1. Continuação da publicação das "Memórias Revividas" com a recente visita do nosso camarada António Acílio Azevedo (ex-Cap Mil, CMDT da 1.ª CCAV/BCAV 8320/72, Bula e da CCAÇ 17, Binar, 1973/74) à Guiné-Bissau, trabalho que relata os momentos mais importantes dessa jornada de saudade àquele país irmão.
AS MINHAS MEMÓRIAS,
REVIVIDAS
COM
A
VISITA QUE EFECTUEI
À
GUINÉ-BISSAU
ENTRE OS DIAS
30 DE MARÇO E 7 DE ABRIL DE 2017
AS DESLOCAÇÕES PELO INTERIOR DA GUINÉ-BISSAU (6)
5º DIA: DIA 03 DE ABRIL DE 2017 - BISSAU, SAFIM, BULA, BINAR E BISSORÃ
BULA
Mais uma noite bem dormida, mais um pequeno-almoço ingerido e eis-nos de novo na estrada para cumprir o programa planeado para o 4.º dia da nossa estadia por terras africanas da Guiné-Bissau.
Tal como acontecera nos dois dias anteriores, saímos do Aparthotel, cerca das 08,00 horas da manhã, dirigindo-nos para norte em direcção de Safim, percorrendo 13 quilómetros de uma via muito movimentada, mas com o piso com pouco asfalto e muitos buracos.
Ultrapassámos depois o Rio Mansoa, cuja passagem vencemos utilizando a Ponte Amílcar Cabral, que ali foi construída no ano de 2007, seguindo depois em direcção a Bula, onde havíamos previamente decidido fazer a primeira paragem.
A vila de Bula, tal como muitos outros locais da Guiné, está, em minha opinião, bastante pior do que a conheci nos anos de 1973/1974, realidade que se compreenderá pelo regresso a Portugal dos militares portugueses, que constituíam o Batalhão 8320/72, alguns com famílias, e que davam movimento e proporcionavam algum rendimento e bem-estar às populações locais, em áreas tão distintas como a frequência de pequenos restaurantes, cafés e bares e até de algumas pequenas lojas que, por todo o lado existiam, ou até do recurso às lavadeiras locais, que faziam o tratamento das roupas desses militares.
Tal como o pudemos confirmar não só aqui, mas também noutras localidades guineenses que visitámos, as instalações dos antigos quartéis das tropas portuguesas estão completamente abandonadas e muitas delas destruídas, dando péssimo aspecto a quem visita estas terras. Creio que os responsáveis guineenses não souberam rentabilizar os apoios financeiros que receberam de instituições internacionais, já que, pelo menos, poderiam tê-los aproveitado para o desenvolvimento de actividades escolares, ou para instalação de pequenas unidades de saúde, ou até para a construção de pequenas indústrias ligadas aos produtos que produzem. O único dado positivo que ali vimos, foi a existência, junto à entrada do antigo quartel, de uma pequena unidade da PSP, mas que, segundo verificámos, não reúne mínimas condições de funcionalidade, face à ausência de equipamentos e de viaturas de apoio, para rentabilizar a sua actividade.
Das instalações do antigo quartel, apenas visualizámos vestígios das paredes onde funcionava a Messe dos Oficiais, ruínas de uma das casernas dos soldados, um palco e um écran, ambos em cimento e ainda em estado razoável de conservação e locais onde se projectavam, naquela época, alguns filmes e ainda o que resta da antiga Capela do aquartelamento.
Outro pormenor que me chamou a atenção foi a inexistência de toda a vedação que rodeava e defendia as instalações do antigo quartel.
Dirigimo-nos depois à Escola do EB 23 de Janeiro, um estabelecimento de ensino com vários pavilhões e cuja propriedade era de foro privado, onde fomos recebidos pelo Director dessa Escola e por alguns dos seus professores que, nesse dia, ali se encontravam a dar aulas.
O objectivo da nossa paragem, era o de não só verificar o estado das salas de aula e as condições em que as crianças locais tinham as aulas visando um futuro apoio, mas também para ali deixar diverso material escolar, a fim de ser distribuído e utilizado pelos alunos daquela escola, tendo também sido distribuídas algumas guloseimas e duas bolas de futebol, para a prática desportiva.
