Rui A. Ferreira, alf mil, CCAÇ 1420 (Fulacunda, 1965/67)... Com um chapéu "turra". Cortesia do autor. |
Senegal > Dacar > 15 de março de 1968 > PAIGC > Entrega de 3 prisioneiros de guerra, portugueses, à Cruz Vermelha do Senegal: o José Vieira Lauro, o protagonista desta história, é o segundo do grupo. O PAIGC (leia-se: Amílcar Cabral) habilmente tirou partido da situação, em termos mediáticos, propagandísticos e diplomáticos... O Lauro foi prisioneiro de guerra cerca de 30 meses, desde 10 de outubro de 1965 até 15 de março de 1968... (LG)
Fonte: Casa Comum | Instituição: Fundação Mário Soares | Pasta: 05224.000.037 | Título: Entrega pelo PAIGC de prisioneiros de guerra portugueses à Cruz Vermelha do Senegal | Assunto: Amílcar Cabral e Osvaldo Lopes da Silva por ocasião da entrega pelo PAIGC de prisioneiros de guerra portugueses à Cruz Vermelha do Senegal, em Dakar [Eduardo Dias Vieira, José Vieira Lauro e Manuel Fragata Francisco]. Data: Sexta, 15 de Março de 1968 | Fundo: DAC - Documentos Amílcar Cabral |b Tipo Documental: Fotografias (Com a devida vérnia..:)
Citação: (1968), "Entrega pelo PAIGC de prisioneiros de guerra portugueses à Cruz Vermelha do Senegal", Fundação Mário Soares / DAC - Documentos Amílcar Cabral, Disponível HTTP: http://hdl.handle.net/11002/fms_dc_44074 (2024-3-3)
Fundação Mário Soares > Casa Comum > Arquivo Amílcar Cabral > Senegal > Dacar > 15 de março de 1968 >
"[Da esquerda para a direita:] Eduardo Dias Vieira, José Vieira Lauro e Manuel Fragata Francisco, prisioneiros de guerra portugueses entregues pelo PAIGC à Cruz Vermelha do Senegal, na sede em Dakar." (Reproduzido com a devida vénia...)
Citação:
(1968), "Entrega pelo PAIGC de prisioneiros de guerra portugueses à Cruz Vermelha do Senegal", Fundação Mário Soares / DAC - Documentos Amílcar Cabral, Disponível HTTP: http://hdl.handle.net/11002/fms_dc_44076 (2020-4-5)
Citação:
(1968), "Entrega pelo PAIGC de prisioneiros de guerra portugueses à Cruz Vermelha do Senegal", Fundação Mário Soares / DAC - Documentos Amílcar Cabral, Disponível HTTP: http://hdl.handle.net/11002/fms_dc_44076 (2020-4-5)
1. Para dar início à série do "2o.º aniversário do nosso blogue: alguns dos nossos postes de sempre", nada como republicar este excerto do livro de memórias "Rumo a Fulacunda: crónicas de guerra", do nosso camarada Rui Alexandrino Ferreira (2003) (pp. 37/40) (*).
Neste seu primeiro livro, em 4 páginas notáveis (pp. 37/40) conta-nos o cruel episódio de guerra, passado no decurso da Op Lenda, em Gamol, Fulacunda, em 7 de outubro de 1965, envolvendo as CCAÇ 1420 / BCAÇ 1857 (Fulacunda, 1965/67) e CCAÇ 1423 / BCAÇ 1860 (Tite, 1965/67).
2. Comentário do editor LG:
Esta é claramente uma daquelas situações-limite, de vida ou de morte, comuns em cenários de guerra ou de catástrofe, em que o ser humano é obrigado a fazer escolhas radicais: resistir, lutar, matar, morrer... ou render-se.
Sabemos o nome de código da operação, mas falta-nos informação mais detalhada... A emboscada terá sido nesse dia. E nesse mesmo dia, à tarde, as NT terão regressado a Fulacunda... onde só então deram conta da falta de seis elementos... Pergunta-se: voltaram ao local da emboscada?...
"Rumo a Fulacunda" era o grito de guerra da CCAÇ 1420, em cujas fileiras ingressou o alf mil Rui Ferreira, em rendição individual, substituindo um camarada "desaparecido em combate" (o seu corpo nunca foi recuperado), o Vasco [Nuno de Loureiro de Sousa] Cardoso, lisboeta, mas criado em Angola, como o nosso saudoso Rui Alexandre Ferreira (Benguela, 1943-Viseu, 2022).
"Rumo a Fulacunda" foi escolhido como título para o seu primeiro livro de memórias. Rui A. Ferreira, regressado de Angola (onde fez uma terceira comissão, depois de duas na Guiné), acabou por ir viver para Viseu, em 1975, e lá morreu, na sequência de uma longa e brava luta contra uma doença degenerativa. Era ten-cor inf ref, condecorado com duas cruzes de guerra (1ª e 2ª classe), por feitos em combate.
"Rumo a Fulacunda" foi escolhido como título para o seu primeiro livro de memórias. Rui A. Ferreira, regressado de Angola (onde fez uma terceira comissão, depois de duas na Guiné), acabou por ir viver para Viseu, em 1975, e lá morreu, na sequência de uma longa e brava luta contra uma doença degenerativa. Era ten-cor inf ref, condecorado com duas cruzes de guerra (1ª e 2ª classe), por feitos em combate.
Neste seu primeiro livro, em 4 páginas notáveis (pp. 37/40) conta-nos o cruel episódio de guerra, passado no decurso da Op Lenda, em Gamol, Fulacunda, em 7 de outubro de 1965, envolvendo as CCAÇ 1420 / BCAÇ 1857 (Fulacunda, 1965/67) e CCAÇ 1423 / BCAÇ 1860 (Tite, 1965/67).
Seis militares (um oficial e cinco praças), perdem-se do grosso das NT, divididas em três colunas de progressão, na sequência de uma forte emboscada IN, no mat0, esse próprio dia, no decurso da Op Lenda.
O Rui reconstituiu, com maestria e grande tensão narrativa, as trágicas circunstâncias em que o alf mill Vasco Cardoso, à frente de um pequeno grupo de homens, perseguidos durante três dias por um numeroso grupo IN, foi o último a ser abatido.
O Rui reconstituiu, com maestria e grande tensão narrativa, as trágicas circunstâncias em que o alf mill Vasco Cardoso, à frente de um pequeno grupo de homens, perseguidos durante três dias por um numeroso grupo IN, foi o último a ser abatido.
O sexto elemento, o soldado José Vieira Lauro, rendeu-se e foi feito prisioneiro, em 10 de outubro de 1967: levado para a Guiné-Conacri, para a "Maison de Force" (Casa de Reclusão), de Kindia, será mais tarde, ao fim de penosos 30 meses, já em 15 de março de 1968, libertado, e entregue em Dacar à Cruz Vermelha do Senegal.
Foi o único do grupo que restou, para nos contar esta, que é uma das mais trágicas histórias da guerra da Guiné.
