terça-feira, 20 de janeiro de 2015

Guiné 63/74 - P14166: Notas de leitura (672): Do livro "Família Coelho", edição de autor, 2014, de José Eduardo Reis Oliveira (JERO) (4): Como era Alcobaça nos tempos dos primeiros Coelhos

 


1. Do livro, Família Coelho,(*) da autoria do nosso camarada José Eduardo Oliveira (JERO) (ex- Fur Mil da CCAÇ 675, Quinhamel, Binta e Farim, 1964/66), aqui fica mais um apontamento, ainda dedicado a Alcobaça.



Parte IV

Que figuras notáveis: - É o tempo de (entre outros) Manuel Vieira Natividade (que nasceu em 1860 no Casal do Rei), do Dr. Brilhante, do Dr. Décio Sanches Ferreira, de António de Sousa Neves. Joaquim Ferreira de Araújo, que em 1878 é o fundador da Companhia de Fiação e Tecidos de Alcobaça, é também figura de destaque na sociedade alcobacense.

Que qualidade de vida: - O estado moral e intelectual da maioria moradores era baixo.
Em geral não eram letrados e o pouco tempo livre, depois das suas duras ocupações diárias, era passado em tabernas.
Quem tinha posses, ou necessidade de viajar, apanhava os carros da Mala Posta, na Rua D. Pedro V. Uma viagem à Batalha, com partida de diligência, frente ao Hotel Alcobacense, demorava duas horas e custava 3.000 réis (3$000).


O Asilo da Infância Desvalida de Álvaro Possolo prestava serviços humanitários e dava assistência às crianças. Desde 1888 funcionava a Associação dos Bombeiros Voluntários de Alcobaça, de que foi 1.º Comandante Manuel Vieira Natividade.



O Hospital da Misericórdia de Alcobaça, inaugurado em 15 de Agosto de 1890, passa por grandes dificuldades económicas em 1900.


Em redor do coreto do “Rossio” já havia 22 candeeiros com luz eléctrica.
Em 30 de Abril de 1899 as gentes de Alcobaça viram passar pela primeira vez um automóvel!

Que hábitos: - Só nas famílias abastadas havia alguma convivência entre senhoras e meninas, através de reuniões em casa de uns e de outros.

Nas classes mais elevadas os homens, depois do trabalho, iam para as boticas e não é difícil adivinhar quem frequentaria os saraus literários, o teatro e os bailes de máscaras.


Nas classes baixas os homens trabalhavam de sol a sol, faziam umas “libações” no “pós-laboral” e seguiam para casa normalmente “entornados” onde os esperavam as mulheres e os filhos, eventualmente candidatos a uns sopapos para “animar” o serão! As mulheres tinham filhos, criavam-nos como podiam e, sempre que tinham algum tempo disponível, “faziam meia“ e juntavam-se para conversar. Para “teatro” bastavam-lhes as “comédias” e os “dramas“ diários, embora um grupo teatral alcobacense – Grupo Dramático Villa Nova – tivesse conseguido grande aceitação junto de uma população menos favorecida mas, nem por isso, menos ávida de conhecimento.

E os nossos COELHOS?

No “moinho do Couto” trabalhava-se bastante. A roda vertical, exterior ao edifício, era movimentada dia e noite, pelo rio.


A moagem funcionava no piso térreo e a habitação era no primeiro piso. No piso térreo, iluminados por uma pequena janela, alinhavam-se quatro pares de mós, duas para o trigo, talhadas em calcário (as alveiras) e duas para o milho, talhadas em granito (as segundeiras)

E nos primeiros anos do novo século chega ao fim a vida do “Casal Fundador". Em 1901 morre a “Avó” ROSA MARIA, de que infelizmente pouco se sabe.)

É o ano em que chegaram a Alcobaça os refugiados boers da Guerra do Transvaal).

E cinco anos depois, em 1906, deixa o mundo dos vivos o Avô Porraditas com 80 anos de idade. Uma vida de trabalho e canseiras iniciada ao som dos assobios dos búzios de barro presos nas espias das velas brancas de linho dos Moinhos de Alqueidão da Serra e terminada junto às águas calmas do Rio Alcoa, em terras de Santa Maria de Alcobaça.


Os “sete magníficos” começam a voar sozinhos, ou melhor, porque são COELHOS ganham direito às suas raízes... enfrentando a vida sem desfalecimentos – a maioria deles à martelada porque... trabalham a arte do ferro... e são bons no seu ofício.

Serralheiros e, nos intervalos, bombistas: Quatro irmãos (o Joaquim, o Zé “Preto”, o Júlio e o António “Russo” ), hábeis serralheiros, com oficina na Rua Frei Estêvão Martins, viveram intensamente os tempos conturbados do assalto ao Quartel em Janeiro de 1919.


A página 137, do livro de Bernardo e Silvino Villa Nova, “Breve História de Alcobaça” é referido que em 11 de Janeiro de 1919, civis armados, auxiliados por oficiais revoltosos de Regimento de Artilharia 1, aquartelado em Alcobaça, tomaram posse do quartel, prenderam o Comandante e alguns oficiais e seguiram para Santarém, principal núcleo do movimento revoltoso.

