segunda-feira, 14 de junho de 2021

Guiné 61/74 - P22279: Notas de leitura (1361): "Forças Expedicionárias a Cabo Verde na II Guerra Mundial", de Adriano Miranda Lima; Março de 2020, Edição de Autor (Mário Beja Santos)


1. Mensagem do nosso camarada Mário Beja Santos (ex-Alf Mil Inf, CMDT do Pel Caç Nat 52, Missirá e Bambadinca, 1968/70), com data de 20 de Maio de 2021:

Queridos amigos,
Este livro chegou-me através de um jornal de Tomar onde colaboro, é uma narrativa marcada pela ternura, pelos bons afetos gerados por aqueles jovens que no auge da II Guerra Mundial arribaram numa cultura que os deve ter surpreendido pelas afinidades existentes com a nossa como pelo abismo das diferenças. Face ao contexto em que operaram estas Forças Expedicionárias, o autor é meticuloso a despeito de dizer sempre que não está a fazer historiografia, socorre-se de um acervo fotográfico impressionante, e aí entra o nosso blogue, o Luís Graça mimoseou-o com o acervo que dedicou à memória do seu pai, um dos atores presentes num dos períodos de calamidade mais devastadores que o arquipélago conheceu. E conta-se como as unidades militares e o corpo de profissionais de saúde tanto ajudou aquelas populações em calvário. Uma terna narrativa de cuja leitura só temos a ganhar.

Um abraço do
Mário



Forças expedicionárias em Cabo Verde (1941-1944):
Guerra não houve, a solidariedade foi grande com as horríveis secas, devastadoras


Mário Beja Santos


Adriano Miranda Lima, Coronel Reformado do Exército Português, nascido em S. Vicente de Cabo Verde, publicou em edição de autor, março de 2020, uma obra dedicada às Forças Expedicionárias que de 1941 a 1944 cumpriram missão em Cabo Verde, sob o espetro de uma invasão num ponto geoestratégico de grande importância para o Eixo e para os Aliados. (*)

O seu trabalho é dedicado à memória dos 24.473 cabo-verdianos que morreram por fome no arquipélago nos anos 1941, 1942 e 1943; e também à memória dos 68 militares das Forças Expedicionárias que morreram por doença e acidente, no período da II Guerra Mundial. Cabo Verde e Tomar estão no coração do autor. 

Até alguns anos atrás, principalmente soldados, cabos e furriéis tomarenses promoviam convívios para recordar aqueles tempos da sua mocidade. O Regimento de Infantaria 15 foi uma das unidades-mãe de forças militares integrantes daquela missão. 

Sendo cabo-verdiano de origem, Adriano Miranda Lima foi designado como elemento de ligação com as comissões de convívio dos antigos militares expedicionários. Não esconde a carga afetiva e emocional que envolveu o seu trabalho, dedicará parágrafos muito belos à solidariedade com os cabo-verdianos flagelados por temíveis secas. Meticuloso, exprime gratidão com quem lhe estendeu a mão para fornecer elementos. Concretamente, manifesta-se devedor ao Luís Graça e ao blogue (escreve: “Considero-o o mais completo e mais conseguido reportório nacional das memórias e experiências pessoais sobre a guerra colonial”), sobretudo graças às memórias sobre Luís Henriques, antigo expedicionário a Cabo Verde integrado no 1.º Batalhão Expedicionário do Regimento de Infantaria 5.

Começa por nos dar o quadro da decisão de Salazar e o seu governo, naquele contexto de neutralidade colaborante em mostrar às potências em conflito, tendo também presente que a Batalha do Atlântico tinha como cenário as ilhas atlânticas portuguesas, de enviar efetivos para os Açores, a Madeira e Cabo Verde. As forças mobilizadas para a Madeira foram pouco expressivas, 30 mil homens para a defesa dos Açores e mais de 5 mil homens para Cabo Verde. Estava dado o sinal de qualquer antecipação a apetências germânicas ou aos avisos norte-americanos de que aquelas ilhas de Cabo Verde podiam ter um papel crucial no desfecho da guerra.

