quarta-feira, 30 de março de 2016

Guiné 63/74 - P15917: Os nossos seres, saberes e lazeres (146): O ventre de Tomar (10) (Mário Beja Santos)

1. Mensagem do nosso camarada Mário Beja Santos (ex-Alf Mil, CMDT do Pel Caç Nat 52, Missirá e Bambadinca, 1968/70), com data de 11 de Março de 2016:

Queridos amigos,
Não há bem que sempre dure, temo que este meu enfeitiçamento não gere forçosamente o vosso. Mas viajar assim é fácil, por aqui há pedras antiquíssimas, aqueles senhores da Dinastia de Avis descobriram um erário opulento com aquela Ordem do Templo transformada em Ordem de Cristo. Não escondo a satisfação que me dá bater a estas portas todas, regra-geral bem acolhido.
Aqui há uns tempos entrei num pequeno comércio filatélico e o empresário, pressuroso, explicou-me que não havia hipótese de tirar fotografias, havia que esperar por uma exposição que ele estava a preparar de postais raros. Agradeci e prometi voltar. Entretanto, mostrou-me o novo estabelecimento, com uma bela moldura manuelina. Eu depois dou notícias, assim dá gosto viajar, o que não se recebe hoje fica em carteira para amanhã.

Um abraço do
Mário


O ventre de Tomar (10)

Beja Santos

Qualquer deambulação pode atingir as proporções de uma viagem. Entramos numa rua ou paramos numa praceta e o acaso permite encontros, descobertas, um olhar refrescado. Pode dar-se a circunstância de termos o tempo a favor, interlocutores disponíveis, lugares prazenteiros… E então viajamos espiritualmente, arrumamos imagens na nossa razão, damos-lhes as justificações que entendemos. Quando arremeto nestas peregrinações vou preparado para tudo, levo o passo ligeiro, a disciplina de deixar o olhar esvoaçar do telhado ao solo, bato a portas onde já bati muitas vezes só para dar os bons dias ou as boas tardes. E não é incomum nessa rotina ter acasos felizes, poderá estar mesmo a acontecer que ganhei familiaridade para ver as diferenças entre a manhã e tarde, de acordo com as estações do ano, com a cabeça leve ou carregada, pronto para o imprevisto, é esta a melhor contabilidade para o estado de espírito de querer aceitar o que é belo e que acidentalmente nos passa à margem.




Começo o dia ali para o lado dos Estaus, há motoristas em amena conversa, tendo profundo um fontanário que não jorra água. Atravesso a rua e entre num ambiente orientalizante, pedras semipreciosas, panos, bijuteria, muito provavelmente estou na Índia ou no Sri Lanka, imagino odores de incenso, imagino que há mulheres acocoradas nas ruas de Mumbai a fazer desenhos, imagino o cheiro das chamuças acabadas de fritar, deleita-me a paleta de cores, esta capacidade de reintegrar esse Oriente onde tivemos vices reis, de onde trouxemos a pimenta e outras especiarias, e até o chá com que Catarina de Bragança mudou os hábitos de beber na Grã-Bretanha. Há quem diga mal da globalização como se nós, os portugueses, não tivéssemos andado a globalizar por todo aquele Extremo Oriente, fazendo crescer o Brasil, mercadejando em África, agora esse Oriente aqui se instala, os chineses são os pesos pesados. E ainda bem, não há melhor sinal para a tolerância do que esta convivência sem emigrações de tragédia ou de assistência humanitária.


É com enorme satisfação que venho sempre cumprimentar este ilustre quinquilheiro. Viu-me a mirar o móvel, e logo atalhou que o tinha posto lá em cima, os objetos ganham realce. Sempre que eu lhe digo que gosto ele agradece e insiste para eu estar à vontade. Neste dia fizemos negócio, não pensem que foi este armário Arte Deco, foram pequeninos trastes, um deles é uma fotografia pintada que foi exposta num salão qualquer em França, data de 1898, tem pescadores bem ajaezados, é um primor.




Ora aqui está, do velho se fez novo, o que parecia não ter préstimo torna este espaço íntimo, falei com gente jovem que comercia roupa e há também arranjos de mãos. Gosto desta sobriedade povoada se símbolos antigos, de contrastes. E hoje não resisti, até me pus na fotografia, como sou imodesto equiparo-me àquele senhor que se chamou Diego da Silva Velasquez, um dos maiores pintores do mundo que trouxe uma mudança de paradigma na pintura quando se fez aparecer num quadro famoso “Las meninas”, uma cena em que uma infanta está rodeada do seu séquito, e lá ao fundo aparece Velasquez, como dissesse: sem mim, este encanto não vos chegava às mãos. Vejam a que nível me subiu a soberba…



Esta casa da filarmonia é um ícone, vale a pena aqui entrar e procurar entender como estes senhores, a quem se deu o direito de merecer um quinhão de imortalidade, puseram os nabantinos a alegrar o mundo dos sons. Ouvir música é viajar na galáxia, crescer para a vida e até amar o próximo pois o que se toca é para que os ouvintes subam ao sétimo céu, cresçam nos sonhos, a música enche o coração, veja-se o órgão na igreja, os cânticos de rua, os lampejos da fanfarra, o coreto em festa. Não há paga para o bem que estes instrumentistas nos trazem.


O artista plástico José Guimarães é o autor desta árvore azul que qualquer um de nós pode visitar nesse bonito lugar que se chama o núcleo de arte contemporânea, doação de José-Augusto França. Venho aqui amiúde lavar os olhos e sacudir as meninges, estão aqui expostos nomes de primeira plana, como Almada, Vespeira, Júlio Resende ou Cutileiro. Não há melhor maneira de acabar a viagem de hoje nesta peregrinação constante a este local de culto que, lamentavelmente, muitos tomarenses ignoram, parece que dando razão aquele pessimismo que diz que os santos da casa não fazem milagres. E o milagre aqui está, para fruição de todos. Venham, ninguém sairá daqui completamente desapontado.

(Continua)
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Nota do editor

Último poste da série de 16 de março de 2016 Guiné 63/74 - P15863: Os nossos seres, saberes e lazeres (145): O ventre de Tomar (9) (Mário Beja Santos)

Guiné 63/74 - P15916: Notas de leitura (822): “A tropa vai fazer de ti um homem! Guiné 1971-1974”, por Juvenal Sacadura Amado, Chiado Editora, 2016 (Mário Beja Santos)

1. Mensagem do nosso camarada Mário Beja Santos (ex-Alf Mil, CMDT do Pel Caç Nat 52, Missirá e Bambadinca, 1968/70), com data de 21 de Março de 2016:

Queridos amigos,
É diametralmente diferente ler relatos esparsos no blogue e depois o livro, com sequência cronológica, com diferentes antes e depois, poemas enxertados, recordações avulsas, comentários dos outros. Impressiona-me sempre nesta literatura memorial as impressões indeléveis dos locais que percorremos até chegarmos aos quartéis e depois à guerra. Toda a poesia que perpassa pelo relato do Juvenal Amado ganha articulação com a homenagem que ele presta aos camaradas imemoriais em que se transformaram aqueles anos vividos no Leste da Guiné. É comedido a falar do seu sofrimento, projeta-o nas imagens das viaturas destruídas, nos buracões das minas, como se estivesse a dizer-nos: isto podia ter acontecido comigo.
Cativa o seu relato simples e os abraços que dá aos seus amigos da guerra, inesquecíveis.