Ao reavivar esta história, queremos homenagear, mais uma vez, as vítimas mortais mas também a quem soube preservar a sua memória (o José Vieira Lauro, sobrevivente e prisioneiro, e claro o Rui A. Ferreira, que deu a essa memóra letra de forma, e que infelizmente já nos deixou também).
Os protagonistas desta histórica trágica da guerra da Guiné foram, por ordem alfabética:
- Armando dos Santos Almeida, natural de Queiriga, Vila Nova de Paiva, sold at inf, CCaç 1423 ;
- Armando Leite Marinho, natural de Jugueiros, Felgueiras, sold corneteiro, CCAÇ 1420;
- Fernando Manuel de Jesus Alves, natural de Leiria, 1.º cabo aux enf, CCaç 1423;
- José Ferreira Araújo, natural de Povolide, Viseu, sold at, CCAÇ 1423;
- José Vieira Lauro, natural de Granjal, Leiria, sold, CCAÇ 1423.
- Vasco Nuno de Loureiro de Sousa Cardoso, natural de Lisboa, alf mil, CCaç 1420.
Com exceção do José Vieira Lauro, que se rendeu aos seus perseguidores, os restantes militares morreram. Os seus corpos nunca foram recuperados.
2. Comentário do editor LG:
Esta é claramente uma daquelas situações-limite, de vida ou de morte, comuns em cenários de guerra ou de catástrofe, em que o ser humano é obrigado a fazer escolhas radicais: resistir, lutar, matar, morrer... ou render-se.
Possivelmente nenhum destes destes nossos camarada, mesmo o angolano Vasco Cardoso (embora nascido em Belém, Lisboa), estava em condições de sobreviver a este brutal acontecimento: acossados como animais, com dois cantis de água (no máximo) e uma ração de combate, possivelmente já com poucoas munições, depois de um violenta emboscada horas depois da saída do quartel (em Fulacunda), impossibilitados de dormir ou descansar, sofrendo de fome, sede, insolação e angústia permanente, desorientados, não conhecendo o terreno (nem muito menos o inimigo) estavam mal preparados para resistir, lutar, sobreviver... Para mais, eram duas unidades de quadrícula, "periquitas"...
Nenhum de nós consegue imaginar-se na pele do alf mil Vasco Cardoso, o militar mais graduado, ou dos seus camaradas que com ele se perderam do grosso das NT...
O Rui A. Ferreira diz que a operação teve início na madrugada de 7 de outubro... Confirmámos, noutro poste [sobre a atividade operacional do BCAÇ 1860] que a Op Lenda, na zona de Gamol, subsetor de Fulacunda, teve início nesse dia, e envolveu as CCaç 1420 e 1423. (**).
O Rui A. Ferreira diz que a operação teve início na madrugada de 7 de outubro... Confirmámos, noutro poste [sobre a atividade operacional do BCAÇ 1860] que a Op Lenda, na zona de Gamol, subsetor de Fulacunda, teve início nesse dia, e envolveu as CCaç 1420 e 1423. (**).
Sabemos o nome de código da operação, mas falta-nos informação mais detalhada... A emboscada terá sido nesse dia. E nesse mesmo dia, à tarde, as NT terão regressado a Fulacunda... onde só então deram conta da falta de seis elementos... Pergunta-se: voltaram ao local da emboscada?...
Parece que sim, no dia seguinte, realizou-se a Op Busca, envolvendo forças da CCaç 797, 1420 e 1423, na zonas de Gamol e Ganjetrá... Mas as buscas terão sido, segundo o Rui A. Teixeira, apressadas, incompletas e infrutíferas. Houve ainda, a 18Out65, a Op Ovo, nas zonas de Gamol, Bária e Sancorlá, com forças das CCaç 797, 1420, 1423, 1424 e CCav 677.
A agonia dos nossos camaradas ter-se-á prolongado "durante quatro longos, sacrificados, penosos e infernais dias" (sic), num trágico jogo do gato e do rato, "em manifesta desigualdade"...
A agonia dos nossos camaradas ter-se-á prolongado "durante quatro longos, sacrificados, penosos e infernais dias" (sic), num trágico jogo do gato e do rato, "em manifesta desigualdade"...
Quatro dias, quer dizer, 7, 8, 9 e 10... Tudo indica que a última morte, a do alf Vasco Cardoso, terá ocorrido a 10 de outubro de 1965, bem como a rendição do sold José Vieira Lauro.
[Segundo a reconstituição feita por uma equipa do portal UTW - Ultramar TerraWeb - Dos Veteranos da Guerra do Ultramar, a primeira baixa do grupo seria o Fernando Manuel de Jesus Alves, morto no dia 8; a segunda vítima, a 9, terá sido o José Ferreira Araújo; o Armando dos Santos Almeida, morre a 10; o Armando Leite Marinho, morre a seguir, possivelmente afogado, também no dia 10; o último a morrer, nesse dia, é o alferes Vasco Cardoso.]
Fica aqui a nossa sentida homenagem a estes camaradas, que tiveram sortes diferentes: 5 morreram (2 alegadamente por suicídio) e um acabou por render-se ao grupo do PAIGC que os perseguiu durante quatro dias (de 7 a 10 de outubro de 1965).
Ficha técnica do livro:
[Segundo a reconstituição feita por uma equipa do portal UTW - Ultramar TerraWeb - Dos Veteranos da Guerra do Ultramar, a primeira baixa do grupo seria o Fernando Manuel de Jesus Alves, morto no dia 8; a segunda vítima, a 9, terá sido o José Ferreira Araújo; o Armando dos Santos Almeida, morre a 10; o Armando Leite Marinho, morre a seguir, possivelmente afogado, também no dia 10; o último a morrer, nesse dia, é o alferes Vasco Cardoso.]
Fica aqui a nossa sentida homenagem a estes camaradas, que tiveram sortes diferentes: 5 morreram (2 alegadamente por suicídio) e um acabou por render-se ao grupo do PAIGC que os perseguiu durante quatro dias (de 7 a 10 de outubro de 1965).
Ficha técnica do livro:
Autor: Rui Alexandrino Ferreira
Título: Rumo a Fulacunda
Editora: Palimage Editores.
Local: Viseu.
Ano: 2000. [1ª ed., 2000, 2ª ed., 2003; 3ª ed., 2016].
Colecção: Imagens de Hoje.
Nº pp.: 415.
Preço: c. 20€.
Nota biográfica:
1943 - Rui Alexandrino Ferreira nasce no Lubango (antiga Sá da Bandeira), Angola
1964 - Integra o último curso de oficiais milicianos que reuniu em Mafra a juventude do Império.
1965 - Rende, na Guiné-Bissau, o alf mil Vasco Cardoso, dado como desaparecido em combate [CCAÇ 1420, Fulacunda, 1965/67].
