sexta-feira, 20 de junho de 2008

Guiné 63/74 - P2969: Com os páras da CCP 122 / BCP 12, no inferno de Gadamael (Carmo Vicente) (6): O grande comandante Araújo e Sá (Manuel Rebocho)

1. Mensagem do Manuel Rebocho, com data de 14 de Maio:


Camarada e amigo Luís Graça

Acabo de ler as tuas duas mensagens, sendo indiferente a qual delas respondo.

Estou em Bissau, onde me desloquei, como tinha prometido, num mail que te enviei, com pedido de publicação, o que não aconteceu.

Vim para me certificar do ponto em que se encontravam as transladações das ossadas dos meus camaradas de Guidaje, já que algo me dizia que nem tudo estava a dar certo. As conclusões que tirei foram duas:

(i) Não irá ossada nenhuma para Portugal;

(ii) O assunto vai degenerar numa enorme confusão diplomática.

Não tenho nada com o assunto. Eu desloquei-me, o ano passado à Guiné-Bissau, tendo então feito, em nome pessoal, um pedido às autoridades guineenses, que o aceitaram. Não pedi a intervenção de ninguém, se houve autoridades portuguesas que se envolveram, fizeram-no por única decisão e responsabilidades suas.

Eu disse aos Generais Pára-Quedistas, numa reunião em Cantanhede, que eles não eram, pelas razões que lhe apontei, as pessoas indicadas para conduzirem um processo deste melindre diplomático. Não entenderam assim, e têm toda a legitimidade para julgarem pela sua própria cabeça, mas esperemos, tranquilamente, pelos resultados.

Se faço esta referência, numa mensagem que aparentemente, nada tem com a questão que me colocas, é porque as considero muito ligadas e tem a ver com a maneira como interpretamos o mundo à nossa volta e nos integramos nele.

Sou amigo do Carmo Vicente há muitos anos, sabia que ele tinha publicado o livro em questão, não o li, como não li o anexo que me enviaste (1). Tenho uma visão da Guerra de África, que é a minha. Os valores não podem ser espezinhados a troco de quaisquer lentilhas de ocasião.

O meu camarada Carmo Vicente tem todo o direito à sua opinião, muito embora eu a não acompanhe.

O então Comandante dos Pára-Quedistas, Tenente-Coronel Jorge Rendeiro de Araújo e Sá (2), era um homem duro, extremamente exigente, mas um Comandante de eleição, tendo atingido níveis de competência que eu nunca vi em nenhum outro Oficial Superior.

No dia 15 de Maio de 1973, quando Jamberém estava sem abastecimentos e uma Companhia de Pára-Quedistas tivera 1 morto e 11 feridos, na tentativa de lhe fornecer alimentos, este homem, que alguns se esforçam por criticar, determinou a deslocação da minha Companhia, de Caboxanque para Cadique, com o objectivo de romper o possível cerco, já que hoje todos falam de cerco, sem ninguém os ter visto. A operação, planeada pelo Grande Comandante Araújo e Sá, previu tudo até ao mais infimo pormenor. Tudo se fez, sem tão pouco um arranhão.

Quando foi colocado a comandar Gadamael-Porto alterou todo o sistema e acabou-se a confusão. Os males de que se fala de Gadamael-Porto, montam aos dias anteriores à sua chegada àquele Comando.

Mas tinha outros defeitos, de que te dou dois exemplos que me envolveram:

Quando estava em Caboxanque, tanto eu como o então Segundo Sargento Joaquim Manuel Delgadinho Rodrigues tínhamos que ir a Bissau fazer exames, no Liceu. O Capitão chamou os dois e disse-nos:
- Eu não assumo a responsabilidade da deslocação, dos dois, no mesmo dia a Bissau, um dos dois tem que ficar na Companhia, pode haver um problema grave e um dos dois tem que o resolver.

Eu disse que ia o Rodrigues, ficava eu. Só que as coisas não ficaram por aqui: o Rodrigues quando chegou a Cufar, onde o Comandante se encontrava, foi falar com ele, no que foi proibido pelo então Segundo Comandante Major José Alberto de Moura Calheiros, que alguns querem hoje santificar. Só que os factos entraram em fase de descontrolo, e o Rodrigues não lhe obedeceu. O Comandante Tenente-Coronel Araújo e Sá desautorizou o seu Segundo Comandante e recebeu o Rodrigues de imediato.

O Rodrigues protestou pelo facto de eu não poder ir fazer exame, elegando que com tanta gente no Cantanhez não se compreendia a impossobilidade de um homem se afastar. Araújo e Sá disse-lhe que compreendia a posição dele, mas infelizmente as coisas eram assim.

Num outro momento, houve um Tenente que me disse qualquer coisa de que não gostei e eu chamei-lhe "filha da puta", frase de que não me orgulho, mas saiu e não há volta a dar-lhe. O Tenente correu para o Gabinete do Comandante, fazendo queixas de mim. O Comandante, na minha frente, porque segui atrás do Tenente, mandou-o sair, dizendo que os "Pára-Quedistas não eram uma casa de meninas".

