segunda-feira, 9 de setembro de 2024

Guiné 61/74 - P25925: Notas de leitura (1725): "A Guerra Colonial: realidade e ficção" (livro de actas do I Congresso Internacional), organização do professor universitário e escritor Rui de Azevedo Teixeira; Editorial Notícias, 2001, com o apoio da Universidade Aberta e do Instituto de Defesa Nacional (1) (Mário Beja Santos)


1. Mensagem do nosso camarada Mário Beja Santos (ex-Alf Mil Inf, CMDT do Pel Caç Nat 52, Missirá, Finete e Bambadinca, 1968/70), com data de 11 de Maio de 2023:

Queridos amigos,
De Rui de Azevedo Teixeira conhecia a sua tese de doutoramento intitulada "A Guerra Colonial e o Romance Português" e o seu romance "O Elogio da Dureza", ambos já referenciados no blogue, este I Congresso Internacional incluiu uma plêiade de intervenientes, tais como António Costa Pinto, John P. Cann, Álvaro Guerra, Roberto Vecchi, A. do Carmo Reis, jornalistas e cineastas reputados. Na impossibilidade de todos escutar, faz-se uma seleção de textos em função dos 10 temas escolhidos, a saber a guerra e os militares; a oposição e guerra; a natureza da guerra, consequências físicas e psicológicas da guerra; a guerra e a literatura, a guerra e o jornalismo, e a guerra e o cinema. Como observou no ato inaugural Rui de Azevedo Teixeira: "Decidimos desde o início recusar qualquer forma de segregação, fosse ela disciplinar, política ou mesmo geográfica. Acolhemos especialistas das mais diversas áreas; não impusemos qualquer controle político-ideológico. Convidámos estrangeiros, lusófonos e lusófilos. Também abrimos as portas aos mais jovens, porque é neles que o futuro da investigação sobre a temática da guerra colonial, ou do Ultramar, reside."

Um abraço do
Mário



A Guerra Colonial: realidade e ficção (livro de atas do I Congresso Internacional) (1)

Mário Beja Santos

O volume "A Guerra Colonial: realidade e ficção" (livro de atas do I Congresso Internacional), teve como organizador o professor universitário e escritor Rui de Azevedo Teixeira, Editorial Notícias, 2001, com o apoio da Universidade Aberta e do Instituto de Defesa Nacional. Participaram dezenas de comunicadores. Na altura em que foi editada, a obra era assim apresentada:
“Neste livro, que recusa a tirania da coisa política sobre a História ou a Literatura ou a insidiosa pressão do mediaticamente correto, correm textos de estudiosos da guerra e de grandes guerreiros, de portugueses e estrangeiros (lusófilos, lusófobos e lusófonos), de homens e de mulheres, de nomes consagrados e de novos investigadores da temática da Guerra Colonial ou Guerra do Ultramar. Académicos, militares, académicos militares, escritores, psiquiatras, cineastas, jornalistas, gestores e outros contribuem nesta obra para uma compreensão mais alargada e mais profunda da guerra de guerrilha que, fechando o Império, obrigou a uma definitiva mudança de paradigma da nossa História.”

Na impossibilidade de aqui se reproduzirem súmulas de todas as comunicações, iremos respigar alguns parágrafos de diferentes intervenientes. Vejamos algumas observações do professor Fernando Rosas:
“Há alguma responsabilidade concreta entre o Estado Novo e a guerra? A resposta que proponho é a seguinte: é claro que o Estado Novo foi o único regime que foi colocado perante uma situação histórica absolutamente específica, é o único regime que foi colocado perante a tarefa da descolonização e não a fez. E isto pelo simples facto de que os outros não podiam, historicamente, fazê-la porque o problema não se colocou, historicamente, nem no fim do século XIX, nem na primeira parte do século XX. E, quando ele se colocou historicamente, aquele regime não foi capaz de descolonizar, e preferiu à política da descolonização uma política que se traduziu, com efeito prático, na guerra.

Portanto, a relação específica que há entre o Estado Novo e a guerra é que ele foi o regime que, historicamente, em Portugal, foi colocado perante a tarefa de descolonizar e que não soube, não pôde, não quis – deixemos essa discussão –, e que por não o ter feito, precipitou o país numa guerra de 13 anos. Há, a meu ver, uma relação entre a guerra e aquele regime político particular. A orientação política para aquela questão, naquele momento histórico, foi fazer a guerra, enquanto, noutros países, outros regimes não a fizeram ou fizeram-na, mas encontraram uma solução política para ela e este não encontrou.

Porque é que o regime seguiu essa política e não seguiu outra?
O discurso ideológico do regime do Estado Novo em relação a África não foi sempre o mesmo. O ministro das Finanças Salazar é singularmente desinteressado da questão africana, estava dominado pela questão orçamental. O regime de Salazar, até à guerra, do ponto de vista das despesas públicas que estão calculadas, é um regime que nunca gasta com o Império, apesar da retórica imperial, mais de 4% das despesas públicas.