1970 - Frequenta o curso para capitão em Mafra, seguindo em nova comissão para a Guiné-Bissau [CCAÇ 18, Aldeia Formosa/Quebo, 1970/72].
1973 - Regressa a Angola em outra comissão.
1975 - Retorna a Portugal.
1976 - Estabiliza em Viseu, onde continua a residir, é ten cor ref.
2000 - Publica, na Palimage, o seu 1º livro, Rumo a Fulacunda: crónicas de guerra (***)
2014 - Publica o seu 2º livro. Quebo: nos confins da Guiné (2014), igualmente sob a chancela da Palimage.
(...) Na madrugada do dia sete de outubro [de 1965], lá iniciaram a marcha para o objectivo, de início em bicha de pirilau, uma com a outra logo a morder-lhe os calcanhares.
À medida que o tempo ia passando e o aquartelamento ia ficando mais longe, o passo foi-se tornando mais lento, os ouvidos mais apurados, os olhos mais atentos, todos os sentidos em alerta permanente, numa concentração profunda.
Pausadamente!... Penosamente, lá iam avançando... Subitamente, com o inesperado habitual, deflagrou o tiroteio. O cantar característico das costureirinhas turras (pistolas metralhadoras PPSh) feria os ouvidos e eriçava os nervos.
Milagrosamente não houve nem mortos nem feridos a lamentar, de início. Na frente, que entretanto já havia sido, pelo capitão Pita Alves, dividida em três colunas de progressão, a que se encontrava mais à direita, onde se integrava o alferes Vasco Cardoso, diretamente visada pelo ataque, ficou, imobilizada, retida pelo fogo das armas ligeiras e metralhadoras do inimigo.
− Tomar posições de defesa! − gritou o alferes.
− Reagrupar à retaguarda! − comandava bem lá de trás o maior da 23 [a CCAÇ 1423], capitão de infantaria [e não de artilharia] Pita Alves, estratega e comandante-em-chefe da operação.
No meio da confusão que se instalou e que a diversidade das pseudo ordens, opiniões, alvitres e sugestões que se seguiram mais agravou, as colunas viram-se partidas em vários segmentos. Numa das frentes, o alferes e mais cinco homens fixados pelo intenso tiroteio turra, não conseguiam juntar-se à retaguarda ou reintegrar-se na força.
Por seu lado, ninguém ali conseguia esboçar qualquer tipo de reacção. Sufocados pelo tiroteio, desorientados, metidos cegamente na boca do lobo, impreparados para um confronto tão desigual, sem que alguém tivesse conseguido pôr ordem naquela periquitada, o grosso das companhias retirou da zona, dispersa e desordenadamente.
Os seus elementos foram chegando a Fulacunda, desfasados no tempo e em pequenos grupos isolados. Uns quantos agora..., outros tantos tempos depois..., ainda mais alguns quando já se pensava no pior.
Isolados frente aos turras, permaneciam ainda vivos os seis transviados. Batiam-se com o desespero e a raiva de quem luta pela sobrevivência.
No último dia [domingo, 10 de outubro de 1965,] em que funestamente tudo se consumou, um dos sobreviventes entrou em desespero. Não conseguindo suportar todo aquele sofrimento, toda aquela imensa pressão, no limite do controlo sobre as já pouco lúcidas faculdades mentais, em absoluta crise emocional, sem conseguir sequer imaginar uma saída redentora, só a morte se lhe afigurava como solução libertadora.
(#) Vd. também CECA - Comissão para Estudo das Campanhas de África: Resenha Histórico- Militar das Campanhas de África (1961-1974) : 6.º Volume - Aspectos da Actividade Operacional: Tomo II - Guiné - Livro 1 (1.ª edição, Lisboa, Estado Maior do Exército, 2014), pág. 324.
(...) - Sector Sul 1
Em 7 de Outubro de 1965, foi levada a efeito a operação "Lenda" por forças das CCaç 1420 e 1423, constando de um golpe de mão a um acampamento a sul de Gamol; o lN flagelou por 3 vezes as NT, sofreu 6 mortos, tendo sido capturada uma pistola metralhadora.
Na retirada, desapareceram um oficial e 5 praças. Apesar da intensa actividade desenvolvida, quer nessa zona quer nas mais prováveis linhas de trânsito ln para o sul, não foi possível recuperá-los.
Na área de Fulacunda, fizeram-se imediatamente a eguir as operações "Busca", "Ovo" e "Eco".
Em 14Dez, o BCaç 1860, através das CCaç 797 e CCaç 1420, realizou a operação "Onça", na península do Gampará. O ln opôs resistência durante o desembarque das forças da CCaç 797 em Ganquecuta; emboscou por 2 vezes as mesmas forças na região de Gambachicha, causando 3 feridos e flagelou forças da CCaç 1420, perto de Tumaná, sofrendo 5 mortos. As NT
fizeram 10 prisioneiros e capturaram 1 espingarda, 2 pistolas, 2 "longas", carregadores e outro material.
(...) Sobre as duas companhias envolvidas:
A CCAÇ 1420, mobilizada pelo RI 2, partiu para o CTIG em 31/7/1965 e regressou a 3/5/1967. Esteve em Fulacunda, Bissorã e Mansoa. Comandantes: cap inf Manuel dos Santos Caria; cap inf Humberto Amaro Vieira Nascimento; cap mil inf Adolfo Melo Coelho de Moura.
Pertenceu ao BCAÇ 1857 (Bissau, Mansoa, Mansabá, 1965/67).
A CCAÇ 1423, mobilizada pelo RI 15, partiu para o CTIG em 18/8/1965 e regressou a 3/5/1967. Esteve em Bolama, Empada e Cachil. Comandantes: cap inf Artur Pita Alves; cap inf João Augusto dos Santos Dias de Carvalho; cap cav Eurico António Sacavém da Fonseca;
Pertenceu ao BCAÇ 1858 (Bissau, Teixeira Pinto, Catió, 1965/67). (...)
Notas do editor L.G.:
(*) Vd. poste de 4 de agosto de 2007 > Guiné 63/74 - P2026: Antologia (61): Rumo a Fulacunda: uma estória que ficou por contar ou a tragédia das CCAÇ 1420 e 1423 (Rui A. Ferreira)
Vd. também poste de 17 de Novembro de 2006 > Guiné 63/74 - P1285: Bibliografia de uma guerra (14): Rumo a Fulacunda, um best seller, de Rui Alexandrino Ferreira (Luís Graça)
(... ) Comentário do nosso coeditor Virgínio Briote:
Duas imagens me saltaram. A primeira, foi a leviandade com que a ausência dos nossos Camaradas foi sentida. Quatro longos dias, abandonados. E o Batalhão na sua história, neste caso pequena acrescento eu, foge do assunto, de tão notórias lhes são devidas responsabilidades.
A outra é a História que, com base nos depoimentos do Lauro, tu contaste. Como se fosses tu o encarregado de acrescentar a História deles à história do BCaç 1860, para além dos nomes dos desaparecidos com que os escribas da hitória do Batalhão os homenageou.
