Olá Vinhal, um abraço
“Viagem à volta das minhas memórias” transporta-me destas vez a tempos vividos com certa tranquilidade e facilidade, em que e talvez por esse facto, a grande parte das lembranças que retenho são “flashes” intermitentes e sem sequência, não me permitindo com o mínimo de rigor situá-los em tempo e espaço ou enquadrá-los numa acção.
Talvez a 24 deste mês aquando da nossa reunião anual, surja alguma luz.
Um abraço a todos
Luís Faria
Viagem à volta das minhas memórias (44)
Destacamentos: Mato Dingal
Enquanto a passagem dos dias ia avançando morosamente, aproximando-me da partida para um mesito de descanso no “Puto”, recebo ordem para substituir em Mato Dingal o Alf Mil Gaspar que, creio foi de férias. Este era o primeiro destacamento que se encontrava na estrada asfaltada Bula – João Landim e onde estava estacionado o 4.º GCOMB.
Pequeno, aberto e simpático, confinava praticamente com o asfalto e se bem me recordo, atravessando-o entrava-se na tabanca habitada por uma população que rondaria as mil e duzentas almas, ao que lembro ordeira, fiel e prazenteira, talvez a que nos inspirava menos desconfiança.
Mato Dingal – neste buraco julgo que iria ser instalada a base do monumento
Aviso de “instalações seguras”
Se em Augusto Barros a vida não era má, por estas bandas era bem melhor. Eram tempos descansados, sem sobressaltos de especial e a proximidade e facilidade de chegar a Bula parecia-me fazer o tempo acelerar um pouco. Idas a Augusto Barros seriam as indispensáveis para abastecimento de géneros e poucas mais.
Não houve qualquer dificuldade em assumir de novo e temporariamente o comando do pessoal daquele destacamento. Rapaziada e eu conhecíamo-nos bem e entrosávamo-nos melhor! Daí tudo sair facilitado e não haver incidentes ou questiúnculas e a disciplina e segurança necessárias eram, digamos assim, adaptadas automaticamente.
Bons dias por lá passei e em boas companhias.
Exercer e promover a “psícola” era mais para os Furriéis Fontinha e Chaves (Obelix). Ao que recordo a tabanca era deles?! Nesse aspecto e pela minha parte como responsável pelo destacamento, resguardava-me um tanto, não me fragilizando para o caso de ter de exercer a autoridade que detinha, num qualquer diferendo que houvesse com a População. Que lembre só tive um, por causa de um leitão. Deu-me até umas dores de cabeça com o Comando, Coronel “dez para o meio-dia” que quase ficou com a cabeça no “meio-dia certo”, de tanto barafustar comigo.
Por aquelas bandas tive a oportunidade der usufruir de experiencias novas, talvez até inovadoras, de que recordo três:
A “Vagomestria”
Já não sei se inerente ao cargo se por moto próprio, assumir a função de Vagomestre foi uma delas, interessante e motivadora, que ainda hoje nos encontros é por vezes evocada com bocas “foleiras” e risos do tipo: - “Oh Faria… até ao dia vinte tirava-se a barriga de misérias, mas depois… era só “bianda” com “bianda”…! (claro que o vernáculo vem a seguir). “Perdoai-lhes deus (menor) pois não sabem o que dizem”!!!
Na verdade foi mais ou menos assim naqueles um ou dois meses (já não posso precisar) que por lá passei. Comia-se bastante bem em variedade, quantidade e qualidade, esta devida ao Cozinheiro que era espectacular. Só nos últimos dias do mês, com o “patacão “ dos frescos tão esgotado que nem dava para o meu maço de tabaco, contratualizado comigo mesmo, é que se comia “à quartel” !? (modo de dizer, sem ofensas nem juízos de valor).
Pois…, logo de início avisei o pessoal que se ia comer à maneira e que aquela trabalheira toda teria que dar para um maço de tabaco (Português Suave sem filtro) diário.
Já não estou certo se o “desvio”aconteceu ou não …talvez sim (?!) mas o que é facto e ao que sei, comia-se quase como num hotel, chegando a vir por vezes pessoal de outro destacamento ( João Landim) e até de Bula, saborear o repasto, à borla é claro.
Tenho ideia de fazerem parte da ementa o bacalhau com todos (inclusive meia lata de vagens para cada um) , leitão assado no forno; frango assado ou frito (meio para cada), bife com ovo, peixe frito e cozido… de sobremesas recordo as meias latas de fruta em calda para cada boca… acompanhamento de saladas …
Todos esses “pesos” que recebíamos para gerir em “frescos”, eram gastos em abastecimentos na tabanca, em Bula e Bissau. Julgo que seria normal, esperado e até incentivado, que boa parte deles fosse também utilizado em abastecimentos na Companhia. Claro que isso seria mais prático, mais cómodo e daria menos dor de cabeça ou trabalho. Mas connosco, não acontecia!
