quinta-feira, 18 de agosto de 2016

Guiné 63/74 - P16398: Manuscrito(s) (Luís Graça) (91): A ilha da praia do Caniçal...

A ilha da praia do Caniçal…


por Luís Graça





Chita,
em  homenagem 
aos nossos 40 anos de casados (1976-2016),
e ao teu aniversário natalício,
duas efemérides que ocorrem
no "nosso querido mês de agosto"…

Uma vida em comum
com os seus montes e vales,
as suas ilhas e mares,
os seus cabos das tormentas
e das boas esperanças,
os seus encantos e desencantos,
amores e desamores,
e dois filhos,
uma Joana e um João,
que são afinal as flores mais lindas do nosso jardim.

Hoje
só posso oferecer-te rosas,
meu amor,
vermelhas,
em celebração da vida e do amor.
Nunca te ofereci outras flores,
senão rosas,
vermelhas.
Espero que gostes deste poema
sobre (a ilha d)a praia do Caniçal
onde demos o nosso primeiro beijo, lembras-te ?

Teu, (e)terno amante e amado, Nhicas.


Praia do Caniçal…
Poderia ser a minha ilha,
afinal, aqui tão perto,
poderia ser a minha ilha,
sim, senhor,
se eu quisesse ser egoísta,
se eu pudesse, outrossim,
ter uma ilha só para mim,
registada em meu nome pessoal,
depois de  me ter perdido  na vida,  
e de ter sido achado por ti, algures no deserto!


A mais exclusiva das ilhas,
com muitas milhas em redor,
pintadas de azul marinho,
até perder de vista,
“ad nauseam”.


Não, não nasci,
nem gostaria de ter nascido numa ilha.
Se eu lá tivesse nascido, não duvido,
o sítio perderia todo o encantamento,
que é coisa que  está justamente ligada ao mistério.
Não, não quereria
nenhuma ilha como berço
e muito menos o oceano Atlântico
como cemitério.


Mas, confesso,
gostaria de ter tido um ilha,
só para mim,
como se eu fosse o Robinson Crusoé
do século XXI,
náufrago
apátrida,
sem lar nem  terra,
errático,
proscrito,
ex-veterano da guerra da Guiné
ou de outra qualquer guerra.


Robinson Crusoé
ou outro pobre diabo,
em busca de uma ilha,
porto de abrigo
ou tábua de salvação,
e a quem tivesse saído o Euromilhões
por um bambúrrio da sorte
ou tivesse sido nomeado
presidente do Goldman Saque Saque Saque,
por um dia,
por um um simples bug informático.


Não sei se há ilhas dessas
à venda,
ao desbarato,
aqui à porta,
na feira da ladra
ou da bolsa vazia de valores de Lisboa,
no meu país
que é Portugal
ou no que resta dele.
Yes, Portugal, my  Lord,
Portugal,
sítio, para quem não sabe,
que fica na ponta mais acidental da Europa.


Uma ilha rigorosamente exclusiva
e vigiada,
concentracionária,
com arame farpado
e neblinas matinais,
por causa dos meus medos irracionais,
a sul do cabo Carvoeiro,
e com um arco-íris grafitado
a anunciar a borrasca que aí vem,
para desencorajar os intrusos,
afastar os mirones,
intimidar os candidatos a refugiados,
ah!, uma tabuleta a (con)dizer,
um gigantesco outdoor,
em português, gente com fama de cortês,
em inglês, língua de corsário,
em alemão, a vingança dos godos e visigodos,
em árabe, por causa dos mártires de todos os islões,
em chinês, mandarim,
com muitos cifrões:
“Propriedade privada.
Cuidado com o cão
E com o tubarão.
Perímetro de segurança armadilhado”.


Para quê, ó estúpido,
tanto medo securitário ?
Haverá sempre um chinês
que não sabe mandarim,
ou um árabe analfabeto
ou um português,
xico-esperto,
tetraneto
dos grandes descobridores
dos mares e ilhas por achar,
e com a mania de espreitar
pelo buraco da fechadura do vizinho.
Ficarás deveras constrangido
quando ouvires a notícia de pobres diabos
eletrocutados
nas fronteiras de Schengen!
Virão da África subsariana
e o único árabe que terão aprendido
será o das tabuinhas das madraças
de contrafação.


