciência como Teixeira Branquinho, Sampaio Garrido, P. Joaquim Carreira
e tantos outros, cujos feitos e nomes se perderam na clandestinidade dos seus atos ou no esquecimento coletivo como, por mero exemplo, Frei Rafael dos Santos, irmão leigo franciscano natural do Vilar, Torres Vedras, o qual, como eu mesmo ouvir de sua própria boca, escondeu,
alimentou e confortou dezenas de famílias judaicas nos extensos sótãos do Colégio Internacional, hoje Universidade, “Antonianum”, na Via Merulana, em Roma, onde, aliás me formei em direito canónico e ele esteve por muitos anos ao serviço da Ordem, situação que só era
conhecida do Superior da casa e de dois outros irmãos que com ele tinham acesso clandestino aos sótãos.

De entre todos sobressaem os dois que estou hoje aqui a homenagear, ambos “Justos entre as Nações”, que, como eferiu o Papa Francisco a propósito de Sousa Mendes em mensagem enviada à inauguração do Museu Sousa Mendes, na sua Casa do Passal, em Cabanas, eram
“homens peritos em humanidade”.

Dois peritos em humanidade, dois modelos de humanismo.

Comecemos por Sousa Mendes.

Votado, por largas décadas, ao mais profundo e intencional esquecimento imposto por vontade e expressas diligências de Salazar e do seu regime, os quais, além da demissão, assim o pretendiam castigar por desobediência, Aristides de Sousa Mendes e a sua obra, recuperadas por ação das liberdades de abril, são hoje plenamente reconhecidas sobretudo em Portugal, no mundo lusófono e na comunidade judaica mundial. 

Assim, tem desde 3 de julho de 2020 honras de Panteão Nacional, tendo também sido condecorado a título póstumo com a Grã-Cruz de Cristo em 1995, a Grã-Cruz da Liberdade em 2016 e a Grã-Cruz do Mérito e declarado, em 1966 , “Justo entre as Nações” pelo Yad Ashem e Museu do Holocausto em Jerusalém, continuando ainda a merecer, como reabilitação a nível mundial, as mais variadas celebrações e altas referências, incluindo uma Fundação e Museu com o seu nome e ainda nomes de ruas, praças e monumentos, biografias, teses e publicações e representações várias.

Não carece, pois, nem se justificaria, que aqui evoquemos todos os passos e feitos da sua vida, pelo que referirei apenas os essenciais para enquadrar o sentido de humanismo com que, por expresso imperativo de consciência e contrariando sucessivas ordens dos seus superiores hierárquicos, ele salvou de modo heróico dezenas de milhares (fala-se mesmo em cerca de 30.000) de vidas de judeus e outros perseguidos pelo nazismo.

Nascido em 19 de julho de 1885 em Cabanas de Viriato, Carregal do Sal, no seio de uma família profundamente católica e de formação franciscana, licenciou-se em Direito na Universidade de Coimbra ao mesmo tempo que seu irmão gémeo, César, tendo depois, tal como seu irmão, entrado na carreira diplomática, onde exerceu as funções
de Cônsul em Zanzibar, Brasil, Espanha, Estados Unidos, Bélgica e, a partir de 1938, em Bordéus.

Neste último Consulado Geral, acorrendo a Bordéus multidões de refugiados das perseguições e campos de concentração nazis, Sousa Mendes, apesar de adoentado, com a ajuda dos filhos e sobrinhos e do Rabino Jacob Kruger, que teria conhecido em Antuérpia e agora
reencontrara numa rua em Bordéus, principalmente nos três dias e três noites de 18, 19 e 20 de junho de 1940, aos milhares carimbou passaportes e passou vistos, dizendo em certo momento, no meio do terror e emoção generalizada entre os requisitantes, “a partir de agora, darei vistos a toda gente; já não há nacionalidade, nem raça
nem religião”. 

Isto é humanismo universalista.

Alertado de que estaria a contrariar e desobedecer a expressas e repetidas orientações governamentais, respondeu “Se há que desobedecer, prefiro que seja a uma ordem dos homens do que a uma ordem de Deus”. 

Isto é a reta consciência a funcionar.