Um abraço do
Mário


A tropa vai fazer de ti um homem! 
Por Juvenal Amado

Beja Santos

É útil fazermos aqui uma recapitulação sumaríssima das cerca de cinco décadas que levamos de literatura da guerra. Temos um primeiro período, 1961 ao fim da década. As principais manifestações dão pelo nome de: diário, evocações elegíacas da bravura do soldado português, crónicas jornalísticas, alguma poesia, raras dissertações sobre a natureza da guerrilha e contraguerrilha, e pouco mais. Na viragem do século, assiste-se a uma abertura literária em que o tema da guerra surge codificado, e até ao 25 de Abril sucedem-se manifestações de pendor jornalístico a exaltar o esforço de guerra, lendo essas crónicas parece que a guerrilha está controlada e os seus líderes desacreditados. O segundo período é de uma abertura com foros anárquicos, temos relatos comprometidos, escreve-se para ajustar contas, digamos que esta euforia até transita para os anos 1980, aí perde totalmente o vigor. O terceiro período anuncia os grandes depoimentos íntimos na forma de romance, é como se o combatente já não temesse qualquer complexo por falar de si manejando a ficção. No quarto período, dos anos 90 em diante, é a enxurrada das memórias, prossegue a ficção, surge o ensaio histórico, há mais diários. No caso da literatura da Guiné, destaco no primeiro período Armor Pires Mota, o Diário de JERO, o Ensaio de Hélio Felgas, no segundo período Álvaro Guerra e José Martins Garcia, no terceiro período Cristóvão de Aguiar, José Brás, Álamo Oliveira e Luís Rosa. O quarto período, o mais fértil, assegura o espantoso Diário do Soldado Inácio Maria Góis, o Livro de Memórias de Moura Calheiros, de António Loja, entre outros.

“A tropa vai fazer de ti um homem! Guiné 1971-1974”, por Juvenal Sacadura Amado, Chiado Editora, 2016, entronca no relato memorial, temos um jovem profundamente ligado a Alcobaça, depois de diversos empregos fixou-se na Crisal Cristais de Alcobaça, dali partirá para a Guiné, fez uma comissão anormalmente longa no setor Leste, assentou sobretudo arraiais em Dulombi. Enquanto lia este relato na Guiné, não deixava de me surpreender, atendendo que passei cerca de 26 meses no setor de Bambadinca, fui pelo menos duas vezes a Dulombi e mais vezes a Galomaro de jipe, atividades de rotina, de pura logística, não me recordo de qualquer referência de risco naquele subsetor, salvo o Saltinho. O que significa que afinal a retirada de Madina do Boé teve diferentes faturas e uma delas foi a progressiva aproximação dos grupos do PAIGC até Dulombi e vizinhança. O que remete para outra consideração que é a de quando falamos da nossa guerra abstraímos que já houve outros contextos e a que se seguirão mais outros.

Não podemos ignorar a afetuosidade com que ele nos fala da sua juventude, da família, do trabalho, dos companheiros. Aquelas sete horas friolentas de Janeiro de 1963 em que ele parte pela noite ainda escura para a paragem da camioneta, parando em Fervença, que tinha fábrica de cerâmica, de fiação e tecidos e termas medicinais, até Valado dos Frades, o Juvenal é aprendiz na fábrica de cerâmica Os Pereiras, o tempo corre até que se irá apresentar no CICA 4, ainda não tem 21 anos, seguir-se-á o RI 6, o RI 16, é aqui que chega a notícia da mobilização para a Guiné. São descrições sincopadas, relevam as amizades construídas, algumas delas até hoje. Nas vésperas de Natal de 1971 já estão em Bissau, uns seguem para Gadamael, outros para Barro, aqueles outros para Cacine e o seu Batalhão, o BCAÇ 3872 segue para Galomaro, Saltinho, Cancolim e Dulombi.

Juvenal é condutor de Berliet, mas leva por tabela quando há flagelações nos diferentes destacamentos por onde passa. Escreve poesia, partilha connosco memórias francamente dolorosas como a emboscada de 17 de Abril de 1972 entre o Saltinho e Quirafo. Há um longo repositório de peripécias, de facécias, põe os amigos no pódio. Entre as memórias que não se apagam estão as minas anticarro, há sempre bons pretextos para acompanharmos a angústia do condutor naquelas colunas que se enfiam em direção aos destacamentos mais remotos.

A guerra evolui, estamos em 1973, deram-se mudanças, como ele escreve: “O tempo de guerrilha que emboscava, flagelava e retirava, embora não fosse menos perigosa, fazia já parte de um passado recente. Muito bem armada e enquadrada militarmente, a tropa do PAIGC estava a levar-nos para um beco sem saída e a nossa derrota já não era uma miragem. Na cantina tinham sido afixados cartazes com imagens de aviões MIG 17”. Mas continua teimosamente a entronizar os atos de camaradagem, dá-nos um caudal de poemas. Em jeito de despedida, volta à sua infância, fechara-se um arco depois do hiato da guerra, seguir-se-á a idade adulta de alguém que se transformou. E revela-se nostálgico: “Naquele tempo, em que eu caminhava entre a casa e a fábrica ou o café sabia de cor cada pedaço de calçada, cada pedaço de lancil marcado por uma jante, cada mancha de musgo ou mesmo os estranhos desenhos que ficavam quando caía algum pedaço de reboco de uma parede ou de um muro. A vida era lenta, previsível, própria de quem sabe que mais não podia fazer para além disso enquanto esperávamos pela tropa”. E descreve lugares, como a taverna do Dinis, a mercearia do senhor Emidinho, o Café Paris, a Pensão Corações Unidos. E vem uma recordação mais impressiva: “Os internados do asilo que pediam sempre um cigarrito ou, à falta disso, apanhavam as beatas que eram sempre abundantes pelo chão. Desfaziam-nas para dentro de uma caixa de lata e com mortalhas confecionavam novos cigarros”. E recorda o senhor Orlando, figura bizarra, que morreu quando ele estava na Guiné. Esta Alcobaça que lhe fazia companhia no posto sentinela. Chegou e tudo mudara, ou quase: “Quando regressei, voltei a fazer vezes sem conta os mesmos caminhos. A maioria das coisas ainda estavam lá, pouco se tinha alterado, eu é que via tudo com outro olhar. 27 meses tinham-me transformado e era com avidez que bebia as imagens, que funcionavam como assinaturas do tempo". Sempre poetando, deixa para o termo da obra o rol daqueles que caíram em combate. E porquê o título deste livro. Ele dá a sua interpretação: “Era uma premonição de que só seriam verdadeiros homens quem passasse pelas vicissitudes que a vida militar e a guerra impunha, como se fosse impossível alcançar esse estádio sem esses sacrifícios”.
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Nota do editor

Último poste da série de 22 de março de 2016 Guiné 63/74 - P15889: Notas de leitura (818): Micropoemas do livro "Haikus do Japão e do Mundo" (Lisboa, Gradiva, 2016): seleção e oferta do autor, António Graça de Abreu, para os nossos grã-tabanqueiros

Guiné 63/74 - P15915: Fotos à procura de... uma legenda (72): Três anos e meio separam estas duas fotos, tiradas no mesmo lugar, no destacamento da ponte do Rio Udunduma, estrada Xime-Bambadinca... Ou melhor, num sítio de nenhures... (Jorge Araújo, 1973 / Humberto Reis, 1970)



Foto nº 1 

Guiné > Zona leste > Setor L1 > Estrada Bambadinca-Xime > Ponte do Rio Udunduma > Destacamento da CART 3494, Xime e Mansambo, 1972/1974) > Julho de 1973 > O fur mil op esp Jorge Araújo à entrada do abrigo (?) (*)...

(...) "Imagem de um buraco aberto no chão, coberto de troncos de palmeira, terra e chapas de zinco a cobri-los, protegido no exterior com bidões de gasóleo cheios de terra, com uma pequena abertura, tendo no seu interior uma cama de ferro, especial do mobiliário militar, com colchão adequado …a um sono tranquilo [que enorme ironia] (...)


Foto (e legenda): © Jorge Araújo (2014). Todos os direitos reservados



Foto nº 2

Guiné > Zona leste > Setor L1 > Estrada Bambadinca-Xime > Ponte do Rio Udunduma > Destacamento da CCAÇ 12 > 2º Grupo de Combate > 1970 > O fu mil op esp Humberto Reis, à entrada do abrigo (?) (**)...


(...) "Com este destacamento passou-se um episódio que diz bem do carácter que presidia à união de todos os operacionais (operacionais eram aqueles que iam para o mato e as sentiram assobiar e não os que viviam no bem bom dentro dos arames farpados e que nunca sentiram o medo de levar um tiro).