E é assim, caro Rui, que a tal História, a de todos nós se vai fazendo, já que com as histórias das unidades não iríamos muito longe, se é que queremos contar a tal História com verdade.
Sim, nós sabemos que há sempre duas histórias. A oficial, escrita, e a outra feita destas Histórias, que tão bem descreveste.
Um abraço, Rui, e um obrigado por nos teres possibilitado prestar esta pequena homenagem à memória dos Nossos Camaradas desparecidos, ou mais propriamente abandonados.
vb
(***) Vd. poste de 19 de julho de 2007 > Guiné 63/74 - P1972: Prisioneiros de Conacri: Jacinto Madeira Barradas (Alter do Chão) e José Vieira Lauro (Leiria) (Benito Neves)
(...) Um outro camarada. ex-prisioneiro de Conacri foi o José Vieira Lauro, que já era prisioneiro em Conacri quando o Jacinto Barradas lá chegou (...).
Foi um dos que mais tempo esteve aprisionado e, na prisão, cabia-lhe a tarefa de distribuir a comida pelos restantes prisioneiros. Na maior parte das vezes (segundo o Jacinto Barradas) apenas era distribuído arroz porque, das poucas vezes em que a refeição trazia alguma carne de galinha, esta era roubada pelos guardas.
O José Vieira Lauro vive na região de Leiria - telef. 244 881 695; telem. 919 086 150. (...)
Vd. também poste de 18 de Julho de 2007 > Guiné 63/74 - P1967: Prisioneiros em Conacri, capa da Revista do Expresso, 29 de Novembro de 1997: o que é hoje feito deles ? (Henrique Matos)
Título: Rumo a Fulacunda
Editora: Palimage Editores.
Local: Viseu.
Ano: 2000. [1ª ed., 2000, 2ª ed., 2003; 3ª ed., 2016].
Colecção: Imagens de Hoje.
Nº pp.: 415.
Preço: c. 20€.
Nota biográfica:
1943 - Rui Alexandrino Ferreira nasce no Lubango (antiga Sá da Bandeira), Angola
1964 - Integra o último curso de oficiais milicianos que reuniu em Mafra a juventude do Império.
1965 - Rende, na Guiné-Bissau, o alf mil Vasco Cardoso, dado como desaparecido em combate [CCAÇ 1420, Fulacunda, 1965/67].
1970 - Frequenta o curso para capitão em Mafra, seguindo em nova comissão para a Guiné-Bissau [CCAÇ 18, Aldeia Formosa/Quebo, 1970/72].
1973 - Regressa a Angola em outra comissão.
1975 - Retorna a Portugal.
1976 - Estabiliza em Viseu, onde continua a residir, é ten cor ref.
2000 - Publica, na Palimage, o seu 1º livro, Rumo a Fulacunda: crónicas de guerra (***)
2014 - Publica o seu 2º livro. Quebo: nos confins da Guiné (2014), igualmente sob a chancela da Palimage.
2017 - Lança um 3º livro, A Caminho de Viseu, nas instalações do RI 14 de Viseu, e sob a mesma chancela, a Palimage.
2022 - Ano da morteGuiné > Região de Quínara > Carta de Fulacunda (1955) / Escala 1/50 mil > Posição relativa de Gamol e Ganjetrá, a oeste de Fulacunda. A norte, o rio Geba, a leste, o rio Corubal. (Em linha reta, de Fulacunda Gamol serão 6/7 km).
Infografia: Blogue Luís Graça & Camaradas da Guiné (2024)
Excerto do livro de memórias "Rumo a Fulacunda: crónicas de guerra", do nosso camarada Rui Alexandrino Ferreira (2003), pp. 37/40 (*).
(Subtítulos: L.G.; seleção, parênteses retos, itálic0o, nergritos, revisão / fixação do texto para efeitos de edição no blogue: VB / LG).
(...) Na madrugada do dia sete de outubro [de 1965], lá iniciaram a marcha para o objectivo, de início em bicha de pirilau, uma com a outra logo a morder-lhe os calcanhares.
À medida que o tempo ia passando e o aquartelamento ia ficando mais longe, o passo foi-se tornando mais lento, os ouvidos mais apurados, os olhos mais atentos, todos os sentidos em alerta permanente, numa concentração profunda.
Pausadamente!... Penosamente, lá iam avançando... Subitamente, com o inesperado habitual, deflagrou o tiroteio. O cantar característico das costureirinhas turras (pistolas metralhadoras PPSh) feria os ouvidos e eriçava os nervos.
Milagrosamente não houve nem mortos nem feridos a lamentar, de início. Na frente, que entretanto já havia sido, pelo capitão Pita Alves, dividida em três colunas de progressão, a que se encontrava mais à direita, onde se integrava o alferes Vasco Cardoso, diretamente visada pelo ataque, ficou, imobilizada, retida pelo fogo das armas ligeiras e metralhadoras do inimigo.
− Tomar posições de defesa! − gritou o alferes.
− Reagrupar à retaguarda! − comandava bem lá de trás o maior da 23 [a CCAÇ 1423], capitão de infantaria [e não de artilharia] Pita Alves, estratega e comandante-em-chefe da operação.
[Quinta-feira, 7 de outubro de 1965: ]
Seis homens isolados e perdidos na frente
No meio da confusão que se instalou e que a diversidade das pseudo ordens, opiniões, alvitres e sugestões que se seguiram mais agravou, as colunas viram-se partidas em vários segmentos. Numa das frentes, o alferes e mais cinco homens fixados pelo intenso tiroteio turra, não conseguiam juntar-se à retaguarda ou reintegrar-se na força.
Por seu lado, ninguém ali conseguia esboçar qualquer tipo de reacção. Sufocados pelo tiroteio, desorientados, metidos cegamente na boca do lobo, impreparados para um confronto tão desigual, sem que alguém tivesse conseguido pôr ordem naquela periquitada, o grosso das companhias retirou da zona, dispersa e desordenadamente.
Os seus elementos foram chegando a Fulacunda, desfasados no tempo e em pequenos grupos isolados. Uns quantos agora..., outros tantos tempos depois..., ainda mais alguns quando já se pensava no pior.
Isolados frente aos turras, permaneciam ainda vivos os seis transviados. Batiam-se com o desespero e a raiva de quem luta pela sobrevivência.
Nado e criado em África, Vasco Cardoso [alf mil, CCAÇ 1420], era dos elementos mais válidos da companhia. Habituado ao calor e à humidade, entendia-se perfeitamente com o clima e não estranhava o mato. Nele se movia, habitualmente, com o desembaraço dum lisboeta no Chiado. Apaixonado caçador como quase todo o bom africano, este era-lhe familiar. O instinto de conservação levava-o, debalde, à busca de uma qualquer solução.