Mas, que importa ?
Viva o cinismo, a ideologia dominante
deste tempo global!
Se eu fosse um milionário,
excêntrico,
idiota,
suicidário,
teria à minha direita, a norte,
o polo,
e mais ligeiramente, ao lado,
a estrela,
polar.
E o esplendor,
já não de Portugal,
mas de um dos seus últimos recantos,
a praia de Paimogo,
atapetada de algas,
e, sob a a areia, diamantes,
rubis, topázios, esmeraldas,
com sorte o forte,
setecentista,
com os seus soldadinhos de chumbo
e os seus canhões de bronze,
de pólvora seca e longo alcance.


Com engenho e arte
faria parte
do meu condomínio
a enseada,
sereníssima,
nas tardes de fim de verão da minha civilização,
mais a velha rampa dos contrabandistas,
e dos mariscadores
e das tropas luso-britânicas
que aqui hão de desembarcar
no verão quente de 1808
e que na batalha do Vimeiro
se hão de cobrir de glória.


Pensando bem,
e tal como o Robinson Crusoé,
preferiria uma ilha sem história,
sem as brumas da memória,
sem qualquer inquietante peugada humana.
E, tanto quanto a minha geografia consente,
ao longe, em frente,
as Berlengas,
que, em dias de nevoeiro,
não são de ninguém,
ou são de quem as achar,
à deriva,
em alto mar…
Poderiam ser minhas,
por usucapião, ou não ?!


Sim, as Berlengas,
ali, quase ao alcance da tua mão,
que o teu braço,
diriam depois os teus inimigos,
seria tão comprido
como o abraço
com que se enforcam
os violadores da lei e da ordem.
Mas, para que é que tu, cretino,
querias ter mais uma ilha,
ao lado de outra ilha,
e às tantas um arquipélago,
uma metrópole,
um império ?
Terias, que chatice, pagar IMI,
de um extenso areal
do domínio público marítimo
e, nas marés vivas de setembro,
rodear-te de altas falésias,
caídas a pique.


E, imagina, que muda o governador
do reino d’aquém e d’além mar,
e que na sua fúria iconoclasta,
própria dos ex-proletários,
contra os milionários,
excêntricos,
idiotas,
suicidários,
acionava o princípio da retroatividade
da lei e da ordem ?


Diz o mapa do tesouro
que a ilha está datada
do tempo do jurássico superior
E foi cemitério de dinossauros,
corsários
e cetáceos.
Cento cinquenta milhões de anos!,
mas o que é isso, afinal,
na escala geocronológica
da tua galáxia,
da qual nem sequer sabes o nome,
só sabes que foi o pedacinho de universo
que te coube em sorte.


Sim, pensando bem,
para que quereria eu
uma enseada,
mesmo que sereníssima,
e, depois do sol posto,
a magia do luar de agosto ?
A insularidade é solidão,
e a solidão não se partilha,


Respondendo à minha consciência crítica,
para que quereria eu, de facto,
um forte militar
e um pelotão de milícias
com os seus bacamartes e arcabuzes ?
Só para brincar às guerras
do tempo em que Portugal
era ainda um país de brandos costumes,
no século das luzes.


Fica aqui desde já a minha declaração
de conflito de interesses
e, outra,  de objetor de consciência.
Não tenho licença de uso e porte de armas,
não gosto de brincar às guerras,
já fiz uma e não gostei,
e os seus fantasmas nunca os exorcizei.
Mais:
nunca achei a violência lúdica,
nem sexy,
nem muito menos romântica,
qualquer que seja a sua bandeira,
branca, negra ou vermelha,
A violência sempre foi uma má parteira
da história.


E, depois,
o que faria eu,
com o meu metro e setenta e dois de altura,
com uma ilha…  só para mim ?
Sem ti, meu amor?
Sem vocês, meus queridos ?
Sem todos nós e os nossos amigos ?
A insularidade não é só solidão,
é lonjura,
é amargura.




__________

Nota do editor:

Último poste da série > 14 de agosto de 2016 > Guiné 63/74 - P16389: Manuscrito(s) (Luís Graça) (90): Praia de Paimogo da minha infância

1 comentário:

José Botelho Colaço disse...

Alice valeu a pena esperar 40 anos por esta bela, bonita homenagem, mais uma vez parabéns.