Capa do livro de Benigno Rodrigo, O Princípoio do Fim. Porto: Campo das Letras. 2001. 78 pp (Campo da Memória, 6). Preço: c. 15 €
Foto: Luís Graça & Camaradas da Guiné (2007). Direitos reservados.
Texto, de recensão bibliográfica (1), enviado em 20 de Novembro de 2006 pelo Mário Beja Santos, ex-alferes miliciano, comandante do Pel Caç Nat 52 (Missirá e Bambadinca, 1968/70), e actualmente assessor principal do Instituto do Consumidor.
Olá Luís, ando a rejuvenescer com a nossa escrita comum. Uma vezes a memória incendeia-se com imagens que estavam completamente diluídas ou hibernantes; recordo vultos, gente que se aproxima e parece que me quer ajudar naquelas vivências que aqui procuro registar. Ando pela Feira da Ladra e aos poucos compro, a pataco, livros que me marcaram na guerra. Por exemplo, Praias da Barbária, por Norman Mailer. Vou lendo e relendo, sôfrego e às vezes a sentir-me com 25 anos. As grandes dores vão começar esta semana com o Presépio de Chicri (2). Vê se marcas o nosso almoço no princípio de Dezembro, quando ainda estivermos com os olhos puros sem a poluição do comércio de Natal.
E correspondendo ao aviso do A. Marques Lopes, li O Princípio do Fim. Para quem amanhã quiser fazer a história da Guiné e conhecer o desmoronamento do Leste [da Guiné], de 1973 para 1974, é leitura obrigatória. Vou mandar-te hoje o livro para o nosso património. Recebe toda a estima do Mário.
Guiné, o desabar das ilusões da vitória militar
por Beja Santos
Não sei se existiu o soldado António Rodrigues que vivia em Gondizalves, a três quilómetros de Braga e que foi mobilizado em 1973 para a Guiné. O relato que nos dá Benigno Fernando (O Princípio do Fim, Porto, Campo das Letras, 2001) (3) goza de um aspecto singular, já que gere a ilusão de um depósito de informações que são transmitidos ao autor num tom coloquial, em que a memória rodopia de acordo com as necessidades da pertinência do testemunho. Os mancebos vão às sortes e no caso do Rodrigues foi apurado para soldado condutor.
Foi praxado, emocionou-se na carreira de tiro, jurou bandeira, foi escalado para fazer piquetes, correu meio país até formar batalhão em Estremoz e daí seguiu para a Guiné, em Setembro de 1973. Foi a Gondizalves despedir-se do pai e da mãe e dos amigos que o acompanharam à estação de Braga. A viagem no Niassa foi horrível, num porão sem higiene nenhuma. Os soldados procuravam referências por região e local.
Em Bissau fez um estágio sobre Berliett, mais propriamente no Cumeré. Segue-se uma viagem até Bolama, onde se simulou uma atmosfera de guerra (ali ouviam-se os canhões a funcionar sobretudo em Tite e S. João). Em Outubro seguiram para o Leste da Guiné, o batalhão ficou em Pirada, a companhia do Rodrigues em Bajocunda. Achou a viagem aborrecida até ao Xime, e daqui seguiram para Bambadinca e depois Bajocunda.
"Era uma povoação apenas com um troço de picada, ladeada por algumas tabancas e cercada de arame farpado". Começa a ouvir tiroteio todos os dias, entra na rotina das colunas militares, e vai para Copá.
Porventura, Benigno Fernando dá-nos aqui o melhor do relato com os ataques de fim de ano e os primeiros meses de cerco implacável do PAIGC. Copá é sistematicamente flagelada até soldados enlouquecerem e fugirem para Pirada e Canquelifá. Em Março um avião português é abatido, as estradas minadas, as pontes destruídas. Está organizado o inferno, a retirada é decidida por Bissau.
Quem amanhã fizer a história detalhada do desmoronamento do Leste precisará deste relato de Benigno Fernando: é uma água forte de violência , de delírio e de combate sem sentido. O relato culmina com o 25 de Abril, a abertura de negociações com o PAIGC, depois Bissau e depois Lisboa e Braga.
É um relato que não ilude a ternura e não guarda rancores. Para o António Rodrigues há saudades e também a tristeza dos seus mortos e feridos. Lembra-se da Guiné e "Só espera que aquele povo consiga encontrar a prosperidade que merece".
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Notas de L.G.:
(1) Vd. último post desta série: 28 de Novembro de 2006 > Guiné 63/74 - P1323: Bibliografia de uma guerra (15): Os Mastins e o Disfarce, de Alvaro Guerra (Beja Santos)
(2) Vd. post de18 de Dezembro de 2006 > Guiné 63/74 - P1376: Operação Macaréu à Vista (Beja Santos) (25): O presépio de Chicri
(3) Nota sobre o autor, de acordo com o que o vem na contracapa do livro:
Benigno Femando nasceu em Massarelos, Porto, em 1960. Começou a trabalhar aos dez anos de idade. Em 1975, iniciou a prática de futebol no Sport Comércio e Salgueiros, prolongando esta actividade durante treze anos em diversos clubes amadores.
Durante a década de 90, colaborou na secção desportiva dos jornais O Primeiro de Janeiro e O Portuense. Trabalha nos Serviços Municipalizados de Águas e Saneamento do Porto desde 1979. Reiniciou os estudos no final dos anos 80 e ewm 2001 estudava na Escola Secundária Alexandre Herculano.