De salientar que, ao contrário das escolas do ensino público que encontrámos noutros locais, casos de Binar e Bissorã, onde os alunos já estavam a gozar de férias da Páscoa, nas privadas, como era o caso desta em Bula, essas férias só se iniciavam no fim-de-semana que se seguia.
Antes de seguirmos para Binar, tivemos oportunidade de dar um pequeno passeio a pé e depois de jeep, pelas duas principais ruas de Bula, confirmando a ideia que já tínhamos sobre a vila, tendo-nos apenas chamado a atenção, pela positiva, a existência de uma feira de rua que, iniciada logo a norte do antigo quartel, se alonga pela rotunda que conduz a Binar e a S. Vicente e por mais umas dezenas de metros, na estrada que segue para Binar e locais onde se vendia um pouco de tudo.
Apesar de algum desencanto, mesmo assim gostei de ver e sentir Bula, localidade em cujo quartel participei em diversas reuniões e local onde, interinamente comandei, nos finais de 1973, a 1.ª Companhia do Batalhão de Cavalaria 8320/72, que aguardava a chegada de Portugal de um novo Capitão Miliciano para ocupar esse lugar.
Foto 51 - Rio Mansoa (Guiné-Bissau): Ponte Amílcar Cabral, sobre o Rio Mansoa, entre as cidades Bissau e Bula e que tem o comprimento de 785 metros e a largura de 11,40 metros
Foto 52 - Bula (Guiné-Bissau): Entrada principal do quartel de Bula, obtida na década de 80, mas que actualmente se encontra com os edifícios totalmente degradado
Foto 53 - Bula (Guiné-Bissau): Entrada da Escola EB 23 de Janeiro, onde eu próprio, o Isidro e o motorista Fernando, temos a simpática companhia de 8 alunos daquela escola, onde entregámos diverso material escolar.
Fotos 54 e 55 - Bula (Guiné-Bissau): Duas fotos, recordando a nossa visita a uma sala de aulas de uma escola de Bula, onde entregámos material escolar e desportivo e onde aparecem os colegas, Ferreira, Rebola, Isidro e Azevedo. Na nossa companhia estão, a professora dessa sala e o director da escola. Repare-se na data escrita no quadro
Foto 56 - Bula (Guiné-Bissau): Os colegas Ferreira e Isidro, distribuindo objectos de apoio escolar, na escola local
Foto 57 - Bula (Guiné-Bissau): Foto do exterior da escola de Bula, que visitamos e onde deixámos material escolar
Foto 58 - Bula (Guiné-Bissau): O João Rebola e o Azevedo, no interior do antigo quartel, acompanhados por dois agentes do posto da PSP, instalado à entrada
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BINAR
Percorridos cerca de 10 quilómetros por uma estrada bem asfaltada e com muitas retas, chegámos a Binar, onde no período de 1973 e 1974, se sediou o aquartelamento da Companhia de Caçadores 17 (CCAÇ 17), constituída por 23 homens do Continente Português (1 Capitão, 4 Alferes, 1 Sargento, 9 furriéis, 5 cabos e 3 praças e mais 144 elementos africanos (5 furriéis, 11 cabos e mais 128 soldados, que comandei, como Capitão Miliciano, durante cerca de oito meses.
Ao chegarmos ao cruzamento da localidade, virámos para norte, para cerca de 500 metros depois, chegarmos ao local onde existiu o antigo aquartelamento, tendo de imediato sentido um arrepio ao ver o local onde estive instalado e em zona onde também existiam habitações da administração e tabancas da população local.
Começando por falar da vedação das nossas antigas instalações, referiria que da mesma, na altura constituída por duas redes de arame farpado paralelas e separadas cerca de uns 15 metros uma da outra, com entrada/saída nos topos norte e sul, nem sinais dela agora existem.
Mal estacionámos no local onde era a parada do antigo aquartelamento, senti logo uma profunda emoção ao ver ainda de pé e em estado de boa conservação, uma antiga capelinha, encostada a um enorme poilão, que continha no seu interior um pequeno oratório, onde estava colocada uma pequena imagem de Nossa Senhora de Fátima, capelinha essa que havia sido construída pela Companhia de Militares Portugueses que nos antecedeu e da qual não me recordo a sua identificação.
Essa capelinha, creio que foi construída como agradecimento a Nossa Senhora pelo facto de quase no topo dessa árvores e bem lá em cima, ainda se poder ver uma granada de RPG, que havia sido disparada por tropas do PAIGC e que lá ficou espetada, sem explodir.