"Um domingo à noite estávamos a jantar na messe [, em Bambadinca], nesse dia calhou-me estar dentro do arame, e de repente começámos a ouvir rebentamentos para os lados da ponte. Pensámos que era o destacamento que estava a embrulhar e automaticamente nos levantámos (eu e mais alguns até estávamos vestidos à civil), fomos a correr aos respectivos quartos buscar as armas e quando chegámos à parada já lá estavam alguns Unimog com os respectivos condutores à espera (ninguém lhes tinha dito nada mas a ideia foi a mesma - é a malta da ponte a embrulhar, temos de os ir socorrer ). Até um dos morteiros 81 levámos e aí vai o fur mil. do Pel Mort com uma esquadra, o Lopes que era natural de Angola (tão bem organizada que era a nossa administração militar, que o colocaram na Guiné!).

"Felizmente, quando chegámos à ponte, verificámos que não era aí, mas sim 2 km mais à frente, na tabanca de Amedalai, pelo que seguimos até lá. Escusado será dizer que quando o IN notou que chegaram reforços fechou a mala e foi embora" (...)

Foto (e legenda): © Humberto Reis (2006). Todos os direitos reservados




Guiné > Zona Leste > Setor L1 (Bambadinca) > Localização da Ponte sobre o Rio Udunduma (e não Undunduma...), afluente do Rio Geba (ou Xaianga), a meio caminho entre Bambadinca e Xime...

A ponte foi dinamitada e parcialmente destruída por acção do PAIGC, na noite de 28 parta 29 de Maio de 1969, por ocasião do ataque a Bambadinca (quatro/cinco km a nordeste), levado a cabo por 2 bigrupos (cerca de 100 homens)... A partir desse ataque, passou a ser destacado um grupo de combate para defender este ponto nevrálgico... Durante anos, até à construção da nova estrada (alcatroada) Xime-Bambadinca, milhares e milhares de homens e viaturas, desembarcados em LDG no Xime passaram por aqui a caminho do leste (e vice-versa)...

O nosso camarada Carlos Marques Santos (ex-fur mil, CART 2339, Fá e Mansambo, 1968/69) diz que foi o primeiro a avançar, para a Ponte do Rio Udunduma, logo no dia 29 de Maio de 1969, com o 3º Gr Comb da sua companhia, vindo em marcha forçada de Mansambo...

Infogravura: Pormenor da carta de Bambadinca (1955), escala 1/50000.



1.  Três anos e meio, pelo menos,  separam, estas duas fotos (***)... Era muito tempo, ou pelo menos o tempo suficiente para passarem três batalhões distintos por Bambadinca, sede do setor L1, desde que foi montado, em finais de maio de 1969, à pressa,  um destacamento na ponte do Rio Udunduma, afluente do Rio Geba, importante ponto estratégico na ligação do porto fluvial do Xime com Bambadinca e o resto da zona leste... 

Referimo-nos ao BCAÇ 2852 (1968/70), ao BART 2917 (1970/72) e o BART 3873 (1972/74).

Houve outros destacamentos não menos célebres no TO da Guiné, como o da ponte Caium ou ponte do Rio Caium, também no leste, na região de Gabu, subsetor de Piche... Ou de ponte Balana, na região de Tombali, perto de Gandembel.

Se calhar, já está tudo dito... sobre estes sítios de nenhures! Ou talvez não, há sempre um leitor, novo, que chega,,, e que tem alguma curiosidade pelos sítios do mundo a que nós podemos chamar "de nenhures"...

O destacamento do ponte do rio Udunduma nunca existiu ou nunca existiu para a história... COmo nunca existiu Caium ou Balana... Só existe emquanto formos vivos, e se mantiver no nosso imaginário o topónimo e o nosso blogue se mantiver ativo...  Era um sítio de nenhures, como a grande maioria dos bu...rakos onde nos meteram ou nós nos metemos.

Acham,  os nossos queridos leitores, que as duas fotos ainda merecem uma legendagem complementar ?

Já nos faltam as forças, a pachorra, o tempo, a imaginação, a curiosidade, a paixão...  Doze anos a blogar é muito tempo, confesso... E o tempo (e a saúde, o patação, a lucidez,,, ) é a coisa que sentimos que nos está a (ou vai) faltar...

De qualquer modo, amigos e camaradas da Guiné,  vai continuar a ser preciso alimentar o blogue, todos os dias... O blogue é um ser vivo, que precisa de comer e beber todos os dias. Obrigado àqueles que o alimentam... LG. (***)

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Guiné 63/74 - P15914: Efemérides (217): Cerimónia de homenagem aos combatentes da guerra do ultramar, amanhã, 5.ª feira, 31/3/2016, em Cascais, às 10h00, na Av Dom Carlos I: Convite do Povo e do Município de Cascais


1. A notícia e o convite chegam-nos através do Mário Fitas, nosso grã-tabanqueiro e um dos fundadores da Magnífica Tabanca da Linha. 

Quem puder estar, devidamente aprumado, ataviado, equipado, em boa forma, será bem vindo!...

Está na altura desta nação, velhinha de mil anos, olhar com amor e gratidão  para os seus filhos, combatentes, os primeiros a serem esquecidos quando as guerras acabam, e o protagonismo passa a ser dos políticos.

Parabéns ao Povo e ao Município de Cascais por esta homenagem... Significativamente, o Município de Cascais tem por lema "Tudo começa nas pessoas"...

O patriotismo não é nem pode ser monopólio de ninguém, à esquerda, ao centro ou à direita do espectro político-ideológico!...  O patriotismo não tem partido. Os combatentes portugueses, de todas as épocas, estão acima de todos os regimes políticos. Mas devem saber recusar ser instrumentalizados!
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Nota do editor:

Último poste da série de 18 de fevereiro de 2016 Guiné 63/74 - P15765: Efemérides (216): O Pepito deixou-nos há 2 anos... Retenho a ideia que tinha dele em vida: um homem de grande coragem física e moral, um cidadão de princípios e de valores, um intelectual de fina inteligência e sensibilidade sociocultural, um engenheiro agrónomo e gestor com uma espantosa capacidade de trabalho, organização, determinação e liderança, um dirigente de arguta visão, um abnegado patriota, um amigo generoso e hospitaleiro, um bom pai e melhor avô, e sobretudo, um bom gigante com um coração de ouro... Enfim, um homem que, perante a adversidade, sabia que "desistir era perder, recomeçar era vencer"... (Luís Graça)

Guiné 63/74 - P15913: Caderno de Notas de um Mais Velho (Antº Rosinha) (43): Os receios europeus de um antigo colonialista português, gen Norton de Matos, em dezembro de 1943

1. Mensagem do Antº Rosinho, um dos nossos 'mais velhos', que andou por Angola, nas décadas de 50/60/70, do século passado... Fez o serviço militar em Angola,  foi fur mil, em 1961/62,  diz que  foi 'colon' até 1974... 'Retornado', andou por aí (, com passagem pelo Brasil), até ir conhecer a 'pátria de Cabral', a Guiné-Bissau, onde foi 'cooperante', tendo trabalhado largos anos (1987/93) como topógrafo da TECNIL, a empresa que abriu todas ou quase todas as estradas que conhecemos na Guiné, antes e depois da 'independência'...


Data: 23 de março de 2016 às 19:32
Assunto: Os receios europeus de um antigo colonialista português, o limiano gen Norton de Matos (dezembro de 1943)


Sobre a II Grande Guerra, Norton de Matos (*) escreveu isto,  em livro que o nosso confrade de tertúlia JD [José Dinis] me proporcionou [ J. Norton de Matos - Memórias e trabalhos da minha vida, 4 volumes. Lisboa: Editora  Marítimo-Colonial, 1944-1945]:




José Norton de Matos (1867-1955), general e político português.   1 junho de 1917. Fonte: Hemeroteca Digital - "Portugal na Guerra :  revista quinzenal illustrada" (n.º 1, 1 Jun. 1917)
Autor: Garcez. Foto do domínio público [, tem mais de 70 anos]. Cortesia de Wikimedia Commons



" (...) Muito receio que se a guerra não acabar por todo o ano que vem (1944),  desapareçam por completo as forças capazes de lhe pôr fim por meio de um armistício e da paz que se lhe deverá seguir. Será então a continuação da luta, cada vez mais desordenada, até à aniquilação de todos os combatentes. A desordem e a anarquia a seguir para presidirem à queda das civilizações." (...)

" (... )Há até hoje duas grandes nações vencidas, a França e a Itália" (...)