Ia adiando o desastre que já pressentia, fazendo a um tempo pagar bem caro o preço da sua vida e dando oportunidade a que algo sucedesse. Poucos que eram, mantinham ainda em respeito o mais que numeroso grupo inimigo, esperançados na ajuda que certamente lhes prestaria alguma das companhias. Que nunca chegou!... Foram-se esgotando as munições. Aos poucos... Aos poucos foram entrando em desespero...
Numa tentativa suicida para inverter a situação, romperam o contacto em louca e desorientada correria. Tendo conseguido estabelecer alguma distância entre o minúsculo grupo que constituíam e o numeroso efectivo que o perseguia, a trégua de pouco lhes serviu.
E é pelo relato do Soldado José Vieira Lauro [da CCAÇ 1423], único sobrevivente daquele grupo, que se pode aquilatar a vastidão do desastre.
Perdidas as noções do tempo e das distâncias, perseguidos, acossados, encurralados, cercados, sem pausas para pensar ou tentar coordenar ideias, sem rumo e sem direcção, completamente desorientados, sem saber sequer onde estavam, na maior confusão sobre a localização do aquartelamento, indecisos para onde ou por onde progredir, durante quatro longos, sacrificados, penosos e infernais dias jogaram tragicamente ao 'gato e ao rato' em manifesta desigualdade.
Desigualdade que se foi agravando com o desenrolar do tempo e com a passagem dos dias, cada vez mais sujeitos à hostilidade dum mar verde que os envolvia, tolhia e amedrontava, cada vez mais rejeitados por uma selva que os não reconhecia e onde não tinham lugar.
Sem hipóteses de sobrevivência, facilmente referenciados dada a impossibilidade de integração ou mesmo de dissimulação no meio ambiente que os rodeava, pressionados pela perseguição feroz que o inimigo lhes movia, foram-se desgastando fisicamente e vendo definhar a pouca força moral que ainda restava.
A própria fé que um acordar redentor fizesse com que, em vez da trágica realidade, da dura e cruel situação em que se encontravam, nada mais fosse que um tremendo pesadelo, se desvaneceu.
Afastada por inverosímil e absurda essa hipótese, sem o menor sinal de ajuda, sem a mínima sombra dum apoio, sentiam que o mundo donde provinham, completamente alheado das suas fraquezas, se tinha esquecido das suas angústias e mais grave ainda já duvidava das suas existências.
Abandonados, isolados, completamente entregues a si próprios e às desventuras que o destino lhes reservara, vencidos pelo desânimo, vergados pelo infortúnio, progressivamente se quebrou a pouca resistência que sobrava.
Já só um milagre os salvaria da morte. Milagre que não aconteceu... Sustidos pelo rio que lhes barrava o caminho, encerradas assim as já poucas saídas que lhes restavam, tudo começava a consumar-se.
Uma bala mais certeira trespassou, no segundo dia [sexta-feira, 8 de outubro de 1965], um deles, provocando a primeira baixa no grupo...
O corpo para ali ficou abandonado, repasto para os bichos!...
Ia adiando o desastre que já pressentia, fazendo a um tempo pagar bem caro o preço da sua vida e dando oportunidade a que algo sucedesse. Poucos que eram, mantinham ainda em respeito o mais que numeroso grupo inimigo, esperançados na ajuda que certamente lhes prestaria alguma das companhias. Que nunca chegou!... Foram-se esgotando as munições. Aos poucos... Aos poucos foram entrando em desespero...
Numa tentativa suicida para inverter a situação, romperam o contacto em louca e desorientada correria. Tendo conseguido estabelecer alguma distância entre o minúsculo grupo que constituíam e o numeroso efectivo que o perseguia, a trégua de pouco lhes serviu.
E é pelo relato do Soldado José Vieira Lauro [da CCAÇ 1423], único sobrevivente daquele grupo, que se pode aquilatar a vastidão do desastre.
Perdidas as noções do tempo e das distâncias, perseguidos, acossados, encurralados, cercados, sem pausas para pensar ou tentar coordenar ideias, sem rumo e sem direcção, completamente desorientados, sem saber sequer onde estavam, na maior confusão sobre a localização do aquartelamento, indecisos para onde ou por onde progredir, durante quatro longos, sacrificados, penosos e infernais dias jogaram tragicamente ao 'gato e ao rato' em manifesta desigualdade.
Desigualdade que se foi agravando com o desenrolar do tempo e com a passagem dos dias, cada vez mais sujeitos à hostilidade dum mar verde que os envolvia, tolhia e amedrontava, cada vez mais rejeitados por uma selva que os não reconhecia e onde não tinham lugar.
Sem hipóteses de sobrevivência, facilmente referenciados dada a impossibilidade de integração ou mesmo de dissimulação no meio ambiente que os rodeava, pressionados pela perseguição feroz que o inimigo lhes movia, foram-se desgastando fisicamente e vendo definhar a pouca força moral que ainda restava.
[Sexta feira, 8 de outubro de 1965: ]
A primeira baixa do grupo
A própria fé que um acordar redentor fizesse com que, em vez da trágica realidade, da dura e cruel situação em que se encontravam, nada mais fosse que um tremendo pesadelo, se desvaneceu.
Afastada por inverosímil e absurda essa hipótese, sem o menor sinal de ajuda, sem a mínima sombra dum apoio, sentiam que o mundo donde provinham, completamente alheado das suas fraquezas, se tinha esquecido das suas angústias e mais grave ainda já duvidava das suas existências.
Abandonados, isolados, completamente entregues a si próprios e às desventuras que o destino lhes reservara, vencidos pelo desânimo, vergados pelo infortúnio, progressivamente se quebrou a pouca resistência que sobrava.
Já só um milagre os salvaria da morte. Milagre que não aconteceu... Sustidos pelo rio que lhes barrava o caminho, encerradas assim as já poucas saídas que lhes restavam, tudo começava a consumar-se.
Uma bala mais certeira trespassou, no segundo dia [sexta-feira, 8 de outubro de 1965], um deles, provocando a primeira baixa no grupo...
O corpo para ali ficou abandonado, repasto para os bichos!...
[Sábado, 9 de outubro de 1965: ]
A segunda baixa
Ao terceiro dia [sábado, 9 de outubro de 1965] caiu o segundo.
Mais um despojo que para ali ficou esquecido a marcar tragicamente a transitoriedade da vida. Tal como o primeiro, o seu corpo para ali ficou de qualquer maneira, insepulto.
[ Domingo. 10 de outubro de 1965:]
O desespero leva a dois suicídios
No último dia [domingo, 10 de outubro de 1965,] em que funestamente tudo se consumou, um dos sobreviventes entrou em desespero. Não conseguindo suportar todo aquele sofrimento, toda aquela imensa pressão, no limite do controlo sobre as já pouco lúcidas faculdades mentais, em absoluta crise emocional, sem conseguir sequer imaginar uma saída redentora, só a morte se lhe afigurava como solução libertadora.
Profundamente deprimido e a caminho da alienação total, pôs termo à vida e ao sofrimento, com um tiro na cabeça.