Comprou-se material no Reino Unido (peças de artilharia, jogos para plataformas e munições respeitantes à artilharia de costa). Em 1941, foi criada na cidade de Mindelo uma Bataria de Artilharia de Costa e em fins de agosto do mesmo ano foi transferida para a mesma cidade a Sede da Repartição Militar. Mobilizaram-se várias unidades, e é assim que aparece o 1.º Batalhão Expedicionário do Regimento de Infantaria 15, foi nomeado comandante do Comando Militar de Cabo Verde o Brigadeiro Nogueira Soares, que estará no arquipélago em funções deste agosto de 1941 até dezembro de 1944. 

O autor dá-nos a relação das diferentes unidades (batalhões expedicionários, batarias de artilharia e um bom conjunto de unidades de apoio) que irão estacionar no Mindelo, em Santo Antão e na Ilha do Sal. O Batalhão Expedicionário de Infantaria 15 parte fracionado em três contingentes entre outubro de 1941 e janeiro de 1942, ficarão em Santo Antão e no Mindelo. É bem curiosa a imagem do transporte dos contingentes entre o navio Colonial e o cais de desembarque, não havia cais acostável, houve que se recorrer às enormes lanchas que eram normalmente usadas nas descargas de carvão das companhias carvoeiras.

O comandante que partiu de Tomar era o Major Nicolau de Luizi, que falecerá no ano seguinte, por doença. O material usado era predominantemente constituído por: metralhadoras de origem alemã, dinamarquesa e italiana, espingardas Mauser (de origem alemã), peças antiaéreas suecas, morteiros franceses. As Forças Expedicionárias arribam no arquipélago quando este está a ser assolado por uma prolongada estiagem, uma seca mortífera que matou aqueles milhares de pessoas, ficando por classificar os que se salvaram pelo humanitarismo de militares e unidades de saúde vindas de Portugal. Houve que instalar oficiais e sargentos em casas particulares e pensões e criar abarracamentos para as praças. No meio daquele deserto árido apareceram as habitações com arruamentos onde não faltou a graça de pôr nomes tomarenses, como Rua Direita ou Rua da Calça Perra ou Rua dos Estaus e mesmo no centro do aquartelamento a Praça da República. Importa nunca esquecer que o Coronel Adriano Miranda Lima é cabo-verdiano de nascimento, mas sente-se agora medularmente tomarense.

Adriano Miranda Lima insere um conjunto apreciável de imagens com cenas do quotidiano, mostrando instalações de artilharia, as diferentes atividades militares, o tipo de relacionamento entre militares e civis, mostra episódios de aparecimento de submarinos e até mesmo temos direito a conhecer uma cena de espionagem feita a favor dos Serviços Secretos Britânicos, os radiotelegrafistas tinham intercetado interferências, veio-se a descobrir uma antena estendida no telhado de uma casa, foram detidos um comerciante e a sua mulher, encontrou-se um moderno recetor/transmissor instalado numa mala.

Como é evidente, o armamento disponível pelas Forças Expedicionárias não daria para resistir a um ataque vindo de cruzadores de batalha ou couraçados, completamente desigual o armamento utilizado pelas forças navais alemães, pelo menos até 1942. Descreve-se o plano de defesa para as diferentes unidades estabelecido pelo subsecretário de Estado Santos Costa e posto em prática pelo comando das Forças Expedicionárias. Dá-se realce ao papel desempenhado pelas transmissões e fica-se a saber que no final da guerra alguns dos radiotelegrafistas formados no Exército ficaram na corporação, mas a grande maioria foi para a Marinha Mercante Portuguesa ou para países como os EUA, o Canadá, o Reino Unido e a França.

