sexta-feira, 8 de novembro de 2013

Guiné 63/74 - P12265: FAP (79): Os Dias do Strela - Há 40 anos na Guiné (Paulo Mata / Miguel Pessoa)

1. Mensagem do nosso camarada Miguel Pessoa (ex-Ten Pilav, BA 12, Bissalanca, 1972/74, hoje Coronel Pilav Reformado), com data de 6 de Novembro de 2013, a propósito da publicação de um trabalho sobre a sua odisseia de 25 de Março de 1973, data em que a aeronave que pilotava foi atingida por um míssil Strela.

Olá Luís
Na realidade este artigo do Paulo Mata resultou de um conversa que tivemos no decorrer de um dos nossos almoços da Tabanca do Centro.
O Paulo Mata é um "jovem" de uma geração mais nova que a nossa, que tem o "bichinho" da aviação. Tem aparecido em alguns desses nossos almoços a meu convite e mostrou-se interessado em contar essa minha história.
Para teres uma ideia mando-te o texto saído na revista "Take-Off", com uma disposição gráfica um pouco diferente da que foi publicada no "Pássaro de Ferro" (por acaso até gosto mais desta última).
Sobre uma referência no blogue, tu saberás o que interessa publicar; por mim não vejo nenhum inconveniente, embora já se conheça o final... Até acho que está bem escrita - e o Paulo até me deu a oportunidade de lhe dar uma olhadela antes de ser publicada, não fosse haver alguma imprecisão.
Bom, talvez haja uma - do pessoal abatido pelo Strela fui realmente o único que terminou a comissão.
Outro pessoal que se ejectou antes do meu tempo, não te posso confirmar se acabou por concluir a sua comissão ou não. Mas isso provavelmente não é assim tão importante - apenas serviu para eu tentar explicar quão difícil foi o meu regresso ao "local do crime".
Já tive a oportunidade de referir isto por várias vezes: Quando me perguntavam se senti medo após o meu regresso, disse que sim - não o medo de ser outra vez abatido e morrer, mas sim o de ficar vivo. É que não me via a passar outra vez por aqueles episódios que vivi naquelas vinte horas que estive no chão, provavelmente com um fim bem menos feliz que da primeira vez...

Abraço.
Miguel




2. Assim, com a prévia autorização do autor, Paulo Mata [foto acima], passamos a reproduzir, com a devida vénia, o texto e fotos publicados no Blogue Pássaro de Ferro


OS DIAS DO STRELA - Há 40 anos na Guiné

Texto: Paulo Mata
Artigo publicado no jornal Take-Off de abril de 2013

Um Fiat G.91 R/4 com a configuração habitual de depósitos e rockets sob as asas    Foto: AHFA

Há momentos que marcam uma vida. Há 40 anos, a bordo do Fiat G.91 com a matrícula 5413 da Força Aérea Portuguesa, em missão nos céus da Guiné, o então Ten PILAV Miguel Pessoa teve vários desses momentos, quando foi atingido por um míssil terra-ar SA-7 Strela e teve de se ejectar em território hostil.
O Ten. Miguel Pessoa com equipamento de voo à saída da Esquadra 121 na BA12 - Bissalanca

A 25 de Março de 1973, cumprindo o serviço de alerta na BA12 em Bissalanca, na Esquadra 121- Tigres, que operava os Fiat G.91, a parelha é chamada a responder a um ataque com canhões e foguetões, sobre o aquartelamento de Guileje, no sul da Guiné Bissau, bem próximo da fronteira com a vizinha Guiné Conacri. De serviço nesse Domingo, o Ten. Miguel Pessoa acabaria por descolar sozinho, de modo a identificar visualmente as posições do  inimigo e transmitir a informação ao avião que descolaria em segundo lugar, entretanto equipado com o armamento mais adequado.