" (...) "Não creio que à Alemanha só duas coisas possam acontecer, a vitória ou o desaparecimento. O desaparecimento ou aniquilação somente se darão, como acima disse, se a guerra se prolongar até que deixem de existir as forças de paz. Mas esse eclipse abrangeria então todos os povos da Europa." (...)

(...) "Para a Europa deixaria por muitos séculos qualquer missão histórica. Mas para a Europa inteira e não apenas para três nações europeias."



Eu, "colon", tertuliano, membro da Tabanca Grande, apenas quero lembrar que em dezembro de 1943, quando Norton de Matos [, Ponte Lima, 1867 - Ponte de Lima, 1955] disse isto, faltava meio ano para o princípio do fim, quando aconteceu exactamente o célebre dia D, desembarque na Normandia (ainda não havia túnel mo canal da Mancha).

Este dia D ditou aquilo que Norton de Matos temia, não houve paz, e deu-se a aniquilação da Alemanha, digo eu.

E,  como o general dizia, seria também "um eclipse de todos os povos da Europa".

Só trago isto para o blogue por 2 (dois) motivos:

(i) ser oportuno lembrar que a Europa indefesa e impotente de hoje é a continuação da Europa daquele tempo, e anda tudo ligado;

(ii) sabemos que o estado de impotência em que os países da Europa ficaram,   levou a que, por exemplo,  a França não conseguisse,  a seguir, dominar militarmente na Indochina a sublevação político-ideológica que viria a humilhar o exército Francês e mais tarde provocar o que seria a Guerra do Vietname, e em seguida o desastre de vários anos na Argélia e, por vários anos ainda,  uma descolonização imprópria, na África subsariana, com guerras intertribais, se iria reflectir mesmo em Paris, com imensos atritos raciais, e tribais e culturais.

E a Inglaterra e a Bélgica não se sentiram com resistência para continuar a suportar as "rebeldias" tribais e raciais e as ideologias internacionalistas, em colónias como a Nigéria, Quénia ou Congo e Ruanda, etc.

Daí o desastre das descolonizações africanas totalmente inadequadas,  cujas consequências negativas  também atingiram a própria Europa.

Volto ao general que ainda no mesmo capítulo vaticina (, palavra minha,) que,  caso aconteça o pior, ficariam os "povos das Américas e da Ásia" a substituir os Europeus. (O livro foi editado em 1944, a guerra ainda continuava).

Norton de Matos era um homem admirado por muitos africanistas portugueses em Angola e Moçambique e na Índia, pelas suas ideias coloniais.

Norton de Matos, antissalazarista incondicional, tinha uma ideia da II Grande Guerra e sobre as suas consequências se não houvesse acordos de paz, ideias semelhantes a Salazar.

Os anticolonialistas detestam um e o outro, sendo que há antissalazaristas, algum ainda vivos, que dizem que Salazar devia ter entrado na II Guerra,  como tínhamos entrado na I Grande Guerra.

Vou continuar a ler o livro do Norton de Matos (1944) e vou olhando para os noticiários (2016) e vou comparando o angolano Fernando Peyroteo [1918-1978], o moçambicano Eusébio [1942-2014] e o madeirense Ronaldo [n. 1985, tem costela caboverdiana].

Cumprimentos e que o Google não tire a paciência ao Luís Graça.
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Notas do editor:

(*) Vd. biografia deste grande português no poste de  26 de março de 2014 > Guiné 63/74 - P12902 Agenda cultural (306): Vila Nova de Famalicão > Ciclo de Conferências 2014 > Ideias e práticas do colonialismo português: dos fins do séc. XIX até 1974 > 4 de abril de 2014, 21h30 > Conferência do doutor Sérgio Neto (CEIS20/UC): "De Goa a Luanda, pensamento e acção de Norton de Matos"

(**) Último poste da série > 22 de fevereiro de 2016 > Guiné 63/74 - P15781: Caderno de Notas de um Mais Velho (Antº Rosinha) (42): A unidade que os cabo-verdianos ajudaram a criar

Guiné 63/74 - P15912: Parabéns a você (1055): António Graça de Abreu, ex-Alf Mil Inf do CAOP 1 (Guiné, 1972/74); Benjamim Durães, ex-Fur Mil Op Esp do BART 2917 (Guiné, 1970/72) e Rosa Serra, ex-Alf Enf.ª Paraquedista da BA 12 (Guiné, 1969)



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Nota do editor

Último poste da série de 27 de março de 2016 >  Guiné 63/74 - P15906: Parabéns a você (1053): Armando Pires, ex-Fur Mil Enf do BCAÇ 2861 (Guiné, 1969/70); Carlos Vinhal, ex-Fur Mil art MA da CART 2732 (Guiné, 1970/72); Eduardo Magalhães Ribeiro, ex-Fur Mil Op Esp do BCAÇ 4612/74 (Guiné, 1974) e Amiga Grã-Tabanqueira Maria Dulcínea

terça-feira, 29 de março de 2016

Guiné 63/74 - P15911: (Ex)citações (306): A propósito da última troca de prisioneiros, em Aldeia Formosa, no dia 14 de setembro de 1974....Prisioneiros, não, "retidos pelo IN"...

Guiné > Bissau > HM 241 > 14 de setembro de 1974 >
Os últimos prisioneiros portugueses. 
Foto de Duarte Dias Fortunato
I. Os sete camaradas nossos que foram trocados por 35 militantes ou simpatisantes do PAIGC, presos pelas NT, não eram, segundo as autoridades militares portugueses da época, "prisioneiros de guerra"...  

Essa figura jurídica não existia... Não podia haver "prisioneiros de guerra" pela simples razão de que, para o regime de Salazar (e de Caetano),  Portugal não estava em guerra contra nenhum país estrangeiro. Tinha uma "guerra de subversão", nas suas províncias ultramarinas, apoiada por algumas potências estrangeiras, mas limitava-se a responder, para manter a paz e a ordem, contra os que, internamente, alimentavam essa guerra (*)...

Nessa medida, a Convenção de Genebra não se aplicava (ou não tinha que se aplicar, do ponto de vista legal) no TO da Guiné (e noutros teatros de operações, Angola e Moçambique)... Militar português capturado pelos nossos inimigos internos era classificado como "retido pelo IN"... Elemento subversivo ("terrorista")  capturado pelas NT devia ser tratado como um vulgar "preso de delito comum" (e entregue depois à PIDE/DGS, para obtenção de informações relevantes pata a "segurança interna")... Era, grosso modo, essa a  "doutrina vigente"...


II. Eis o que se escreve, sobre o tema Prisioneiros, no portal Guerra Colonial (1961-1974), desenvolvido pela A25A - Associação 25 de Abril... (Reproduzimos um excerto com a devida vénia):

(...) O facto de o regime português não reconhecer que se travava uma guerra nas suas colónias e de não atribuir o estatuto de beligerantes aos movimentos de libertação impedia que os militares portugueses tivessem a qualidade de prisioneiros de guerra, quando eram capturados.  Este assunto foi tratado, em 1967, em nota circular do Estado-Maior do Exército com o título: «Militares portugueses na posse do IN e elementos terroristas capturados», a qual estabelecia a seguinte doutrina:

"1. Tem vindo a verificar-se que os diversos partidos emancipalistas desenvolvem as mais variadas manobras no sentido de passarem a ser considerados como "beligerantes", oficializando assim a luta que se trava no Ultramar.

2. Um dos processos mais frequentemente usados tem sido o de solicitar para os terroristas capturados pelas nossas tropas as regalias que a Convenção de Genebra concede aos "prisioneiros de guerra". Por outro lado, e com o mesmo objetivo, esses partidos começaram a usar para com os militares portugueses em seu poder a designação de "prisioneiros de guerra", ao mesmo tempo que os seus órgãos de propaganda afirmam que lhes serão concedidas as garantias da mesma Convenção, como contrapartida.
Indivíduo suspeito, preso dpelas
NT.  Barro, 1968.
Foto de A. Marques Lopes (2005)

3. A fim de neutralizar esta manobra do inimigo, S. Ex.ª o ministro da Defesa Nacional, por despacho de 28 de junho de 1967, determinou que passassem apenas a ser usadas as designações que se seguem quer para elementos terroristas, quer para militares nacionais:

a. Terroristas caídos em poder das nossas tropas:

1) Ação - captura
2) Situação - sob prisão
3) Designação - preso

b. Militares portugueses em poder de elementos terroristas:

1) Ação - retenção
2) Situação - situação de retido
3) Designação individual - «retido pelo inimigo».

