1. Vigésimo oitavo episódio da narrativa "Do Ninho de D'Águia até África", de autoria do nosso camarada Tony Borié (ex-1.º Cabo Operador Cripto do Cmd Agru 16, Mansoa, 1964/66), iniciada no Poste P10177, enviado em mensagem do dia 17 de Novembro de 2012:
Do Ninho D'Águia até África (28)
A avioneta
O Cifra, nas suas viagens de entrega de material
classificado, que era o novo código do sistema de cifra,
todos os meses renovado, e que era entregue por mão a
todas as forças militares que se encontravam em cenário
de guerra, sob o comando da unidade de que fazia parte,
viaja agora, na avioneta do correio.
Vai sentado
atrás, ao lado
dos sacos do
correio. Costuma
levar consigo,
quase sempre uma
Kodac, que o
Movimento
Nacional
Feminino lhe
ofereceu numa
das suas visitas
ao
aquartelamento.
O piloto era
um furriel, a
quem
carinhosamente
chamavam “Pardal”, que todos conheciam no aquartelamento, pelas
suas acrobacias. Iam aterrar numa povoação perto da fronteira
com outro país africano, foto em baixo do marco da fronteira.
Voavam baixo, pois o “Pardal” conhecia a pista, que não era mais
do que uma clareira no capim. Havia alguma água no solo, não se
apercebeu, fez-se à pista e tentou
aterrar. A roda esquerda do trem de
aterragem ao tocar o solo molhado,
desequilibrou a aeronave, que voou
mais uns tantos metros, rodopia um
pouco, para a direita e para a
esquerda, seguindo de novo em frente,
embora balançando para um lado e para
o outro, mas ficando completamente
parada e em segurança, um pouco mais à
frente.
Por momentos o Cifra, fica como
que paralisado e em pânico. Com o
impacto do aparelho no solo, devia de
ter dado umas cambalhotas dentro da
aeronave, ou talvez não, nunca chegou
a saber, pois não levava qualquer
cinto de protecção. Recupera o seu
sentido de orientação, apalpa a cabeça, com as mãos, não vê
qualquer sinal de sangue, afasta um saco do correio de cima de
si, bate com os pés, não se recorda se era janela ou porta, que
estava em sua frente, com tal impacto, se era porta ou janela,
abriu-se. Sai, olha para a frente, e vê o militar, que viajava
na frente, sentado com a cabeça baixa, sinal de que talvez
tivesse perdido os sentidos, abre a porta, e nesse momento o
militar olha para o Cifra, assustado, fazendo algumas perguntas,
parecendo estar em pânico.
O Cifra ajuda-o a sair e explica que
tiveram um acidente.
Do outro lado, no assento do piloto, “O Pardal”, que o Cifra
nunca chegou a saber se perdeu o controlo da aeronave, ou o seu
sentido de orientação, diz, com a maior calma do mundo:
- Qual acidente, qual caral..!. Vai à volta e abre esta
merda, que estou farto de empurrar a porta.
Ninguém sofreu qualquer ferimento, a não ser o susto. No
dizer do “Pardal”, a aeronave estava operacional. Em seguida,
surgem alguns militares, que vinham prestar protecção e levar os
sacos do correio. Ajudaram a colocar de novo a aeronave em outra
posição, o Cifra, passou para o lugar da frente, levantou voo de
novo usando um lado da clareira no capim, com bastante receio do
Cifra, que passado pouco tempo, e perante os sorrisos do
“Pardal”, aterraram em Mansoa, depois de fazer umas tantas
acrobacias no ar, pois sempre que via uma árvore mais alta, dava
uma volta a rasar em seu redor, fazendo a passarada fugir. Quando surgia um rio ou uma bolanha, passava a rasar a água, e
sempre que fazia estas manobras, o Cifra agarrava-se com quanta
força tinha à cadeira, e às vezes até fechava os olhos, e o
“Pardal”, logo dizia:
- Está visto que não és um militar de acção.
O tal militar que viajava na frente, a quem o Cifra abriu a
porta para sair, e pertencia à companhia local, ficou eterno
amigo do Cifra, e sempre que passava no aquartelamento, bebiam
um copo juntos, fazendo juramentos de que nunca diziam nada, do
medo que na altura sentiram.
O Kodac das fotografias desapareceu, talvez fosse
juntamente com os sacos do correio.
O Cifra gostava mesmo daquela máquina, era do tipo que para se tirar uma fotografia, tinha que
se puxar uma pequena alavanca do lado do caixote.
(Fotos e Ilustrações: © Tony Borié (2012). Direitos reservados)
____________
Nota de CV:
Vd. último poste da série de 17 de Novembro de 2012 > Guiné 63/74 - P10683: Do Ninho D'Águia até África (27): O perfume exótico das filhas do Libanês (Tony Borié)
Blogue coletivo, criado por Luís Graça. Objetivo: ajudar os antigos combatentes a reconstituir o "puzzle" da memória da guerra colonial/guerra do ultramar (e da Guiné, em particular). Iniciado em 2004, é a maior rede social na Net, em português, centrada na experiência pessoal de uma guerra. Como camaradas que são, tratam-se por tu, e gostam de dizer: "O Mundo é Pequeno e a nossa Tabanca... é Grande". Coeditores: C. Vinhal, E. Magalhães Ribeiro, V. Briote, J. Araújo.