Quem não achava muita piada era o nosso Primeiro, já que era eu e só eu que escolhia o que queria dos produtos disponíveis da Companhia e não abdicava nem de um “peso” da dotação para o que se chamava “frescos”. Olhado de “ladegos” quando lá ia, era um “exemplo a não seguir”.
A minha “Obra prima”
Descobrir a “propensão“ para as “Artes plásticas” (?!), foi outra experiencia de excepção que me entusiasmou e que resolvi exercer em benefício estético visual das instalações (?!), do equilíbrio emocional (?!) e em prol da “coltura” um tanto ausente (?!)!
Correndo o risco de acabar por ser vaiado ou mesmo escorraçado por “elites” cépticas, tinha que meter cabeça e mãos ao trabalho.
Desde logo foi imperioso um pouco de tranquilidade e paz de espírito, que permitiu à sensibilidade criativa (?!) “atonar ”. Depois não foi fácil escolher e conseguir os materiais necessários à execução que se adaptassem e permitissem a livre expressão da Alma, convertida ao momento pelas mãos e perspectiva visual!?!
Tempo depois e muita concentração, uma obra que recordo acaba por ver a luz do dia. Prima para mim, nela usei toda a sensibilidade a par de muito e delicado manuseamento, compensado é certo pelo deleite que se usufruía consoante se ia mirando e sentindo. Era para mim, realmente prima !?! Prima de primeira, é bom não haver confusões. Nada de “Quanto mais prima, mais se lhe arrima!”
Como à altura não a queimaram nem houve críticos quezilentos ou desfavoráveis, quiçá por receio de represálias, por lá ficou em todo o seu esplendor à entrada da messe, ofertada e ao serviço da “coltura”, digo eu!? Resta-me a imagem que vou postar, para eventual deleite de quem a vier a mirar e sentir! É de nota o posicionamento do confortável “sofá”, de molde a melhor permitir que o apreciador se deixasse levar pelo sonho.
Obra Prima - “Procópio a cachimbar na canícula” (será o nome?)
Bem, mas nem só nas artes (Culinária e Plástica) se viveram novas experiencias, também no Desporto aconteceu, de modo efémero, é certo.
O jogo de “cacimbados”
À falta de “matrecos” e bilhar, só a bola constava no cardápio do desporto. Assim, uma “mente brilhante” gastou-se – depois deve ter-se agastado (não lembro) – na invenção de um jogo que permitisse campeonatos rápidos e musculados e ao mesmo tempo direccionado ao apaziguamento subtil da acção de quaisquer vapores etílicos acumulados anteriormente. Assim nasceu um jogo, viril e nada entediante, uma espécie caseira de “Air hóquei” (se bem lhe chamo), em que os instrumentos do jogo eram a mesa da messe, uma lata de coca – cola, os punhos dos adversários.
Com em todos os jogos, o objectivo era… ganhar. Creio que o tempo de jogo era definido (e pouco) e quem perdia (talvez uma cervejola) era o “atleta que sofresse mais golos ou desistisse antes de acabado o tempo. Assim podia acontecer que quem marcasse mais golos… perdesse. A coisa estava bem engendrada e como se poderá perceber, até final do tempo a vitória era uma incógnita, já que a resistência física e psicológica era crucial ao desempenho.
Assim, nos topos da mesa da messe (distanciados talvez uns dois metros passantes) abancavam os dois adversários e para os espectadores, caso houvesse, não havia lugares sentados! Tirada a sorte para ver quem abria a jogatana, uma lata de “Coca-Cola” cheia era-lhe colocada à frente e com uma murraça o jogador tentava que a “bola” saísse pelo topo da mesa contrário, onde também a murro (só eram permitidos murros) o adversário tentava defender, mandando-a de volta para o outro, agora a defender e assim sucessivamente até surgir o golo. Posta a “bola” de novo em campo, o flagelo continuava.
Como se compreenderá, os nós dos dedos é que sofriam ao aguentar o impacto da massa aumentada pela velocidade que a “bola“ atingia …enfim! Como pelos vistos não havia suficientes cacimbados masoquistas, este potencial belíssimo campeonato foi na verdade efémero.