Apesar de lhe terem sido enviadas ordens expressas e funcionários governamentais, incluindo o poderoso Embaixador Teotónio Pereira, para o dissuadir e conter, o corajoso Cônsul, movido por intenso ardor humanitário continuou a passar vistos e carimbar passaportes. E mais:
tendo-lhe chegado a informação de que Espanha ia recusar a entrada e passagem destes refugiados, com a sua própria viatura conduziu uma coluna de veículos de refugiados até à fronteira franco-espanhola, conseguindo fazê-los passar. 

Isto é a determinação a seguir a consciência.

Perante isto e sob as pressões mais variadas, foi compulsivamente exonerado e mandado regressar ao país. Aí começou um calvário de castigos e marginalizações que o reduziram à mais profunda pobreza. Tendo morrido sua mulher Angelina, os filhos para sobreviver foram forçados, porventura com auxílio de alguns familiares ou amigos de
seu pai, a emigrar para os Estados Unidos e Canadá, de modo que, após um largo processo persecutório e punitivo, veio a morrer só e abandonado, como na altura escreveu sua sobrinha, único familiar que o acompanhou na morte:

“Lisboa, 3 de Abril de 1954. Estou no Hospital da Ordem Terceira, na Rua Serpa Pinto. O meu tio, Aristides de Sousa Mendes, acaba de falecer, trombose cerebral agravada por pneumonia. A sua esposa, a minha tia Angelina, morreu em 1948 com uma hemorragia cerebral e
ficou vários meses em coma, coitada.

"Todos os seus filhos, meus primos, vivem hoje nos Estados Unidos e Canadá, conseguiram escapar a tempo do purgatório… Sou a única familiar presente. O meu tio era um homem bom sempre a pensar nos outros. É por isso que morreu pobre e desonrado”.


Foi sepultado com hábito franciscano, provavelmente escapulário e cordão da Ordem Terceira de S. Francisco, da qual era membro, tal como seu irmão gémeo César, que foi Ministro desta Ordem Terceira então ainda existente em Cabanas.

Este verdadeiro herói, português, cristão e franciscano, “Justo entre as Nações”, que em determinado momento dissera “Como pode a minha consciência estar tranquila quando penso que tantas pessoas estão a sofrer e a morrer?”, em peças dos processos disciplinares, com que Salazar e o regime o perseguiram, sempre se defendeu com o
argumento de que agira por “dever de consciência de cristão e bom português”.

E, claro, acrescento eu, também de bom irmão terceiro franciscano, que ele era, cuja Regra, ao seu Capítulo II, nº 5,  determina que os Irmãos 
“Estejam sempre presentes com o testemunho da sua vida humana e também com iniciativas corajosas, quer individuais quer comunitárias, na promoção da justiça, principalmente no âmbito da vida pública, comprometendo-se com opções concretas e coerentes com a sua fé”, designadamente, obedecendo sempre aos seus superiores “a não ser que as suas ordens sejam contra a nossa alma e a nossa Regra”, norma
fundamental do franciscanismo deixada pelo próprio S. Francisco no texto da sua Regra dos Frades Menores. Um franciscano deve obedecer sempre, exceto por razões de consciência.

Assim, por exemplo, no processo disciplinar, arquivado no Arquivo Histórico -Diplomático do MNE, Sousa Mendes disse: “a minha atitude inspirada única e exclusivamente nos sentimentos de altruísmo e de generosidade de que os portugueses, através dos seus oito séculos de história, soubemos tantas vezes dar provas eloquentes e que tanto
ilustram os nossos feitos históricos”.

Isto é o “Humanismo Universalista dos Portugueses” que Jaime Cortesão escolheu como título da sua bem conhecida obra.

Em razão desse seu comportamento humanitário bem merece ser -e de facto já é- reconhecido como símbolo e modelo de humanismo, dever máximo da consciência universal, que o Dia Mundial, a partir de agora, celebra a 5 de abril.




Cartaz do Convite, em inglês, para a celebração de dois grandes humanistas, os diplomatas, o português Sousa Mendes e o brasileiro Sousa Dantas, por ocasião dos 70 anos das suas mortes, e da sua acção em defesa das vítimas de perseguição na II Grande Guerra. Uma iniciativa do Comité do Dia da Consciência, Missão Permanente de Portugal nas Nações Unidas, Igreja Eslovena de São Ciro, Fundação Internacional Raoul Wallenberg e Fundação Sousa Mendes. A cerimónia realizou.se no passado dia 7 de abril de 2024, em Nova Iorque (*)

Foto (e legenda): © João Crisóstomo (2024). Todos os direitos reservados [Edição e legendagem complementar: Blogue Luís Graça & Camaradas da Guine]



Evoquemos então, ainda que ligeiramente, Souza Dantas:

De entre outros heróis que, por dever de consciência e não raro desobedecendo a explícitas ordens superiores, salvaram milhares de judeus e outros perseguidos pelo nazismo, destaca-se o eminente Embaixador brasileiro Luís de Souza Dantas, que, mais recentemente do que Aristides, foi também ele resgatado do olvido imposto pelos
poderes políticos no seu jogo de interesses e artes da diplomacia.