No dia 13 seguinte, encontrando-se Alcobaça desguarnecida, entrou nela tropa de Infantaria 7, fiel ao Governo, tendo-se seguido a prisão de largas dezenas de pessoas... e até 24 do mesmo mês viveu-se um regime de terror, com violação de domicílios e atropelos vários.

Pois também os quatro irmãos da nossa história e a sua oficina estivaram na mira das forças da ordem de então por terem sido denunciados por inimigos políticos. Eram acusados do fabrico de bombas para a revolução.

Foi um elemento da GNR, que no final da busca, certamente cansado, enfarruscado e desiludido por nada ter encontrado que proferiu a frase que veio a tornar conhecida a oficina dos 4 irmãos:
- Que oficina danada!...


Quanto às bombas elas estavam lá perto, dentro de um cesto que, preso por um arame, estava mergulhado nas águas escuras do Rio Baça que passava nas traseiras da oficina.


Se têm aberto a janela enferrujada das traseiras e puxado o arame estes nossos parentes teriam ido mesmo presos. Parafraseando a histórica expressão do soldado da GNR tiveram uma sorte danada!... O dia a dia da oficina era duro, trabalhando-se de sol a sol, recebendo-se à semana por conta das obras encomendadas.


Vestiam fatos de ganga, fechados até ao pescoço, e protegiam a cabeça com bonés com pala de oleado.

Pela ordem natural das coisas estes nossos COELHOS da primeira Geração vão envelhecendo junto dos COELHOS da segunda geração, que se fazem à vida desfrutando... novos tempos... num Portugal e numa Alcobaça um pouco melhor da que tiveram seus Pais e Avós.
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Notas do editor

(*) Poste anterior de 14 de janeiro de 2015 > Guiné 63/74 - P14149: Notas de leitura (670): Do livro "Família Coelho", edição de autor, 2014, de José Eduardo Reis Oliveira (JERO) (3): Como era Alcobaça em 1890

Último poste da série de 19 de janeiro de 2015 > Guiné 63/74 - P14163: Notas de leitura (671): “O Império da Visão, fotografia no contexto colonial português (1860-1960)”, com organização de Filipa Lowndes Vicente, Edições 70, 2014 (Mário Beja Santos)

2 comentários:

Luís Graça disse...

Meu caro JERO: os meus parabéns pelo amor que tens à tua terra e ao teu "clã"...

Sobre o hospital da misericórdia d Alcobaça, tens aqui um texto meu, que te ofereço com muito gosto, podes reproduzi-lo...

Graça, L. (2000) - Arquitectura e Engenharia Hospitalares do Início do Séc. XX [ Hospital Arquitecture and Engineering 100 Years Ago ] [Em linha]. Saúde e Trabalho: página pessoal de Luís Graça. [Consult 20 de janeiro de 2015]. Disponível em
http://www.ensp.unl.pt/luis.graca/textos94.html

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Aqui vai um excerto:

(...) Durante todo o Séc. XIX os hospitais continuam vocacionados para a sua função primordial, a de acolhimento dos doentes pobres. Na realidade, o liberalismo não trouxe grandes novidades em termos de organização e funcionamento hospitalar que, no nosso caso, continuará, em grande parte e até 1974, nas mãos das misericórdias ou de confrarias menores (neste caso com acesso reservado aos seus membros).

De facto, a rede hospitalar continua, no essencial, sob a administração de instituições privadas (e em particular das misericórdias), o mesmo é dizer, fora da tutela do Estado, não obstante as leis de desamortização (entre as quais a de 1866), cuja aplicação terá afectado seriamente o seu património.

Em contrapartida, o triunfo do liberalismo vai modificar a composição das elites locais e, por conseguinte, a própria composição dos corpos sociais das misericórdias. Inclusive, irão fundar-se novas misericórdias, entre finais do Séc. XIX e as primeiras décadas do Séc. XX, nomeadamente na região a norte do Mondego.

Nas vilas e cidades do Reino, sob o impulso da Regeneração, há contudo uma renovação dos equipamentos sanitários das misericórdias, cuja extensão está, no entanto, por documentar e avaliar, na ausência de estudos monográficos sobre a maior parte destas confrarias. São construídos novos hospitais, já de acordo com os padrões de higiene da época, embora obedecendo às exigências de uma arquitectura funcional e de um construção de baixo custo.

De qualquer modo as velhas misericórdias, descapitalizadas e em decadência, não parecem estar em condições de se abalançar a investimentos de grande vulto. Tome-se como exemplo o Hospital de Alcobaça Bernardino Lopes de Oliveira (hoje hospital distrital, de nível 1, com 63 camas) construído há mais de cem anos.

A sua inauguração, em 15 de Agosto de 1890, foi pretexto para a edição de um número extraordinário do defunto Correio de Alcobaça, que insere um detalhado informe do novo hospital, curiosamente assinado por um dos seus facultativos, o Dr. Francisco Baptista Zagallo, ele próprio, um destacado benemérito com direito a nome de uma das enfermarias. (...)

Anónimo disse...

Meu caro Comandante
Muito obrigado pelo teu comentário e pelo teu preciosos texto, que vou incluir num jornal local. Grande abraço de Alcobaça-JERO