A placa de estacionamento com abrigos laterais na BA12 - Bissalanca onde ficavam estacionados os Fiat G.91 da Esq.121

Se há momentos a evitar, estar do lado errado de um lança-mísseis é certamente um deles. Mas foi isso exactamente que aconteceu a Miguel Pessoa, na aproximação a Gandembel, local referenciado pelo aquartelamento como provável base de fogo do inimigo que flagelava Guileje. Já cinco dias antes tal havia acontecido também, então no norte do território, com o míssil (então desconhecido) a deixar um rasto branco, por entre o seu avião e o do TCor Almeida Brito, com quem voava em formação. Desta vez não chegou a ver nada. Sentiu apenas a detonação do míssil na traseira do avião, e imediata perda de potência na turbina.

Um Fiat G.91 R/4 em picada sobre o inimigo    Foto: AHFA

E se há momentos que podem marcar a diferença entre a vida e a morte, puxar a alça de ejecção de uma cadeira ejectável num avião em queda, é certamente também um deles. Momentos que parecem desmultiplicar o tempo e multiplicar as forças. O gesto de puxar a alça de ejecção sobre a cabeça (mecanismo que oferece alguma resistência) foi feito de tal forma, que o piloto julgou estar o sistema de ejecção avariado, tal foi a facilidade com que a alça se moveu. Por outro lado, a ausência de resposta dos foguetes que deveriam impulsionar a cadeira, reforçou a mesma ideia, levando-o a considerar a hipótese de accionar o sistema secundário de ejecção, situado no assento da cadeira, entre as pernas. Contudo, antes de esboçar esse movimento, dava-se já a ignição dos foguetes, que iniciavam a extracção da cadeira do avião. Afinal tinham-se passado apenas 0,3 segundos.

Cadeira ejectável Martin Baker MkG W4B usada nos Fiat G.91 R/4 portugueses e que salvou a vida ao Ten. Miguel Pessoa

A escassa altitude, com o avião em queda desgovernada e já sem comandos devido a falha do sistema hidráulico, Miguel Pessoa ejecta-se da aeronave no último instante. De tal modo, que o pára-quedas não chegou a abrir totalmente, tendo o piloto entrado pelo arvoredo adentro com velocidade excessiva, o que lhe viria a causar a fractura do perónio, no embate com o solo. Acordado no meio de mato cerrado, depois de alguns minutos de inconsciência, havia que avaliar a situação.
Sem ter tido tempo para enviar um pedido de socorro, em zona não controlada por forças amigas, cercado de vegetação densa e inferiorizado fisicamente por uma perna partida e com fortes dores nas costas devido à violência da ejecção, o futuro afigurava-se incerto e pouco risonho para o piloto português. Explorando o kit de sobrevivência que transportava, do material que continha, elegeu osvery-lights e uma pequena bússola, como verdadeiramente úteis, esquecendo os restantes itens por falta de uso prático. Não havia rádio para poder comunicar. Na verdade, era a primeira vez que via tal material. Os treinos de sobrevivência não eram então o que são hoje.
Deslocou-se conforme pôde para uma zona de floresta menos densa, de modo a conseguir lançar osvery-lights e esperou pela passagem de alguma aeronave amiga. Apesar de não ter enviado pedido de socorro, a sua ausência seria naturalmente notada.
Passado pouco tempo, ouvia já de facto o ruído de aviões a jacto, mas a sua (falta de) visibilidade para o céu contudo, impedia-o de saber com certeza, a proximidade das aeronaves e avaliar o momento adequado para o lançamento dos foguetes de sinalização. Passava das 5 da tarde e as esperanças de resgate durante o dia diminuíam com a mesma velocidade da luz do sol, que na Guiné se desvanece cedo e rapidamente. Haveria que passar a noite no meio do nada. A única possível companhia que se afigurava então, era a que menos pretendia: o inimigo. Teriam visto o local do despenhamento? Teriam visto os very-lights que lançou? Andariam à sua procura? Perguntas às quais apenas os ruídos da floresta respondiam. Não tinha sequer a arma de mão que fazia parte do equipamento normal para missões de combate, uma vez que estava no fato anti-G, que não havia vestido, para ganhar tempo na resposta ao alerta.
A noite foi interminável. Apesar do cansaço, pouco dormiu. Todos os barulhos pareciam movimentos dissimulados no escuro da floresta. Todas as sombras se podiam confundir com vultos humanos. Num dos breves momentos em que conseguiu dormir alguma coisa, enganando as dores que sentia, acordou sobressaltado com a sensação de movimento junto à perna magoada. Seria uma serpente, ou apenas a perna partida a latejar? Na escuridão não arriscou mexer-se para saber. Se dum animal se tratou, nunca o chegou a saber. A sensação passou e pelo clarear da aurora já nada lá se encontrava.