Verifiquei, também com natural espanto, que ainda existiam as paredes do edifício de pedra e cimento, propriedade da administração local, onde eu e mais três dos quatro Alferes, dormíamos a maior parte das noites que lá passámos e da qual tirei, para memória futura, algumas fotos que abaixo reproduzo, acrescentando desde já que, em duas das suas paredes, cresceram duas árvores, que atingem algum porte, uma das quais se vê por cima da janela maior, local onde era o meu quarto.
Por razões estratégicas, de segurança e de comando, um dos quatro Alferes, de forma rotativa, dormia num abrigo subterrâneo, que ficava localizado cerca de 30/40 metros para nascente do nosso edifício.
Embora a tal não fosse obrigado, por razões de boa camaradagem, também algumas vezes entrei nesse sistema de rotação de dormir no abrigo, onde porém, as condições eram um pouco piores que na casa que nos tinha sido cedida.
Quanto aos nove Furriéis continentais, que dormiam num outro edifício, também propriedade da Administração e situada a uns 20 metros para norte do abrigo e aos cinco guineenses que dormiam nas suas tabancas, havia idêntica rotação, ficando no abrigo três por noite, com o Sargento, também, por razões de camaradagem, a entrar periodicamente nessa rotação.
Além destes graduados, dormiam também no mesmo abrigo, em noites também rotativas, cerca de 30 elementos que constituíam cada um dos quatro pelotões da Companhia de Caçadores 17 (CCAÇ 17).
Tinha que ser, e assim se fazia, cumprindo as ordens e as normas de segurança de todo o pessoal da Companhia em que estávamos todos os 167 homens integrados.
Além dos edifícios já referidos, existia ainda no interior da zona vedada, o edifício onde habitava o Administrador de Binar, o edifício da Secretaria da Administração e ainda um outro edifício designado celeiro e que servia de local de recolha dos produtos agrícolas produzidos na região (arroz, mancarra, caju, manga e creio que peixe e marisco) e que eram controlados pela Administração e ainda um grupo energético que enviava para um depósito elevado, a água que retirava de um furo existente no terreno, com algumas dezenas de metros de profundidade.
Como curiosidade, o facto de os habitantes desta pequena aldeia guineense, que não deveria ultrapassar as 500 pessoas, pertenciam às quatro seguintes etnias: Balantas, Fulas, Manjacos e Mancanhos, cada uma delas com o seu Chefe de Tabanca, mas todas subordinadas ao Chefe dos Chefes, que de nome António Quade, era Balanta e era o mais velho dos quatro.
Procurámos manter sempre um bom relacionamento com todos eles, mas havendo o cuidado e a atenção de, qualquer assunto importante, passar previamente pelo Chefe dos Chefes.
Antes de nos retirarmos e tal como noutras localidades, onde outros colegas prestaram o seu serviço militar, também aqui entregámos na Missão Católica de Binar, roupas e material diverso, deixando na Escola de Ensino Básico Unificado de Binar material escolar e uma bola de futebol.
Outra curiosidade, para mim muito emotiva desta minha passagem por Binar, relaciona-se com a agradável surpresa de ao falar com o responsável da Missão Católica, que nas fotos aparece com uma t-shirt vestida, lhe ter perguntado se ainda por ali viviam pessoas dos já longínquos anos de 1973/1974, ficando surpreendido quando ele me disse que um tio dele, já vivia ali nessa época, que ainda era vivo, e que residia ali próximo.
Logo se prontificou a ir chamá-lo, o que fez de imediato, ficando eu a aguardar com alguma expectiva a sua chegada, mas aproveitando esse tempo para irmos à Escola local entregar a um dos professores que lá se encontrava e que se vê numa das fotos seguintes, algum material escolar que tínhamos levado, para lá deixar.
A certa altura vejo chegar, montado numa bicicleta, um homem já idoso que, ao ver-me, logo atirou a bicicleta para o chão e que veio direito a mim para me dar um abraço e chamando-me Capitão, o que para mim foi um espanto total, pois nem sequer me deu tempo para pensar se eu o conhecia, ou não, confirmando-me logo de seguida, que era neto de António Quade, o tal Chefe dos Chefes de Tabanca, a quem atrás já me referi.