No seguimento da aprofundada investigação de Fábio Koifman, nosso académico correspondente já eleito ainda não empossado, autor do grosso volume “Quixote nas Trevas – O embaixador Dantas e os refugiados do nazismo” e de “Two Diplomats and People in Need” (Sousa Dantas e Raoul Wallenberg) bem como do direto envolvimento (após contato pessoal de João Crisóstomo em Nova York) do então Presidente Fernando Henriques Cardoso, Sousa Dantas, em 10 de dezembro de 2003 foi, tal como Sousa Mendes, reabilitado no Brasil e consagrado pelo Yashem “Justo entre as Nações” com lugar próprio no
Jardim do Holocausto em Jerusalém e passou a integrar a galeria dos “Heróis da Consciência” no mundo da lusofonia.

A própria Comissão que, a partir dos Estados Unidos, promovia o Dia lusófono da Consciência (17 de junho) passou, a partir de 2004, a associá-lo a Aristides de Sousa Mendes nas respetivas celebrações com a constatação da impressionante coincidência de circunstâncias, que João Crisóstomo, emérito aristidesista e, de certo modo pai, do Dia lusófono da Consciência, descreve assim, a páginas 25 do seu “O Papel das Comunidades Luso-Americanas no Reconhecimento de Aristides de Sousa Mendes”:

“É impressionante o quanto estes dois humanistas têm em comum: Os dois têm como língua materna a língua portuguesa. Ambos seguiram a vida diplomática e ambos se encontraram em França, quase vizinhos, no desencadear da WWII. 

"Ambos tomaram a decisão de desobedecer aos mandatos errados dos seus governos para seguir a voz das suas consciências, salvando
indivíduos perseguidos pelo terror nazi. E ambos, aparentemente mesmo sem se conhecerem, vão declarar mais tarde durante os processos disciplinares de que vão ser vítimas, ter sido o dever de “seguir a sua consciência de cristãos”, a razão do seu proceder. 

"E como que para selar todas estas 'irmandades' os dois vêm a morrer no mesmo mês e no mesmo ano, a escassos dias um do outro: Aristides de Sousa Mendes morreu a 3 de abril e Luís Martins de Sousa Dantas duas semanas depois, a 16 de abril de 1954”.

De Sousa Dantas e da sua vida e obra ímpar em favor da liberdade de consciência e do mais profundo humanismo universalista certamente nos falará Fábio Koifman na sua comunicação de posse nesta sua e nossa Academia, pelo que aqui e agora me limito a transcrever duas das múltiplas frases lapidares com que, em processos disciplinares por
causa delas, Dantas justificou as suas corajosas opções.

Assim, em telegramas oficiais ao seu Ministro Aranha, referindo-se ao “internamento em campos de concentração comparáveis ao inferno de Dante”, Souza Dantas evoca a “generosidade da alma brasileira” como justificação para “continuar a passar visas livres de encargos para sair de França” (onde eram horrivelmente perseguidos), e ainda:

“Eu fiz o que faria o mais frio de coração, com a nobreza de alma dos Brasileiros, movido pelos mais elementares sentimentos de piedade Cristã”.

Esta “alma dos brasileiros” é, na verdade, aquela “alma”, “alma portuguesa repartida pelo mundo” de que nos falava amões e que, muito para além dos interesses políticos e económicos, é hoje partilhada na troca de princípios e valores comuns entre os vários intervenientes do grande e permanente “encontro de povos, culturas e crenças diferentes”, a que, em razão do muito que têm de comum,
chamamos lusofonia.

