domingo, 25 de setembro de 2011

Guiné 63/74 - P8819: Viagem à volta das minhas memórias (Luís Faria) (44): Destacamento de Mato Dingal, umas instalações seguras

1. Mensagem do nosso camarada Luís Faria (ex-Fur Mil Inf MA da CCAÇ 2791, Bula e Teixeira Pinto, 1970/72), com data de 21 de Setembro de 2011 com mais uma viagem à volta das suas memórias:

Olá Vinhal, um abraço
“Viagem à volta das minhas memórias” transporta-me destas vez a tempos vividos com certa tranquilidade e facilidade, em que e talvez por esse facto, a grande parte das lembranças que retenho são “flashes” intermitentes e sem sequência, não me permitindo com o mínimo de rigor situá-los em tempo e espaço ou enquadrá-los numa acção.
Talvez a 24 deste mês aquando da nossa reunião anual, surja alguma luz.

Um abraço a todos
Luís Faria

Viagem à volta das minhas memórias (44)

Destacamentos: Mato Dingal

Enquanto a passagem dos dias ia avançando morosamente, aproximando-me da partida para um mesito de descanso no “Puto”, recebo ordem para substituir em Mato Dingal o Alf Mil Gaspar que, creio foi de férias. Este era o primeiro destacamento que se encontrava na estrada asfaltada Bula – João Landim e onde estava estacionado o 4.º GCOMB.

Pequeno, aberto e simpático, confinava praticamente com o asfalto e se bem me recordo, atravessando-o entrava-se na tabanca habitada por uma população que rondaria as mil e duzentas almas, ao que lembro ordeira, fiel e prazenteira, talvez a que nos inspirava menos desconfiança.

Mato Dingal – neste buraco julgo que iria ser instalada a base do monumento

Aviso de “instalações seguras”

Se em Augusto Barros a vida não era má, por estas bandas era bem melhor. Eram tempos descansados, sem sobressaltos de especial e a proximidade e facilidade de chegar a Bula parecia-me fazer o tempo acelerar um pouco. Idas a Augusto Barros seriam as indispensáveis para abastecimento de géneros e poucas mais.

Não houve qualquer dificuldade em assumir de novo e temporariamente o comando do pessoal daquele destacamento. Rapaziada e eu conhecíamo-nos bem e entrosávamo-nos melhor! Daí tudo sair facilitado e não haver incidentes ou questiúnculas e a disciplina e segurança necessárias eram, digamos assim, adaptadas automaticamente.

Bons dias por lá passei e em boas companhias.

Exercer e promover a “psícola” era mais para os Furriéis Fontinha e Chaves (Obelix). Ao que recordo a tabanca era deles?! Nesse aspecto e pela minha parte como responsável pelo destacamento, resguardava-me um tanto, não me fragilizando para o caso de ter de exercer a autoridade que detinha, num qualquer diferendo que houvesse com a População. Que lembre só tive um, por causa de um leitão. Deu-me até umas dores de cabeça com o Comando, Coronel “dez para o meio-dia” que quase ficou com a cabeça no “meio-dia certo”, de tanto barafustar comigo.

Por aquelas bandas tive a oportunidade der usufruir de experiencias novas, talvez até inovadoras, de que recordo três:


A “Vagomestria”

Já não sei se inerente ao cargo se por moto próprio, assumir a função de Vagomestre foi uma delas, interessante e motivadora, que ainda hoje nos encontros é por vezes evocada com bocas “foleiras” e risos do tipo: - “Oh Faria… até ao dia vinte tirava-se a barriga de misérias, mas depois… era só “bianda” com “bianda”…! (claro que o vernáculo vem a seguir). “Perdoai-lhes deus (menor) pois não sabem o que dizem”!!!

Na verdade foi mais ou menos assim naqueles um ou dois meses (já não posso precisar) que por lá passei. Comia-se bastante bem em variedade, quantidade e qualidade, esta devida ao Cozinheiro que era espectacular. Só nos últimos dias do mês, com o “patacão “ dos frescos tão esgotado que nem dava para o meu maço de tabaco, contratualizado comigo mesmo, é que se comia “à quartel” !? (modo de dizer, sem ofensas nem juízos de valor).

Pois…, logo de início avisei o pessoal que se ia comer à maneira e que aquela trabalheira toda teria que dar para um maço de tabaco (Português Suave sem filtro) diário.

Já não estou certo se o “desvio”aconteceu ou não …talvez sim (?!) mas o que é facto e ao que sei, comia-se quase como num hotel, chegando a vir por vezes pessoal de outro destacamento ( João Landim) e até de Bula, saborear o repasto, à borla é claro.