Pela manhã, ainda que cansado, e com sinais de desidratação, visto não ter bebido qualquer líquido desde a hora de almoço da véspera, o moral melhorou com a perspectiva de ser resgatado. Não demorou muito para ouvir o som de aeronaves a sobrevoar a zona. Na verdade, havia sido localizado ainda na véspera, pelo TCor Almeida Brito, que em G.91 visualizou um dos very-lights lançados, já muito perto do anoitecer. A hora tardia contudo, inviabilizou o destacamento duma força de resgate ainda no mesmo dia.
O ruído característico dos helicópteros Alouette III fazia-se também ouvir nas proximidades, mas por via das dúvidas e por desconhecer ainda se já havia sido localizado ou não, lançou os very-lights que lhe restavam. Vestiu a camisola interior branca por cima do fato de voo, de modo a ficar mais visível, mas a ajuda tardava. Passavam já três horas desde o amanhecer e nada. Tentou fazer uma fogueira com alguns fósforos alegadamente anti-humidade, mas nenhum acendeu. A desidratação começava então também a pregar partidas, ao toldar os pensamentos e perturbar o discernimento. 

Marcelino da Mata com a catana na mão e o seu grupo posam para a foto após encontrar o Ten. Miguel Pessoa

Quando finalmente conseguiu divisar pessoas na sua proximidade, eram… africanos. Armas Kalashnikov e uniformes estranhos. Na falta de melhores argumentos para se defender, optou por insultar o que supunha serem elementos do PAIGC, portanto o inimigo. Estes contudo, trataram-no pelo próprio nome, o que lhe baralhou o raciocínio. O chefe identifica-se como sendo Marcelino da Mata, conhecido líder de um grupo de operações especiais das forças portuguesas, embora formado por elementos de etnia africana. Apesar de conhecer a sua fama, o Ten. Pessoa nunca o tinha visto pessoalmente. O facto de saberem o seu nome também facilmente se explicava, ou por informadores na base, ou por escuta de comunicações rádio, pelo que não estava convencido ainda. Sabendo que o verdadeiro Marcelino da Mata era conhecido por trazer sempre consigo cantis com Fanta ou Coca-Cola, pediu de beber e confirmou a veracidade da identidade através das bebidas. Foi uma espécie de o santo-e-senha improvisado. O regresso, apesar de penoso e demorado, devido à dificuldade em andar com a perna fracturada por entre a vegetação densa, não teve grande história. 

O penoso regresso a pé pela mata

O Alouette que o havia de transportar de regresso, encontrava-se na orla da mata e os restantes helicópteros que tinha ouvido mais cedo, destinavam-se à colocação dos grupos de caçadores pára-quedistas e de operação especiais que tinham ido em sua busca. Com uma primeira paragem em Guileje, onde outro helicóptero o haveria de transportar para o hospital militar, a jornada terminaria finalmente na BA12, após os exames médicos e tratamento da perna fracturada, onde um numeroso grupo festejou o seu regresso e o sucesso da missão de recuperação.