Como escreveu o nosso já clássico Eduardo Lourenço no seu precioso texto “Repensar a Lusofonia” incluído no vol. IV das suas Obras Completas, embora “talvez a muitos apareça inviável,”, “este sonho universalista”, “esse continente imaterial que é a lusofonia” (Nau de Ícaro, 174) é possível, mas “só o aprenderemos a fundo no convívio,
no contato e, quanto possível, na comunhão daqueles (povos e gentes) que quisemos ensinar e que, por sua vez, nos ensinaram e nos recriaram. É uma empresa futurante esta, endereçada à redefinição de nós mesmos no horizonte do mundo lusófono, que nos compreende e nos ultrapassa, e não na revisitação nostálgica de um passado de muitas cicatrizes”. Empresa, diz ele, que “apetecia tutelar pela mais lusófona das vozes, a voz imensa, acusadora e ecuménica de António Vieira”.



Eis porque escolhi por tema desta minha intervenção de caráter institucional a convicção pessoal de que o lusófono humanismo universalista, gerado na fé e marcado de franciscanismo, do qual Aristides e Dantas são testemunho repleto de atualidade.

Sim. Homens como estes precisam-se. Hoje talvez mais que nunca. Os valores, princípios e causas, que regeram as suas corajosas opções não podem perder-se.

A cultura do humanismo, da solidariedade sem barreiras nem fronteiras e a fidelidade à consciência têm de se recuperar, corrigindo a desvairada globalização dominante de interesses e individualismos opostos aos valores da consciência e do universalismo humanista.


Por isso, me congratulo com a feliz decisão de, a partir do próximo ano, passarmos a celebrar o nosso Dia da Consciência na mesma data, objetivos e contexto do Dia Mundial proclamado pelas Nações Unidas, assim evitando duplicações e separatismos, mas permitindo-nos “lusofonizar” (desculpem o atrevimento do neologismo) a celebração do único e universal “Dia da Consciência” com acento tónico nos valores ancestrais identitários da nossa cultura humanista e na evocação dos nossos “heróis da consciência”.

De facto, a própria Resolução 73/329 da Assembleia Geral das Nações Unidas, que o criou, estabelece que a celebração e objetivos do Dia se realizem, (cito) “de acordo com a cultura e com outras circunstâncias ou costumes adequados às suas comunidades locais, nacionais e regionais, sobretudo por meio de uma educação de qualidade e de atividades de sensibilização do público”.


É essa intenção que cada vez mais justifica que Portugal, o Brasil e demais Países-Irmãos da CPLP, evocando esses heróis e revitalizando a sua comum cultura identitária de humanismo universalista, façam que aquela partilhada cultura, que da camoniana “saudade para além dos mares” fez “sodade, sodade dess ‘nha terra San Niclau” seja agora por eles partilhada como vigoroso instrumento de Paz.

Do mesmo modo, sendo a nossa Academia, “instituição de índole cultural”, cuja finalidade fundacional e estatutária é (cito) salvaguardar e promover “as tradições e padrões culturais portugueses no estrangeiro e a identificação e estudo das comunidades filiadas na cultura portuguesa radicadas fora de Portugal” é natural e altamente desejável que assuma o “Dia lusófono da Consciência” como lógico e
envolvente instrumento de portugalidade em lusofonia e, portanto, do humanismo universalista como padrão identitário da cultura lusófona.


Por isso, e a terminar, permitam-me, Senhora Presidente e caros Confrades Académicos, a ousadia de sugerir (que não me sinto com autoridade para propor) que o próximo dia 3 de abril de 2025 seja aqui celebrado como “Dia da Consciência” com convite para vir tomar posse e apresentar a sua inerente comunicação o nosso Académico Correspondente brasileiro Fávio Koifman.

É mera sugestão, claro. Mas oxalá seja compreendida e aceite. OBRIGADO.

Bem hajam todos pela vossa presença e paciência.

Viva o Brasil de Souza Dantas.

Viva Portugal de Sousa Mendes.

Vivam a Lusofonia e a nossa Academia.


P. Vítor Melícias,

OFM

(Revisão / fixação de texto, para efeitos de publicação neste blogue: LG) 
(Com a devida vénia ao autor...)

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Nota do editor:

(*) Vd. poste de 4 de abril de 2024 > Guiné 61/74 - P25338: Tabanca da Diáspora Lusófona (23): Nova Iorque, Igreja Eslovena de São Ciro, domingo, 7 de abril: recordando e cebrando os 70 anos da morte de dois grandes diplomatas e humanistas do tempo da II Grande Guerra, o português Sousa Mendes, e o brasileiro Sousa Dantas (João Crisóstomo)