Assinava o general Sá Viana Rebelo, vice-chefe do Estado-Maior do Exército.  Curiosamente, esta circular era complementada com normas relativas ao «Procedimento a tomar no caso de ser retido», onde se afirmava no ponto d):  «Quando interrogado, o militar português apenas deve fornecer os dados a que é obrigado pela Convenção de Genebra: nome completo, posto, número e data do nascimento».
Capa da revista do Expresso, 29/11/1997

E acrescenta o  portal Guerra Colonial (1961-1974):

 (...) Embora seja pouco conhecido o número de militares portugueses prisioneiros, é possível adiantar os seguintes números e locais de prisão:

Na Guiné-Conacri, até 1970:  oficiais 1 (alferes); sargentos 2 (um sargento-piloto da Força Aérea e um furriel miliciano do Exército) ; cabos 4; soldados 15. Total 22.

Estes militares estiveram presos nos quartéis de Alfa Yaya e de Kindia, devendo-se-Ihes acrescentar um outro que foi colocado em Argel. Um soldado prisioneiro morreu em Conacri, tendo a sua morte sido comunicada diretamente à família por Carlos Correia, membro do Bureau Político do PAIGC, juntamente com uma fotografia do funeral. Ao todo, entre os que as Forças Armadas Portuguesas consideraram desertores e retidos, foram capturados e estiveram presos na Guiné cerca de 45 militares portugueses, dos quais três eram oficiais. (...)




Pormenor de um documento redigido pelo punho do próprio Amílcar Cabral, com a lista dos prisioneiros (sic) que se encontravam, nos últimos meses de 1971 na prisão do PAIGC em Conacri, conhecida por "Montanha". Na altura eram seis , dos quais dois pportugueses, ambos "prisioneiros de guerra" (sic): o António Teixeira (entrado em 21/1/71) e o Duarte Dias Fortunato (24/2/71)... O Fortunato (capturado em Piche, em 22/2/1971) tem a palavra "desertor" riscada; o Amílcar Cabral escreveu por cima "prisioneiro" (a azul) e acrescentou (a lapiseira preta) "de guerra"... O mesmo se passa com o Teixeira: primeiro era simples "prisioneiro" e depois passou a ser "prisioneiro de guerra"... O Amílcar Cabral utilizava habilmente uns e outros, os prisioneiros de guerra e os desertores, para fins de propaganda diferentes e interlocutores diferentes: Igreja Católia / Vaticano, Cruz Vermelha Internacional, "países amigos", etc... 

Fonte: Cortesia da Casa Comum / Arquivo Amílcar Cabral


III. O nosso amigo e grã-tabanqueiro Luís Vaz Gonçalves acompanhou o seu falecido pai, coronel do CEM Henrique Gonçalves Vaz na sua última comissão em África, no TO da Guiné, onde foi o último Chefe do Estado-Maior do CTIG (do QG),  sobre o Comando do General Bettencourt Rodrigues.  Já aqui nos descreveu como, quando e onde foi feita a troca dos últimos  'prisioneiros', antes da transferência da soberania (**):

(...) Depois do 25 de Abril, sobre o comando do então brigadeiro Fabião, e em articulação com outros oficiais do Estado –Maior, implementaram os dispositivos de retração para acantonarem e retirarem deste Teatro de Operações os milhares de militares portugueses presentes nesta Província, tendo só abandonado a Guiné, no último voo com tropas Portuguesas, no dia 14 de outubro de 1974 na companhia do brigadeiro Fabião. Como tal, e ao realizar a biografia do meu falecido pai, coronel de cavalaria e do Estado/Maior, li muitos documentos classificados, do seu arquivo pessoal, e poderei acrescentar algumas informações sobre a troca dos últimos prisioneiros de guerra, com o PAIGC.

Mantivemos 35 prisioneiros (guerrilheiros do PAIGC) na ilha das Galinhas até à véspera do reconhecimento da Independência da República da Guiné-Bissau por parte do Governo Português. Pelo lado do PAIGC, mantinham 7 prisioneiros (4 soldados e 3 primeiros cabos, do nosso Exército), um dos quais era o soldado António Baptista, que tinha sido dado como morto em 17 de Abril de 1972, numa emboscada em Madina-Buco, onde as nossas tropas sofreram 1 desaparecido e 10 mortos, 6 dos quais queimados na explosão da viatura em que seguiam.

A troca destes sete prisioneiros na posse do PAIGC (retidos no Boé) por 35 guerrilheiros do PAIGC (retidos pelas nossas tropas na ilha das Galinhas) , foi feita segundo o estipulado pelo Acordo de Argel, e foi marcada para o dia 9 de setembro, em Aldeia Formosa, no entanto o PAIGC não compareceu nessa data como estava combinado, só no dia 14 de setembro a troca se realizou. Estiveram presentes nesse ato pelas nossas tropas, o major de inf Tito Capela (Chefe da 2ª Rep do QG), o major de art Aragão, o capitão-tenente Patrício, o capitão de inf Manarte e o furriel miliciano Elias (da 2ª Rep/QG/CTIG).  Por parte do PAIGC, estiveram presentes os seguintes elementos; Manuel dos Santos (Subsecretário Informação/Turismo da GB), Carmen Pereira (Membro do Conselho de Estado/GB) e Iafai Camará (Comandante do Aquartelamento de Aldeia Formosa).


Imediatamente após a troca, foi feita a identificação (os soldados: António Teixeira, Jacinto Gomes, António da Silva Batista, Manuel Ferreira Vidal;  e os primeiros cabos: Duarte Dias Fortunato, Virgílio da Silva Vilar e Manuel Fernando Magalhães Vieira Coelho), tendo os prisioneiros e a comitiva regressado de avião a Bissau. Ficaram instalados no Hospital Militar de Bissau, e no dia seguinte, dia 15 de Setembro de 1974, seguiram por via área para Lisboa." (...).

Portanto, essa troca de prisioneiros não foi feita em Bafatá, como parece sugerir o depoimento de Duarte Dias Fortunato ("Desaparecido em combate", revista da GNR, "Pela lei e pela grei", abril de 2000),  mas sim em Aldeia Formosa, tendo depois os 7 portugueses sido levados de avião até Bissau, onde foram observados no HM 241, antes de embarcarem no dia seguinte para a metrópole.

Andamos a tentar localizá-los.  Um deles, pelo menos, já faleceu, ainda recentemente, o nosso grã-tabanqueiro António da Silva Batista (1950-2016) [, foto à esquerda]

__________________

Notas do editor:

(*)  Últino poste da série > 22 dce março de 2016 > Guiné 63/74 - P15888: (Ex)citações (305): A nossa Força Aérea viveu alguns dias de grande confusão com o aparecimento dos mísseis Strela (António Eduardo Ferreira, ex-1.º Cabo Condutor Auto da CART 3493)

(**) Vd. poste de 11 de dezembro de 2011 >  Guiné 63/74 - P9180: Troca dos últimos prisioneiros: 35 guerrilheiros do PAIGC e 7 militares portugueses (Parte II) (Luís Gonçalves Vaz)

segunda-feira, 28 de março de 2016

Guiné 63/74 - P15910: Fotos do álbum da minha mãe, "Honra e Glória" (Abílio Duarte, ex-fur mil, CART 2479 / CART 11, Nova Lamego e Paunca, 1969/70) - Parte III



Foto nº 1 > De Piche, para Bafatá, num Cessna dos TAGP


Foto nº 2 > Dentro do Cessna


Foto nº 3 > Vista aérea de Piche [" (...) Era um quartel novo, com razoáveis instalações para a CCS e para mais duas companhias operacionais. Tinha água canalizada e gerador elétrico, As instalações do quartel incluíam trincheiras, base de fogos do morteiro 81, três peças 11,4 e as habituais casernas, messe, cozinha e posto de socorros, tudo rodeado por arame farpado, com a respetiva Porta de Armas" (...) , Mendes Paulo, maj cav, 1932-2006]


Foto nº 3A > Vista aérea de Piche: pormenor do espaldão do obus, valas e abrigos


Foto nº 4 > Vista aérea de Piche: outro ângulo


Foto nº 5 > Vista aérea de Nova Lamego, com as instalações militares em primeiro plano. O traçado da vila tem mão de urbanista português, foi feito a régua e esquadro, como Bissau, Bafatá, etc.