O Princípio do Fim é o testemunho de um militar (o soldado condutor auto Rodrigues, da 1ª Companhia do Batalhão nº 8323) que esteve na zona leste da Guiné durante a Guerra Colonial:
"(...) Às 18 horas e 10 minutos, o barco dava o sinal de partida, ouviam-se os últimos gritos da multidão, a um canto encontrava-se o Banharia a chorar pela mãe, e fazia-o de tal maneira que parecia que o barco iria pelo ar. Passado pouco temnpo, já dançava e cantava; tinha uma pancada mas era castiço.
"Chegava a noite; os que tinham começado a enjoar deitaram-se cedo, a maioria só foi para as camaratas perto da meia-noite e a essa hora ainda se conseguia ver luzes na costa portuguesa. Essa vista começava a provocar-lhes uma nostalgia, e foi nesse momento que o Rodrigues começou a pensar: - É o princípio do fim. " (...) (p. 14).
Blogue coletivo, criado por Luís Graça. Objetivo: ajudar os antigos combatentes a reconstituir o "puzzle" da memória da guerra colonial/guerra do ultramar (e da Guiné, em particular). Iniciado em 2004, é a maior rede social na Net, em português, centrada na experiência pessoal de uma guerra. Como camaradas que são, tratam-se por tu, e gostam de dizer: "O Mundo é Pequeno e a nossa Tabanca... é Grande". Coeditores: C. Vinhal, E. Magalhães Ribeiro, V. Briote, J. Araújo.
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7 comentários:
O condutor Antonio Rodrigues existe mesmo,alias,é meu tio...A familia é de Braga mas ele reside actualmente no Porto.qualquer contacto que por acaso alguem queira,deixo o meu e-mail: rui_alves_52@hotmail.com.
quero dizer ao nosso Amigo e camarada
de blogue que o condutor António Rodrigues existiu sou Amilcar Ventura
ex. Furriel Mecânico Auto da 1ª Compª
do Batalhão Cavalaria 8323 e fui comandante do Soldado Condutor Auto António Rodriguis, agora o aldrabão é o autor do livro que deturpou em muito a escrita do meu Condutor António Rodrigues.
a resposta anterior é para o nosso camarada Beja Santos sobre a duvida dele se existe ou não o soldado condutor António Rodrigues.
Amigo Beja Santos faz como eu e pede ao António Rodrigues o verdadeiro PRINCIPIO DO FIM , porque o que anda por aí não é o do António Rodrigues é de um individuo com muita baixeza que enganando o António publicou as suas memórias para ás custas disso ganhar dinheiro disse ao António uma coisa e fez outra.
AMILCAR VENTURA, se leu o original do livro "O Principio do Fim" pedia que me esclarecesse se a emboscada de Copá para Bajocunda está descrita em 14-01-74, e se houve apenas 1 morto, porque essa coluna ocorreu a 15-01-74, e houve 2 mortos, já a coluna de Bajocunda para Copá, foi a 13-01-74, onde rebentaram 2 minas que pelo que soube, fizeram alguns feridos e destruiram um Unimog, que foi queimado pelo IN. dia 14-01-74.
Amigo e camarada de Guiné José Marques,só hoje vi o teu comentário e respondendo ás tuas questões há aqui uma grande confusão de datas e de emboscadas, que eu me lembro a única emboscada em que houve mortes foi a 7 Janeiro 74 uma coluna que ia para Copá levar mantimento e houve dois mortes, um foi o Silvano Alves e o outro foi o Rui Patricio, o Rui morreu debaixo da primeira Berliet que ficou completamente ardida o outra Berliet a que levava os mantimentos pisou uma mina ficou um bocado destruida,mas viemos a recupera-la logo passados dois dias,se quiseres mando-te fotos desta emboscada,foi muito perto de Bajocunda e eu e mais alguns camaradas fomos apoia-los assim que ouvimos o rebentamento da mina, quando falas numa emboscada em que rebentaram duas minas quero te dizer que não perdi nenhum Unimog na Guiné e nem me lembro de emboscada em que tal aconteceu,também te quero dizer que só houve uma emboscada de Copá para Bajocunda foi há ambulância que o Marcelino da Mata apanhou ao PAIGC e que eu e mais o meu Mecânico Grou fomos buscar, penso que que respondi ao que querias mas se quiseres mais algum esclarecimento manda-me um email.
UM ABRAÇO
Camarada VENTURA
É certo que á muita confusão de datas e ataques, e o que me leva a escrever é o esclarecimento.
Estive em Bajocunda de cerca de 09-01-74 a 14-02-74, menos 10 dias devido a ser integrado numa coluna a Nova Lamego.
Na coluna de Bajocunda para Copá ser efectuada a 13-01-74, com o rebentamento de 2 minas, fazendo pelo menos 2 feridos e a destruição de um Unimog e de Copá para Bajocunda ser efectuada a 15-01-74 e haver 2 mortos, não tenho duvidas, porque 1 era da minha companhia (José Romão Alexandre)e outro seria possivelmente (joão Machado Francisco)da C.Art.6254/72
apenas os dois falecidos nesse dia e o Unimog ser queimado no dia 14-01-74, pelo IN.
Sobre o Unimog queimado, estava distribuido á minha Companhia (3ªC.Caç/Bat.4516), levantados á pressa a 07-01-74 em Bissau.
Sobre duvidas à distância de 35 anos, são muitas; como os 5 ataques consecutivos a Copá, que julgo terem terminado a 31-01-74, com o abate de um Fiat; a data da operação do Marcelino da Mata, na captura da ambulância, entre outras.
Com amizade junto
Email: j_b_marques@hotmail.com
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