sábado, 18 de maio de 2024

Guiné 61/74 - P25538: O Cancioneiro da Nossa Guerra (20): Nemíades e bolanhíades, as "ninfas" ao estilo camoniano imaginadas pelos "Cobras" da CCAÇ 2549 (Cuntima, Nema e K3 Farim, 1969/71), do ex-cap inf Vasco Lourenço


Capa do livro de Vasco Lourenço - N6o regressso vinham todos: relato da Companhia nº 2549. Lisboa: Editorial Notícias, 1997, 103 pp.  (1ª edição, 1975) (A guerra colonial em livros, 3). (*)


1. Não
 temos muitas referências à CCAÇ 2549 (Cuntima, Nema e K3, 1969/71): apenas 15. O que se explica por uma razão: não temos nenhum representante dessa subunidade do BCAÇ 2879 (Farim, 1969/71) na nossa Tabanca Grande. O seu comandante, o então  cap inf Vasco Lourenço  (**) e uma das figuras mais conhecidas do MAF (Movimento das Forças Armadas),  tem também apens 26 referências.

Uma dos primeiros livros a sair ao 25 de Abril de 1974 com testemunhos da experiência da  guerra colonial foi justamente o "No regresso vinham todos":  o ex-cap Vasco Lourenço dá a cara, o livro tem o contributo de outros graduados:

  • alf mil Ferreira (Manuel do Carmo Ferreira)
  • alf mil Carvalho (Luís Fernando da Silva Carvalho)
  • alf mil Sampaio (João Borges Frias Sampaio)
  • fur mil Leonel
  • fur mil Paulo (Armindo Aníbal Pinto da Costa Paulo)
  • fur mil Brotas (Francisco António Brotas)
  • fur mil Mano Nunes (António Manuel Mano Nunes)

O mais representado nas 103 páginas do livro é o ex-alf mil Ferreira, de seu nome completo Manuel do Carmo Ferreira (**). E é da sua autoria,  as estrofes que a seguir se reproduzem e que são uma paródia, inspirada nos nossos "Lusíadas", do Luís de Camões. Destaque para as figuras mitológicas criadas pelo Ferreira: as "nemíadas" (referência a Nema, nos arredores de Farim) e as "bolanhíadas" (de "bolanha)... (Ou sejam: as "ninfas" de Nema e das bolanhas...) .O tom, poético-burlesco, é o de outras letras "parodiadas", em que se exaltam os "perigos" e "trabalhos esforçados" e se anseia pelo regresso a casa. 

O Ferreira é decidifdamente nortenho pelo uso da variante regional "désteis" e "fizésteis" (2º pessoa do plural do pretérito perfeito dos verbos "dar" e "fazer").


Nemíadas

Da piriquitagem afastada,
Se narra com verdades e conscicência
A vida triste desventurada
Dos heróis da paciência;
Como à força de tanta calcadela
Perdendo a malta a potência,
Fugiu de Cuntima que alto berra:
Pobre Companhia, quem te desterra ?

E vós, bolanhíadas minhas,
Que às pernas energia tirais,
Ajudai-me a preencher estas linha
Com umas verdades cruais, reais;
Deixemos de lado as queixinhas,
Sejamos connosco sicneros, leais,
Diagmos a verdade. Nada nos demove...
Falemos dos lixados da 49!!!

De Cuntima connosco veio
A má sina o esgotamento;
O trabalho não encontra freio
Ao mirarmos o novo aquartelamento,
E monumentos tão cheio,
Que as obras têm seguimento.
É operacional ? É de Engenhria )
ão, é construtora. É de Infantaria...

Do outro lado que a distância cala
Nos destinam ruinas em montão;
E vê-lo se estremece, se perde a fala,
Nos pôem em mãos um trabalhão;
E o que mais nos irrita, nos abala,
Era saber só em Cuntima a inspeção.
É mesmo de encarar este desmando:
Como é possível tão perto do comando ?

Há tanta coisa p'ra fazer
Nesta vila tão trópica, tão pacata
Que a Compnhia tem de  oferecer
Quatro diáras para arranjar a sucata,
Mas mais tarde vão verde
Os ditos que lançará a malta
- Vós,  da 49, que ajuda désteis ?
Nada tendes a dizer, nada fizesteis...

Narro agora as colunas, narro as picadas,
De uma companhia tão lixadsa
Que durantte um ano só viu emboascadas,
Sonhou vida mais regalada;
Que gramou constantes chuvasdas
E ferradelas da atroz mosquitada.
Que, matando a febre de Sitató,
Foi pilhada na bolsa de Faringó.