Ainda que naquela altura ele tivesse cerca de 20 anos, acabei com mais calma por o reconhecer, já que naquela altura ele acompanhava muitas vezes o avô, mas ele reconheceu-me primeiro a mim, o que me encheu de natural alegria, como é fácil supor.
Prontificou-se a mostrar-me como se encontra a actual Binar e fiz-lhe a vontade, acompanhando-o numa pequena volta pelo meio de algumas tabancas, durante cerca de 15/20 minutos, pormenor muito importante para mim e satisfação plena para ele, que o levou a chorar agarrado a mim quando nos despedimos, atitude que também me emocionou, porque tal como nos aconteceu noutros locais, ele ao despedir-se de mim dizia em voz alta e comovente: Não nos abandonem… Voltem para cá outra vez…
Seguem-se algumas belas e para mim cativantes imagens que me recordam com alguma saudade a minha passagem por terras guineenses de Binar, que muito gostei de rever.
Foto 59 - Binar (Guiné-Bissau): Uma pequena capela construída encostada a um poilão, que felizmente ainda se encontra de pé, e em cujo interior se encontrava exposta uma pequena imagem de Nossa Senhora de Fátima, que já lá não está. Fui aqui Comandante, como Capitão Miliciano, da então CCAÇ 17, que era constituída por 23 militares do Continente e por 144 militares da Guiné. Na frente da capela, situava-se a parada do nosso quartel.
Foto 60 - Binar (Guiné-Bissau): O belo “palácio”, onde eu e mais 3 alferes da CCAÇ 17 dormíamos. Repare-se no actual requinte de 2 árvores invadindo as paredes do edifício. A abertura larga do lado direito do edifício, era o meu quarto, mas afirmo que não fui eu que plantei a árvore que lá se vê. A porta de entrada era a que se vê à esquerda
Foto 61 - Binar (Guiné-Bissau): Ainda com o edifício onde dormia, em fundo, aqui deixo com esta imagem, um memorial aos militares da CCAÇ 17 e outras companhias anteriores, que passaram por Binar e que por aqui faleceram, em defesa da Pátria Lusitana. Paz à sua alma
Foto 62 - Guiné-Bissau: Estrada Bula / Binar, mapa onde também aparece a povoação de Pete, local no qual comandei temporariamente, a 1.ª Companhia do Batalhão de Cavalaria 8320/72, sediado em Bula, em conjunto com a da CCAÇ, 17, em Binar, até à chegada de um novo Capitão, ido do Continente. No mapa vê-se, a noroeste de Binar, a base do Choquemone, que o PAIG, ali mantinha
Infogravura: © Blogue Luís Graça & Camaradas da Guiné
Foto 63 - Guiné-Bissau: Outro mapa, onde se vê a localização geográfica de Bissau, de Binar, de Encheia, de Mansoa e ainda de Porto Gole, com o curso do Rio Geba a ladear, a sul, estas terras guineenses
Infogravura: © Blogue Luís Graça & Camaradas da Guiné
Foto 64 - Binar (Guiné-Bissau): Edifício da antiga administração da pequena vila, com cujo responsável mantive as mais cordiais relações institucionais, quer de amizade quer de colaboração
Foto 65 - Binar (Guiné-Bissau): Foto da Escola de Ensino Básico Unificado, onde entreguei diverso material escolar e uma bola de futebol
Foto 66 - Binar (Guiné-Bissau): Foto junto a um poço de água da localidade, onde da esquerda para a direita aparecem os colegas, Vitorino, eu próprio, Monteiro, Isidro e Ferreira. Ao nosso lado, um professor da escola de Binar
Foto 67 - Binar (Guiné-Bissau): No mesmo local da foto anterior, saio eu da imagem e entra com uma “t-shirt” verde, um bisneto do Chefe dos Chefes das Tabancas de Binar, que atrás refiro e responsável pela Missão Católica de Binar.
Fotos: © A. Acílio Azevedo
(Continua)
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Nota do editor
Último poste da série de 3 de outubro de 2017 > Guiné 61/74 - P17820: As memórias revividas com a visita à Guiné-Bissau, que efectuei entre os dias 30 de Março e 7 de Abril de 2017 (5): 4.º Dia: Bissau, Safim, Bula, Có, Pelundo, Canchungo, Bachile e Cacheu (António Acílio Azevedo, ex-Cap Mil)
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