Digamos que é uma retórica que não tem correspondência, é um Salazar muito pouco interessado com a visão colonial. Então, quando é que muda? Muda com Armindo Monteiro, ministro das colónias, o homem que introduz o discurso imperial, a mística. Mas, atenção, é um império com cabeça e membros, é um império darwinista, é um império onde os brancos têm um papel superior aos outros. Em 1951, e com a descolonização à vista, há uma mudança de política. É que entre o império colonial de supremacia branca e o Ultramar de Minho a Timor, há uma alteração de filosofia, a filosofia é a que substitui na retórica ideológica do regime, a supremacia branca pelo luso tropicalismo.”


Retenho da intervenção de Carlos de Matos Gomes os seguintes parágrafos:
“Porque suscitou a guerra colonial nos primeiros tempos uma assinalável adesão popular?
No estado de desinformação e de férreo controlo em que a sociedade portuguesa se encontrava quando a guerra colonial começou, tudo era novidade e os propagandistas do Estado Novo lançaram, como D. Quixote, a mão à História e reescreveram-na de modo a comparar a situação de 1960 com a do século XV, quando o Infante iniciou o programa de expansão marítima. 

Diga-se que realizaram este truque com alguma eficácia, embora apenas num ponto a comparação fosse legítima: num posto de comando estava um homem, Salazar, que tal como Henrique, dito o Navegador, jamais saíra, nem estava disposto a sair de terra firme (o Infante ainda foi a Ceuta). Tudo o resto era radicalmente distinto.

Ao contrário da época do início da expansão da Europa para outros continentes, o Portugal de Salazar e dos seus ministros estava agora contra a História. Na época das Descobertas, a Europa e o mundo ocidental expandiam-se, Portugal era uma nação que dominava as técnicas mais evoluídas do tempo, da construção naval, à artilharia, da cartografia à matemática, enquanto em 1960 a Europa se retraía e Portugal era o mais atrasado país europeu em todos os domínios.
Felizmente, restou, para contrariar a insensatez, a avidez e a beata arrogância dos poderosos, o povo de que se fez a tropa.

Convocado pelos editais dos regedores das freguesias, instruída à pressa, despedido à beira Tejo com lágrimas, missas e palavras inflamadas, desembarcado nas costas de África com uniformes amarelos tão desajustados ao corpo como as armas que lhes entregaram estavam para a guerra, o povo a quem desta feita os poderosos queriam que fosse soldado (como já fora marinheiro), percebeu rapidamente que, mais uma vez, o haviam metido em maus lençóis. 

Em vez da ficção de um Império de cristandade, descobre a realidade da exploração colonial e do abandono que, na curiosa sintaxe de alguns dos seus impenitentes defensores tem sido considerada a bondade e especificidade do relacionamento dos portugueses com os outros povos.

Uma bondade tão específica que contemplava o trabalho forçado, os impostos ignominiosos e a justiça ad hoc, a deslocação obrigatória de populações, tudo assente numa hipócrita base de racismo ou de relaxe puro e simples, patente na ausência de serviços e infraestruturas, da educação à saúde, das estradas aos equipamentos básicos de recolha de água ou produção de energia.

A ficção que se desenrolou à volta da guerra promove, assim, a descoberta de duas realidades com as quais os militares portugueses para ela convocados se têm de confrontar:
- A descoberta de África, tendo de um lado o encanto do território e dos seus povos e do outro a iniquidade das relações que ali se haviam estabelecido;
- A descoberta da guerra, com os seus horrores e sacrifícios e também com os novos e fortíssimos sentimentos da camaradagem entre os guerreiros nos momentos de perigo.

Estas duas descobertas levam os soldados mobilizados a interrogar-se (mesmo que de forma pouco elaborada, ou inconsciente) sobre a justeza da sua missão. Levam também os que combateram em África a criar e a manterem uma corrente de afetos com aquele território, com aquelas gentes e com os seus companheiros de armas que se prolongou até hoje.

Atrevo-me a dizer que a ação das Forças Armadas portuguesas em África é pautada por este estado do espírito dos seus soldados. Um tipo de atuação que só um velho e causticado povo poderia impor. Uma guerra em que os soldados aguentaram em condições dificílimas a situação militar durante 13 anos, precisamente porque não procuram a decisão da batalha, nem da guerra. E são os soldados que impõem aos seus oficiais e aos seus comandantes este tipo de atuação em que a norma é evitar um empenhamento.”