Relevam-se efemérides, cerimónias e atividades festivas, não faltaram torneios de futebol e lembra-se que foi a comunidade inglesa de S. Vicente (pertencente às companhias carvoeiras e à exploração de Western Telegraph Company) que introduziu o futebol em S. Vicente e daqui para as outras ilhas. Lembra-se o desempenho dos profissionais de saúde, e numera-se os que faleceram por doença, caso do já referido Major Nicolau de Luizi. O autor visitou o cemitério do Mindelo onde estão campas dos seus familiares e depois dirigiu-se ao talhão militar português, junta-se imagem da homenagem feita pelos Presidentes da República e Primeiros-Ministros de Portugal em 10 de junho de 2019.

Inevitavelmente, fala-se dos anos terríveis da seca e faz-se uma citação de um vendaval na Ilha do Fogo extraída do romance de Teixeira de Sousa Ilhéu de Contenda: “Quando clareou o dia, a lestada já havia amainado. Eusébio saiu a averiguar os estragos. A verdura que na véspera cobria as achadas, os cutelos, as ribeiras, transformou-se da noite para o amanhecer num emaranhado de hastes e folhas ardidas. O milheiral que tanto prometia, as faquetas arremangadas prometendo fartura, encontravam-se agora alastrados no chão, de mistura com as cordas de abobreira e caules de feijoeiro. As árvores pareciam aves depenadas, os galhos contorcendo-se de desespero. O vento leste queimara tudo. Nada, positivamente nada, restava com o viço da véspera”.

E dá-se conta do modo como se procurava ajudar os esfaimados e os doentes e se fala do comportamento exemplar do médico Baptista de Sousa, um caso excecional de solidariedade que lhe valeu um cortejo de despedida como talvez não tivesse havido igual em Cabo Verde. Com ternura se lembra os convívios dos tomarenses a que não faltou um octogenário muito dinâmico, Francisco Lopes, o Chico da Concertina. E o autor despede-se de todos estes militares cuja memória da estadia em Cabo Verde perdurou até ao fim. Uma bela narrativa de que os tomarenses se devem orgulhar, também.

O leitor interessado encontrará um apreciável número de imagens do nosso blogue, amavelmente cedidas pelo filho do primeiro cabo Luís Henriques que tão carinhosamente aqui homenageou o seu pai.

10 de junho de 2019, Homenagem aos Militares das Forças Expedicionárias Portuguesas em Cabo Verde na Segunda Guerra Mundial, Presidentes da República de Portugal e Cabo Verde e respetivos primeiros-ministros

Peças antiaéreas em Alto Bomba, São Vicente (fotografia de 1943, publicada no blogue "Luis Graça e Camaradas da Guiné")
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Notas do editor

(*) - Vd poste de 8 DE SETEMBRO DE 2020 > Guiné 61/74 - P21336: Agenda cultural (756): "Forças Expedicionárias a Cabo Verde na II Guerra Mundial", de Adriano Miranda Lima: o livro pode ser adquirido a 12 € por exemplar, incluindo portes de correio

O livro pode ser adquirido através do email do Coronel Adriano Lima: limadri64@gmail.com

Último poste da série de 7 DE JUNHO DE 2021 > Guiné 61/74 - P22262: Notas de leitura (1360): "Impérios ao Sol, a luta pelo domínio de África”, por Lawrence James; Edições Saída de Emergência, 2018 (4) (Mário Beja Santos)

3 comentários:

Tabanca Grande Luís Graça disse...