O Alouette III que transportou o Ten. Miguel Pessoa na chegada a Guileje
Aspecto da zona de aterragem em Guileje com os helicópteros destacados para transportar os grupos de busca

Há momentos que marcam um ponto de viragem e a introdução dos mísseis terra-ar no teatro de guerra, foi esse momento. Portugal perdia a supremacia dos ares, onde até então se tinha movido livremente. A guerra entrava numa nova fase, decididamente pior para as forças portuguesas. Durante as duas semanas seguintes mais quatro aeronaves seriam abatidas por mísseis SA-7 Strela. As tripulações não tiveram então a mesma sorte do Ten. Pessoa. Uma das vítimas mortais seria mesmo o TCor Almeida Brito, comandante do Grupo Operacional 1201, o mesmo piloto que havia localizado a sua posição no dia 25 de Março e que já havia sido alvejado consigo a 20 de Março na fronteira  norte da Guiné. 
Ficou então patente o modus operandi do inimigo, atacando posições portuguesas no terreno, para depois esperar a chegada dos aviões que vinham em resposta, e assim os alvejar. Após suspensão da actividade aérea, para análise da arma que se enfrentava, sua utilização e características, foram tomadas medidas a nível dos procedimentos nos ataques, altitudes de voo e armamento a utilizar. Depois de implementadas essas medidas, apenas uma aeronave mais seria abatida por um Strela, já em Janeiro de 74 e alegadamente por não ter cumprido os procedimentos definidos. 

O míssil portátil SA-7 Strela      Foto: US Navy

Quanto ao Ten. Miguel Pessoa, após passar duas semanas na enfermaria da BA12 terminaria durante os quatro meses seguintes na Metrópole, a convalescença das mazelas físicas decorrentes da ejecção, nomeadamente a nível do perónio fracturado e da coluna, cuja compressão de 2 cm nunca chegaria a recuperar. Depois deu-se o difícil regresso ao teatro de operações onde quase tinha perdido a vida, com a reactivação da sua comissão. Sem qualquer ajuda psicológica, ou apoio para voltar a enfrentar as mesmas situações de risco, voltar a sobrevoar o local onde tinha sido abatido não foi fácil, tal como não é difícil de compreender. Acabaria por ser o único piloto a terminar a comissão na Guiné, após ter sido abatido em combate. Ainda chegou a ser visado mais quatro vezes por mísseis Strela. Numa delas conseguiu mesmo ver a cabeça de busca do míssil que o perseguia e a tentativa de correcção da trajectória, para prosseguir atrás da fonte de calor que era o seu avião. Quando alguém alude à aura de herói que o rodeou por ter sobrevivido ao abate por um míssil, Miguel Pessoal responde que o verdadeiro acto de registo que teve, foi regressar e enfrentar outra vez o mesmo inimigo, o mesmo perigo, olhos nos olhos. E se os procedimentos de combate adoptados acabaram por lhe salvar a vida, nunca chegaram a ser aplicadas nos aviões quaisquer ajudas em termos de autodefesa relativamente aos mísseis.

De regresso a Portugal, e já depois do fim da guerra, viria a ser instrutor em T-37 na Esq 102 em Sintra. Integrou a patrulha acrobática Asas de Portugal durante sete anos, tendo sido também Comandante da Esq 102 e dos Asas. Foi mais tarde Comandante do Grupo Operacional 51 na BA5 em Monte Real onde voou ainda em A-7P e finalmente Comandante da BA6 no Montijo. Reformou-se com a patente de Coronel em 1998. 

A enfermeira pára-quedista Giselda Antunes à direita carrega a maca do Ten. Miguel Pessoa

Para final de história, em jeito de argumento de filme e dentro do espírito bem português, de conseguir ver sempre um lado positivo numa situação má, do abate que sofreu na Guiné, nasceria uma relação duradoura com a enfermeira pára-quedista Giselda Antunes, que o socorreu em Guileje após o resgate, e viria a tornar-se sua esposa, no regresso definitivo a Portugal.