Foto nº 6 > Vista aérea do Rio Geba


Foto nº 7 > Uma tabanca à beira da estrada Nova Lamego - Bafatá


Foto nº 8 > Mais uma vista aérea do Rio Geba,  nas proximidades de Bafatá

 Fotos (e legendas): © Abílio Duarte (2016). Todos os direitos reservados.

1. Continuação da publicação de fotos do Abílio Duarte [, ex-fur mil, CART 2479,  mais tarde CART 11 e,  finalmente, já depois do regresso à Metrópole do Duarte, CCAÇ 11, a famosa companhia de “Os Lacraus de Paunca”, (Contuboel, Nova Lamego, Piche e Paunca, 1969/70)] (*).

Trata-se do "álbum que a minha saudosa mãe criou com fotos que eu lhe enviava". Desta vez são fotos tiradas num viagem de Cessna, dos TAGB, quando o Abílio Duarte foi de Piche a Bafatá para fazer o exame de condução automóvel. "As várias vistas aéreas que aparecem nesta reportagem foram tiradas neste avião". O Cessna, a caminho de Bafatá, sobrevoava Nova Lamego.

Eis como como o já falecido major de cavalaria  João Luiz Mendes Paulo (1932-2006) descrevia Piche deste tempo, no seu livro "Elefante Dundum" (citado por Beja Santos) (**)

(...) "Era um quartel novo, com razoáveis instalações para a CCS e para mais duas companhias operacionais. Tinha água canalizada e gerador elétrico, era bem melhor que Nambuangongo [, Angola].

O primeiro ataque foi para nos testar. Vieram pela pista de aviação com morteiros 82, RPG-7, metralhadoras pesadas e as inevitáveis Kalash e PPSH. Apesar de todas as recomendações anteriores, foi um festival de fogo de artifício.

As instalações do quartel incluíam trincheiras, base de fogos do morteiro 81, três peças 11,4 e as habituais casernas, messe, cozinha e posto de socorros, tudo rodeado por arame farpado, com a respetiva Porta de Armas.

A povoação de Piche envolvia o quartel do lado Sul e todo o perímetro da povoação era protegido por abrigos enterrados, 13 ao todo, em ligação com as trincheiras, com holofotes, metralhadoras e contacto via telefone e rádio para o posto de comando.

Em caso de ataque, só os tais abrigos da periferia abriam fogo, quando atacados diretamente ou à ordem, para alvos já referenciados”.

2. Comentário adicional do fotógrafo:

(,..) "A minha ida a Bafatá foi em meados de 1970 (, em abril), a minha Companhia estava a fazer reforço, em Piche, e recebi uma informação da nossa sede, em Nova Lamego, onde fazia a respetiva instrução automóvel, como a maioria da malta, de que tinha exame numa quarta-feira seguinte.

Falei com o Cap Pinto, e ele disse-me que não estava prevista nenhuma coluna a Gabú. A minha sorte foi ter aparecido, na segunda-feira anterior ao exame, a tal avioneta. O capitão fez o favor de me ajudar,  ao pedir boleia para mim.

  
Vista aérea de Bafatá: ao centro (1) , a avenida principal e igreja [, em frente, o edifício da administração colonial e, mais acima, o hospital local]..   
Foto de Humberto Reis (2006).




Quando cheguei a Bafatá, fui à messe do Esquadrão de Cavalaria, onde encontrei um colega também, do BNU, chamado Pascoal, que me arranjou comida e dormida, pois só vim novamente para Nova Lamego e depois Piche, quase uma semana depois.

O exame correu-me bem, fiz o ponto de embraiagem naquela calçada larga alcatroada, que vinha cá de baixo do rio, e que agora, pelas fotos atuais. é só buracos. Quanto às legendas, estão bem, que, como vocês dizem, na Guiné é quase tudo igual. Mais uma vez agradeço a vossa  disponibilidade, caros editores" (...).
_______________

30 de março de 2015 > Guiné 63/74 - P14418: Notas de leitura (698): “Elefante Dundum – Missão, testemunho e reconhecimento”, por João Luíz Mendes Paulo, edição de autor, 2006 (1) (Mário Beja Santos)

Vd, também  27 de março de  2013 >  Guiné 63/74 - P11324: Álbum fotográfico de Abílio Duarte (fur mil art da CART 2479, mais tarde CART 11/ CCAÇ 11, Contuboel, Nova Lamego, Piche e Paunca, 1969/70) (Parte IX): Piche, vista aérea... E as valas onde se "despistou" o nosso camarada e amigo comum Renato Monteiro...

Guiné 63/74 - P15909: Blogues da nossa blogosfera (74): "Desaparecido em combate", entrevista com Duarte Dias Fortunato (ex-1º cabo at art, CART 3332, 1970/72), em 10/11/2012 ("Posts de Pescada", blogue dos alunos de comunicação social da Escola Superior de Educação de Coimbra)

1. O "Posts de Pescada" é um blogue que existe desde 2010, é um projecto realizado por estudantes de Comunicação Social, da Escola Superior de Educação de Coimbra.  

Foi lá que encontrámos esta entrevista com o nosso camarada Duarte Dias Fortunato, o primeiro prisioneiro de guerra português a voltar a ocupar uma cela da famigerada "Montanha", a prisão do PAIGC em Conacri, em 26/2/1971, três meses depois da Op Mar Verde (22/11/1970), na sequência da qual foram libertados todos os militares portugueses que lá estavam, na altura (26, ao todo).


Guiné > Bissau > HM (Hospital Militar) 241 > 14 de setembro de 1974 > Os sete ex-prisioneiros portugueses, libertados pelo PAIGC.  Foto do Duarte Dias Fortunato (que é o terceiro a contar da direita).  O nosso grã-tabanqueiro Batista é o primeiro da ponta, do lado direito.

Cortesia da revista da GNR, "Pela Lei e Pela Grei", edição de abril de 2000, onde vem inserido um artigo do Duarte Dias Fortunato, "Desaparecido em combate", e de que o nosso camarada Mário Beja Santos já fez uma recensão (*), reproduzindo também largos excertos. 

Na altura, em 2000, o Fortunato era sold inf da GNR, colocado no posto territorial de Quiaios, Figueira da Foz. Presumimos que já esteja reformado, e que continue a viver na Figueira da Foz. É natural de Pombal, Na Guiné era 1.º Cabo, estava em Piche, quando foi capturado em 22/2/1971,  na sequência de uma terrível emboscada, no decurso da Acção Mabecos, comandada pelo Maj Cav Mendes Paulo (**), e levado para a prisão "Montanha", em Conacri, onde deu entrada a 24/2/1971. [Sobre Mendes Paulo: oficial de operações do BCAV 2922, é autor do livro "Elefante Dundum", e faleceu em 2006; vd. recensão bibliográfica do Beja Santos (***)].

Em abril de 1972, juntou-se-lhe, ao Fortunato, o nosso saudoso António de Sousa Batista (1950-2016) e em junho o José António Almeida Rodrigues, que em 7 de março de 1974 irá conseguir evadir-se e chegar ao Saltinho. 

Depois da morte de Amílcar Cabral, os 8 prisioneiros portugueses foram transferidos para um "campo" algures no Boé Ocidental, perto da fronteira e junto à margem esquerda do rio Corubal, Depois da fuga do Rodrigues, os 7 são levados para o "outro lado" da fronteira, na província de Boké. Nas imediações do rio Kogon, relativamente perto da base do PAIGC, em Kandiafara, onde é-lhes construída um "barraca de madeira"... 

Chega finalmente a hora da libertação, sendo trocados por guerrilheiros, que eram prisioneiros das NT. Depois de 3 dias de viagem chegam a Bafatá (,segundo o depoimento do Fortunato, mas deve ter sido em Quebo/Aldeia Formosa, onde se fez a troca de prisioneiros) (****), a 14 de setembro de 1974, e dali seguem para Bissau, por avião militar. 