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6 comentários:
Tony
Aponta uma data para apresentares o livro aqui na nova Biblioteca Municipal,que ainda não deves conhecer.Eu peço a reserva da sala.
Há que anos não via essa designação "Kodac"para máquina fotográfica...
Abraço
Olha Tony,
Não sou receoso de viagens aéreas, qualquer que seja a aeronave. Mas vou contar uma que me causou algum cagaço.
Uma vez que cheguei a Bissau encontrei dois furriéis do leste, acho que do esquadrão nde Bafatá que destacava pessoal em Piche. Depois das celebrações, veio à conversa a chatice de prestar serviços em Bissau quando estávamos em trânsito para o mato. Pessoalmente isso nunca me afectou na capital, pois fui sempre clandestino e nunca fiquei em alojamentos militares.
Mas argumentou-se ainda qualquer coisa, talvez saudades de um restaurante no entroncamento para o Gabu e Bambadinca, e alugámos uma avioneta para nos levar à terra do ourives.
Eu seguia ao lado do piloto. Atrás os dois outros. A certa altura decidiram fumar, e depois da última passa, sem saberem o que fazer às beatas, um abriu a porta do meu lado para as deitar fora. O aparelho desequilibrou-se e o piloto resmungou. Tentei fechar a porta, mas havia pressões que me impediam. O piloto refilava e tentava equilibrar o voo, e dobrou-se sobre mim para fechar a porta.
Não o conseguiu. Novamente tentava equilibrar a avioneta, e já vociferava contra os três. Subiu, e desceu a pique, com a esperança de reduzir a pressão. Tentou fechar a porta novamente dobrado sobre mim. Eu estava a olhar de frente, e na vertical via as árvores a crescerem para nós.
Quando imaginava que estávamos no limite da manobra, dava-lhe murros para tomar conta do rumo. O piloto espumava raiva. A verdade é que ao fim de umas 3 ou 4 tentativas a porta fechou-se com grande alívio para nós. Os outros 2 passageiros não voltaram a piar, mas o ambiente era pesado. Quando a aeronave nos deixou na pista, alguém se dirigiu ao piloto para apresentar desculpas, ou despedidas, e a reacção dele foi qualquer coisa como, vão a um sítio e desapareçam da vista.
Um abraço
JD
O Pardal, tal como Honório, pertenceu à galeria dos gloriosos malucos das máquinas voadoras...
http://blogueforanadaevaotres.blogspot.pt/search/label/Gloriosos%20Malucos%20das%20M%C3%A1quinas%20Voadoras
Luís Graça, este Cap. Neto, amigo do Honório esteve no Cheche e na Lança Afiada (Agrupamento Norte). Veio para Portugal no Uíge em 4/Dez/69...eu vinha lá...
Ab T.
Olá camaradas, companheiros combatentes.
Obrigado pelos vossos simpáticos comentários.
Paulo, quando acontecer uma futura publicação, sem dúvida, que aceitarei do coração a tua gentil oferta, para mais na vila, de onde pertencia o vale do Ninho d'Águia, onde nasci.
JD, a tua aventura da avioneta, é muito mais excitante do que a minha, éramos jovens, mas eu ainda hoje lembro, e era como tu dizes, as árvores a aproximarem-se, e a serem cada vez maiores!.
Luis, o Pardal, se hoje pilotasse uma aeronave como aquela avioneta, concerteza que era seleccionado para fazer parte do grupo de pilotos especiais da NASA!. Uns anos atrás fui com o meu filho pescar ao Alasca, e o piloto que nos levou desde Anchorage, a um lugar quase deserto, ao norte de Fairbanks, apesar de ter uma aeronave bastante melhor, era um amador, comparado com o Pardal!.
Um forte abraço, Tony Borie.
Amigo Tony
Certa vez, estando eu em Mansôa e precisando de regressar a Bissorã, o Com.Brancamp Sobral virou-se para mim dizendo: Ó Cardoso, eu como tenho que ir a Bissorã, delinear uma operação, vens comigo no transporte aéreo, o que eu agradeci. Quando cheguei á pista e verifiquei qual era o transporte, tremi um pouco, pois não achava piada morrer ingloriamente, é que a avioneta era uma Auster, pilotada por um Sarg.Ajud. de elevada estatura, que teriamos de acrecentar o Com., homem como tu sabes de elevadissima altura e peso, e eu com o equipamento bélico e um saco de bagagem. Mal cabiamos no exiguo espaço, então o homem fez-se á pista, subiu, as árvores cada vez mais perto, e lá passámos uma razante. A meio caminho, o Com. diz para o piloto, então isto não sobe mais, o que ele respondeu, isto não dá mais com o peso que tem, e eu á "rasca", até que apareceu a tão desejada Bissorã.
Este piloto é hoje instrutor no aerodromo de Tires, e foi instrutor do meu filho, quando tirou o brevet. Eu reconheci-o e falando nesta história, ele lembrava-se perfeitamente
Um abraço Tony e parabens pelos excelentes artigos e desenhos.
Roger
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