Perfil do avião em que seguia o Ten. Miguel Pessoa no dia 25/3/1973       Imagem: Paulo Moreno



Agradecimentos: Cor (Ref) Miguel Pessoa, Paulo Moreno, Carlos Santos, Cristiano Valdemar, Vicente Braz, Arnaldo Sousa

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Nota do editor

Último poste da série de 26 DE OUTUBRO DE 2013 > Guiné 63/74 - P12206: FAP (78): Nunca tão poucos fizeram tanto com tão pouco... (António Martins Matos / Helder Sousa / Luís Graça)... Fotos do Artlindo Roda

10 comentários:

Juvenal Amado disse...

O Miguel é um homem espantoso como espantosa é a sua carreira e percurso de vida.
Um homem assim com uma vida tão cheia lhe acrescentou saber estar, saber viver, saber gozar a companhia dos amigos tanto os novos como os mais velhos. É pois uma figura incontornável destacando-se sempre nos encontros em que tenho participado. Usa e abusa de humildade, sabendo ouvir as mais diversas opiniões.
É também dono de um humor assinalável sendo o principal responsável por uma uma publicação, que corre pelos membros da tabanca do Centro após os almoços que normalmente ocorrem nas últimas quarta-feiras de cada mês em Monte Real.
Só mais uma coisa que quero acrescentar em favor do Miguel Pessoa é que partilha a vida com a enorme Giselda o que prova o ditado que diz "Atrás de um grande Homem está sempre uma grande Mulher" Aqui eu acrescento que não é atrás mas ao lado. Uma citação que não é minha mas que uso com alguma propriedade.

Um grande abraço para os dois

Anónimo disse...

Caríssimo Camarada Miguel Pessoa,

Cordiais saudações.

Ao ler o brilhante relato do jovem Paulo Mata, a quem parabenizo e agradeço por reescrever a "nossa" história, "viajei" quarenta anos até Gadamael.

Felizmente,pelo menos nós que estávamos naquele "buraco", não tínhamos notícia de acidentes com esse tipo de arma.

O nobre jornalista, soube passar a emoção desses momentos dramáticos.

Há uns poucos dias, recebi aqui no Sul da Bahia, a honrosa visita do Camarada Arménio Cardoso (CART 6252), que também "bebeu das águas escuras e amargas" do Rio Sapo.

Lembrando quantos dos Nossos por lá ficaram, ou voltaram mutilados no corpo e/ou na Alma, "concluímos" que somos privilegiados sobreviventes,apesar dos nossos toscos e arrogantes líderes políticos, direi eu.

forte abraço
Vasco Pires
Ex-Comandante do 23° Pel Art Gadamael 70/72

Luís Graça disse...

Parabéns ao Paulo Mato, por este belíssimo artigo e pelo tratamento jornalístico que foi dado a um herói português que nunca se pôs em bicos de pés... Nem por isso deixa de ser um exemplo, para os jovens de hoje, numa época em que a crise que nos atinge é mais de valores morais, cívicos e simbólicos do que materiais...

Ele não se apercebeu, o Paulo, mas eu já o tenho aqui dito, além do mais, o Miguel e a Giselda constituem porventura o "casal mais strelado do mundo"... Acho que os dois podiam estar no livro do Guiness... Estariam no Guiness, se fossem americanos... E que esta história dava um filme em Hollywood, também não temos dúvida... Como estamos no Portugal dos Pequeninos, é tudo à nossa escala... liliputiana.

Mas isso é o que menos importa agora... São, o Miguel e Giselda, dois camaradas maravilhosos que honram a nossa Tabanca Grande...e sobretudo a nossa Pátria. É bom vê-los e encontrá-los periodicamente pelas nossas diversas tabancas, do Centro à Linha... Sinal que estamos vivos e que temos memória...

Destaco o que o jovem Paulo Mata escreveu sobre o Miguel que não meteu "atestetado psiquiátrico" para se safar de um segundo e de um terceiro "Strela" (e à terceira podia ser mesmo de vez!), regressando à Guiné paar completar a sua comissão, depois da sua "recuperação" no Hospital Militar Principal, em Lisboa...

Isto diz muito sobre a grandeza e a verticalidade de um homem e de um militar...