Vd. também aqui:

11 DE SETEMBRO DE 2020
Guiné 61/74 - P21346: Notas de leitura (1306): "Forças Expedicionárias a Cabo Verde na II Guerra Mundial", livro de Adriano Miranda Lima (edição de autor, Mindelo, 2020, 241 pp.): a história escrita com paixão, memória e coração (José Martins)

https://blogueforanadaevaotres.blogspot.com/2020/09/guine-6174-p21346-notas-de-leitura-1304.html

8 de setembro de 2020 > Guiné 61/74 - P21336: Agenda cultural (728): "Forças Expedicionárias a Cabo Verde na II Guerra Mundial", de Adriano Miranda Lima: o livro pode ser adquirido a 12 € por exemplar, incluindo portes de correio.

https://blogueforanadaevaotres.blogspot.com/2020/09/guine-6174-p21336-agenda-cultural-728.html

Na altura (em 9 de setembro de 2020), escrevi:

(...) "Já li o livro, numa 1ª leitura... Mas gostava que fosse o José Martins, nosso colaborador permanente e estudioso também deste periódo da nossa história militar, a dar o pontapé de saída, em termos de "notas de leitura"... Ele tem mais distanciamento (afetivo) do que eu, que sou editor do blogue e filho de Luís Henriques (1920-2012)... e do que qualquer outro dos filhos de expedicionários, pertencentes ao nosso blogue: o Hélder Sousa, o Luís Dias, o Augusto Silva Santos, o Nelson Herbert...

Tenho a agradecer ao Adriano o exemplar, autografaado ("Ao Luís Graça, com apreço e amizade, agosto de 2020, Adriano Lima"), que me acaba de enviar pelo correio: foi muito gentil e generoso comigo, com a memória do meu pai e dos demais expedicionários, bem com o nosso blogue que lhe merece referências altamente elogiosas.

Na verdade, esta geração, já desaparecida, dos "nossos pais, nossos velhos, nossos camaradas", estes homens que defenderam as ilhas atlânticas, Madeira, Açores e Cabo Verde, durante a II Guerra Mundial, deveriam ser honrados e lembrados pela Pátria.

Na realidade, fora o nosso blogue e o Adriano Lima, o nosso país parece tê-los esquecido... Cabe-nos a nós, filhos e netos, a obrigação de os resgatar da "vala comum do esquecimento". (...)

Adriano, fiquei de fazer uma detalhada "nota de leitura" do teu livro... como bem mereces. A par do teu livro "Dr. José Baptista de Sousa: o homem, o médico e o militar: no portal da memória" (edição de autor, impressão e acabamento, Tipografia S. Vicente Lda, Alto São Nicolau, Mindelo, S. Vicente, Cabo Verde, 2019, 136 pp.)

Infelizmente, ainda não consegui cumprir o prometido. Espero não defraudar as expectativas tanto do autor como dos seus potenciais leitores... Mantenhas. Luís Graça

Anónimo disse...

Ainda não li nada sobre isto, só a publicação e comentário e fico espantado comigo mesmo!
Sabíamos das nossas guerras em África na I grande Guerra, mas não me apercebi que também fizemos algo durante a 2ª guerra, lamento esta minha falta cultural, e não tenho vergonha de o dizer. Agora já sei alguma coisa, madeira, açores, cabo verde.
Chamou.me a atenção da foto de 1943, como nasci em janeiro desse ano, deve ter sido já posterior, uma à parte meu.
Depois verifiquei as idades dos nossos pais:
O teu (1920-2012) viveu 92 anos;
O meu pai (1918-1995) não chegou aos 78 anos, a minha idade actual.
Abraços, vou ler mais qualquer coisa para me actualizar.

Virgilio Teixeira



Carlos Vinhal disse...

O meu tio Joaquim A.A., que nasceu em 1918, fez uma comissão de serviço em Moçambique, no tempo da guerra. Lembro-me de em puto ver uma foto dele tirada lá, e pensar nas aventuras que deveria ter vivido naquelas longínquas terras.
Talvez lembrando a sua experiência em África, 30 anos antes, apesar de ser "só" meu tio por afinidade, não evitou de soltar umas lágrimas quando em 1970 me despedi dele antes de embarcar para a Guiné.
Carlos Vinhal
Leça da Palmeira