Tenho ideia de fazerem parte da ementa o bacalhau com todos (inclusive meia lata de vagens para cada um) , leitão assado no forno; frango assado ou frito (meio para cada), bife com ovo, peixe frito e cozido… de sobremesas recordo as meias latas de fruta em calda para cada boca… acompanhamento de saladas …

Todos esses “pesos” que recebíamos para gerir em “frescos”, eram gastos em abastecimentos na tabanca, em Bula e Bissau. Julgo que seria normal, esperado e até incentivado, que boa parte deles fosse também utilizado em abastecimentos na Companhia. Claro que isso seria mais prático, mais cómodo e daria menos dor de cabeça ou trabalho. Mas connosco, não acontecia!

Quem não achava muita piada era o nosso Primeiro, já que era eu e só eu que escolhia o que queria dos produtos disponíveis da Companhia e não abdicava nem de um “peso” da dotação para o que se chamava “frescos”. Olhado de “ladegos” quando lá ia, era um “exemplo a não seguir”.


A minha “Obra prima”

Descobrir a “propensão“ para as “Artes plásticas” (?!), foi outra experiencia de excepção que me entusiasmou e que resolvi exercer em benefício estético visual das instalações (?!), do equilíbrio emocional (?!) e em prol da “coltura” um tanto ausente (?!)!

Correndo o risco de acabar por ser vaiado ou mesmo escorraçado por “elites” cépticas, tinha que meter cabeça e mãos ao trabalho.

Desde logo foi imperioso um pouco de tranquilidade e paz de espírito, que permitiu à sensibilidade criativa (?!) “atonar ”. Depois não foi fácil escolher e conseguir os materiais necessários à execução que se adaptassem e permitissem a livre expressão da Alma, convertida ao momento pelas mãos e perspectiva visual!?!

Tempo depois e muita concentração, uma obra que recordo acaba por ver a luz do dia. Prima para mim, nela usei toda a sensibilidade a par de muito e delicado manuseamento, compensado é certo pelo deleite que se usufruía consoante se ia mirando e sentindo. Era para mim, realmente prima !?! Prima de primeira, é bom não haver confusões. Nada de “Quanto mais prima, mais se lhe arrima!”

Como à altura não a queimaram nem houve críticos quezilentos ou desfavoráveis, quiçá por receio de represálias, por lá ficou em todo o seu esplendor à entrada da messe, ofertada e ao serviço da “coltura”, digo eu!? Resta-me a imagem que vou postar, para eventual deleite de quem a vier a mirar e sentir! É de nota o posicionamento do confortável “sofá”, de molde a melhor permitir que o apreciador se deixasse levar pelo sonho.



Obra Prima - “Procópio a cachimbar na canícula” (será o nome?)

Bem, mas nem só nas artes (Culinária e Plástica) se viveram novas experiencias, também no Desporto aconteceu, de modo efémero, é certo.


O jogo de “cacimbados”

À falta de “matrecos” e bilhar, só a bola constava no cardápio do desporto. Assim, uma “mente brilhante” gastou-se – depois deve ter-se agastado (não lembro) – na invenção de um jogo que permitisse campeonatos rápidos e musculados e ao mesmo tempo direccionado ao apaziguamento subtil da acção de quaisquer vapores etílicos acumulados anteriormente. Assim nasceu um jogo, viril e nada entediante, uma espécie caseira de “Air hóquei” (se bem lhe chamo), em que os instrumentos do jogo eram a mesa da messe, uma lata de coca – cola, os punhos dos adversários.

Com em todos os jogos, o objectivo era… ganhar. Creio que o tempo de jogo era definido (e pouco) e quem perdia (talvez uma cervejola) era o “atleta que sofresse mais golos ou desistisse antes de acabado o tempo. Assim podia acontecer que quem marcasse mais golos… perdesse. A coisa estava bem engendrada e como se poderá perceber, até final do tempo a vitória era uma incógnita, já que a resistência física e psicológica era crucial ao desempenho.

Assim, nos topos da mesa da messe (distanciados talvez uns dois metros passantes) abancavam os dois adversários e para os espectadores, caso houvesse, não havia lugares sentados! Tirada a sorte para ver quem abria a jogatana, uma lata de “Coca-Cola” cheia era-lhe colocada à frente e com uma murraça o jogador tentava que a “bola” saísse pelo topo da mesa contrário, onde também a murro (só eram permitidos murros) o adversário tentava defender, mandando-a de volta para o outro, agora a defender e assim sucessivamente até surgir o golo. Posta a “bola” de novo em campo, o flagelo continuava.

Como se compreenderá, os nós dos dedos é que sofriam ao aguentar o impacto da massa aumentada pela velocidade que a “bola“ atingia …enfim! Como pelos vistos não havia suficientes cacimbados masoquistas, este potencial belíssimo campeonato foi na verdade efémero.

Luís Faria

(Texto e Fotos: Luís Faria)
____________

Nota de CV:

Vd. último poste da série de 12 de Julho de 2011 > Guiné 63/74 - P8546: Viagem à volta das minhas memórias (Luís Faria) (43): Augusto Barros - Apontamentos

7 comentários:

manuelmaia disse...