Era um Comandante de quem os bons militares tinham tudo, como se comprova; os outros, bem os outros têm opiniões diferentes, que eu respeito e conheço, mas, como é natural, eu vivo no meu mundo e não nem nunca no mundo alheio.

Este homem, que comandou os Pára-Quedistas, no Cantanhez e foi enviado para Gadamael, que ninguém "desenrolava" foi, no fim da sua comissão, na Guiné, condecorado com a medalha regularmente atribuída aos Chefes de Secretaria, quando todos esperávamos que lhe fosse atribuída a medalha de Torre e Espada.

Ficou entre ele e os spinolistas, grupo que integrava, se é que não integra, os melhores Oficiais do Exército português de então, o relacionamento que se pode compreender.

Quando da preparação dos acontecimentos de 11 de Março de 1975, os spinolistas necessitaram das capacidades de Araújo e Sá, já que os preparadores da tentativa de golpe de estado não se revelaram muito capazes. Araújo e Sá não os apoiou, ficou indiferente e a seguir mal com todos.

Muita gente tenta hoje chamar a si decisões que foram de Araújo e Sá, e eu vou "comprando umas brigas", pois não aceito mentiras.

A última tentativa é a de atribuírem a outro Oficial o comando da operação de resgate do Tenente Piloto Aviador Pessoa. Eu estive na operação, sei que falei com Araújo e Sá, via rádio, que me transmitiu as instruções que na altura eram apropriadas, para além de que possuo fotocópia do relatório da operação.

Meu caro camarada e amigo Luís Graça, todos os homens de grande valor são controversos, e podem ser observados segundo vários ângulos, pelo que o modo como os observamos acaba por nos caracterizar mais a nós do que a eles.

Já me alonguei e podia estar aqui uma semana a escrever que nunca terminava. Publica o que entenderes, faz a tua própria leitura, escolhe o teu próprio ângulo de observação. Reconheço, como já disse, a existência de várias posições e, quem me conhece já me conhece.

Um grande abraço

Manuel Rebocho
~
Ex-sargento pára-quedista,
CCP 123 / BCP 12
(Guiné, Maio de 1972/Julho de 1974),
hoje Sargento-Mor Pára-quedista, na Reserva,
e doutorado pela Universidade de Évora
em Sociologia da Paz e dos Conflitos
(tese de doutoramento:
"A formação das elites militares portuguesas
entre 1900 e 1975")

__________

Notas de L.G.:

(1) 1) Vd. postes de:



4 de Junho de 2008 > Guiné 63/74 - P2915: Com os páras da CCP 122/ BCP 12, no inferno de Gadamael (Carmo Vicente) (1): Aquilo parecia um filme do Vietname

5 de Junho de 2008 > Guiné 63/74 - P2917: Com os páras da CCP 122/BCP 12 no inferno de Gadamael (Carmo Vicente) (2): Quase meia centena de mortos... Para quê e porquê ?


(2) O Ten Cor PQ Sílvio Jorge Rendeiro de Araújo e Sá foi comandante do BCP 12 de 14 de Dezembro de 1971 a 20 de Janeiro de 1974

Vd. também o poste de 29 de Maio de 2007 > Guiné 63/74 - P1793: Operação Muralha Quimérica, com os paraquedistas do BCP 12: Aldeia Formosa, Guileje e Gadamael, Abril de 1972 (Victor Tavares)



(...) "Louvor ao Batalhão de Paraquedistas 12


O Comandante Operacional das Forças Terrestres Tenente-Coronel Paraquedista Araújo e Sá, no Relatório de Operações, fez uma destacada citação às tropas participantes não pertencentes ao BCP 12, designadamente às duas Companhias de Comandos Africanos e às Companhias de Caçadores 3477, 3399 e CCAÇ 18 pelo seu espírito de missão, assim como aos Pilotos da Força Aérea com saliência para o Alferes Trindade Mota, Piloto de Helicanhão.


"Também relacionado com a Operação Muralha Quimérica, o Comandante-Chefe das Forças Armadas da Guiné concedeu ao Batalhão de Paraquedistas um Louvor que relevava a forma valorosa como, uma vez mais, as Tropas Paraquedistas do BCP 12 se tinham batido neste Teatro de Operações.Findo este período as nossas forças regressaram em LDG ao BCP 12 para retemperar forças e preparar-se para novas missões" (....).

1 comentário:

Anónimo disse...

TAMBEM PARTICIPEI NO RESGATE DO TEN PESSOA.
O MEU CONHADO EDUARDO CAMPOS QUE ESTEVE EM CUFAR CORROBORA NA INTEGRA A OPINIAO DO REBOCHO ACDERCA DO TEN COR ARAUJO E SÁ,POIS TEVFE O PRAZER DE CONVIVER E VIU AS LÁGRIMAS DESSE GRANDE HOMEM QUANDO INFORMOU O PESSOAL QUE IA PARA GADAMAEL.
J CARVALHO.