Luís Faria
(Texto e Fotos: Luís Faria)
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Nota de CV:
Vd. último poste da série de 12 de Julho de 2011 > Guiné 63/74 - P8546: Viagem à volta das minhas memórias (Luís Faria) (43): Augusto Barros - Apontamentos
7 comentários:
LUÍS,
TENS DE REGISTAR ESSE DESPORTO,O AIR HOQUEI ( CREIO TER SIDO ESTE O NOME QUE DESTE AO JOGO DO MURRO NA LATA DE COCA COLA...) PORQUE SEMPRE PODERÁ HAVER A POSSIBILIDADE DE SE TORNAR MODALIDADE A TER EM CONTA ( JÁ HÁ TANTAS TÃO ESTRANHAS...) PARA OS JOGOS PARALÍMPICOS ENQUADRADA NO SECTOR DOS APANHADOS DO CLIMA...
abraço
manuelmaia
Caro camarigo Luís Faria
Um relato 'fresco' e muito interessante. Bem contado, com humor. Destaco o 'olho' do Maia para a necessidade urgente de registar a 'patente' do jogo que revelaste. Ele tem razão e além do mais é também um contributo para a avaliação da capacidade inventiva do 'tuga'.
Quero também dizer-te que a tua preocupação relativamente à questão da arte não tem razão de ser. O que nos mostras na foto é do bom. Mas talvez o que assenta melhor seja a legenda da mesma. Fica 'a matar'.
Abraço
Hélder S.
Era de esperar que eu tivesse feito um comentário mais rápido, todavia como tenho tido pouco tempo...disponível, não tenho aberto o Blogue, com a regularidade que seria desejável.Palavras para quê? De todos os intervenientes no Blogue do Luís Graça, eu sou o mais suspeito a escrever sobre ti, nomeadamente e sobretudo na 2791(Força)e mais concretamente sobre Mato Dingal e o 4ºGrupo de Combate, cuja «construção», conjuntamente com o Chaves, tivemos a honra de colaborar.Eu sei que ao falares de Mato Dingal, estas a puxar por mim pois eu sei que tu sabes aquilo que eu sei e que poucos sabem mas tu achas e eu também, que devo ser eu a contar.Prometo que vai chegar o dia.
Um abraço
Jorge Fontinha
Amigos Manuel e Hélder
Agradeço as vossas palavras e sugestões.Quanto ao registo do jogo...vou tentar imaginar-me sentado no "sofá" fronteiro à O.Prima,- que se ninguém mais opinar ficará para o futuro conhecida pelo nome legendado e que o Hélder diz "fica a matar"- e dormir sobre o assunto,que é sério!!
Tu,Fontinha,vê se dás corda ao dedo e começas a desbobinar!
Abraços
Luis Faria
Caros amigos,
Também passei pela experiência de ser o encarregado pelo rancho durante um mês. Aconteceu no destacamento de São João.
O nosso abastecimento era feito uma vez por mês. Frescos nem vê-los e naquele destacamento nada podíamos comprar para além de alguma caça e algum peixe.
Portanto não se admirem de, voltando para trás no tempo, estar com a água na boca ao saborear estes petiscos da cozinha do Luís Faria.
Já agora, uma vez que esse destacamento ficava relativamente perto do sítio onde a jangada atravessava o rio Mansoa, dava para ir de fugida a Bissau?
Um abraço,
José Câmara
Caro José Câmara.
A nossa companhia tinha outro Destacamento mais perto da Jangada.A cerca de mil metros, se a memória me não atraiçoa e designava-se mesmo, «Destacamento de João Landim» e local de acantonamento do 1ºGrupo de Combate, do Alferes Freitas Pereira. Mato Dingal não ficava longe mas curiosamente, não era propício a saltadas a Bissau.Estas só de coluna, procedente de Bula. Era mais fácil o pessoal de Augusto Barros apanharem a coluna, pois eram muitos.Em Mato Dingal e em João Landim, éramos apenas Grupos de Combate individuais e todos tinha-mos de fazer de tudo um pouco.
Um abraço
Jorge Fontinha
Luís, mais um belo naco de prosa !
Como "administrador executivo" dum daqueles destacamentos que vos passámos, conheci bem as situações geo-estratégicas de cada um deles e das maiores ou menores possibilidades de desenvolver actividades artísticas nos diferentes palcos ...
Em Augusto Barros levámos à cena vários espectáculos de ballet e outros de vira-malhão mas não nos passou pela cabeça aquele fabuloso jogo da tua autoria que, se bem percebi, "amandavam" murraças numa lata de coca-cola cheia e o gajo do outro lado desferia ( se lhe acertasse !! ) nova cacetada e assim sucessivamente, certo ?
Deve ter sido muito interessante pena não teres uma derivação desse jogo mas de cabeça !!!
Continuas a jogá-lo aí pelas Antas ?
Poooooorrrraaaaa !!!!!!
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