Meses de tragalho e esgotamento
Ficam lembrados neste papel;
De Cuntima, o reordenamento,
Em Nema, emboscando Lamel.
Que mais teremos de tormento ?
Qual será o róximo pimcel ?
Deixemos a roleta rodar,
Até quando podem as forças durar ?

Trista sina nos fazem acarretar
Não lobrigo a vida folgada:
A Companhia continua a penar,
Há sempre mais trapalhada.
Quando acabaremos de emboscar
Essa maldita carreirada ?
Estou a ver isto tantas vezes
Que penso só daqui a nove ou dez meses...

Depois de tantaas fornicadelas,
Há de vir por força a bonança,
E então firmes nas canelas
Acabará para todos a estafança;
E em copos afogaremos todas elas
Quando deixarmos esta matança.
E a caminho da nossa terra
Gritaremos: camaradas,  acabou a guerra! (***)

Alferes miliciano Ferreira (Manuel do Carmo Ferreira) (****)

(Revisão  /  fixação de texto: LG)


(Foto à esquerda: o nosso camarada Manuel do Carmo Ferreira, ainda cadete em Mafra, c. 1968; cortesia de Carlos Silva,  poste P2525)





2. Ficha de unidade  CCAÇ 2549 / BCAÇ 2879

Identificação; BCaç 2879
Unidade Mob: RI 2 - Abrantes
Cmdt: TCor Inf Manuel Agostinho Ferreira | TCor Inf António José Ribeiro | TCor Inf Carlos Frederico Lopes da Rocha Peixoto
2.° Cmdt: Maj Inf Alexandre Augusto Durão Lopes
OInfOp/Adj: Maj Inf Lourenço Calisto Aires

Cmdts Comp:
CCS: Cap SGE Manuel Landeiro | Cap Mil Art José Manuel Lopes do Nascimento
CCaç 2547: Cap Mil Art José Fernando Covas Lima de Carvalho |! Cap Mil Art João José Pires de Almeida Loureiro
CCaç 2548: Cap Mil Inf Luís Fernando da Fonseca Sobral
CCaç 2549: Cap Inf Vasco Correia Lourenço
Divisa: -
Partida: Embarque em 19ju169; desembarque em 25Jul69 | Regresso: Embarque em 26jn71

Síntese da Atividade Operacional

Em 4ago69, substituindo o COP 3, assumiu a responsabilidade do Sector O2 (Oeste Dois), novamente transferido para esta zona de acção, com a sede em Farim e abrangendo os subsectores de Cuntima, Jumbembém, Canjambari e Farim. 

Em 25abr71, foi incluída na zona de acção do sector a área do destacamento de Binta, transferida do COP 3. As suas subunidades mantiveram-se sempre integradas no dispositivo e manobra do batalhão.

Desenvolveu intensa actividade operacional, particularmente orientada para a contrapenetração nas linhas de infiltração de Lamel e Sitató, para a segurança e controlo dos itinerários, para impedir a instalação de bases inimigas na sua zona de acção e ainda para a segurança, defesa e construção de aldeamentos e promoção socioeconómica das populações.

Pelos resultados obtidos e pela acção continuada de contrapenetração, destacam-se as operações "Camélia", "Caminhos Detidos", "Barragem Contínua" e "Corvina", entre outras.

Do armamento capturado mais significativo, salienta-se: 2 canhões sem recuo, 6 metralhadoras ligeiras, 43 pistolas-metralhadoras, 25 espingardas, 3 LGFog, 660 granadas de armas pesadas e mais de 155 mil munições.

***

A CCaç 2549 seguiu em 30jul69 para Cuntima, a fim de efectuar o treino operacional e render a CCaç 1789, assumindo a responsabilidade do respectivo subsector em 4ag069 e ficando integrada no dispositivo e manobra do seu batalhão.

Em 17Ju170, por troca com a CCaç 2547, foi colocada em Farim, com um pelotão destacado em Saliquinhedim /K3, assumindo a responsabilidade do respectivo subsector e colaborando também no esforço de contrapenetração no corredor de Lamel.

Em 12jun71, foi rendida pela CArt 3358 e recolheu seguidamente a Bissau, a fim de efectuar o embarque de regresso.

Observações - Tem História da Unidade (Caixa n." 110 - 2ª Div/4ª Sec, do AHM).

Fonte: Excertos de Portugal. Estado-Maior do Exército. Comissão para o Estudo das Campanhas de África, 1961-1974 [CECA] - Resenha Histórico-Militar das Campanhas de África (1961-1974). 7.º volume: Fichas das Unidades. Tomo II: Guiné. Lisboa: 2002, pp. 127/129.