(...)" Quanto ao Ten. Miguel Pessoa, após passar duas semanas na enfermaria da BA12 terminaria durante os quatro meses seguintes na Metrópole, a convalescença das mazelas físicas decorrentes da ejecção, nomeadamente a nível do perónio fracturado e da coluna, cuja compressão de 2 cm nunca chegaria a recuperar. Depois deu-se o difícil regresso ao teatro de operações onde quase tinha perdido a vida, com a reactivação da sua comissão. Sem qualquer ajuda psicológica, ou apoio para voltar a enfrentar as mesmas situações de risco, voltar a sobrevoar o local onde tinha sido abatido não foi fácil, tal como não é difícil de compreender. Acabaria por ser o único piloto a terminar a comissão na Guiné, após ter sido abatido em combate. Ainda chegou a ser visado mais quatro vezes por mísseis Strela. Numa delas conseguiu mesmo ver a cabeça de busca do míssil que o perseguia e a tentativa de correcção da trajectória, para prosseguir atrás da fonte de calor que era o seu avião. Quando alguém alude à aura de herói que o rodeou por ter sobrevivido ao abate por um míssil, Miguel Pessoal responde que o verdadeiro acto de registo que teve, foi regressar e enfrentar outra vez o mesmo inimigo, o mesmo perigo, olhos nos olhos. E se os procedimentos de combate adoptados acabaram por lhe salvar a vida, nunca chegaram a ser aplicadas nos aviões quaisquer ajudas em termos de autodefesa relativamente aos mísseis." (...)

Luís Graça disse...

Paula, já agora... Sabemos quem foi o home que quis matar o nosso Miguel... Caba Fati... Norreu em 1998, na sequência do golpe de estado de então... E publicámos também a reação franca e sincera do Miguel, face a um hipotético encontro em vida... LG
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28 DE ABRIL DE 2009

Guiné 63/74 - P4258: FAP (27): Miguel, já não poderás apertar a mão ao homem do Strela que te quis matar... O Caba Fati morreu em 1998 (Luís Graça)

http://blogueforanadaevaotres.blogspot.pt/2009/04/guine-6374-p4258-fap-27-miguel-ja-nao.html


Henrique Cerqueira disse...

Este episódio foi por nós vivido e muito comentado na altura em que estive em Bissorã precisamente no ano em que aconteceu.Eram contados muitos outras peripécias relacionados com este facto.Uma das histórias que ouvia-mos era que o Piloto Miguel Pessoa tinha sido resgatado pelo Marcelino da Mata que na altura muito se falava dos "feitos" guerreiros dele.No entanto eu verifico agora numa das fotos e pela primeira vês é visível a presença de militares brancos que creio eu são tropas especiais.E agora pergunto eu?Porque será que nunca se falou muito nesta acção conjunta de Marcelino mais tropas especiais metropolitanas.
Não se pense que pretendo tirar valor aos feitos heróicos do Marcelino da Mata até porque todos nós sabemos o quanto era valioso o conhecimento das tropas Africanas na Guiné,pois eu até estive na CCAÇ13 que tinha valorosos combatentes africanos e que sempre me senti protegido quando ia para o mato com o meu grupo.Alem disso havia os Melícias dos quais se destacaram o Kebá Santiago e outros.
Este meu comentário destina-se a me congratular uma ves mais pelo salvamento de um camarada nosso na Guiné,mas também por verificar pela foto que afinal não era só o grupo do Marcelino da Mata que faziam feitos heróicos na Guiné.
Um abraço a todos.
Henrique Cerqueira

Luís Graça disse...

Recorde-se o que Miguel Pessoa escreveu aqui, em comentário ao João Seabra...LG

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Vd. também poste de 14 de Abril de 2009 > Guiné 63/74 - P4184: FAP (22): Entrega do meu pára-quedas ao Museu dos Pára-quedistas, na Base Escola de Tancos (Miguel Pessoa)

Caro João [Seabra]:

(...) Quanto ao Cap Cordeiro, também me incluo na lista dos que têm por ele grande consideração. Não me posso esquecer que foi o grupo de pára-quedistas que ele comandava quem primeiro chegou ao pé de mim, conjuntamente com o grupo do Marcelino, quando me recuperaram do corredor do Guileje.