No auge do desespero e numa tentativa suicida, à partida absolutamente condenada ao fracasso, um tentou a salvação através do rio, por onde se meteu... para nunca mais ser visto.
No auge do desespero e numa tentativa suicida, à partida absolutamente condenada ao fracasso, um tentou a salvação através do rio, por onde se meteu... para nunca mais ser visto.
Jaz com certeza morto, algures... E se não teve por benção e por morte o afogamento, serviu de repasto aos crocodilos no que certamente terá sido um final dramático.
O alferes foi o último a ser abatido e o soldado Lauro, largou a arma e entregou-se…
[ Domingo. 10 de outubro de 1965:]
A morte do alferes Vasco Cardoso
e a rendição do soldado José Vieira Lauro
De nada lhe serviria o sacrifício da vida. Teve início então o longo calvário que se seguiu.
A caminhada rumo à fronteira, só atingida ao fim de vinte e dois dias de marcha, onde as canseiras, a dor e o sofrimento lhe causavam bem menor mágoa que o sentimento de culpa, o profundo abatimento e a vergonha de se sentir prisioneiro.
A caminhada rumo à fronteira, só atingida ao fim de vinte e dois dias de marcha, onde as canseiras, a dor e o sofrimento lhe causavam bem menor mágoa que o sentimento de culpa, o profundo abatimento e a vergonha de se sentir prisioneiro.
A esse angustiante estado de alma se aliava o enorme desconforto motivado pelo receio do desconhecido, agudizado pela incerteza do futuro.
Só, inacreditavelmente só, como nunca se tinha sentido, possuído por uma tristeza mais negra que a pele dos próprios captores que o conduziam, caminhava como se fosse um autómato.
Só, inacreditavelmente só, como nunca se tinha sentido, possuído por uma tristeza mais negra que a pele dos próprios captores que o conduziam, caminhava como se fosse um autómato.
Da fronteira para Conacri, o transporte em viatura, a entrevista com o próprio Amilcar Cabral, a recusa em ler para a rádio Argel, onde alguns compatriotas então brilhavam, fosse o que fosse contra Portugal, a clausura numa prisão, num antigo forte colonial francês, na cidade de Kindia, cerca de uma centena de quilómetros a nordeste de Conacri.
Aí, onde sob o enorme portão fronteiriço se podia ler "Maison de Force de Kindia", foi encontrar o 1.° sargento piloto-aviador Sousa Lobato, primeiro militar português que o PAIGC aprisionou quando, no sul da província, teve de efectuar uma aterragem de emergência numa bolanha, corria o ano de 1963.
Permaneceu em cativeiro, trinta longos meses. Foi libertado num gesto de boa-vontade, em 1968 e entregue à Cruz Vermelha Internacional que o fez chegar a Lisboa. (***)
Não esqueceu os tempos maus que por lá passou mas nunca foi alvo de procedimentos vexatórios ou de maus tratos. Era um prisioneiro de guerra, assim foi considerado e como tal tratado.
Aí, onde sob o enorme portão fronteiriço se podia ler "Maison de Force de Kindia", foi encontrar o 1.° sargento piloto-aviador Sousa Lobato, primeiro militar português que o PAIGC aprisionou quando, no sul da província, teve de efectuar uma aterragem de emergência numa bolanha, corria o ano de 1963.
Permaneceu em cativeiro, trinta longos meses. Foi libertado num gesto de boa-vontade, em 1968 e entregue à Cruz Vermelha Internacional que o fez chegar a Lisboa. (***)
Não esqueceu os tempos maus que por lá passou mas nunca foi alvo de procedimentos vexatórios ou de maus tratos. Era um prisioneiro de guerra, assim foi considerado e como tal tratado.
Nesse aspecto e unicamente reportando-me à Guiné, se alguém teve razões de queixa, não foi seguramente a tropa portuguesa.
O próprio Amílcar Cabral nunca se cansou de afirmar que a luta era contra o Regime Colonialista que então detinha o poder em Portugal e nunca contra o povo português.
Entretanto em Fulacunda, procedia-se ao rescaldo da operação. Formadas as companhias já a meio da tarde, quando se começou a recear que mais ninguém conseguisse regressar, contavam-se os efectivos.
− Seis! Faltavam seis homens! Dois da [CCAÇ] 1420 (o Alferes Vasco Cardoso e o Soldado-telefonista n.º 1020/64 Armando Leite Marinho) e quatro da [CCAÇ] 1423 (o 1.° Cabo Fernando de Jesus Alves e os Soldados José Ferreira Araújo, Armando Santos e José Vieira Lauro. (...) (#)
Entretanto em Fulacunda, procedia-se ao rescaldo da operação. Formadas as companhias já a meio da tarde, quando se começou a recear que mais ninguém conseguisse regressar, contavam-se os efectivos.
− Seis! Faltavam seis homens! Dois da [CCAÇ] 1420 (o Alferes Vasco Cardoso e o Soldado-telefonista n.º 1020/64 Armando Leite Marinho) e quatro da [CCAÇ] 1423 (o 1.° Cabo Fernando de Jesus Alves e os Soldados José Ferreira Araújo, Armando Santos e José Vieira Lauro. (...) (#)
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(...) - Sector Sul 1
Em 7 de Outubro de 1965, foi levada a efeito a operação "Lenda" por forças das CCaç 1420 e 1423, constando de um golpe de mão a um acampamento a sul de Gamol; o lN flagelou por 3 vezes as NT, sofreu 6 mortos, tendo sido capturada uma pistola metralhadora.
Na retirada, desapareceram um oficial e 5 praças. Apesar da intensa actividade desenvolvida, quer nessa zona quer nas mais prováveis linhas de trânsito ln para o sul, não foi possível recuperá-los.
Na área de Fulacunda, fizeram-se imediatamente a eguir as operações "Busca", "Ovo" e "Eco".
Em 14Dez, o BCaç 1860, através das CCaç 797 e CCaç 1420, realizou a operação "Onça", na península do Gampará. O ln opôs resistência durante o desembarque das forças da CCaç 797 em Ganquecuta; emboscou por 2 vezes as mesmas forças na região de Gambachicha, causando 3 feridos e flagelou forças da CCaç 1420, perto de Tumaná, sofrendo 5 mortos. As NT
fizeram 10 prisioneiros e capturaram 1 espingarda, 2 pistolas, 2 "longas", carregadores e outro material.
(...) Sobre as duas companhias envolvidas:
A CCAÇ 1420, mobilizada pelo RI 2, partiu para o CTIG em 31/7/1965 e regressou a 3/5/1967. Esteve em Fulacunda, Bissorã e Mansoa. Comandantes: cap inf Manuel dos Santos Caria; cap inf Humberto Amaro Vieira Nascimento; cap mil inf Adolfo Melo Coelho de Moura.
Pertenceu ao BCAÇ 1857 (Bissau, Mansoa, Mansabá, 1965/67).