LUÍS,

TENS DE REGISTAR ESSE DESPORTO,O AIR HOQUEI ( CREIO TER SIDO ESTE O NOME QUE DESTE AO JOGO DO MURRO NA LATA DE COCA COLA...) PORQUE SEMPRE PODERÁ HAVER A POSSIBILIDADE DE SE TORNAR MODALIDADE A TER EM CONTA ( JÁ HÁ TANTAS TÃO ESTRANHAS...) PARA OS JOGOS PARALÍMPICOS ENQUADRADA NO SECTOR DOS APANHADOS DO CLIMA...
abraço
manuelmaia

Hélder Valério disse...

Caro camarigo Luís Faria

Um relato 'fresco' e muito interessante. Bem contado, com humor. Destaco o 'olho' do Maia para a necessidade urgente de registar a 'patente' do jogo que revelaste. Ele tem razão e além do mais é também um contributo para a avaliação da capacidade inventiva do 'tuga'.
Quero também dizer-te que a tua preocupação relativamente à questão da arte não tem razão de ser. O que nos mostras na foto é do bom. Mas talvez o que assenta melhor seja a legenda da mesma. Fica 'a matar'.

Abraço
Hélder S.

Anónimo disse...

Era de esperar que eu tivesse feito um comentário mais rápido, todavia como tenho tido pouco tempo...disponível, não tenho aberto o Blogue, com a regularidade que seria desejável.Palavras para quê? De todos os intervenientes no Blogue do Luís Graça, eu sou o mais suspeito a escrever sobre ti, nomeadamente e sobretudo na 2791(Força)e mais concretamente sobre Mato Dingal e o 4ºGrupo de Combate, cuja «construção», conjuntamente com o Chaves, tivemos a honra de colaborar.Eu sei que ao falares de Mato Dingal, estas a puxar por mim pois eu sei que tu sabes aquilo que eu sei e que poucos sabem mas tu achas e eu também, que devo ser eu a contar.Prometo que vai chegar o dia.

Um abraço

Jorge Fontinha

Luis Faria disse...

Amigos Manuel e Hélder

Agradeço as vossas palavras e sugestões.Quanto ao registo do jogo...vou tentar imaginar-me sentado no "sofá" fronteiro à O.Prima,- que se ninguém mais opinar ficará para o futuro conhecida pelo nome legendado e que o Hélder diz "fica a matar"- e dormir sobre o assunto,que é sério!!

Tu,Fontinha,vê se dás corda ao dedo e começas a desbobinar!

Abraços
Luis Faria

Anónimo disse...

Caros amigos,
Também passei pela experiência de ser o encarregado pelo rancho durante um mês. Aconteceu no destacamento de São João.
O nosso abastecimento era feito uma vez por mês. Frescos nem vê-los e naquele destacamento nada podíamos comprar para além de alguma caça e algum peixe.
Portanto não se admirem de, voltando para trás no tempo, estar com a água na boca ao saborear estes petiscos da cozinha do Luís Faria.
Já agora, uma vez que esse destacamento ficava relativamente perto do sítio onde a jangada atravessava o rio Mansoa, dava para ir de fugida a Bissau?
Um abraço,
José Câmara

Anónimo disse...

Caro José Câmara.
A nossa companhia tinha outro Destacamento mais perto da Jangada.A cerca de mil metros, se a memória me não atraiçoa e designava-se mesmo, «Destacamento de João Landim» e local de acantonamento do 1ºGrupo de Combate, do Alferes Freitas Pereira. Mato Dingal não ficava longe mas curiosamente, não era propício a saltadas a Bissau.Estas só de coluna, procedente de Bula. Era mais fácil o pessoal de Augusto Barros apanharem a coluna, pois eram muitos.Em Mato Dingal e em João Landim, éramos apenas Grupos de Combate individuais e todos tinha-mos de fazer de tudo um pouco.
Um abraço

Jorge Fontinha

António Matos disse...

Luís, mais um belo naco de prosa !
Como "administrador executivo" dum daqueles destacamentos que vos passámos, conheci bem as situações geo-estratégicas de cada um deles e das maiores ou menores possibilidades de desenvolver actividades artísticas nos diferentes palcos ...
Em Augusto Barros levámos à cena vários espectáculos de ballet e outros de vira-malhão mas não nos passou pela cabeça aquele fabuloso jogo da tua autoria que, se bem percebi, "amandavam" murraças numa lata de coca-cola cheia e o gajo do outro lado desferia ( se lhe acertasse !! ) nova cacetada e assim sucessivamente, certo ?
Deve ter sido muito interessante pena não teres uma derivação desse jogo mas de cabeça !!!
Continuas a jogá-lo aí pelas Antas ?
Poooooorrrraaaaa !!!!!!