Embarque para Angola, 21 de abril de 1961

(continua)

_________

Nota do editor

Último post da série de 6 de setembro de 2024 > Guiné 61/74 - P25916: Notas de leitura (1724): Factos passados na Costa da Guiné em meados do século XIX (e referidos no Boletim Official do Governo Geral de Cabo Verde, ano de 1873 e 1874) (19) (Mário Beja Santos)

8 comentários:

Anónimo disse...


Ramiro Jesus
9 set 2024 18:53

Boa-tarde, amigos e camaradas.

Peço desculpa, mas, por feitio (ou defeito), "embirro" com qualquer coisa que esteja "desalinhado".
Ora, na legenda da foto do artigo do nosso Beja Santos - a quem aproveito para agradecer, por todas as lições variadas e quase diárias que nos tem proporcionado - há uma incorreção: o Batalhão de Comandos, em Bissau, não era só dos africanos. Era o Batalhão de Comandos da Guiné, ao qual sempre pertenceram as Companhias (normalmente duas) idas da metrópole.

Um abraço!
Ramiro Jesus

Anónimo disse...

Fernando Rosas e Carlos Matos Gomes, para entendermos de que lado sopra vento.

António Graça de Abreu

João Carlos Abreu dos Santos disse...

... «Fernando Rosas e Carlos Matos Gomes, para entendermos de que lado sopra vento».
Ah, ah, ah. Boa malha, caro AGA, sempre atento!
Abraço.

João Carlos Abreu dos Santos disse...

Caro Ramiro dos Santos Jesus (fur milº cmd da 35ª),
À parte outras lérias de MBS: correcto e afirmativo.
Honra e Glória ao BCmdsG.

João Carlos Abreu dos Santos disse...

... m/título de "cartas ao director", antes de 02Mar2000 remetido ao CM: "Anticolonialistas: a Luta Continua!"
Significativamente, o título acabou adulterado por jornalixo-de-serviço: Congresso sobre a Guerra Colonial.
[segue-se m/texto, aceite 'ipis verbis' e transcrito na 2ªpg do CM da 4ªf 08Mar2000]
Através das "Breves" do passado dia 2 [Mar2000], ficaram os leitores do CM informados que o presidente socialista do Parlamento e o chefe socialista do Governo "aceitaram participar na comissão de honra do I Congresso Internacional sobre a Guerra Colonial”.
No primeiro caso, o ilustre causídico defendeu conhecidos militantes da Frelimo, tal como advogou teses várias de quem abriu e alimentou uma guerra por procuração contra Portugal. No segundo caso, o engenheiro-chefe da Internacional Socialista sabe coisa nenhuma da guerra propriamente dita e terá umas vagas noções partidárias sobre o respectivo enquadramento nacional e internacional.
Por outro lado, endereçando convite às citadas figuras magnas do regime e dando publicidade à respectiva aceitação, os organizadores do evento enquadram, de forma muito clara, o situacionismo militante em que o dito "congresso internacional” irá decorrer.
Fica assim explicada, perante o signatário, a ausência daqueles dois senhores à cerimónia de Estado, que decorreu no passado 5 de Fevereiro [de 2000] frente ao Monumento Nacional aos Combatentes do Ultramar, evocativa dos portugueses que - no cumprimento do dever - morreram durante a Guerra do Ultramar.
Abreu dos Santos [identidade completa devidamente mencionada à direcção daquele matutino].
---
Ou seja: desde muito antes de 'atas' e outras antecedentes "publicações" de RAT, basto lhe conhecia tendências...

Valdemar Silva disse...

Caro Ramiro Jesus tu é que sabes.
Provavelmente seria uma "maneira de dizer", mas era assim utilizada .
Ver P785, P780, P103, P764.
Abraço e saúde da boa
Valdemar Queiroz

João Carlos Abreu dos Santos disse...

Mário António Gonçalves Beja dos Santos, escreve uma sucessão de mentiras.
Eu, João Carlos Abreu dos Santos, desminto-o: categoricamente!
A solução de Luís Manuel da Graça Henriques, não podendo tecnicamente impedir-me de comentar nesse blogue de sua propriedade, é, simplesmente, eliminar selectivamente quanto acima escrevi.
Precavidamente, tal como o faço desde há muitas décadas, em tudo que publico, 'ipso facto' à publicação nesse p25925, registei-o 'verbatum' e arquivei para memória futura.
Uma vez mais, quase sem surpresa, verifico a falsa "qualidade democrática" desse blogue!
Não me darei ao trabalho de repetir - tudo" -, que às 11:55 de hoje 11Set2024 aí deixei escrito.
V., Luís Manuel da Graça Henriques, é, comprovadamente, um aldrabão.
Logo a seguir à publicação deste meu protesto, também o irei registar: 'verbatum'e arquivar para memória futura.

Anónimo disse...

Ramiro Jesus sobe este assunto vai ler
https://guerracolonial.pt/1972-negar-uma-solucao-politica-para-a-guerra/guine-a-forca-africana/
Narciso Ferreira