Gostaríamos de saber do paradeiro deste camarada e convidá-lo para integrar a nossa Tabanca Grande. Contamos com os camaradas da Figueira da Foz para o localizar e convidar... O Fortunato era 1.º cabo at art  da CART 3332 (1970/72), do 3.º pelotão.  Nesta operação também participou o nosso saudoso grã-tabanqueiro Luís Borrega (1948-2013), ex-fur mil cav MA, CCAV 2749 / BCAV 2922 (Piche, 1970/72).

[Entrevista com Duarte Dias  Fortunato]

(Reprodução com a devida vénia) (*****)

A Guerra do Ultramar vitimou muitos portugueses que nunca mais tiveram a oportunidade voltar para Portugal e estar com as suas famílias. No entanto existem vários ex-combatentes que conseguiram voltar e contar as suas histórias. Num número bastante mais reduzido ainda há portugueses que, para além de ex-combatentes, são também ex-prisioneiros de guerra. Duarte Dias Fortunato, de 62 anos, residente na Figueira da Foz, é uma dessas pessoas que conseguiu sobreviver a 43 meses de prisão na Guiné, e foi denominado o desaparecido em combate.

Posts de Pescada [PP]: - Como foi a sua reacção quando descobriu que tinha de ir para a guerra lutar por uma causa em que poucos acreditavam?

Duarte (D): - Como eu, todos fomos obrigados a ir defender as nossas colónias para África, a reação nunca pode ser boa visto que deixei a minha família para trás sem saber se algum dia os ia voltar a ver.

PP: - E quando lá chegou?

D: - Quando lá chegamos, deparamo-nos com uma situação que não estávamos a espera, os nossos números eram bastante inferiores e, pior, não conhecíamos o terreno.

PP: - Foram essas as razões para a nossa derrota?

D: - Sim,  são algumas, mas foi desde início uma guerra sem sentido, já todos os países da Europa tinham libertado as suas colónias, menos Portugal. E morreram assim pessoas a lutar por uma causa perdida.

PP: - Como foi capturado?

D: - Foi numa emboscada que nos fizeram na mata sem estarmos à espera, a maior parte conseguiu fugir, outros morreram, eu fui capturado. Naquele momento percebi que tinha perdido a minha liberdade e que me tinha tornado num simples prisioneiro à mercê do nosso inimigo.

PP: - Sentiu que a sua morte estava perto naquele momento?

D: - Sem dúvida,  pensei que os meus dias iam acabar por ali, mas de repente o comandante do grupo ordenou que não me fizessem mal, visto que eu não tinha vindo para a guerra voluntariamente mas sim obrigado, e que como eles eu era um ser humano.

PP: - Nesse momento o que pensou?

D:
- Muitas coisas me vieram a cabeça, ganhei um bocado de esperança em poder vir a ser libertado, e também perdi algum medo, mas eu vi nos olhos do resto do grupo a vontade que tinham em fazer me mal e de se vingarem, e isso bastou para me intimidar mais.

PP: - Então quando o comandante não estava por perto o que acontecia?

D: - Era constantemente agredido, vinham uns pontapés depois uns empurrões e passava o tempo todo assim.

PP: - Porquê "Desaparecido em combate"?

D: - Ninguém sabia o que me tinha acontecido, se tinha sido preso, se tinha fugido ou se tinha sido morto.

PP: - O que lhe custou mais nos 43 meses de prisão?

D: - Foi uma tortura a nível físico e mental, era espancado para lhes dizer onde era a nossa base, só comia arroz cozido sem sal, a solidão era muita, mas sem dúvida o que me custou mais foi a distância da minha família.

PP: - Que noticias tinham eles?

D: - A eles já tinha sido comunicado o meu desaparecimento, e com o passar dos anos acabaram por fazer o meu funeral sem qualquer esperança do meu regresso, ou de sequer estar vivo.

PP: - E você tinha essa esperança?

D:
- Bem, eu sonhava em um dia poder voltar para casa, para a minha mulher e para uma filha que tinha nascido pouco antes de partir para a Guiné, mas a esperança era pouca, a situação era bastante difícil.

PP: - Como foi quando soube que ia ser libertado?

D: - Certo dia apareceram uns guardas com uns rádios e diziam para nós "Tuga, tuga, Marcelo caiu", referiam-se ao 25 de Abril em Portugal.

PP: - Qual foi a sua reacção?

D:
- A alegria era imensa, só pensava na minha família, que os ia voltar a ver, que consegui superar 43 meses de prisão em condições miseráveis.

PP: - O que aconteceu depois?

D: - Fomos trocados por outros prisioneiros, tratados com cuidados médicos e levados para Portugal de avião.

PP: - Como foi quando chegou?

D:
- Quando cheguei, fui directamente a casa da minha irmã que tinha em Lisboa, ao baterem à porta dizendo que o seu irmão estava lá, ela gritou da janela que isso era impossível visto que tinha desaparecido na Guiné.

PP: - E quando ela reparou que era verdade?

D:
- Desmaiou, quem abriu a porta foi a minha sobrinha. Reparei que estavam de luto pela minha morte. Mas depois acabei por passar uns dias no hospital de Lisboa,  visto que me encontrava bastante fraco, tanto física como psicologicamente

PP: - O que pretende fazer com esta história?

D:
- Muito mais havia para contar, pois cada dia que lá passei foi de fome, sofrimento, morte e vida por um fio nos longos 3 anos e 202 dias que passei preso por uma causa injusta. No entanto,  já tenho uma espécie de livro que conta mais detalhadamente a minha história.
________________

Notas do editor:

(*) Vd. postes de:


26 de março de 2016 > Guiné 63/74 - P15905: A guerra vista do outro lado... Explorando o Arquivo Amílcar Cabral / Casa Comum (18): "Prisioneiros de guerra": Duarte Dias Fortunato, António Teixeira, em 1971 (e depois mais seis, por ordem alfabética: António da Silva Batista, Jacinto Gomes, José António Almeida Rodrigues, Manuel Fernando Magalhães Vieira Coelho, Manuel Vidal e Virgílio Silva Vilar)

(**) Vd.  blogue A Guerra Nunca Acaba Para Quem se Bateu em Combate > 22 de fevereiro de 2011 > Guiné - Operação Mabecos , 22 de fevereiro de 1971

ACÇÃO MABECOS

Segunda-feira, 22 de fevereiro de 1971

- Ordem de operações nº 1, de 21 Fev. 1971 - Composição das forças: 1º, 2º, 3º e 4º PEL / CART 3332. 3º e 4º PEL /  CCAV 2749 ( BCAV 2922). Duas secções de milícias 249. Uma Secção de milícias 246, com Morteiro 60, e 30 granadas. Uma Secção Morteiro 81, 30 granadas. Artilharia Pesada: 4 Obus 11,4 com 160 Granadas, 2 Obus 14, com 100, 3 Obus 14 com 120 , e duas WHITE PEL/REC 2. 

- Objectivo. Posicionar-se próximo da fronteira, Rio Campa, junto ao Corubal, e bombardear posições IN na região de Foulamory (Guiné Conacri). (...)

(...) Rumaram ao objectivo. Já próximos, os "piras" do 3º GC CART 3332 passam para a testa da Coluna. E são vislumbrados à distância negros fardados. Uma consulta rápida para saber se ali havia segurança das nossa tropa... Não havia... Há que flanquear a progressão das tropas. Em continuo e, mal entrados no mato,, o  IN tenta o assalto. Abre-se a emboscada que,  de inesperada e traiçoeira e olhos nos olhos, é sufocante e tremenda. Há que se posicionar fazendo um recuo para se entrincheirar.

(....) Metralha intensa e violenta. Explosões que surpreendem, com fumo e pó que cegam. Tentativa de avanço do IN. Os "piras" do 3º GC CART 3332 defendem, ripostando, como podem a posição. Uma White cai numa cova e fica imobilizada:  a metralhadora encrava. A segunda White fica inoperacional, sem ter dado um tiro.  Há Unimogues semidestruídos. Feridos: alguns, com gravidade. O resto da força tinha ficado fora da linha de fogo. A 1ª secção do 3º GC já havia pago a factura: 3 mortos e um capturado em virtude da execução do flanqueamento. Anoitecia. O inimigo não abrandava a intensidade do fogo. Os nossos homens ripostavam. Entretanto os homens da Artilharia Pesada desengatam as peças de obus das Berliets e de imediato fazem tiro directo, sobre as copas das árvores em direcção à posição Inimiga. E silenciam - na, com mais munições.

