Convento de Mafra
1. O nosso camarada Veríssimo Ferreira (ex-Fur Mil, CCAÇ 1422 / BCAÇ 1858, Farim, Mansabá, K3, 1965/67), em mensagem do dia 13 de Maio de 2013, enviou-nos mais uma história ocorrida durante "Os melhores 40 meses da sua vida".
OS MELHORES 40 MESES DA MINHA VIDA
GUINÉ 65-67 - MEMÓRIAS AVULSAS
AQUANDO NO CSM, MAFRA, MAIO de 1964
Aquela noite prometia deveras. A minha 1ª Companhia, acampara ali a seguir ao Sobreiro, mais propriamente na Achada, e do lado esquerdo de quem vai de Mafra para a Ericeira.
Antes da saída do convento, fora-me transmitido que levasse o fato à civil, o que estranhei, pois que se íamos para passar uns dias no mato, para quê as calças, camisa, blusão azul, sapatos e meias?
O local era porreiro, junto a um riacho, cheio de pinheiros, e foi ali mesmo que se montaram umas tendas onde coubemos os 150... oficiais e tudo... a cozinha de campanha... três jeep's . A povoação ficava lá no alto e dera para ver que lugares prazentosos não faltavam, assim nos conseguíssemos desenfiar, para usufruir.
Criaram-se postos de segurança... porta d'armas... a tenda de Comando... enfermaria. Dava portanto para entender que a guerra iria ser dura, só que ainda não sabíamos contra quem, mas o ar fingido dos Oficiais, fazia-nos perceber que não seria pera doce.
Chegada a noite e consultada a lista de serviço, verifiquei que todos os meus camaradas estavam nomeados, quer fosse para Sargento de dia, quer para cozinha e limpeza, mas o meu nome não aparecia em nenhuma tarefa, o que me intrigou mas também esperançou a que viesse a ter uma noite descansada.
Não o foi... foi melhor do que isso. Chamado ao Cmdt do meu 1º pelotão, sou então informado do porquê de ter levado o paletó e quejandos. Ali fui de imediato empossado na minha função de Mata-Hari, ou seja iria fazer de espia, nas tascas lá de cima da povoação. É que acantonados do outro lado, mais ou menos a 3Km e do lado contrário ao nosso, estava o inimigo, constituído por uma Companhia dos do COM e haveria de lhes conhecer os planos e localização, e competia-me a mim, descobrir tal, sondando as patrulhas que decerto ali iriam tomar o seu copo.
Chegada a noite, lá fui, ou melhor levaram-me até lá num dos jeep's, para não aparecer de sapatos sujos ao encontro que provavelmente iria ter e tive. Também me abonaram com 15 mil réis, para pagamentos a fazer das bebidas a sorver, tendo-me entretanto sido ministrado um curso rápido de como conseguir as informações pretendidas, e descansado fiquei pois que não teria de mostrar a perna a ninguém.
Qual morador no local, fui serenamente passeando pela estrada, onde ainda transitavam duas carroças, puxadas, uma por um animal de raça asinina (portantus.. um burro de quatro patas) e a outra, com mais potência por dois muares (ou seja, verdadeiras mulas).
Eis senão quando, miro lá dentro, na taberna que fazia esquina com uma rua perpendicular à via principal, miro lá dentro repito, 3 tropas de Mauser a tiracolo e tudo... e que eram mesmo quem eu procurava. Entrei, dei as boas-noites e fui correspondido até pelo Sr. João, o taberneiro, com quem eu havia estado antes e por isso lhe sabia o nome. A noite estava húmida, algo fria e aqueles não resistiram ao chamamento do local quentinho qu'até o lume tinha aceso ali ao meio da sala de convívio.
Palavra puxa palavra, acabei por oferecer um copo aos bravos militares, quatro, pois que entretanto chegou outro que houvera saído a gritar do WC:
- Estou de "caganêra", porra.
Foi aí que percebi que o rapaz, seria meu conterrâneo lá da República Federal do Alto-Alentejo, pois que em Português se dizia:
-Estou a desfazer-me em trampa...
Aceitaram e fui-os questionando:
- Onde estão?...
- São de Mafra?...
- Quantos são?...
- O vosso Comandante é Fulano?...
Enfim, uma actuação de verdadeiro profissional acabado de ser doutorado, ou seja... eu.
Na verdade saquei o que podia, não desconfiaram de nada, e ao fim de duas horas assisti a uma deveras e acesa discussão, provocada pelos alcoóis ingeridos, pois que aguentavam pouco, ao contrário do que acontecia comigo que desde pequeno, mamava tinto.
Dos quatro, dois queriam ir ao bordel que sabíamos bem onde era e os outros dois mais calmos propuseram que fôssemos ao local onde estavam instalados, deitar abaixo um vinhito americano de sua pertença. Era em Pinhal dos Frades, (como afirmaram e bendita inocência que nem precisei de perguntar).
Calhava mesmo bem, pois disse-lhes que "moi même" vivia ali para esses lados.
Acabei por os acompanhar... bispei qu'até os sentinelas dormiam e lá me dessedentei de novo.
Regressei depois a penates... "desbronquiei" tudo... louvado fui e nessa madrugada o ingénuo inimigo foi atacado por dois dos nossos pelotões, graças à minha perspicácia evidentemente.
Aquilo foi fazer prisioneiros, primeiro os vigias, depois entrámos com grande à-vontade e abarbatámos toda a Companhia.
Dois anos mais tarde, recordámos (eu e um dos quatro daquela noite e agora Alf. Mil. do meu BCAÇ 1858) tal episódio e enquanto tomávamos um aperitivo no Café Portugal, junto à Praça do Império, Bissau.
Rimos a bandeiras despregadas e quem nos viu, decerto pensou:
-Estes amaluqueceram.
(continua)
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Nota do editor
Último poste da série de 12 DE MAIO DE 2013 > Guiné 63/74 - P11557: Os melhores 40 meses da minha vida (Veríssimo Ferreira) (35): 36.º episódio: Memórias avulsas (17): A invenção do "X"
2 comentários:
Caro Veríssimo
Como isto se passou em 1964 não se pode dizer que se tenham inspirado nos "Doze indomáveis patifes", nome que foi dado ao filme "The Dirty Dozen", em que também em treinos militares houve uma 'infiltração' nas linhas 'inimigas' e os elementos em causa ganharam aqueles 'jogos de guerra'.
Vê lá como a vida é: em 64 já tu estavas a 'batê-las' e eu ainda estava como finalista do curso de montador electricista para em Outubro desse ano ir começar a 'secção preparatória' para o exame ao Instituto Industrial....
Quando regressaste da Guiné, em 1967, ainda não tinha sido incorporado, mas podes calcular, pelo tempo passado, como o patrioteirismo se ia esboroando...
Abraço
Hélder S.
Caro jovem Helder. De verdade já cá contam 71 anitos bem passados porém.
Tal como dizes, ...a coisa foi-se esboroando o que era a ordem natural.
De qualquer forma, fomos, viémos mas nem todos infelizmente. Deixemos a tristeza para lá, mas tal como tu, eu não esqueci e tenho ainda muito ódio cá dentro, contra aquele maldito paigc,contra o seu chefe Amilcar Cabral, a quem demos tudo e que tanto mal nos fez.
De Veríssimo Ferreira.
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