A CCAÇ 1423, mobilizada pelo RI 15, partiu para o CTIG em 18/8/1965 e regressou a 3/5/1967. Esteve em Bolama, Empada e Cachil. Comandantes: cap inf Artur Pita Alves; cap inf João Augusto dos Santos Dias de Carvalho; cap cav Eurico António Sacavém da Fonseca;
Pertenceu ao BCAÇ 1858 (Bissau, Teixeira Pinto, Catió, 1965/67). (...)
______________
Notas do editor L.G.:
(*) Vd. poste de 4 de agosto de 2007 > Guiné 63/74 - P2026: Antologia (61): Rumo a Fulacunda: uma estória que ficou por contar ou a tragédia das CCAÇ 1420 e 1423 (Rui A. Ferreira)
Vd. também poste de 17 de Novembro de 2006 > Guiné 63/74 - P1285: Bibliografia de uma guerra (14): Rumo a Fulacunda, um best seller, de Rui Alexandrino Ferreira (Luís Graça)
(**) Vd. poste de 4 de fevereiro de 2008 > Guiné 63/74 - P2504: BCAÇ 1860 (1965/67), o 3º Batalhão em Tite (Santos Oliveira)
(... ) Comentário do nosso coeditor Virgínio Briote:
Rui: Ao publicar o artigo que o Santos Oliveira me enviou sobre a história do BCaç 1860, reli o que escreveste sobre o caso dos desaparecidos, que é como a história do Batalhão retrata, rapidamente, o caso.
Duas imagens me saltaram. A primeira, foi a leviandade com que a ausência dos nossos Camaradas foi sentida. Quatro longos dias, abandonados. E o Batalhão na sua história, neste caso pequena acrescento eu, foge do assunto, de tão notórias lhes são devidas responsabilidades.
A outra é a História que, com base nos depoimentos do Lauro, tu contaste. Como se fosses tu o encarregado de acrescentar a História deles à história do BCaç 1860, para além dos nomes dos desaparecidos com que os escribas da hitória do Batalhão os homenageou.
E é assim, caro Rui, que a tal História, a de todos nós se vai fazendo, já que com as histórias das unidades não iríamos muito longe, se é que queremos contar a tal História com verdade.
Sim, nós sabemos que há sempre duas histórias. A oficial, escrita, e a outra feita destas Histórias, que tão bem descreveste.
Um abraço, Rui, e um obrigado por nos teres possibilitado prestar esta pequena homenagem à memória dos Nossos Camaradas desparecidos, ou mais propriamente abandonados.
vb
(...) Um outro camarada. ex-prisioneiro de Conacri foi o José Vieira Lauro, que já era prisioneiro em Conacri quando o Jacinto Barradas lá chegou (...).
Foi um dos que mais tempo esteve aprisionado e, na prisão, cabia-lhe a tarefa de distribuir a comida pelos restantes prisioneiros. Na maior parte das vezes (segundo o Jacinto Barradas) apenas era distribuído arroz porque, das poucas vezes em que a refeição trazia alguma carne de galinha, esta era roubada pelos guardas.
O José Vieira Lauro vive na região de Leiria - telef. 244 881 695; telem. 919 086 150. (...)
Vd. também poste de 18 de Julho de 2007 > Guiné 63/74 - P1967: Prisioneiros em Conacri, capa da Revista do Expresso, 29 de Novembro de 1997: o que é hoje feito deles ? (Henrique Matos)
13 comentários:
Alguém que tenha passado, anos depois, por Fulacunda ou Tite ouviu ecos desta história ? Em geral, a nossa memória era muito curta... Os "velhinhos" não passavam estas "coisas" aos piras... Até por que não sabiam, nem queria saber do passado (... Dois ou très meses antes, é uma coisa: dpois ou très anos antes, já era muito tempo...Havia uma espécie de "limpa-memórias",k que funcionava às mil maravilhas, fazendo "reset" de tudo o que era mau à volta, mpo raio de ação do nosso setor ou subsetor...).
Jorge Pinto, tu que eras de 1972/74, tinhas alguma lembrança deste episódio ?
Não conhecia esta história e confesso que fiquei sensibilizado com a sua narrativa. A minha primeira reação foi de incredibilidade. Como teria sido possível? 2 Companhias, sofrerem uma emboscada de armas ligeiras, a que pelos vistos não reagem, e sem baixas,nem mortos nem feridos, fogem para o quartel em debandada.
Não consigo descortinar uma razão para este procedimento. Qual terá sido a causa? A zona era assim tão perigosa, com o IN a dominar toda aquela região, com uma área de 15 por 15 Km, confinada pela foz de 2 rios navegáveis?
Depois fico angustiado: Como me sentiria eu, se tivesse sido um dos que regressaram a Fulacunda, sabendo que não regressaram ao quartel 6 camaradas? Quais os sentimentos dos Comandos dessas Unidades, que não os procurando de imediato, organizam uma busca no dia seguinte, que, não os conseguindo encontrar nessa operação, desistem de os procurar?
Que sentido faz, organizarem uma busca 10 dias depois?
E tudo isto se passou relativamente próximo de Bissau, do QG.
Se as tropas sitiadas em Fulacunda, não estavam capacitadas (?) para conhecerem e controlarem a região onde se inseriam, não havia outras forças à disposição do Com.Chefe, para atuarem de imediato, por terra, pelos rios e pelo ar, para detetarem os 6 militares perdidos e acossados pelos guerrilheiros ?
Eu nada conheço do que se passava naquela região a esse tempo! Era uma região sob o domínio da guerrilha? Mas seria assim tão difícil libertar essa região do seu domínio?
O que mais me choca, é reconhecer como os soldados e os milicianos que alinhavam no mato, eram tratados, como carne para canhão,(salvo raras exceções) pelos seus superiores, Oficiais, militares profissionais, oriundos da Academia Militar, que raramente saiam da sua área de conforto, o reduto do quartel, bem protegido com abrigos e cercas de arame farpado e torre de vigia com sentinelas.
Este episódio narrado, destes 6 camaradas abandonados nas matas, perseguidos pela guerrilha e à mercê da sorte, para mim é chocante. Evidencia a desumanidade de alguns Comandantes, indignos da farda que envergavam e dos galões que ostentavam, para quem a vida dos seus subordinados pouco ou nenhum valor tinha. Era esta a perceção que tinha de alguns militares profissionais que conheci, que ainda me tornavam mais anti-militarista.
Resta-me acrescentar, que esta minha sensibilidade exacerbada, perante este caso narrado, se deve, a sentir, que algumas das "operações" que me foram ordenadas, eu e aqueles que me acompanhavam, fomos usados como carne para canhão, na cruel perspetiva de nos provocar baixas, com que, o sinistro oficial de operações, em final de comissão, agregaria ao seu miserável palmarés.
Atentamente
JLFernandes
Escrevi um longo comentário que por qualquer motivo não ficou publicado, mas não o vou repetir.