A noite vai ser terrivelmente dramática. O inimigo, "manhoso", vai se aproximar, silencioso, para não ser alvejado. Vai ter oportunidade de assaltar e vandalizar os corpos feridos ou, já mortos, do 1º Cabo Costa e dos soldados Mota e Araújo. Os obuses batem a zona mais próxima com tiro tenso... No terreno os combatentes em trincheiras feitas com as mãos e facas do mato  não dormem. A manhã que tarda, sabe a poeira, pólvora, e a uma sensação estranha, que só quem viveu a guerra olhos nos olhos, sente. Para todos, era a segunda vez em menos de 15 dias. E ainda havia a lamentável e, dolorosa surpresa. Ninguém sabia, a já contada aqui.... Morte dos nossos 3 heróis e o desaparecimento do 1º Cabo [Duarte Dias] Fortunato. 

Surpresos, não queriam acreditar. Na acção de recuo posicional e, porque já de noite, não fora dada a falta destes elementos. Assim, era de espanto e derrota o semblante "negro" dos nossos heróis periquitos que juravam vingança (...).

(***) Vd. postes de;

30 de março de 2015 > Guiné 63/74 - P14418: Notas de leitura (698): “Elefante Dundum – Missão, testemunho e reconhecimento”, por João Luíz Mendes Paulo, edição de autor, 2006 (1) (Mário Beja Santos)

(****) Vd. poste de 11 de dezembro de  2011 >  Guiné 63/74 - P9180: Troca dos últimos prisioneiros: 35 guerrilheiros do PAIGC e 7 militares portugueses (Parte II) (Luís Gonçalves Vaz)

(...) Relativamente à troca de prisioneiros no teatro de operações da Guiné (...), gostaria ainda de adiantar, com base no Relatório da 2ª Repartição do QG do CTIG (Comando Territorial Independente da Guiné), autenticado pelo Chefe da 2ª Rep, o major de infantara Tito José Barroso Capela, classificado na altura como um Dossiê SECRETO, a saber:

De acordo com o previsto no Acordo de Argel, tudo se preparou (da parte dos Portugueses), para que a operação "troca dos prisioneiros" se efectuasse na data estipulada. Assim a 9 de Setembro [de 1974], seguiram de Bissau para a Aldeia Formosa os 35 prisioneiros (guerrilheiros do PAIGC), que no dia anterior tinham vindo da Ilha das Galinhas, e a comitiva das nossas tropas que os acompanhavam.

Esta era constituída por, a saber: 2ª comandante do CTIG, coronel tir CEM Santos Pinto; director do Hospital Militar, tenente-coronel médico Viegas; chefe da 2ª Rep do CTIG, major de inf Tito Capela e o comandante do COP5, capitão-tenente da marinha Patrício; major inf Hugo dos Santos; 1ª tenente da marinha Brandão, capitão de cav Sousa Pinto; capitão de cav Ramalho Ortigão e dois soldados da Polícia Militar.

Todos estes elementos foram transportados de Nord Atlas, comandado pelo capitão piloto-aviador Carvalho, que fez duas viagens entre Bissau - Formosa e que levou igualmente um representante do PAIGC, o comandante Lamine Sissé, e cerca de vinte jornalistas nacionais e estrangeiros que se propunham fazer a cobertura do acontecimento.

A permuta de prisioneiros não chegou a efectuar-se em 9 de setembro de 1974, em virtude do PAIGC não ter apresentado os prisioneiros das NT (nossas tropas), retidos em seu poder, nessa data. Como consequência, os elementos das NT e jornalistas (nacionais e estrangeiros) regressaram pelas 16h00 a Bissau,  tendo ficado em Aldeia Formosa o capitão-tenente Patrício com os 35 PG / PAIGC, que aí aguardaram até a chegada dos PG / NT.

Nesse sentido, o Encarregado do Governo da Guiné telegrafou à Direcção do PAIGC manifestando a sua estranheza pela não apresentação dos prisioneiros de guerra  [PG] por parte do Partido. Em resposta, Luís Cabral apresentaria desculpas,  esclarecendo que a demora tinha sido devida "ao mau estado das estradas", não tendo sido possível por isso transportar os prisioneiros como fora planeado...

(...) Imediatamente após a troca, foi feita a identificação (, soldados António Teixeira, Jacinto Gomes, António da Siva Batista, Manuel Pereira Vidal; e 1ºs cabos Duarte Dias Fortunato, Virgílio da Silva Vilar e Manuel Fernando Magalhães Vieira Coelho), tendo os prisioneiros e a comitiva regressado de avião a Bissau. Ficaram instalados no Hospital Militar de Bissau e,  no dia seguinte, dia 15 de setembro de 1974, seguiram por via área para Lisboa. (...)


(*****) Último poste da série > 19 de janeiro de 2016 >Guiné 63/74 - P15638: Blogues da nossa blogosfera (73): No Blogue "Portugal e o Passado", A Agonia do Império, de Fernando Valente (Magro)

domingo, 27 de março de 2016

Guiné 63/74 - P15908: Manuscrito(s) (Luís Graça) (80): Páscoa... ou quando a travessia da picada da vida, com todos os seus riscos, medos, minas e armadilhas, é bem mais fácil, se for feita em conjunto, de maneira solidária, partilhada... Boa Páscoa para os nossos aniversariantes de hoje e para toda a Tabanca Grande!


O Natal e a Páscoa são datas incontornáveis, para nós, portugueses,  pelo menos os da nossa geração. 

É raro eu falhar, na Páscoa (e no Natal), a ida ao norte. Este ano, por um conjunto de circunstâncias, não me é possível lá estar. 

Mas não quis deixar de, à distância, me associar ao espírito festivo da Páscoa nas minhas tabancas do Norte... Acabei de fazer, de improviso, umas quadras que mandei, agora mesmo, quando a festa já está no ar... Sei que vou ter cartão amarelo por falta de comparência... mas espero que o árbitro releve a minha falta. 

Como este ano, por coincidência, há também 3 aniversariantes nortenhos da nossa Tabanca Grande (o Carlos Vinhal, o Eduardo Magalhães Rodrigues e a Maria Dulcinea) e   um ribatejano (o Armando Pires), quero partilhar convosco (ou "com vós", como se diz no Norte) esses versinhos, estendendo os meus votos de boa Páscoa a toda Tabanca Grande e demais homens e mulheres de boa vontade. 

Qualquer que seja o significado que a Páscoa possa ter para cada um de nós, há nela uma mensagem de sentido universal e intemporal: a travessia da picada da vida, com todos os seus riscos, medos, minas e armadilhas, é bem mais fácil, se for feita em conjunto, de maneira solidária, partilhada... Mesmo sabendo todos nós, que o nascer e o morrer são os atos mais intrinsecamente solitários da vida humana...  LG


Para as famílias Soares e Carneiro,
seus convidados
e compasso pascal da Madalena...

Para os aniversariantes de hoje...

Para toda a Tabanca Grande...

Para todos os homens e mulheres de boa vontade...


Olha o compasso pascal,
Visitando a freguesia,
Nesta casa, é bom sinal,
Traz-nos a fé e a alegria.

Traz-nos a fé e a alegria,
Que todos bem precisamos,
É a Santa Páscoa o dia
Em que as forças renovamos.

Em que as forças renovamos,
Como seres humanos e cristãos,
Boas festas desejamos,
Pais, filhos, amigos, irmãos.

Pais, filhos, amigos, irmãos,
Vizinhos da Madalena,
Mais os de longe que aqui estão,
E quem não veio vai ter pena.

E quem não veio vai ter pena,
De neste ano faltar,
Mas fez esta cantilena,
Para com vós partilhar.

Para com vós partilhar
As coisas boas do Norte,
E a amizade reforçar
Com um abraço bem forte.

Lisboa, domingo de Páscoa,
27 de março de 2016, 10h30
Luís Graça

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