"Podes ver uma foto do Cap Cordeiro no post 4051, durante a acção em que fui recuperado. Senti muito a sua morte num estúpido (mas sempre possível) acidente num salto de treino, na Guiné. Um abraço. Miguel Pessoa" (...).

Hélder Valério disse...

Este artigo tem vários aspectos interessantes.

O primeiro deles é o facto de se tratar de uma iniciativa de um jovem que é bastante mais novo que o(s) protagonista(s) dos factos relatados e que não sendo contemporâneo deles não deixa de se interessar.

Depois, a estrutura está realmente bem feita, podendo-se perceber os aspectos psicológicos associados aos factos.

Tal como diz o Miguel Pessoa, a quem muito estimo, a questão principal foi depois voltar aos mesmos locais e enfrentar os mesmos problemas (pelo menos era legítimo assim pensar, embora se saiba hoje que as contramedidas tomadas resultaram eficazes na defesa das aeronaves, não tanto no apoio ao solo, às Unidades de quadrícula). Foi de facto necessário ter 'fibra', e quanto a isso não regateio nenhuma dose de elogios.

Bom artigo, parabéns ao Paulo Mata.
Abraço
Hélder S.

Anónimo disse...

Quando se é submetido a mais de 20 Gs,na ejecção, isto é o peso de cada um é multiplicado por 20,os discos intervertebrais são quase esmagados, a coluna encolhe, claro, as ramificações nervosas são afectadas..e depois de tudo isto volta-se a voar em combate e em voo acrobático..É OBRA...

Qualquer pilav americano não acredita..é que lá..depois de uma ejecção..só volta a voar passados dois anos e se passar nos testes médicos rigorosos e se porventura se ejectar outra vez pode esquecer para sempre voltar a pilotar um jacto...

Aqui é como se vê..passados poucos meses..está-se outra vez pronto para tudo.

UM GRANDE ALFA BRAVO para o nosso pilav M.PESSOA.

C.Martins

Anónimo disse...

PS

Aqui na minha zona a FAP faz muitos exercícios de voo nomeadamente "dogfight"...juro que não me sinto incomodado pela simples razão de que na Guiné ao ouvir o som característico e inconfundível do Fiat G91 sentia um conforto indescritível..o som dos F16 é mais fino mas sei que é amigo....

Aquela história da ultrapassagem de mach 1 por um F16 provocando o respectivo estampido..não foi um pilav português..mas sim um dinamarquês..é que o "gajo" era um bocado "pixote"..viu um lince.. atrapalhou-se.. deu "gás"..e "bum"..não houve prejuízos de monta..

C.Martins

Anónimo disse...

Isto no nosso país é assim em em 3 meses faz-se um enfermeiro em teoria, que nem pode vêr sangue, em 8,5 meses faz-se um enfermeiro na prática com mais 1.5 mês em Bigene com médico e com o enfermeiro Moita da 1745, que me transmitiram conhecimentos inestimáveis sobre medicina tropical e geral, fica um enfermeiro pronto para qualquer eventualidade, até para substituír o médico, que nunca mais me fez companhia, nos restantes 20 meses de Guiné.
O povo português é assim, só os camelos é que não vêm.
Tudo se faz e tudo se arranja com meia dúzia de pensos rápidos e pouco mais como por exemplo o "engenho e arte" que o Camões falava já no século XVI.
Parabéns ao Paulo Mata e ao Miguel Pessoa que aindas no outro dia deu um valente trambolhão sem ejecção e sem pára-quedas e já está outra vez para as curvas. (Oxalá que não lhe volte a acontecer mais nada.)
Um grande abraço para todos,

Adriano Moreira