Era um manifesto de quase incredibilidade perante o que foi narrado: 2 companhias a fugirem em quase debandada para o quartel, perante uma emboscada do IN, com armas ligeiras, sem que alguém tenha sido atingido.
Era um lamento e um protesto, pelo incompreensível comportamento do Comando da Unidade Militar de Fulacunda, que deixa à sua sorte, 6 dos seus elementos, perdidos nas matas e perseguidos pela guerrilha.
Era um desabafo, pela forma como os soldados e milicianos eram tratados por alguns dos seus comandantes, estes, militares profissionais, para quem a vida dos seus subordinados tinha pouco ou nenhum valor, sendo tratados como carne para canhão. Isto, também o senti na pele e na alma.
Com Chefias destas a dirigir a guerra, como é que poderia ter outro desfecho que não o que teve?
Atentamente
JLFernandes
Fernandes, textos grandes (cerca de 4 mil caracteres) é um risco na caixa de comentários.
Basta um toque na tecla errada e lá se vai o teu trabalho de meia hora ou mais.
É preferível, mais seguro, escrever um texto aparte em formato doc ou txt... Fazes depois "copy & paste"...
É frustrante. E com o telemóvel,pior.... Às vezes recupera-se o comentário, quando há várias páginas abertas, o risco é maior...
Voltando a esta história trágica que nunca deveria ter acontecido... Vinhamos todos mal preparados, das IAO e semanas de campo a brincar às guerras, para lidar com estas situações-limite.. Do soldado ao comandante operacional...
Será que este caso faz parte "casoteca" da nossa Academia Militar? O depoimento do Lauro foi registado, escrito, discutido, publicado... ?
A ser vivo o nosso camarada deve estar com 80 anos ou mais... O Benito Neves facultou-nos o seu contacto telefónico. Vive em Leiria, é vizinho do JL Ferrandes.
Caro JLFernandes, recuperei o tal comentário que não conseguiste publicar, porque sabe-se lá como, foi parar ao SPAM. Confere.
Carlos Vinhal
Coeditor
Camaradas, "prisioneiro de guerra" ?... Bolas, não me lembro de ter ouvido sequer esse termo durante a recruta, depois na instrução de especialidade e muito menos na IAO (que já foi feita na Guiné, no subsetor Contuboel, em farda nº 3, e G3 comn balas de salva...).
Nunca me falaram disso... Nunca fui confrontado sequer com a hipótese, mesmo remota, ou simplesmente teórica, de poder a vir ser feito prisioneiro pelos "turras" ou seus apoinantes ...
E nesse caso, quais eram os meus direitos e os meus deveres ? Nunca me falaram da Convenção de Genebra relativa ao tratamento dos prisioneiros de guerra (Convenção III), aprovada para ratificação pelo Decreto-Lei n.º 42 991, de 26/05/1960, com início de entrada em vigência relativamente a Portugal, em 14/09/1961...
https://www.ministeriopublico.pt/instrumento/convencao-de-genebra-relativa-ao-tratamento-dos-prisioneiros-de-guerra-convencao-iii-0
Mas eu era militar do exército português!... Tinha obrigação de saber, a ignorância da lei não é desculpa ou alibi...
Caro camarada Carlos Vinhal, obrigado pela atenção que me dispensaste, buscando e encontrando o comentário perdido, que editaste.
Assim tivesse acontecido aos 6 camaradas perdidos nas matas de Fulacunda, em outubro de 1965. Só que não tiveram Chefes com dedicação e competência ao nível da que tu demonstras como coeditor do Blogue.
Um abraço
JLFernandes
Caro Luis Graça, costumas, e bem, recomendar o cruzamento das informações obtidas sobre os diversos assuntos, de forma a apurar a verdade dos factos.
No relato desta Op."Lenda" no livro "Rumo a Fulacunda" encontramos uma divergência do desenrolar da operação, comparando com o relatório oficial da mesma operação. exemplo:
"Pausadamente!... Penosamente, lá iam avançando... Subitamente, com o inesperado habitual, deflagrou o tiroteio. O cantar característico das costureirinhas turras (pistolas metralhadoras PPSh) feria os ouvidos e eriçava os nervos.
Milagrosamente não houve nem mortos nem feridos a lamentar, de início. Na frente, que entretanto já havia sido, pelo capitão Pita Alves, dividida em três colunas de progressão, a que se encontrava mais à direita, onde se integrava o alferes Vasco Cardoso, diretamente visada pelo ataque, ficou, imobilizada, retida pelo fogo das armas ligeiras e metralhadoras do inimigo.
− Tomar posições de defesa! − gritou o alferes.
− Reagrupar à retaguarda! − comandava bem lá de trás o maior da 23 [a CCAÇ 1423], capitão de infantaria [e não de artilharia] Pita Alves, estratega e comandante-em-chefe da operação.
[Quinta-feira, 7 de outubro de 1965: ] Seis homens isolados e perdidos na frente
No meio da confusão que se instalou e que a diversidade das pseudo ordens, opiniões, alvitres e sugestões que se seguiram mais agravou, as colunas viram-se partidas em vários segmentos. Numa das frentes, o alferes e mais cinco homens fixados pelo intenso tiroteio turra, não conseguiam juntar-se à retaguarda ou reintegrar-se na força.
Por seu lado, ninguém ali conseguia esboçar qualquer tipo de reacção. Sufocados pelo tiroteio, desorientados, metidos cegamente na boca do lobo, impreparados para um confronto tão desigual, sem que alguém tivesse conseguido pôr ordem naquela periquitada, o grosso das companhias retirou da zona, dispersa e desordenadamente."
Agora a versão oficial:
"(#) Vd. também CECA - Comissão para Estudo das Campanhas de África: Resenha Histórico- Militar das Campanhas de África (1961-1974) : 6.º Volume - Aspectos da Actividade Operacional: Tomo II - Guiné - Livro 1 (1.ª edição, Lisboa, Estado Maior do Exército, 2014), pág. 324.
(...) - Sector Sul 1
Em 7 de Outubro de 1965, foi levada a efeito a operação "Lenda" por forças das CCaç 1420 e 1423, constando de um golpe de mão a um acampamento a sul de Gamol; o lN flagelou por 3 vezes as NT, sofreu 6 mortos, tendo sido capturada uma pistola metralhadora.
Na retirada, desapareceram um oficial e 5 praças. Apesar da intensa actividade desenvolvida, quer nessa zona quer nas mais prováveis linhas de trânsito ln para o sul, não foi possível recuperá-los."
Fácil concluir que não "bate a bota com a perdigota"
E eu acredito na versão do Rui Alexandrino Ferreira, transcrita no livro "Rumo a Fulacunda".
Ele que rendeu o malogrado Alf. Mil. Vasco Cardoso, ouviu na primeira pessoa os intervenientes na operação e não tinha quaisquer motivos para apresentar uma versão que não fosse verdadeira.
Já as "versões oficiais" são suspeitas. Contam as estórias que interessam a quem as conta.
Atentamente
Abraços
JLfernandes
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