Sobre Cuntima, ver a carta de Carolina do Norte (1956), escala 1/50 mil
_____________

Notas de  leitura:


(***) Último poste da série > 17 de maio de 2024 > Guiné 61/74 - P25535: O Cancioneiro da Nossa Guerra (19): O "soneto do artilheiro" (17º Pel Art + CCAÇ 6, Bedanda, 1971/73)

9 comentários:

João Carlos Abreu dos Santos disse...

... já houve ocasião, em tempo e locais apropriados, de me pronunciar sobre a epígrafe desse livrinho escrito pelo kamarada VCL Don Melena y Pá - presidente vitalício da A25A -, cujo, além de farsas, contém iniludível mentira: no regresso vieram todos, menos um.
Carlos Gabriel Nunes, nascido em Avis, furriel miliciano atirador n/m 00609869 integrado na CCac2549/BCac2879/RI15-Tomar, no sábado 10Out1970 cometeu suicídio no aquartelamento de Farim, sendo que a versão oficial é de "tiro inopinado, acidente por outros motivos"; encontra-se inumado no cemitério paroquial da sua naturalidade, onde a sua Alma descansa em Paz.
Além da carência de rigor histórico, conviria, a bem da honestidade intelectual e da sanidade mental dos Portugueses, cessar de vez com louvaminhas a tudo quanto se diz e se escreve a propósito e/ou despropósito do 25A...

Eduardo Estrela disse...

Daqui mando um abraço fraterno aos camaradas da 2549 e 2547, que comigo palmilharam o mato e as bolanhas da zona de intervenção de Cuntima, abraço extensivo à 2548 que esteve em Junbembem. Durante o mês de Dezembro de 1970 esteve o meu grupo integrado como reforço da 2549, executando interdições no corredor de Lamel. O fur. mil. Carlos Gabriel Nunes, tinha ido substituir o fur. mil. Eduardo Biscaia, evacuado com hepatite. Efectivamente, todos os homens que integravam a 2549 à data do embarque para a Guiné regressaram.
Abraço
Eduardo Estrela

Eduardo Estrela disse...

António Biscaia e não Eduardo Biscaia.
As minhas desculpas. As

João Carlos Abreu dos Santos disse...

Sr. Eduardo Estrela, que em 1969-1971 serviu Portugal na Província Ultramarina da Guiné como furriel miliciano atirador de infantaria integrado na CCac14/CTIG,
Agradeço a particularidade do seu à-parte relativo à circunstância em que o malogrado Carlos Gabriel Nunes substituiu na CCac2549 um outro militar daquela subunidade.
Não tendo, manifestamente, v. pertencido à Unidade comandada por VCL, aqui veio na perspectiva de desmentir o que, sustentado em comprovada e indesmentível factualidade, afirmei - e reafirmo - no meu precedente comentário.
Cpts

Eduardo Estrela disse...

Como é óbvio eu não desminto absolutamente nada. Limitei-me a mencionar o facto do malogrado Carlos Gabriel Nunes ter ido substituir o António Biscaia. Todos os militares da CCaç 2549 embarcados para a Guiné em julho de 1969 regressaram.
Cumprimentos

Tabanca Grande Luís Graça disse...

Nema e não "Nerma", peço desculpa, aos nossos leitores, do erro no topónimo, que aparece no subtítulo.

João Carlos Abreu dos Santos disse...

Eduardo Francisco Cruz Estrela, decerto na sua afinada percepção deverá ter entendido o meu absoluto desinteresse em trocas-de-galhardetes e/ou rodriguinhos, consigo ou quaisquer intervenientes deste 'blog'.
No que fez, é óbvio não se ter "limitado a mencionar um facto", tão somente a lançar soez provocação, acobertada pela não despicienda circunstância de ser camarada do proprietário deste 'blog'.
A sua desconversa, com a minha pessoa, termina aqui.
Passe bem.

Eduardo Estrela disse...

Passe v. melhor

Valdemar Silva disse...

Meu caro Eduardo
As madeiras primárias utilizadas na construção de violinos, violoncelos e violas são o abeto para o tampo superior; e o bordo para o tampo inferior, as partes laterais e o braço. A estrutura é reforçada interiormente com salgueiro, e para as cravelhas e o ponto é utilizado ébano. Era com estes materiais que Antonio Stradivari construía os seus instrumentos. Especula-se sobre o tratamento que o luthier dava à madeira que utilizava; contudo, provas científicas mostram que elementos químicos como fluoreto, bórax, crómio e sais de ferro estão presentes na composição da mesma.

Abraço, saúde e boas caldeiradas.
Valdemar Queiroz